You are on page 1of 42
DOUTRINA NEOCONSTITUCIONALISMO E CONSTITUCIONALIZACAO DO DIREITO (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Luis ROBERTO Barroso" ? Introdugao — Parte 1. Neoconstitucionalismo e transformagées do direito constitucional contemporaneo — 1. Marco histérico — I. Mar- co filoséfico — II1. Marco teérico — 1. A forga normativa da Consti- tuigdo — 2. A expansdo da jurisdigdo constitucional — 3. A nova interpretagdo constitucional — Parte II. A constitucionalizagdo do Direito — 1. Generalidades — Il. Origem e evolucdo do fenémeno — IIL. A constitucionalizagao do Direito no Brasil — 1. O direito infra- constitucional na Constituiggo — 2. A constitucionalizagdo do direito infraconstitucional — 3. Constitucionalizagdo do Direito e seus meca- nismos de atuagdo pratica — 1V. Alguns aspectos da constitucionali- za¢ao do Direito — 1. Direito civil — 2. Direito administrative — 3. Direito penal — 4. Direito processual e outros ramos — V. Constitu- cionalizagdo e judicializagdo das relagdes sociais. Conclusdo 1 Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ. Mestre em Direito pela Yale Law School Doutor livre-docente pela UERJ. 2 Este trabalho foi escrito, em sua maior parte, durante minha estada na Universidade de San Francisco (USFCA). Sou grato a Jack Garvey pelo convite e por ter tornado a vida mais facil durante minha estada por 1d. Sou igualmente grato a Nelson Diz, Ana Paula de Barcellos e Claudio Pereira de Souza Neto por haverem lido os originais ¢ formulado criticas ¢ sugestdes valiosas, bem como a Eduardo Mendonga, Teresa Melo ¢ Danielle Lins pela ajuda inestimavel na pesquisa ¢ na reviso do texto. R. Dir. Adm., Rio de Janciro, 240: 1-42, Abr./Jun. 2005 INTRODUGAO “Chega de agdo. Queremos promessas” Anénimo Assim protestava 0 grafite, ainda em tinta fresca, inscrito no muro de uma cidade, no coragao do mundo ocidental. A espirituosa inversio da légica natural di conta de uma das marcas dessa geragio: a velocidade da transformagao, a profusio de idéias, a multiplicagdo das novidades. Vivemos a perplexidade e a angtistia da aceleragao da vida. Os tempos nao andam propicios para doutrinas, mas para men- sagens de consumo rapido. Para jingles, e nfo para sinfonias. O Direito vive uma grave crise existencial. Nao consegue entregar os dois produtos que fizeram sua reputagdo ao longo dos séculos. De fato, a injustiga passeia pelas ruas com passos firmes* a inseguranga € a caracteristica da nossa era‘ Na afligdo dessa hora, imerso nos acontecimentos, nao pode o intérprete bene- ficiar-se do distanciamento crftico em relagio ao fendmeno que lhe cabe analisar. Ao contrério, precisa operar em meio A fumaga e a espuma. Talvez esta seja uma boa explicagio para o recurso recorrente aos prefixes pds € neo: pés-modernidade, pos-positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-se que veio depois e que tem a pretensiio de ser novo. Mas ainda nfo se sabe bem 0 que é. Tudo € ainda incerto. Pode ser avango. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus. O artigo que se segue procura estudar as causas ¢ os efeitos das transformagdes ocorridas no direito constitucional contemporaneo, langando sobre elas uma visio Positiva e construtiva. Procura-se oferecer consolo e esperanga. Alguém dira que parece um texto de auto-ajuda. Nao adianta: ninguém escapa do seu proprio tempo. Parte I NEOCONSTITUCIONALISMO E TRANSFORMAGOES DO DIREITO CONSTITUCIONAL CONTEMPORANEO Nos trés t6picos que se seguem, empreende-se 0 esforgo de reconstituir, de maneira objetiva, a trajet6ria percorrida pelo direito constitucional nas dltimas dé- cadas, na Europa e no Brasil, levando em conta trés marcos fundamentais: 0 histérico, © tedrico € o filoséfico. Neles estio contidas as idéias e as mudangas de paradigma que mobilizaram a doutrina e a jurisprudéncia nesse periodo, criando uma nova percepgao da Constituigdo e de seu papel na interpretagao jurfdica em geral. 3. Bertold Brecht, Elogio da dialética. In: Antologia poética, |977. 4 John Kenneth Galbraith, A era da incerteza, 1984. I. Marco hist6rico O marco histérico do novo direito constitucional, na Europa continental, foi o constitucionalismo do pés-guerra, especialmente na Alemanha e na Italia. No Brasil, foi a Constituigdo de 1988 e o processo de redemocratizagdo que ela ajudou a protagonizar. A seguir, breve exposigdo sobre cada um desses processos. A reconstitucionalizagaio da Europa, imediatamente apés a 2*. Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituigdo ¢ a influéncia do direito constitucional sobre as instituigdes contemporaneas. A aproxi- magio das idéias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organizagio politica, que atende por nomes diversos: Estado democratico de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democratico. Seria mau investimento de tempo e energia especular sobre sutilezas semnticas na matéria. A principal referéncia no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Constituicao alema>), de 1949, e, especialmente, a criagio. do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daf teve inicio uma fecunda produgio teérica e jurisprudencial, responsdvel pela ascensao cientifica do direito constitucional no ambito dos paises de tradi¢o romano-germanica. A segunda referéncia de destaque é a da Constituigao da Itdlia, de 1947, e a subseqiiente instalagio da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemo- cratizagio e a reconstitucionalizagio de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agre- garam valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional. No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente, no ambiente de reconstitucionalizagio do pafs, por ocasiio da discussio pré: convocagio, elaboragio e promulgagio da Constituigao de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsio com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituigao foi capaz de promover, de maneira bem-sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritério, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democratico de direito. Mais que isso: a Carta de 1988 tem propiciado o mais longo periodo de estabi- lidade institucional da histéria republicana do pafs. E nao foram tempos banais. Ao longo da sua vigéncia, destituiu-se por impeachment um Presidente da Republica, houve um grave escandalo envolvendo a Comissio de Orcamento da Camara dos Deputados, foram afastados Senadores importantes no esquema de poder da Repti- blica, foi eleito um Presidente de oposigao e do Partido dos Trabalhadores, surgiram. dentincias estridentes envolvendo esquemas de financiamento eleitoral e de vanta- gens para parlamentares, em meio a outros episddios. Em nenhum desses eventos 5 AConstituigdo alema, promulgada em 1949, tem a designacao origindria de“ Lei Fundamental”, que sublinhava seu caréter provisdrio, concebida que foi para uma fase de transigao. A Constituigao definitiva sé deveria ser ratificada depois que o pais recuperasse a unidade. Em 31 de agosto de 1990 foi assinado 0 Tratado de Unificagdo, que regulou a adestio da Reptiblica Democratica Alem (RDA) a Repiblica Federal da Alemanha (RFA). Ap6s a unificagio ndo foi promulgada nova Constituigdo. Desde 0 dia 3 de outubro de 1990 a Lei Fundamental vigora em toda a Alemanha. houve a cogitagdo de qualquer solugiio que nao fosse o respeito 4 legalidade cons- titucional. Nessa matéria, percorremos em pouco tempo todos os ciclos do atraso®. Sob a Constituigao de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desim- portancia ao apogeu em menos de uma geracio. Uma Constituigdo nao é s6 técnica Tem de haver, por tris dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar © imagindrio das pessoas para novos avangos. O surgimento de um sentimenro constitucional no Pais é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda timido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. E um grande progresso. Superamos a crénica indiferenga que, historicamente, se manteve em relacdo 4 Constituigao. E, para os que sabem, a indiferenga, nao o édio, o contrério do amor. Il. Marco filosdfico O marco filos6fico do novo direito constitucional é 0 pés-positivismo. O debate acerca de sua caracterizagdo situa-se na confluéncia das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para 0 Direito: o jusnaturalismo e 0 positivismo. Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. A quadra atual € assinalada pela superagdo — ou, talvez, sublimagzio — dos modelos puros por um conjunto difuso e abrangente de idéias, agrupadas sob o rétulo genérico de pés-po- sitivismo, O jusnaturalismo moderno, desenvolvido a partir do século XVI, aproximou a lei da razio e transformou-se na filosofia natural do Direito. Fundado na crenga em princfpios de justiga universalmente validos, foi o combustivel das revolugdes libe- raise chegou ao apogeu com as Constituigées escritas e as codificagdes. Considerado metafisico ¢ anticientifico, o direito natural foi cmpurrado para a margem da histéria pela ascensio do positivismo juridico, no final do século XIX. Em busca de objeti- vidade cientffica, 0 positivismo equiparou o Direito & lei, afastou-o da filosofia e de discussdes como legitimidade e justiga e dominou o pensamento juridico da primeira metade do século XX. Sua decadéncia é emblematicamente associada a derrota do fascismo na Itdlia e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbarie sob a protegtio da legalidade. Ao fim da 2*, Guerra, a ética e os valores comegam a retornar ao Direito’. A superagdo histérica do jusnaturalismo e 0 fracasso politico do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexdes acerca do Direito. sua fungéo social ¢ sua interpretagio. O pés-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas nao despreza o dircito posto; procura empreender uma leitura © V. Luis Roberto Barroso, Doze anos da Constituigao brasileira de 1988: uma breve e acidentada histéria de sucesso. In: Temas de direito constitucional, t. 1, 2002. 7 Para um estudo mais aprofundado do tema, com referencias bibliogrificas. v. Luis Roberto Barroso, Fundamentos tedricos ¢ filoséficos do novo direito constitucional brasileiro. In: Temas de direito constimcional, t. IM. moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafisicas. A interpretagéo aplicagdo do ordenamento juridico ho de ser inspiradas por uma teoria de justiga, mas nfo podem comportar Voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogéneas que procuram abrigo neste paradigma em construgao incluem-se a atribuigio de normatividade aos princfpios e a definigdo de suas relagdes com valores e regras; a reabilitag’o da razao pratica e da argumen- tagiio jurfdica; a formagao de uma nova hermenéutica constitucional; e o desenvol- vimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximagao entre 0 Direito 2a filosofia. M11. Marco teérico No plano teérico, trés grandes transformagées subverteram o conhecimento convencional relativamente a aplicagao do direito constitucional: a) o reconhecimen- to de forga normativa 4 Constituigdo; b) a expansio da jurisdigdo constitucional; ve) o desenvolvimento de uma nova dogmatica da interpretagio constitucional. A seguir, a analise sucinta de cada uma delas. 1. A forca normativa da Constituigao Uma das grandes mudangas de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuigdo & norma constitucional do starus de norma jurfdica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Consti- tuigdo era vista como um documento essencialmente politico, um convite @ atuagao dos Poderes Publics. A concretizagio de suas propostas ficava invariavelmente condicionada a liberdade de conformagio do legislador ou a discricionariedade do administrador. Ao Judicidrio nado se reconhecia qualquer papel relevante na realiza- gio do contetido da Constituigao. Com a reconstitucionalizagado que sobreveio 4 2°, Guerra Mundial, este quadro comegou a ser alterado. Inicialmente na Alemanha* e, com maior retardo, na Itdlia’. E, bem mais 4 frente, em Portugal’ e na Espanha''. Atualmente, passou a ser & Trabalho seminal nessa matéria é 0 de Konrad Hesse, La fuerza normativa de la Constitucién. In: Escritos de derecho constitucional, 1983. O texto, no original alemio, correspondente & sua aula inaugural na cdtedra da Universidade de Freiburg, € de 1959. Hd uma versio em lingua portuguesa: A forga normasiva da Constimigdo, 1991. trad. Gilmar Ferreira Mendes, 9 V. Ricardo Guastini, La “constitucionalizacién” del ordenamiento juridico, In: Miguel Carbon- nel, Neaconstitucionalismo(s). 2003. 10. V. J.J.Gomes Canotitho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituigdo, 1991, p. 43 e ss. 11 Sobre a questo em perspectiva geral ¢ sobre 0 caso especifico espanhol, vejam-se, respectiva- mente, dois trabalhos preciosos de Eduardo Garcia de Enterrfa: La Constitucidn como norma y el Tribunal Constitucional, 1991; € La constitucién espaitola de 1978 como pacto social y como norma juridica, 2003. premissa do estudo da Constituigio © reconhecimento de sua forga normativa, do caréter vinculativo e obrigatério de suas disposigdes. Vale dizer: as normas consti- tucionais sdo dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas juridicas. e sua inobservancia ha de deflagrar os mecanismos prdprios de coagao, de cumpri- mento forgado. A propésito, cabe registrar que 0 desenvolvimento doutrinario ¢ jurisprudencial na matéria no eliminou as tensdes inevitiveis que se formam entre as pretensdes de normatividade do constituinte, de um lado, e, de outro lado, as circunstancias da realidade fatica e as eventuais resisténcias do status quo. © debate acerca da forga normativa da Constituigao s6 chegou ao Brasil, de maneira consistente, ao longo da década de 80, tendo enfrentado as resisténcias previsiveis'?, Além das complexidades inerentes 4 concretizagao de qualquer ordem juridica, padecia o pafs de patologias crénicas, ligadas ao autoritarismo e & insince- Tidade constitucional (v. infra). Nao € surpresa, portanto, que as Constituigées tivessem sido, até entio, repositérios de promessas vagas e de exortagdes ao legis- lador infraconstitucional, sem aplicabilidade direta ¢ imediata. Coube 4 Constituigdo de 1988. bem como 8 doutrina e a jurisprudéncia que se produziram a partir de sua promulgagio, o mérito elevado de romper com a posig&o mais retrégrada. 2. A expansdo da jurisdig&o constitucional Antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da concepgio francesa da lei como expresso da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe n3o apenas novas constituigdes, mas também um novo modelo, inspirado pela experiéncia americana: o da suprema- cia da Constituigio. A formula envolvia a constitucionalizagao dos direitos funda- mentais, que ficavam imunizados em relagdo ao processo politico majoritario: sua protectio passava a caber ao Judicidrio. Imimeros paises europeus vieram a adotar um modelo préprio de controle de constitucionalidadé, associado A criagao de tribu- nais constitucionais. Assim se passou, inicialmente, na Alemanha (1951) € na Italia (1956), como assinalado. A partir dai, o modelo de tribunais constitucionais se irradiou por toda a Europa continental. A tendéncia prosseguiu com Chipre (1960) ¢ Turquia (1961). No fluxo da democratizagio ocorrida na década de 70, foram instituidos tribunais constitucionais na Grécia (1975), na Espanha (1978) e em Portugal (1982). E também 12 Lufs Roberto Barroso, A cfetividade das normas constitucionais: por que ndo uma Constituigdo para valer?, In; Anais do Congresso Nacional de Procuradores de Estado, 1986; € tb. A fora normativa da Constiuicéo: Blementos para a efetividade das normas constitucionais, 1987, tese de livre-dovéncia apresentada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. publicada sob o titulo O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 1990 (data da |*, edigio). Na década de 60, em outro contexto ¢ movido por preocupagées distintas, José Afonso da Silva escreveu sua célebre tese Aplicabilidade das normas constitucionais, \968 na Bélgica (1984). Nos tiltimos anos do século XX, foram criadas cortes constitu- cionais em paises do leste europeu, como Poldnia (1986), Hungria (1990), Russia (1991), Reptiblica Tcheca (1992), Roménia (1992), Reptiblica Eslovaca (1992) e Eslovénia (1993). O mesmo se passou em pafses africanos, como Argélia (1989), Africa do Sul (1996) e Mocambique (2003). Atualmente na Europa, além do Reino Unido, somente a Holanda e Luxemburgo ainda mantém o padrao de supremacia parlamentar, sem adogdo de qualquer modalidade de judicial review, O caso francés sera objeto de mengdo a parte. No Brasil, 0 controle de constitucionalidade existe, em molde incidental, desde a primeira Constituigao republicana, de 1891. A denominada agio genérica (ou, atualmente, agao direta), destinada ao controle por via principal — abstrato e con- centrado —, foi introduzida pela Emenda Constitucional n° 16, de 1965. Nada obstante, a jurisdi¢do constitucional expandiu-se, verdadeiramente, a partir da Cons- tituigdo de 1988. A causa determinante foi a ampliagio do direito de propositura!. A ela somou-se a criagiio de novos mecanismos de controle concentrado, como a ago declaratéria de constitucionalidade'’ e a regulamentag’io da arguiyao de des- cumprimento de preceito fundamental'®. No sistema constitucional brasileiro, o Supremo Tribunal Federal pode exercer © controle de constitucionalidade (i) em agdes de sua competéncia origindria (CF, art. 102, 1), (ii) por via de recurso extraordindrio (CF, art. 102, HI) e (iii) em processos objetivos, nos quais se veiculam as ages diretas'®. De 1988 até abril de 2005 j4 haviam sido ajuizadas 3.469 agoes diretas de inconstitucionalidade (ADIn), 9 agdes declaratérias de constitucionalidade e 69 argiligées de descumprimento de preceito fundamental. Para conter 0 némero implausivel de recursos extraordinarios inter- postos para o Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucionat n° 45. que pro- cedeu a diversas modificagSes na disciplina do Poder Judicidrio, criou a figura da 13 Desde a sua criagio até a configuragio que the foi dada pela Constituigao de 1969, 0 direito de propositura da “representagio de inconstituctonalidade” era monopétio do Procurador-Geral da Repablica. A Constituigdo de 1988 rompeu com esta hegemonia, prevendo um expressive elenco de legitimados ativos no seu art. 103, 4 Introduzida pela Emenda Constitucional n° 3, de 1993. V. ainda, Lei n? 9.868, de 10.11.1999. 1s V. Lei n° 9.882, de 3.12.99. Antes da lei, prevalecia o entendimento de que o mecanismo nio era aplicavel 16 As ages diretas no direito constitucional brasileiro sao a agdo direta de inconstitucionalidade (art. 102, |, a), a agdo dectaratéria de constitucionalidads (arts. 102, I, a.¢ 103, § 4°) & a agao direta de inconstitucionalidade por omissio (art, 103. § 2°). Ha, ainda, duas hipéteses especiais de controle concentrado: a argliga0 de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1°) € a agdo direta interventiva (art. 36, III), Sobre o tema do controle de constitucionalidade no direito brasileiro, v. dentre muitos: Gilmar Ferreira Mendes, Controte de constitucionatidade, 1990; Clémerson Mterin Cleve, A fiscalizagdo abstrata de constitucionatidade no direito brasileiro, 2000; Ronakdo Poletti, Controle da constiucionalidade das leis, 2001; Lénio Luiz Steck, Jurisdigo constisucional e hermenéutica, 2002; Zeno Velloso, Controle jurisdicional de constitucionalidade, 2003; ¢ Luis Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2004. repercussdo geral da questao constitucional discutida, como requisito de admissibi- lidade do recurso’, 3. A nova interpretagdo constitucional A interpretag’o constitucional é uma modalidade de interpretagdo juridica. Tal circunstancia é uma decorréncia natural da forga normativa da Constituigao. isto do reconhecimento de que as normas constitucionais sao normas juridicas, compar- tilhando de seus atributos. Porque assim é, aplicam-se & interpretagio constitucional os elementos tradicionais de interpretagao do Direito, de longa data definidos como © gramatical, 0 histérico, o sistematico e 0 telcolégico. Cabe anotar, neste passo, para adiante voltar-se ao tema, que os critérios tradicionais de solugiio de eventuais conflitos normativos so o hierdrquico (lei superior prevalece sobre a inferior), 0 temporal (lei posterior prevalece sobre a anterior) e o especial (Jei especial prevalece sobre a geral). Sem prejuizo do que se vem de afirmar, o fato € que as especificidades das normas constitucionais (v. supra) levaram a doutrina e a jurisprudéncia, ja de muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um elenco préprio de principios aplicaveis & interpretagdo constitucional. Tais principios, de natureza instrumental, ¢ ndo mate- rial, sio pressupostos légicos, metodolégicos ou finalisticos da aplicagio das normas constitucionais. Sio eles, na ordenagdo que se afigura mais adequada para as cit- cunstincias brasileiras: o da supremacia da Constituig%io, 0 da presungio de consti- tucionalidade das normas e atos do Poder Ptiblico, o da interpretagao conforme a Constituigio, o da unidade, 0 da razoabilidade e o da efetividade!®. Antes de prosseguir, cumpre fazer uma adverténcia: a interpretagao juridica tradicional nao est derrotada ou superada como um todo. Pelo contrario, é no seu Ambito que continua a ser resolvida boa parte das quest6es juridicas, provavelmente a maioria delas, Sucede, todavia, que os operadores jurfdicos e os teéricos do Direito se deram conta, nos dltimos tempos, de uma situagao de caréncia: as categorias tradicionais da interpretagao juridica nao so inteiramente ajustadas para a solugio de um conjunto de problemas ligados a realizagdo da vontade constitucional. A partir dai deflagrou-se 0 processo de elaboragao doutrinaria de novos conceitos e catego- rias, agrupados sob a denominagio de nova interpretacao constitucional, que se utiliza de um arsenal tedrico diversificado, em um verdadeiro sincretismo metodo- légico'®. Procede-se, a seguir, a uma breve comparagdo entre os dois modelos. 17 A EC n° 45/2004 introduziu o § 3° do art. 102, com a seguinte dicgdo: “§ 3°. No recurso extraordindrio 0 recorrente deverd demonstrar a repercussio geral das questdcs constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que Tribunal examine a admissio do recurso, somente podendo recusé-lo pela manifestagio de dois tergos de seus membros 18 V. Luis Roberto Barroso, Interpretacdo ¢ aplicacéo da Constituigao, 2003. 19 No caso brasileiro, como no de outros pafses de constitucionalizago recente, doutrina ¢ juris- prudéncia ainda se encontram em fase de elaboragtio ¢ amadurecimento, fato que potencializa a 8 A interpretagdo jurfdica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premis- sas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a cla oferecer, no scu relato abstrato, a solugao para os problemas juridicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identi- ficar, no ordenamento jurfdico, a norma aplicdvel ao problema a ser resolvido, revelando a solugdo nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas esti integralmente no sistema juridico e o intérprete desempenha uma fungao técnica de conhecimento, de formulagao de juizos de fato. No modelo convencional, as normas sao percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas. aplicdveis mediante subsungio”. Com o avango do direito constitucional, as premissas ideolégicas sobre as quais se erigiu 0 sistema de interpretagdo tradicional deixaram de ser integralmente sal fatorias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solugao dos problemas jurfdicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes s6 € possivel produzir a resposta constitucionalmente adequada & luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, jd nao Ihe caberdé apenas uma fungiio de conhecimento técnico. voltado para revelar a solugao contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-partici- pante do processo de criagdo do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valoragdes de sentido para as cldusulas abertas ¢ ao realizar escolhas entre solug6es possiveis. Estas transformagées noticiadas acima, tanto em relagdo 4 norma quanto ao intérprete, sio ilustradas de maneira eloqiiente pelas diferentes categorias com as quais trabalha a nova interpretagao. Dentre elas incluem-se as cléusulas gerais, os principios, as colisOes de normas constitucionais, a ponderagio e a argumentagio. Abaixo uma breve nota sobre cada uma delas. As denominadas cldusulas gerais ou conceitos juridicos indeterminados contém termos ou expresses de textura aberta, dotados de plasticidade, que fornecem um inicio de significagao a ser complementado pelo intérprete, levando em conta as circunstancias do caso concreto. A norma em abstrato nao contém integralmente os elementos de sua aplicagiio. Ao lidar com locugées como ordem publica, interesse social € boa-fé, dentre outras, o intérprete precisa fazer a valoragéo de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fatica, de modo a definir 0 sentido e o alcance da norma. Como a solug3o nao se encontra integralmente no enunciado importincia das referéncias estrangeiras. Esta é uma circunstancia hist6rica com a qual precisamos lidar, evitando dois extremos indesejaveis: a subservigncia intelectual, que implica na importagio acritica de formulas alheias e, pior que tudo. a incapacidade de reflexao propria: e a soberba intelectual, pela qual se rejeita aquilo que ndo se tem. Nesse ambiente, no ¢ possivel utilizar modelos puros, concebidos alhures. ¢ se esforgar para viver a vida dos outros. O sincretismo — desde que consciente ¢ coerente — resulta sendo inevitavel e desejavel. Em visio aparenterente diversa, v. Virgilio Afonso da Silva, Intepretagio constivucianal e sincretismo metodolégico. In: Virgilio Afonso da Silva (org.), Interpretacdo constitucional, 2005. 20 Identificada a norma aplicdvel, procede-sc ao enquadramento do fato no relato da regra juridica, pronunciando-se a conclusio. Um raciocinio, portanto, de natureza silogistica, no qual a norma é a premissa maior, o fato relevante é a premissa menor e a conclusdo é a sentenca, normativo, sua fungio nao poderd limitar-se a revelagdo do que 1d se contém; ele terd de ir além, integrando 0 comando normativo com a sua prépria avaliagio?!. O reconhecimento de normatividade aos princfpios e sua distingio qualitativa em relagio as regras € um dos simbolos do pés-positivismo (v. supra). Principios nao sao, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas especi- ficas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins publicos a serem realizados por diferentes meios. A definigao do contetido de clausulas como dignidade da pessoa humana, razoabilidade, solidariedade e eficiéncia também trans- fere para o intérprete uma dose importante de discricionariedade. Como se percebe claramente, a menor densidade juridica de tais normas impede que delas se extraia, no seu relato abstrato, a solugio completa das questées sobre as quais incidem. Também aqui, portanto, impdc-se a atuagao do intérprete na definigio conereta de seu sentido e alcance’ A existéncia de colisdes de normas constitucionais, tanto as de princ{pios como as de direitos fundamentais”’, passou a ser percebida como um fenémeno natural — até porque inevitavel — no constitucionalismo contemporineo. As Constituigées modernas sao documentos dialéticos, que consagram bens juridivos que se contra- poem. Ha choques potenciais entre a promogdo do desenvolvimento e a protecio ambiental, entre a livre-iniciativa € a protegao do consumidor. No plano dos direitos fundameniais, a liberdade religiosa de um individuo pode conflitar-se com ade outro, © direito de privacidade e a liberdade de expressio vivem em tensio continua, a liberdade de reunidio de alguns pode interferir com o direito de ir e vir dos demais**. 21 As cldusulas gerais no siio uma categoria nova no Direito — de longa data elas integram a técnica legislativa — nem sio privativas do dircito constitucional — podem ser encontradas no direito civil, no direito administrativo e em outros dominios. Nao obstante, elas siio um bom exemplo de como o intérprete € co-participante do processo de criagiio do Direito. Um exemplo real. amplamente divulgado pela imprensa: quando da morte da cantora Cassia Eller, disputaram a posse © guarda do seu filho. & época com cinco anos. o avé materno ¢ a companheira da artista. O crité fornecido pela Constituigao ¢ pela legislagio a0 juiz era o de atender ao “melhor interesse do menor”. Sem o exame dos elementos do caso concreto ¢ sua adequada valoragdo. nao era possivel sequer iniciar a solugiio do problema. 22 Tome-se, como exemplo, o prinefpio da dignidade da pessoa humana e veja-se a divergéncia quanto & sua interpretagiio, manifestada por dois juristas da nova geragio, criados no mesmo ambiente académico. Ana Paula de Barcellos situa 0 minimo existencial no ambito da dignidade humana e dele extrai os direitos 4 educagio fundamental, a sade bésica, a assisténcia no caso de necessidade ¢ a0 acesso A justiga (A eficdcia juridica dos principios constitucionais: O principio da dignidade da pessoa humana, 2002, p. 305). Dessa posigio diverge Daniel Sarmento, por entender inadequada a escolha de algumas prestagdes sociais, com exclusio de outras que, a seu ver, s0 igualmente direitos fundamentais, como o direito a ~ sauide curativa” (Direitos fundamentats ¢ relagdes privadas, 2004, p. 114) 28 Note-se que ha direitos fundamentais que assumem a forma de princ{pios (liberdade, igualdade) € outros a de regras (irretroatividade da lei penal, amerioridade tributiria). Ademais, hd principios que nao sao direitos fundamentais (livre-iniciativa). 24. Sobre o tema das restrigdes aos direitos fundamentais, v. Jane Reis Gongalves Pereira, Direitos fundamentais € interpretagdéo constitucional: Uma contribuigdo ao estudo das restrigées aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos principios, 2004, tese de doutoramento apre- 10 Quando duas normas de igual hierarquia colidem em abstrato, é intuitivo que nao possam fornecer, pelo seu relato, a solugao do problema. Nestes casos, a atuagio do intérprete criard 0 Direito aplicavel ao caso concreto. A existéncia de colisGes de normas constitucionais leva 4 necessidade de pon- derago*. A subsungdo, por ébvio, ndo é capaz de resolver o problema, por ndo ser possivel enquadrar 0 mesmo fato em normas antagénicas. Tampouco podem ser liteis os critérios tradicionais de solugéo de conflitos normatives — hierdrquico, cronolégico e da especializagao — quando a colisdo se dé entre disposicées da Constituigdo origindria. Neste cendrio, a ponderagdo de normas, bens ou valores (v. infra) € a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fara concessées reciprocas, procurando preservar 0 maximo possivel de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) proceder4 4 escolha do direito que ird prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é 0 principio instrumental da razoabilidade. Chega-se, por fim, & argumentagao”®. & razdo pratica, ao controle da raciona- lidade das decisées proferidas, mediante ponderagdo, nos casos dificeis, que sio aqueles que comportam mais de uma solugdo possfvel e razodvel. As decisées que envolvem a atividade criativa do juiz potencializam o dever de fundamentagio, por nao estarem inteiramente legitimadas pela logica da separagdo de Poderes — por esta ultima, 0 juiz limita-se a aplicar, no caso concreto, a decisio abstrata tomada pelo legislador. Para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretagao nessas situagdes, o intérprete dever4, em meio a outras consideracées: (i) reconduzi-la sempre ao sistema juridico, a uma norma constitucional ou legal que Ihe sirva de fundamento — a legitimidade de uma decisao judicial decorre de sua vinculagdo a uma deliberag4o majoritaria, seja do constituinte ou do legislador; (ii) utilizar-se de um fundamento jurfdico que possa ser generalizado aos casos equipardveis, que tenha pretenso de universalidade: decisées judiciais nao devem ser casuisticas; (iii) levar em conta as conseqiiéncias praticas que sua decisdo produzira no mundo dos fatos’. Em suma: 0 neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepgao aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformagées ocorridas no Estado € no dircito constitucional, em meio as quais podem ser assinalados. (i) como sentada ao programa de Pés-graduagio em Direito Pablico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ 25 Ronald Dworkin, Taking rights seriously. 1997; Robert Alexy: Teoria de los derechos funda- mentales, 1997, Daniel Sarmento. A ponderagio de interesses na Constituigdo Federal, 2000. 26 Sobre o tema, v. Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, Tratado da argumentagdo: A nova retérica, 1996 (1°, edigao do original Traité de l'argumentation: La nowvelle rhétorique, 1958); Robert Alexy, Teoria de la argumentacién juridica, 1989 (1°. edigdo do original Theorie der juristischen Argumentation, 1978): Manuel Atienza, As razdes do direito. Teorias da argumentagaio jurtdica, 2002; Margarida Maria Lacombe Camargo, Hermenéutica e argumentagéo, 2003; Antonio Carlos Cavalcanti Maia, Notas sobre direito, argumentagdo e democracia. In: Margarida Maria Lacombe Camargo (org.), 1988-1998: uma década de Constituigdo, 1999. 27 Sobre o tema, v. Ana Paula de Barcellos, Ponderacdo, racionalidade e atividade judicial, 2005. V. th. Neil Maccormick, Legal reasoning and legal theory, 1978. marco histérico, a formagéo do Estado constitucional de direito, cuja consolidagao se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosdfico, 0 p6s-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximagio entre Direito e ética; ¢ (iii) como marco tedrico, 0 conjunto de mudangas que incluem a forga normativa da Constituigdo, a expansio da jurisdigdo constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmitica da interpretagdo constitucional. Desse conjunto de fenédmenos resultou um processo extenso e profundo de constituciona- lizagdo do Direito Parte A CONSTITUCIONALIZACAO DO DIREITO 1. Generalidades A locuciio constitucionalizagdo do Direito é de uso relativameme recente na terminologia juridica e, além disso, comporta miltiplos sentidos. Por ela se poderia pretender caracterizar, por exemplo, qualquer ordenamento jurfdico no qual vigo- rasse uma Constituigéo dotada de supremacia. Como este é um trago comum de grande ntimero de sistemas jurfdicos contemporaneos, faltaria especificidade a ex- pressio. Nao é, portanto, nesse sentido que esté aqui empregada. Poderia ela servir para identificar, ademais, 0 fato de a Constituigdo formal incorporar em seu texto intimeros temas afetos aos ramos infraconstitucionais do Direito. Trata-se de fend- meno iniciado, de certa forma, com a Constituigdo portuguesa de 1976, continuado pela Constituigtio espanhola de 1978 e levado ao extremo pela Constituigao brasileira de 1988. Embora esta seja uma situagao dotada de caracteristicas proprias, nao é dela, tampouco, que se estaré cuidando’®, A idéia de constitucionalizagdo do Direito aqui explorada esta associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo contetido material e axioldgico se irradia, com forga normativa, por todo © sistema juridico”’, Os valores, os fins 28 Embora nio se possa negar que a presenga, na Constituigdo, de normas cujo contetido pertence 4 outros ramos do Direito (civil, administrativo, penal) influencie a interpretagio do direito infra- constitucional correspondente. Votar-se-4 a0 ponto mais & frente. 29 Alguns autores tém utilizado os termos impregnar ¢ impregnagdo, que em portugués, no entanto, podem assumir uma conotagao depreciativa. V. Louis Favoreu — notivel divulgador do direito constitucional na Franga, falecido em 2004 —, La constitutionnalization du droit, In: Bertrand Mathieu e Miche! Verpeaux, La constintionnalisation des branches du droit, 1998, p. 191: ” Quer-se designar aqui, principalmente, a constitucionalizagio dos direitos e liberdades, que conduz a uma impregnagio dos diferentes ramos do direito, ao mesmo tempo que levam a sua transformagio”. E, também, Ricardo Guastini, La “constitucionalizacién” del ordenamiento juridico: El caso ita- iano, In; Miguel Carbonne!, Neoconstiucionatismo(s), 2003, p. 49: “Por *constitucionalizacién del ordenamiento juridico” propongo entender um proceso de transformacién de um ordenamiento al término del qual el ordenamiento en cuesti6n resulta totalmente ‘impregnado’ por las normas 12 ptiblicos e os comportamentos contemplados nos principios e regras da Constituigao passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infracons- titucional. Como intuitivo, a constitucionalizagao repercute sobre a atuagao dos trés Poderes, inclusive e notadamente nas suas relagdes com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relagées entre particulares. Veja-se como este processo, combinado com outras no¢gées tradicionais, interfere com as esferas acima referidas. Relativamente ao Legislative, a constitucionalizagio (i) limita sua discriciona- riedade ou liberdade de conformagao na elaboragao das leis em geral ¢ (ii) impde-Ihe determinados deveres de atuagao para realizagao de direitos e programas constitu- cionais. No tocante & Administragdo Piiblica, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuagao, ainda (iii) fornece funda- mento de validade para a pratica de atos de aplicagiio direta e imediata da Consti- tuigdo, independentemente da interposi¢ae do legislador ordindrio. Quanto ao Poder Judiciério, (i) serve de parametro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ago direta), bem como (ii) condiciona a interpre- tagio de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares, estabelece limitagdes 4 sua autonomia da vontade, em dominios como a liberdade de contratar ou 0 uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais. H. Origem e evolucao do fendmeno O estudo que se vem empreendendo até aqui relata a evolugio do direito constitucional na Europa e no Brasil ao longo das ultimas décadas. Este processo, que passa pelos marcos hist6ricos, filosdficos e tedricos acima expostos, conduz ao momento atual, cujo traco distintivo € a constitucionalizagao do Direito. A aproxi- magao entre constitucionalismo e democracia, a forga normativa da Constituigao e a difusdo da jurisdigao constituciona! foram ritos de passagem para o modelo atual™”. O leitor atento j4 tera se dado conta. no entanto. de que a seqiiéncia histérica percorrida e as referéncias doutrinarias destacadas no sao validas para trés expe- constitucionales. Un ordenamiento juridico constitucionalizado se earacteriza por una Constitucién extremamente invasora, entrometida (pervasiva, invadente), capaz de condicionar tanto la legisla- cién como fa jurisprudencia y el estilo doctrinal, la accién de los actores politicos, asi como las relaciones sociales” 30 Alguns autores procuraram elaborar um catilogo de condigdes para a constitucionalizagao do Direito. E 0 caso de Ricardo Guastini, La “constitucionalizacién” de] ordenamuento juridico: El caso italiano. In: Miguel Carbonnel, Neoconstitucionalismo(s), 2003, p. 50 ¢ ss.. que inclui entre elas: (i) uma Constituig3o rigida; (ii) a garantia jurisdicional da Constituigao; (iii) a forga vinculante da Constituigao; (iv) a “sobreinterpretagio™ da Constituigdo (sua interpretagio exiensiva, com 0 reconhecimento de normas implicitas); (v) a aplicagio direta das normas constitucionais: (vi) a interpretagdo das leis conforme a Constituigdo; (vii) a influgncia da Constituigdo sobre as relagdes politicas. 3 ri€ncias constitucionais marcantes: as do Reino Unido, dos Estados Unidos ¢ da Franga. O caso francés serd analisado um pouco mais a frente. Um breve comentario € pertinente sobre os outros dois. No tocante ao Reino Unido, os conceitos nao se aplicam. Embora tenha sido 0 Estado precursor do modelo liberal, com limitagdo do poder absoluto e afirmagio do rule of the law, falta-lhe uma Constituigio escrita e rigida, que é um dos pressu- postos, como © nome sugere, da constitucionalizagiio do Direito. Poder-se-ia argu- mentar, € certo, que hd entre os britanicos uma Constituigéo histérica e que ela é, inclusive, mais rigida que boa parte das Cartas escritas do mundo. Ou reconhecer o fato de que 0 Parlamento inglés adotou, em 1998, o “Human Rights Act”, incorpo- rando ao direito interno a Convengio Européia de Direitos Humanos*'. Mas mesmo que se concedesse a esses argumentos, nao seria possivel superar um outro: a inexisténcia do controle de constitucionalidade e, mais propriamente, de uma ju digdo constitucional no sistema inglés”. No modelo britnico vigora a supremacia do Parlamento, € nao da Constituigio. Ja quanto aos Estados Unidos, a situagdo é exatamente oposta. Bergo do cons- titucionalismo escrito e do controle de constitucionalidade, a Constituigéo americana — a mesma desde 1787 — teve, desde a primeira hora, 0 cardter de documento juridico, passivel de aplicagao direta e imediata pelo Judicidrio. De fato, a normati- vidade ampla e a judicializagdo das questées constitucionais tém base doutrindria em O Federalista e precedente jurisprudencial firmado desde 1803, quando do julgamento do caso Marbury v. Madison pela Suprema Corte. Por esta raziio, a interpretagio de todo o dir posto a luz da Constituigdo é caracteristica histérica da experiéncia americana, e nao singularidade contempordnea®*. O grande debate 31 A nova lei somente entrou em vigor em 2000, 32 A propdsito, ¢ em desenvolvimento de certo modo surpreendente, deve ser registrada a apro- vagiio do Constitutional Reform Act, de 2005, que previu a criagdo de uma Suprema Corte (In: www opsi. gov. uk/acts/acts2005/20050004.htm, visitado em 8 ago. 2005). Assinale-se a curiosidade de, nao existindo uma Constituigao escrita, ter sido aprovado, ndo obstante, um ato que a reforma, 33, Veja-se, a este propésito, exemplificativamente, a jurisprudéncia que se produziu em matéria de processual penal, pela submissiio do common law dos Estados aos principios constitu- cionais. Em Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961, considerou-se ilegitima a busca e apreensio feita sem mandado, como exigido pela 4’, Emenda, Em Gideon v, Wainwright, 372 U.S. 335, 1963, entendeu-se que a 6*. emenda assegurava a todos 0s acusados em processo criminal 0 direito a um advogado. Em Miranda v. Arizona, 384 U.S. 436, 1966, impds-se & autoridade policial, na abor- dagem de um suspeito, que comunique a ele que a) tem o direito de permanecer calado: b) tudo que disser poder e serd usado contra ele; c) tem direito a consultar-se com um advogado antes de depor ¢ que este poderd estar presente ao interrogatério; d) caso nao tenha condigdes financeiras para ter um advogado, um poderd ser-Ihe designado. V. Kermit L, Hall. The Oxford guide to United States Supreme Court decisions. 1999; Paul C. Bartholomew ¢ Joseph F. Menez, Summaries of leading casey on the Constitution, 1980; Duane Lockard © Walter F. Murphy, Basic cuses in constitutional law, 1992, Para uma andlise objetiva e informativa sobre este ¢ outros aspectos, em lingua portuguesa, v. José Alfredo de Oliveira Baracho Jtinior, Interpretagdio dos direitos funda- mentais na Suprema Corte dos EUA ¢ no Supremo Tribunal Federal. In: José Adércio Leite Sampaio, Jurisdigdo constitucional e direitos fundamentais, 2003. 4 doutrinério nos Estados Unidos é acerca da legitimidade e dos limites da atuagao do Judiciario na aplicagdo de valores substantivos e no reconhecimento de direitos fundamentais que nao se encontrem expressos na Constituigio (v. infra). HA razo4vel consenso de que o marco inicial do processo de constitucionalizagao do Direito foi estabelecido na Alemanha. Ali, sob o regime da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrindrios que j4 vinham de mais longe, 0 Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais, além de sua dimensao subjetiva de protegdo de situagdes individuais, desempenham uma outra fungao: a de instituir uma ordem objetiva de valores“. O sistema juridico deve proteger determinados direitos e valores, nao apenas pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas, mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfagdo. Tais normas constitucionais condicionam a interpretagao de todos os ramos do Direito, publico ou privado, e vinculam os Poderes estatais. O primeiro grande precedente na matéria foi 0 caso Lith", julgado em 15 de janeiro de 1958", 34 Sobre a questo da dimensio objetiva dos direitos fundamentais na literatura em lingua portu- guesa, v. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituigdy portuguesa de 1976, 2001. p. 149, Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionali- dade, 1998, p. 214. € Daniel Sarmento, Direitos fundamentais ¢ relagdes privadas, 2004, p. 371. 35 Os fatos subjacentes eram os seguintes. Erich Lith, presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, incitava ao boicote de um filme dirigido por Veit Harlan, cincasta que havia sido ligado a0 regime nazista no passado. A produtora ¢ a distribuidora do filme obtiveram, na jurisdigdo ordindria, decistio determinando a cessagao de tal conduta, por considerd-la em violagdo do § 826 do Cédigo Civil (BGB) (Quem, de forma atentatéria aos bons costumes, infligir dano a outrem, esté obrigado a reparar os danos causados” ). O Tribunal Constitucional Federal reformou a decisio, em nome do direito fundamental a liberdade de expressio, que deveria pautar a intepretaglo do Codigo Civil. 36 BvefGE 7. 198, Tradugio livre e editada da versio da decisio publicada em Iiirgen Schwabe. Cincuenta afos de jurisprudencia del Tribunal Constitucional Federal alemdn, 2003, p. 132-37. “Os direitos fundamentais sao antes de tudo direitos de defesa do cidado contra o Estado; sem ‘embargo, nas disposigées de direitos fundamentais da Lei Fundamental se incorpora também uma ordem objetiva de valores, que como decisio constitucional fundamental € valida para todas as esferas do direito, (...) Esse sistema de valores — que encontra seu ponto central no seio da comunidade social, no livre desenvolvimento da personalidade ¢ na dignidade da pessoa humana... — oferece diregao ¢ impulso para o legislativo, a administragao ¢ o judicidrio, projetando-se, também, sobre o direito civil. Nenhuma disposigao de direito civil pode estar em contradigio com ele, devendo todas ser interpretadas de acordo com seu espfrito, (...) A expresso de uma opiniio, que contém um chamado para um boicote, no viola necessariamente os bons costumes, no sentido do § 826 do Cédigo Civil. Pode estar justificada constitucionalmente pela liberdade de opiniao, ponderadas todas as circunstancias do caso”. Esta decisio € comentada por intimeros autores nacionais, dentre os quais: Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais ¢ controle de constitucionatidade, 1998, p. 220-2, onde descreve brevemente outros dois casos: “ Blinkfer” e “Wallraff”; Daniel Sarmento, Direitos fundamentais € relacées privadas, 2004, p. 141 € s8.; Jane Reis Gongalves Pereira, Direitos fundamentais e interpretagao constitucional: Uma contribuigdo ao estudo das restrigdes aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos principios. p. 416 ¢ ss.: ¢ Wilson Steinmetz, A vinculagdo dos particulares a direitos fundamenuais, 2004, p. 105 e ss. 41S A partir daf, baseando-se no catdélogo de direitos fundamentais da Constituigio alema, o Tribunal Constitucional promoveu uma verdadeira “ revolugao de idéias”*7, especialmente no direito civil. De fato, ao longo dos anos subseqiientes, a Corte invalidou dispositivos do BGB, impés a interpretagao de suas normas de acordo com a Constituigao e determinou a elaboragdo de novas leis. Assim, por exemplo, para atender ao principio da igualdade entre homens e mulheres, foram introduzidas mudangas legislativas em matéria de regime matrimonial, direitos dos ex-conjuges apos 0 divércio, poder familiar, nome de familia ¢ direito internacional privado. De igual sorte, o principio da igualdade entre os filhos legitimos e naturais provocou reformas no direito de filiagdo**. De parte isso, foram proferidos julgamentos inte- ressantes em temas como uniées homossexuais (homoafetivas)® e direito dos con- tratos”®. Na Italia, a Constituigdo entrou em vigor em 1° de janeiro de 1948. O processo de constitucionalizagaio do Direito, todavia, iniciou-se apenas na década de 60, consumando-se nos anos 70. Relembre-se que a Corte Constitucional italiana so- mente veio a sc instalar em 1956. Antes disso, 0 controle de constitucionalidade foi exercido, por forga da disposigao constitucional transitéria VII, pela jurisdigio ordinaria, que nao Ihe deu vitalidade. Pelo contrario, remonta a esse periodo a formulacao, pela Corte de Cassagio, da disting’o entre normas preceptivas, de carater vinculante e aplicdveis pelos tribunais, ¢ normas de principio ou programdticas. 37 Sabine Corneloup, Table ronde: Le cas de I’ Alemagne. In: Michel Verpeaux, Code civil ¢ constitution(s), 2005, p. 85 38 Sabine Cormeloup, Table ronde: Le cas de l’Alemagne. In: Michel Verpeaux, Code civil ¢ constinurion(s), 2005, p. 87-8, com identificagao de cada uma das leis. A jurisprudéncia referida na sequéncia do pardgrafo foi localizada a partir de referéncias contidas nesse texto. 39 Em um primeiro momento, em nome do principio da igualdade, uma lei de 16 de fevereiro de 200! disciplinou as unides homossexuais, pondo fim A discriminagdo existente, Em um segundo momento, esta lei foi objeto de argiligio de inconstitucionalidade, sob 0 fundamento de que afrontaria o art. 6°, | da Lei Fundamental, pelo qual “o casamento ¢ a familia sio colocades sob protegio particular do Estado”, ao legitimar um outro tipo de instituigio de direito de familia, paralelo ao casamento heterosexual. A Corte no acolheu 0 argumento, assentando que a nova lei nem impedia 0 casamento tradicional nem conferia & uniao homossexual qualquer privilégio em relagao 4 uniao convencional (1 ByF 1/01, de 17 jul. 2002, com votos dissidentes dus juizes Papier ¢ Hass, v. sitio www.bverfg.de. visitado em 4 ago. 2005). 40 Um contrato de fianga prestada pela filha, em favor do pai, tendo por objeto quantia muitas vezes superior a sua capacidade financeira foi considerado nulo por ser contrario a moral (Byerf{GE 1. 89, p. 214, apud Sabine Comnetoup, Table ronde: Le eas de I’Alemagne. In: Michel Verpeaux, Code civil ¢ constitution(s). 2005, p. 90); um pacto nupcial no qual a mulher, gravida, renunciow alimentos em nome proprio € em nome da crianca foi considerado nulo, por nao poder prevalecer a liberdade contratual quando hé dominagao de uma parte sobre a outra (1 BVR 12/92, de 6 fev. 2001, undnime, v. sitio www.bverfg.de, visitado em 4 ago. 2005); um pacto sucessério que impunha 20 filho mais velho do imperador Guilherme II o dever de se casar com uma mulher que preenchesse determinadas condigdes ali impostas foi considerado nulo por violar a liberdade de casamento (1 BvR 2248/01, de 22 mar. 2004, undnime, v. sitio www.bverfg.de visitado em 4 ago. 2005), 16 dirigidas apenas ao legislador e nao aplicaveis diretamente pelo Judicidrio. Assim, pelos nove primeiros anos de vigéncia, a Constituigdo e os direitos fundamentais nela previstos n&o repercutiram sobre a aplicagdo do direito ordinario*!. Somente com a instalagio da Corte Constitucional — e, alids, desde a sua primeira decisaéo — as normas constitucionais de direitos fundamentais passaram a ser diretamente aplicdveis, sem intermediagiio do legislador. A Corte desenvolveu um conjunto de técnicas de decisio”, tendo enfrentado, durante os primeiros anos de sua atuagiio, a arraigada resisténcia das instdncias ordindrias e, especialmente, da Corte de Cassagiio, dando lugar a uma disputa referida, em certa época, como “ guerra das cortes”*, A exemplo do ocorrido na Alemanha, a influéncia da constituciona- lizagdo do Direito e da prépria Corte Constitucional se manifestou em decisdes de inconstitucionalidade, em convocagées 4 atuagao do legislador e na reinterpretagio das normas intraconstitucionais em vigor. De 1956 a 2003, a Corte Constitucional proferiu 349 decisdes em questoes constitucionais envolvendo 0 Cédigo Civil, das quais 54 declararam a inconstituciona- lidade de dispositivos seus, em decisdes da seguinte natureza: 8 de invalidagio, 12 interpretativas e 34 aditivas™ (sobre as caracterfsticas de cada uma delas, v. nota ao pardgrafo anterior). Foram proferidos julgados em temas que incluiram adultério“’. uso 41 Sobre o tema, v. Vezio Crisafulli, La Costituzione ¢ le sue disposizione di principio. 1952; José Afonso da Silva, Aplicabilidade das norms constitucionais, 1968; Ricardo Guastini, La "consti- tucionalizacién” del ordenamiento juridico: El caso italiano. In: Miguel Carbonnel, Neoconstitu- cionalismo(s), 2003; ¢ Therry Di Manno, Code Civil e Constituion en Italie. In: Michel Verpeaux (org.), Code Civil e Constintion(s), 2005. 42 Algém das decisdes declaratérias de inconstitucionalidade, a Corte utiliza diferentes técnic: que incluem: 1) decisdes interpretativas, que correspondem a interpretagio conforme a Const 40, podendo ser (a) com recusa da arguigio de inconstitucionalidade, mas atirmagio da interpre- tagdo compativel ou (b) com aceitagdo da arguigio de inconstitucionalidade, com declaragio de inconstitucionalidade da interpretagdo que vinha sendo praticada pela jurisdigio ordindria, em ambos os casos permanecendo em vigor a disposigio atacada; 2) decisdes manipuladoras, nas quais se di a aceitugiio da argiligdo de inconstitucionalidade e, além da declaragio de invalidade do dispositivo, a Corte vai além, proferindo (a) sentenca aditiva, estendendo a norma a situagio nela no contemplada, quando a omissio importar em violagio ao principio da igualdade: ¢ b) sentenga substitutiva, pela qual a Corte nio apenas declara a inconstitucionalidade de determinada norma, como também introduz no sistema, mediante declaragio prépria, uma norma novi. Sobre o tema, v. Ricardo Guastini, La “constitucionalizacién” del ordenamiento juridico: El caso italiano. In Miguel Carbonnel, Neoconstitucionalismo(s), 2003, p. 63-7 43. Thierry Di Manno, Table ronde: Le eas de I'Italie. In: Michel Verpeuux, Code civil ¢ consti: tion(s), 2005, p. 107 44 Thierry Di Manno, Table ronde: Le cas de I" Italie. tion(s), 2005, p. 103. 43 Sentenca 127/1968, j. 16 dez. 1968, Rel. Bonifiicio, v. sitio www.cortecostituzionsile.it, visitado em 4 ago. 2005. A Corte invalidou 0 artigo do Cédigo Civil (art. 151, 2) que tratava de maneira diferente o adultério do marido ¢ o da mulher. O da mulher sempre seria causa para separagio, ao passo que o do homem somente em caso de “injéria grave & mulher”. : Michel Verpeaux, Code civil ¢ constitu- 17 do nome do marido“ e direitos sucessérios de filhos ilegitimos*’, em meio a outros. No plano legislativo, sob influéncia da Corte Constitucional, foram aprovadas, ao longo dos anos, modificagdes profundas no direito de familia, inclusive em relagdo ao divorcio, no direito & adogio € no direito do trabalho. Estas alteragdes, levadas a efeito por leis especiais, provocaram a denominada “descodificagao” do direito civil’. Na Franga, o processo de constitucionalizagao do Direito teve infcio muito mais tarde e ainda vive uma fase de afirmagZo. A Constituigdo de 1958, como se sabe, no previu o controle de constitucionalidade, quer no modelo europeu, quer no americano, tendo optado por uma férmula diferenciada: a do controle prévio, exer- cido pelo Conselho Constitucional em relagao a algumas leis, antes de entrarem em vigor. De modo que nao ha no sistema francés, a rigor técnico, uma verdadeira jurisdigdo constitucional. Nao obstante, alguns avangos significativos e constantes vém ocorrendo, a comegar pela decisio de 16 de julho de 19715”. A ela seguiu-se a 46 Sentenga 128/1970. j. 24 jun. 1970, Rel. Mortati, v, sitio www.cortecostituzionale it, visitado em 4 ago. 2005 A Corte proferiu sentenga aditiva para permitir 4 mulher retirar 0 nome do marido aps a separagio (ocorrida por culpa do marido), 0 que nio era previsto pelo art. 156 do Cédigo Civil 47 Senfenga 55/1979. j. 15 jun. 1979, Rel. Amadei, v. sitio www cortecostituzionale.it, visitado em 4 ago. 2003. A Corte declarou a inconstitucionalidade do art. 565 do Cédigo Civil, na parte em que excluia do beneficio da sucessio legitima os filhos naturais reconhecidos. 48 N. Inti, L'etd della decodificzione, 1989. V., tb., Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil. 1997, pS. 49 Na sua concepgio original, o Conselho Constitucional destinava-se, sobretudo, a preservar as competéncias de um Executivo forte contra as invasdes do Parlamento. Suas funges principais eram trés: a) 0 controle dos regimentos de cada uma das cdmaras (Assembléia Nacional e Senado), para impedir que se investissem de poderes que a Constituigdo nao Ihes atribui, como ocorrido na Ill ¢ na LY Repiblicas: b) o papel de “ justiga cleitoral”, relativamente as eleigdes presidenciais, parlamentares ¢ 20s referendos; c) a delimitacio do dominio da lei, velando pela adequada repartigao entre as competéncias legislativas e regulamentares. Esta dltima fungdo se exercia em trés situagdes: a do art. 41, relacionada & invasio pela lei parlamentar de competéncia propria do governo; a do art. 61, alinea 2, que permitia ao primeiro-ministro provocar 0 controle acerca da inconstituciona- lidade de uma lei, apds sua aprovagao, mas antes de sua promulgagio; ¢ a do art. 37, alinea 2 relativamente 4 modificabilidade, por via de decreto, de leis que possufssem cardter regulamentar Com a reforma constitucional de 1974, 0 controle de constitucionalidade dus leis passou at ser a atividade principal do Conselho, aproximando-o de uma corte constitucional. V. Louis Favoreu, La place du Conseil Constitutionne! dans la Constitution de 1958. In: www.conseil-constitution- nel.fr, visitado em 26 jul. 2005: Frangois Luchaire, Le Conseil Constitutionnel. 3 ys.. 1997: John Bell, French constitutional law, 1992 50 Objetivamente, a decisio n° 71-44 DC, de 16.07.71 (In: www.conseil-constitutionnel.fr/deci- sion/1971/7 144de.htm, visitado em 26 jul. 2005), considerou que a exigéncia de autorizacao prévia, administrativa ou judicial, para a constituigao de uma associagao violava a liberdade de assaciagao. Sua importincia, todavia, foi o reconhecimento de que os direitos fundamentais previstos na Declaragao de Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789, e no preimbulo da Constituigao de 1946, incorporavam-se & Constituigao de 1958, por forga de referéncia constante do predmbulo desta, figurando, portanto, como pardmetro para o controle de constitucionalidade das leis. Esta decisio reforgou 0 prestigio do Conselho Constitucional, que passou a desempenhar o papel de protetor 18 Reforma de 29 de outubro de 1974, ampliando a legitimidade para suscitar-se a atuagzio do Conselho Constitucional®'. Aos poucos, comecam a ser incorporados ao debate constitucional francés temas como a impregnagdo da ordem juridica pela Constituigdo, 0 reconhecimento de forga normativa as normas constitucionais ¢ 0 uso da técnica da interpreta¢o conforme a Constituicdo*”. Tal processo de consti- tucionalizagdo do Direito, cabe advertir, enfrenta a vigorosa resisténcia da doutrina mais tradicional, que nele vé ameacas diversas, bem como a usurpagdo dos poderes do Conselho de Estado ¢ da Corte de Cassagio™. dos direitos e liberdades fundamentais. Além disso, consagrou 0 “ valor positivo e constitucional” do predmbulo da Constituicao e firmou a idéia de “bloco de constitucionalidade”. Essa expresso significa que a Constituigdo nao se limita as normas que integram ou se extraem do seu texto, mas inclui outros textos normativos. que no caso cram # Declaragao de Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789, € 0 Predmbulo da Constituigio de 1946, bem como os principios fundamentais das leis da Repiblica, aos quais o referido preambulo fazia referéncia. Sobre a importincia dessa decisio, v. Léo Hamon, Contréle de constitutionnalité et protection des droits individuels, Dalloz. 1974. p. 83-90; G. Haimbowgh, Was it France's Marbury v. Madison’, Ohio State Law Journal 35:910, 1974; LE.Beardsley, The Constitutional council and Constitutional liberties in France, American Journal of Comparative Law, 1972, p. 431-52, Para um comentirio detalhado da decisio, v. L. Favoreu e L. Philip, Les grandes décisions du Conseil Constitutionnel, 2003. Especificamente sobre bloco de constitucionalidade, v. Michel de Villiers, Dictionaire du droit constitutionnel, 2001; € Olivier Duhamel ¢ Yves Mény, Dictionnaire constituionnel, 1992. 51 A partir daf, 0 direito de provocar a atuagdo do Conselho Constitucional, que antes recaia apenas sobre 0 Presidente da Republica, o Primeiro-Ministro, o Presidente da Assembléia Nacional ¢ 0 Presidente do Senado estendeu-se, também, a sessenta Deputados ou sessenta Senadores. O controle de constitucionalidade tornou-se um importante instrumento de atuacio da oposicio parlamentar Entre 1959 ¢ 1974, foram proferidas apenas 9 (nove) decisdes acerca de leis ordindrias (por iniciativa do Primeiro-Ministro ¢ do Presidente do Senado) ¢ 20 (vinte) acerca de leis organicas (pronuncia- mento obrigatério). De 1974 até 1998 houve 328 provocagaes (saisine) a0 Conselho Constitucional Os dados constam de Louis Favoreu, La place du Conseil Constitutionnel dans la Constitution de 1958, In: www.conseil-constituionnel.fr, visitado em 26 jul.2005. 32. V. Louis Favoreu, La constitutionnalisation du droit. In: Bertrand Mathicu ¢ Michel Verpeaux. La constitutionnalisation des branches du droit, 1998, p. 190-2 53. Veja-se a discussio do tema em Guillaume Drago, Bastien Frangois e Nicolas Molfessis (org.), La légitimité de la jurisprudence du Conseil Constitutionnel, 1999. Na conclusio do livro, que documenta 0 Coléquio de Rennes. de sctembro de 1996, Frangois Terré. ao apresentar 0 que corresponderia & conclusio do evento, formulou critica aspera & ascensao da influéncia do Conselho Constitucional: “Les perpétuelles incantations que suscitent I’ Etat de droit, la soumission de "Etat 2 des juges, sous influence conjugée du kelsénisme, de la mauvaise conscience de I" Allemagne Fédérale et de I'americanisme planétaire sont lassantes. Des contrepoids s'imposent. Puisque le Conseil constituionne! est une juridiction, puisque la régle du double degré de juridiction e le droit d’appel sont devenus paroles d’evangile, il est naturel et urgent de faciliter le recours au referendum afin de permettre plus facilement au peuple souverain de mettre, 1é cas échéant, un terme aux errances du Conseil constitutionnel” (p. 409). 19 U1. A constitucionalizagao do Direito no Brasil 1. O direito infraconstitucional na Constituigao A Carta de 1988, como ja consignado, tem a virtude suprema de simbolizar a travessia democratica brasileira e de ter contribufdo decisivamente para a consoli- dagiio do mais longo perfodo de estabilidade politica da historia do pais. Nao € pouco. Mas nio se trata, por suposto, da Constituig3o da nossa maturidade institucional. E a Constituigio das nossas circunstancias. Por vicio e por virtude, seu texto final expressa uma heterogénea mistura de interesses legitimos de trabalhadores, classes econdmicas e categorias funcionais, cumulados com paternalismos, reservas de mercado e privilégios corporativos. A euforia constituinte — saudavel ¢ inevitavel aps tantos anos de exclusio da sociedade civil — levou a uma Carta que, mais do que analitica, € prolixa e corporativa™. Quanto ao ponto aqui relevante, é bem de ver que todos os principais ramos do direito infraconstitucional tiveram aspectos seus, de maior ou menor relevancia. uratados na Constituigdo, A catalogagao dessas previsdes vai dos principios gerais is regras mitidas, levando o leitor do espanto ao fastio. Assim se passa com 0 direito administrativo, civil, penal, do trabalho, processual civil e penal, financeiro e orga- mentario, tributdrio, internacional e mais além, Ha, igualmente, um titulo dedicado a ordem econdmica, no qual se incluem normas sobre politica urbana, agricola € sistema financeiro. E outro dedicado a ordem social, dividido em numerosos capi- tulos e segdes, que vio da satide até os indios. Embora o fenémeno da constitucionalizagdo do Direito, como aqui analisado, nado se confunda com a presenga de normas de direito infraconstitucional na Constituigao, hé um natural espago de superposigao entre os dois temas, Com efeito, na medida em que principios e regras especificos de uma disciplina ascendem 4 Constituigao, sua interagéo com as demais normas daquele subsistema muda de qualidade e passa a ter um carter subordinante. Trata-se da constitucionalizagio das fontes do Direito naquela matéria. Tal circunsténcia, nem sempre desejdvel®®, interfere com os limites de atuag3o do legislador ordindrio e com a leitura constitucional a ser empreendida pelo Judicidrio em relagio ao tema que foi constitucionalizado. 54 Sobre o tema, v. Luis Roberto Barroso, Doze anos da Constituigao brasileira de 1988. In: Temas de direito constitucional, t. 1, 2002 $5. Tanto a doutrina como a jurisprudéncia, no plano do direito penal, tém condenado, por exemplo, constitucionalizagdo da figura dos “crimes hediondos” (art. 5°, XLII). V., por todos, Joao José Leal, Crimes hediondos — A Lei 8.072 como expresso do direito penal da severidade, 2003. 20 FUNDACAO GETU BIBLIOTECA MARIO HEN 2. A constitucionalizagéo do direito infraconstitucional Nos Estados de democratizagéo mais tardia, como Portugal, Espanha e, sobre- tudo, o Brasil, a constitucionalizagao do Direito é um processo mais recente, embora muito intenso. Verificou-se, entre nds, 0 mesmo movimento translativo ocorrido: inicialmente na Alemanha e em seguida na Itélia: a passagem da Constituigio para o centro do sistema juridico. A partir de 1988, e mais notadamente nos Gitimos cinco. ou dez anos, a Constituigdo passou a desfrutar jd ndo apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiolégica, potenciali- zada pela abertura do sistema juridico ¢ pela normatividade de seus principios. Com grande (mpeto, exibindo forga normativa sem precedente, a Constituigio ingressou na paisagem juridica do pats ¢ no discurso dos operadores juridicos Do centro do sistema juridico foi deslocado o velho Codigo Civil. Veja-se que 0 direito civil desempenhou no Brasil — como alhures — 0 el de um direito geral, que precedeu muitas dreas de especializagao, e que conteria certa unidade dogmatica ao ordenamento. A prépria teoria geral do direito era estudada dentro do direito civil, ¢ s6 mais recentemente adquiriu autonomia didatica, No caso brasileiro, deve-se registrar, 0 Cédigo Civil ja vinha perdendo influéncia no 4mbito do préprio direito privado. E que. ao longo do tempo. na medida em que 0 Cédigo envelhecia. indimeras leis espectticas foram editadas, passando a formar microssistemas autOno- mos em relacio a ele. em temas como alimentos. filiagio. divércio. locagio. consu- midor, crianga e adolescente, sociedades empresariais. A exemplo do aus se passou na Italia, também entre nds deu-se a “descodificagio” do direito civil®®, fendmeno que nio foi afetado substancialmente pela promulgagio de um novo Cédigo Civil em 2002, com vigéncia a partir de 2003°”. Nesse ambiente, a Constituigdo passa a ser ndo apenas um sistema em si — com a sua ordem, unidade e harmonia — mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Este fendmeno, identificado por alguns autores 56 Sobre 0 caso italiano, v. Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 1997, p. 6: "O Cédigo Civil certamente perdeu a centralidade de outrora, O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilisticos quanto naqueles de relevincia publicista, € desempenhado de mancira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional” . Sobre o ¢aso brasileiro. vejam outros: Maria Celina B. M. Tepedino, A caminho de um direito civil constitucional, Revista de Direito Civil 65:21; ¢ Gustavo Tepedino. O Cédigo Civil, oy chamados microssisiemas & a Cons: tituicdo: Premissas para uma reforma legistativa. In: Gustavo Tepedino (org. }, Problemas de direito civil-constitucional, 2001 37 O novo Cédigo Civil, com inicio de vigéncia em 2003. foi duramente criticado por setores importantes da doutrina civilista, Gustavo Tepedino referiu-se a ele como “ retrégrado © demagé gico” acrescentando: Do Presidente da Republica, espera-se 0 veto; do Judiciirio que tempere 0 desastre” (Revista trimesiral de dirieto civil 7, 2001, Editorial). Luiz, Edson Fachin ¢ Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk consideraram inconstitucional 0 projeto de Cédigo Civil, em parecer publicado sob 0 titulo Um projeto de Cédigo Civil na contramio da Constituigio, Revista irimestral de direivo civil 4:243, 2000, por no traduzir a supremacia da dignidade humana sobre os aspectos patrimoniais € por violar o prineipio da vedagao do retrocesso. Em sentido contrario, v. Judith Martins Cost O direito privado como um “sistema em construgao”. In: www.jus.com.br, visitado em 4 ago, 2005; € Miguel Reale, Visdo geral do novo Cédigo Civil. In: www.jus.com.br, visitado em 4 ago. 2005 ¢ O novo Cédigo Civil e seus criticos. In: www.jus.com.br, visitado em 4 ago. 2005, 21 como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem juridica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituigdo, de modo a realizar os valores nela consa- grados, Como antes j4 assinalado, a constitucionalizagao do direito infraconstitucio- nal nfo tem como sua principal marca a incluso na Lei Maior de normas préprias de outros dominios, mas, sobretudo, a reinterpretag&o de seus institutos sob uma 6tica constitucional®, A luz de tais premissas, toda interpretagdio jurfdica é também interpretagio constitucional. Qualquer operago de realizagio do direito envolve a aplicagao direta ou indireta da Lei Maior. Aplica-se a Constituigao: a) Diretamente, quando uma pretensio se fundar em uma norma do préprio texto constitucional. Por exemplo: 0 pedido de reconhecimento de uma imunidade tributdria (CF, art. 150, VI) ou o pedido de nulidade de uma prova obtida por meio ilfcito (CF, art. 5°, LV); b) Indiretamente, quando uma pretensio se fundar em uma norma infraconsti- tucional, por duas razdes: (i) antes de aplicar a norma, o intérprete deverd verificar se ela é compativel com a Constituigdo, porque se nao for, nio deverd fazé-la incidir. Esta operagdo esta sempre presente no raciocinio do operador do Direito, ainda que nao seja por ele explicitad: (ii) ao aplicar a norma, o intérprete deverd orientar seu sentido e alcance 4 realizagao dos fins constitucionais. Em suma: a Constituigio figura hoje no centro do sistema juridico, de onde irradia sua forga normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, no apenas como parametro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretagaio de todas as normas do sistema. 3. A constitucionalizagao do Direito e seus mecanismos de atuacdo pratica A constitucionalizagio do Direito, como j4 antecipado, repercute sobre os diferen- tes Poderes estatais. Ao legislador e ao administrador, impde deveres negativos ¢ positivos de atuagiio, para que observem os limites e promovam os fins ditados pela Constituigao. A constitucionalizagao, no entanto, é obra precipua da jurisdi¢fo constitu- cional, que no Brasil pode ser exercida, difusamente, por jufzes e tribunais, e concentra- damente pelo Supremo Tribunal Federal, quando 0 paradigma for a Constituigo Fede- ral, Esta realizagdio concreta da supremacia formal e axiolégica da Constituigdo envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas, que incluem: a) o reconhecimento da revogagdo das normas infraconstitucionais anteriores & Constituigao (ou 4 emenda constitucional), quando com ela incompativeis; 38 J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamenios da Constituigdo, 1991, p. 45: "A principal manifestagdo da preeminéncia normativa da Constituigdo consiste em que toda a ordem juridica deve ser lida a luz dela ¢ passada pelo seu crivo". V. também, Paulo Ricardo Schier, Filtragem constitucional, 1999, 22 b) a declaragdo de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais poste- riores 4 Constituigdo. quando com ela incompativeis; c) a declarago da inconstitucionalidade por omissio, com a conseqiiente con- vocagio atuagio do legislador®?; d) a interpretagéo conforme a Constituigdo, que pode significar: (i) a leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e 0 alcance dos valores ¢ fins constitucionais a ela subjacentes; (ii) a declaragio de inconstitucionalidade parcial sem redugdo do texto, que consiste na exclusio de uma determinada interpretago possivel da norma — geralmente a mais 6bvia — e a afirmagio de uma interpreta¢do alterna- tiva, compativel com a Constituigao™, Aprofunde-se um pouco mais 0 argumento, especialmente em relacdo a inter- pretacio conforme a Constituigao. O controle de constitucionalidade € uma moda- lidade de interpretagdo e aplicagao da Constituigéo. Independentemente de outras especulagées, hé consenso de que cabe ao Judicidrio pronunciar a invalidade dos enunciados normativos incompativeis com o texto constitucional. paralisando-|hes a eficdcia. De outra parte, na linha do conhecimento convencional, a ele nao caberia inovar na ordem jurfdica, criando comando até entao inexistente. Em outras palavras: o Judicidrio estaria autorizado a invalidar um ato do Legislativo, mas nio a substi- tui-lo por um ato de vontade prépria’. Pois bem. As modernas técnicas de interpretagdo constitucional — como é o caso da interpretagao conforme a Constituigéo — continuam vinculadas a esse pressuposto, ao qual agregam um elemento inexordvel. A interpretagdo juridica dificilmente é univoca, seja porque um mesmo enunciado, ao incidir sobre diferentes circunstancias de fato, pode produzir normas diversas®, seja porque, mesmo em tese, 59 Isso quando nao prefira o Supremo Tribunal produzir uma decisfo integrativa, a exemplo da sentenga aditiva do direito italiano. Esta atuagao envolve a sempre controvertida questo da aluagao como legislador positivo (v. infra} 6 Relativamente a esta segunda possibilidade, v. Luis Roberto Barroso, Interpretagdo e aplicagao da Constituigdo, 2004, p. 189. 61 Nesse sentido, v. STF, DJU 15 abr. 1988, Rp |.417-DF, Rel. Min. Moreira Alves: ” Ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em (ese, o STF — em sua funcdo de Corte Constitucional — atua como legislador negativo, mas no tem o poder de agit como legislador positive, para criar norma juridica diversa da instituida pelo Poder Legislativo” . Passa-se ao largo, nesta instancia, da discussdo mais minuciosa do tema, que abriga imimeras complexidudes, inclusive ¢ noludamente em razo do reconhecimento de que juizcs ¢ tribunais, em maltiplas situagdes, desempenham uma atividade de co-participagio na criag3o da norma. 62 A doutrina mais moderna tem tragado uma distingdo entre enunciado normativo e norma, bascada na premissa de que nao hé interpretagdo em abstrato, Enunciado normativo € 0 texto. 0 relato contido no dispositive constitucional ou legal. Norma, por sua vez, € 0 produto da aplicagio do enunciado a uma determinada situagao, isto €. a concretizag3o do enunciado. De um mesmo enunciado é possivel extrair diversas normas. Por exemplo: do enunciado do art. 5°, LXIII da Constituigao — 0 preso tem direito de permanecer calado — extraem-se normas diversas, inclusive as que asseguram o direito 4 no auto-incriminagio ao interrogado em geral (STF, DIU 14 dez. 23 um enunciado pode admitir varias interpretagdes, em razdo da polissemia de seus termos. A interpretag’io conforme a Constituigio, portanto, pode envolver (i) uma singela determinagao de sentido da norma. (ii) sua no incidéncia a uma determinada situagdo de fato ou (iii) a exclusio, por inconstitucional, de uma das normas que podem ser extraidas do texto. Em qualquer dos casos, nao ha declaragio de incons- titucionalidade do enunciado normativo, permanecendo a norma no ordenamento. Por esse mecanismo se reconciliam o prinefpio da supremacia da Constituigdo e © principio da presungao de constitucionalidade. Naturalmente. o limite de tal inter- pretagiio esti nas possibilidades semanticas do texto normativo™ IV. Alguns aspectos da constitucionalizagao no Direito 1. Direito civil™ As relagGes entre o direito constitucional ¢ o direito civil atravessaram. nos Ultimos dois séculos. tés fases distintas, que vao da indiferenga a convivéncia 2001. HC 80.949. Rel. Min, Sepilveda Pertence) ¢ até ao depoente em CPL (STF. DIU 16 fev 2001. HC 79.812, Rel. Min. Celso de Mello} . Sobre o tema, v. Karl Larenz. Merodologia da ciéncia do direito, 1969, p. 270 ¢ ss.: Friedrich Muller, Métodos de trabalho do direito constitucional Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Edicao especial comemorativa dos $0 anos da Lei Fundamental da Repiiblica Federal da Alemanha, 1999, p. 45 e ss. Riccardo Guastini, Distinguen- do, Studi di teoria ¢ metateoria del diritto, 1996, p. 82-3; € Humberto Avila, Teoria dos principio, 2003, p. 13. 63 Na jurisprudéncia do Tribunal Constitucional Federal alemio: “Ao juiz ndo ¢ permitide mediante imterpretagdo conforme a Constituigao” dar um significado diferente a uma lei cujo teor e sentido resulta evidente” (1 BvL 149/52-33, 11 jun. 1958); na do Supremo Tribunal Federal brasileiro: “se a Unica interpretagao possivel para compatibilizar a norma com a Constituigao contrariar 0 sentido inequivoco que o Poder Legislativo Ihe pretendeu dar, nao se pode aplicar o principio da interpre- tagdo conforme a Constituigao. que implicaria, em verdade, criago de norma juridica, o que & privativo do legislador positive” (STF, DJU 15 abr. 1988, Rp 1-417-7/DF, Rel. Min, Moreira Alves), 64 Pietro Perlingieri, Perfis de direito civil, 1997; Maria Celina Bodin de Moraes: A caminho de um dircito civil constitucional, Revista de Direito Civil 65:23, 1993; A constitucionalizagzo do direito civil, Revisia de Direito Comparado Luso-brasileira 17:76, 1999; Danos a pessou hamana Uma leitura civil-constitucional dos danos morais, 2003: Conceito de dignidade humana: Substrato axiol6gico ¢ contetido normativo. In: Ingo Wolfgang Sarlet, Constituicao, direitos fundameniais ¢ direito privado, 2003; Gustavo Tepedino: Temas de direito civil, 2004, Problemas de direito civil constitucional (coord.). 2000: O direito civil e a legalidade constitucional. In: Revista Del Rey Juridica 13:23, 2004: Luiz Edson Fachin: Repensando fundamemos do direito civil brasileiro comemporiineo (coord.), 1998: Teoria critica do direito civil, 2000, Heloisa Helena Barboza, Perspectivas do direito civil brasileiro para 0 proximo século, Revista da Faculdade de Direito, UERJ, 1998-99; Teresa Negreitos: Fundamentos para uma interpretagdo constitucional do principio da boa-fé, 1998: Teoria do conirate: Noves paradigmas, 2002, Judith Martins Costa (org.), A reconstrugio do direito privado, 2002; Paulo Luiz Neto Lobo, Constitucionalizagio do direito civil, Revista de Direito Comparado Luso-brasileiro 17:56, 1999; Renan Lotufo, Direito civil constitucional, cad. 3, 2002; Michel Verpeaux (org.), Code Civil et Constitution(s), 2005. 24 intensa. O marco inicial dessa trajetoria é a Revolugao Francesa, que deu a cada um deles 0 seu objeto de trabalho: ao direito constitucional, uma Constituigao escrita, promulgada em 1791; ao direito civil, o Cédigo Civil napolednico, de 1804. Apesar da contemporaneidade dos dois documentos, direito constitucional e direito civil nao se integravam nem se comunicavam entre si. Veja-se cada uma das etapas desse processo de aproximagao lenta e progressiva: 1% fase: Mundos apartados No inicio do constitucionalismo moderno, na Europa, a Constituigdo era vista como uma Carta Politica, que servia de referéncia para as relagées entre o Estado 2 0 cidadao, a0 passo que 0 Cédigo Civil era o documento juridico que regia as relagdes entre particulares, freqtientemente mencionado como a “Constituigdo do direito privado™. Nessa etapa hist6rica. o papel da Constituiyau era limitady, fun- cionando como uma convocagao 2 atuagdo dos Poderes Puiblicos, e sua concretizac! dependia, como regra geral, da intermediagio do legislador. Destituida de forga normativa propria, nao desfrutava de aplicabilidade direta e imediata. JA 0 direito civil era herdeiro da tradigio milenar do direito romano. O Codigo napoleénico realizava adequadamente o ideal burgués de protegio da propriedade e da liberdade de contratar, dando seguranga juridica aos protagonistas do novo regime liberal: 0 contratante e o proprietario. Esse modelo inicial de incomunicabilidade foi sendo progressivamente superado. 24 fase: Publicizagao do direito privado O Cédigo napolednico e os modelos que ele inspirou — inclusive o brasileiro — baseavam-se na liberdade individual, na igualdade formal entre as pessoas e na garantia absoluta do dircito de propriedade. Ao longo do século XX, com 0 advento do Estado social e a percepgao critica da desigualdade material entre os individuos. 0 direito civil comega a superar o individualismo exacerbado, deixando de ser o reino soberano da autonomia da vontade. Em nome da solidariedade social e da fungio social de instituigdes como a propriedade e 0 contrato, o Estado comega a interferir nas relagdes entre particulares, mediante a introdugao de normas de ordem piiblica. Tais normas se destinam, sobretudo. a protecio do lado mais fraco da relagao jurfdica, como o consumidor, o locatério, o empregado. E a fase do dirigismo contratual, que consolida a publicizagao do direito privado® 3% fase: Constitucionalizagao do direito civil “Ontem os Cédigos; hoje as Constituigdes. A revanche da Grécia contra Roma’®. A fase atual € marcada pela passagem da Constituigao para o centro do 65 Sobre o tema. v. Orlando Gomes, Introdugdo ao direito civil, 1999, p. 26; ¢ Caio Mario da Silva Pereira, Instimicdes de direito civil, v. 1. 2004, p. 18. 66 A primeira parte da frase (“Ontem os Cédigos; hoje as Constituigdes”) foi pronunciada por Paulo Bonavides, wo receber a medalha Teixeira de Freitas, no Instituto dos Advogados Brasileiros, sistema juridico, de onde passa a atuar como 0 filtro axiolégico pelo qual se deve ler o direito civil. Hd regras especificas na Constitui¢io, impondo o fim da supre- macia do marido no casamento, a plena igualdade entre os filhos, a fungdo social da propriedade. E principios que se difundem por todo 0 ordenamento, como a igual- dade, a solidariedade social, a razoabilidade. Nao € 0 caso de se percorrerem as miultiplas situagdes de impacto dos valores constitucionais sobre 0 direito civil, especificamente, e sobre 0 direito privado em geral®’. Mas ha dois desenvolvimentos que merecem destaque, pela dimens‘io das transformagées que acarretam O primeiro deles diz respeito ao principio da dignidade da pessoa humana na nova dogmiatica juridica. Ao término da 2°. Guerra Mundial, tem inicio a reconstru- do dos direitos humanos®, que se irradiam a partir da dignidade da pessoa humana®, referéncia que passou a constar dos documentos internacionais e das Constituigdes democraticas”’, tendo figurado na Carta brasileira de 1988 como um dos fundamentos da Republica (art. 1°, III). A dignidade humana impde limites e atuaydes positivas em 1998. O complemento foi feito por Eros Roberto Grau, ao receber a mesma medatha, em 2003, em discurso publicado em avulso pelo LAB: “Ontem, os cédigos: hoje. as Constituigdes. A revanche da Grécia sobre Roma, tal como se deu, em outro plano. na evolugao do dircito de propriedade antes justificado pela origem, agora legitimado pelos fins: a propriedade que nao cumpre sua func’ social nao merece protegao juridica qualquer”. 67 Para este fim, v. Gustavo Tepedina (org.). Problemas de direito civil constitucionat, 2000. obra coletiva na qual se discute a constitucionalizagio do direito civil em dom{nios diversos, incluindo 0 direito das obrigagoes, as relagdes de consumo, o direito de propriedade e o direito de famitia, Sobre o tema especifico da boa-fé objetiva, vejam-se Judith Martins-Costa, A boa-fé no direito privado, 1999; Teresa Negreiros, Fundamentos para uma interpretacao constitucional do prin- cfpio da boa-fé, 1998, 68 Este € 0 titulo do celebrado trabalho de Celso Lafer, A reconstrugdo dos direitos humanos, 1988. Sobre o tema, v. tb. Antonio Augusto Cangado Trindade, A protecdo internacional dos direitos humanos: Fundamentos juridicos e instrumentos bésicos, 1991. 6 O contetido juridico da dignidade humana se relaciona com a realizacao dos direitos fundamen tais ou humanos, nas suas trés dimensées: individuais, politicos e sociais. Sobre o tema, vejam-se Ana Paula de Barcellos, A eficdcia juridiea dos princtpios: O principio da dignidade da pessoa humana, 2002; Ingo Sarlet, Dignidade da pessoa humana ¢ direitos fundamentais, 2004: José Afonso da Silva, Dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, Revista de Direito Administrativo 212:89, 1998: Carmen Lacia Antunes Rocha, O principio da dignidade da pessoa humana € a exclusio social, Revista Interesse Paiblico 4:2, 1999. Vejam-se dois excertos representativos do entendimento dominante: José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamen tais na Constituigdo Portuguesa, 1998, p. 102: *[O] princfpio da dignidade da pessoa humana esta na base de todos os direitos constitucionalmente consagrados, quer dos direitos ¢ liberdades tradicionais, quer dos dircitos de participagao politica, quer dos direitos dos trabalhadores e direitos a prestagGes sociais”: € Daniel Sarmento. A ponderagdo de ineresses na Constituigdo brasileira, 2000, p. 59-60, “O principio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiolégico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo 0 ordenamento juridico e balizando nao apenas 08 atos estatais, mas também toda a miriade de relagées privadas que se desenvolvem no scio da sociedade civil e do mercado” 7 Como, ¢.g., na Declaragio Universal dos Direitos Humanos, de 1948, na Constituigao italiana de 1947, na Constituigdo alema de 1949, na Constituigdo portuguesa de 1976 ¢ na Constituigio espanhola de 1978. 26 ao Estado, no atendimento das necessidades vitais basicas"', expressando-se em diferentes dimensées”?. No tema especifico aqui versado, o principio promove uma despatrimonializagao” e uma repersonalizagdo" do direito civil, com énfase em valores existenciais e do esptrito, bem como no reconhecimento e desenvolvimento dos direitos da personalidade, tanto em sua dimensdo fisica quanto psiquica. ~ O segundo desenvolvimento doutrindrio que comporta uma nota especial € a aplicabilidade dos direitos fundamentais as relagdes privadas’’. O debate remonta a decisio do caso Liith (v. supra), que superou a rigidez da dualidade ptiblico-privado ao admitir a aplicagao da Constituigio as relagdes particulares, ‘ialmente re, pelo Codigo Civil. O tema envolve complexidades e nio ser aprofundado aqui. As miltiplas situagdes suscetiveis de ocorrerem no mundo real nio comportam solugado univoca’®, Nada obstante, com excegao da jurisprudéncia norte-americana (e, mesmo 11 Sobre o tema, v. Ana Paula de Barcellos, A eficcicia jurfdica dos prinefpivs constisucionais: 0 principio da dignidade da pessoa humana, 2002, p. 305: “O contetido bastco, © nicleo essencial do principio da dignidade da pessoa humana, € composto pelo minimo existencial, que consiste em um conjunto de prestagdes materiais ménimas sem as quais se poderd afirmar que o individuo se encontra em situagio de indignidade. (...) Uma proposta de concretizagio do mfnimo existencial, tendo em conta a ordem constitucional brasileira, deverd incluir os direitos 4 educagio fundamental, 8 sade basica, 2 assisténcia no caso de necessidade e ao acesso a justiga”. 72 Em denso estudo, Maria Celina Bodin de Moraes, Conceito de dignidade humana: Substrato axiolégico e contetido normativo, In: Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Constiruigdo, direitos funda- mentais ¢ direito privado, 2003, decompoe o contetido juridico da dignidade humana em quatro principios: igualdade, integridade fisica e moral (psicoffsica), liberdade ¢ solidariedade. 73 O termo foi colhido em Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 1997, p. 33. Aparentemente, © primeiro a utilizé-lo foi Carmine Donisi, Verso la ‘depatrimonializzazione’ del diritto privato Rassegna di diritto civile 80, 1980 (conforme pesquisa noticiada em Daniel Sarmento, Direitos fundamentais ¢ relagdes privadas, 2004, p. 115) 74 Luiz Edson Fachin ¢ Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk, Um projeto de Cédigo Civil na contra- mio da Constituigio, Revista Trimestral de Direito Civil 4:243, 2000: (A) aferigdo da constitu- cionalidade de um diploma legal, diante da repersonalizagdo imposta a partir de 1988, deve levar em consideragio a prevaléncia da protegio da dignidade humana em relagio as relagdes juridicas patrimoniais”. A respeito da repersonalizagdo do direito civil, v. também Adriano de Cupis. Diritti della personatité, 1982. 75. Sobre este tema, v. duas teses de doutorado desenvolvidas no Ambito do Programa de Pés-gra- duagdo em Dircito Pablico du UERJ, ambay aprovuday com distingdo v louver ¢ publisaday enn edigio comercial: Daniel Sarmento, Direitos fundamentais ¢ relagdex privadas, 2004; ¢ Jane Reis Gongalves Pereira, Direitos fundamentais ¢ interpretagao constiucionat, 2005. Aliés. trabalhos de excelente qualidade tém sido produzidos sobre a matéria, dentre os quais Wilson Steinmetz, A vinculagdo dos particulares a direitos fundamentais, 2004; Ingo Wolfgang Sariet (org.1. Constitul ¢do, direitos fundamentais ¢ direito privado, 2003; Rodrigo Kaufmann, Dimensdes ¢ perspectivas da eficdcia horizontal dos direitos fundamentais, 2003 (dissertagio de mestrado apresentada & Universidade de Brasiliay, Luts Virgilio Afonso da Silva, A constitucionalizagdo do direito: Oy direitos fundamentais nas relagdes entre particulares. 2004, mimeogratado, tese de livre-docéncia apresentada na Universidade de Sao Paulo — USP; André Rufino do Vale, Eficacia dos direitos fundamentais nas relagaes privadas, 2004; ¢ Thiago Luis Santos Sombra, A eficdicia dos direitos fundamentais nas relagées juridico-privadas, 2004. 76 Vejam-se, exemplificativamente, algumas delas: 2) pode um clube de futebol impedir o ingresso 27

You might also like