You are on page 1of 12
PRESENTE E FUTURO DO CAMPO DISCIPLINAR E INVESTIGATIVO DA DIDATICA que conteudos? JOSE CARLOS LIBANEO O campo te6rico-investigativo e profissional da didatica continua em ques- to, mesmo apés mais de trés décadas da realizacao do semindrio A Didati- ca em Questo, realizado em 1982 no Rio de Janeiro, cujo objetivo central, cri- segundo a organizadora desse evento, foi o de “promover uma revi tica do ensino e da pesquisa em didatica” (CANDAU, 1984), apés sucessi- vos encontros nacionais de didatica e praticas de ensino. Presentemente, persistem criticas provenientes tanto de dentro como de fora do campo pedagégico, as quais trazem questdes incémodas e, ao tempo, desafiadoras do ponto de vista teérico-investigativo ao campo da didatica. Em relagiio a questdes incémodas no campo pedagégico, pesquisas mostram que, nos cursos de licenciatura em Pedagogia, a Didatica con- tinua sendo uma disciplina meramente instrumental como comprovam ementas e planos de ensino. As ementas apresentam contetido genérico 149 com frageis aportes teéricos e praticos em relagao ao tema nuclear da di- datica: 0 processo de ensino-aprendizagem. (LIBANEO, 2011) Também tem sido constatada a falta de agregagiio de resultados da pesquisa acadé- mica a pratica docente vigente nas escolas e no trabalho dos professores. Sabe-se também que, nos demais cursos de licenciatura, a Didatica é vista com desdém por muitos professores, que frequentemente a denominam “perfumaria”, talvez com razao, tendo em vista certas dificuldades que nao permitem avancar na construgio teérico-metodolégica do campo, tal como apontam Santos € Costa (2013, p. 19): [..] as pesquisas recentes revelam um desprestigio da didética nos cursos de formago, ao mesmo tempo a necessidade de significar a didatica € extremamente relevante, sob 0 risco de esvaziamento da construgio epistemolégica do campo da didatica para os cursos de formasio de professores ¢ licenciaturas. Parece permanecer 20 longo da formagio de professores um retrato pouco favorvel & construsao te6rica-metodolégica da pratica docente. Ainda dentro do campo pedagégico, podem ser constatadas antino- mias ¢ insuficiéncias do préprio campo teérico-investigativo da pedago- gia com reflexos na didatica. (LIBANEO, 2015, 2013) Essas insuficiéncias podem ser vistas como questdes embaracosas e ainda pouco pesquisadas, por exemplo: a) demasiada dispersio em torno da definigao de finalidades e objeti- vos da educacio escolar com consequéncias na definigao dos objetivos formativos dos alunos, nos contetidos e nas metodologias de ensino, nas formas de organizacao da escola, na visto da formagao de profes- sores e nas formas de avaliagdo da aprendizagem; ) baixo impacto da produgao intelectual da area nos cursos de for- macdo profissional, levando a debilidades na formagio teorica dos futuros professores e nas praticas de investigacdo especificamente pedagégico-didaticas; ¢) dissociaggo, nos curriculos e na formagio de professores, entre a logica do conhecimento pedagdgico-didatico © a légica do conheci 150 ITICA: SABERES ESTRUTURANTES E FORMAGAO DE PROFESSORES mento disciplinar, em especial no curso de Pedagogia, confirmando a descabida separacdo entre didatica e didaticas especificas; d) separagao entre contetidos/métodos da ciéncia e metodologia de ensino, resultando no ensino de metodologias sem contetido, em que os métodos sao reduzidos a procedimentos; e) persisténcia, na licenciatura em Pedagogia, da inexoravel e reinciden- te auséncia no curriculo dos contetidos de ensino fundamental a serem ensinados as criangas na primeira etapa do ensino fundamental; £) indefinigdo sobre a especificidade da pesquisa em pedagogia e didatica. Nos cursos de pés-graduacaio em Educacio, é visivel a depreciacao da didatica. Pesquisa realizada em 92 cursos de pés-graduagao em Educacao brasileiros buscou saber o que e sobre 0 que esses programas estavam pes- quisando e produzindo sobre didatica e o quanto as pesquisas e produsées estariam trazendo problemas pedagégicos vivenciados na escola e salas de aula, (LONGAREZI; PUENTES, 2016) As andlises mostram que menos da metade dos projetos de pesquisa supostamente vinculados a didatica referem-se a temas propriamente da didatica e metodologias de ensino. Os demais projetos tratam da formacio de professores — hist6rico da formacio docente, saberes da docéncia, politicas de formagao, curriculo de formagao etc. -, tecnologias educativas, politicas publicas etc. A pesquisa aponta, as- sim: auséncia, nos cursos de pés-graduagdo em Educacio, de estudos sobre 0 corpo teérico da didatica — fundamentos, objeto da didatica, discussao epistemoldgica — e metodologias de ensino; foco na formagio de professo- res, secundarizando condigées e modos do exercicio profissional; ntimero pequeno de projetos voltados a pratica pedagégica docente em sala de aula modesto impacto das pesquisas e producdes em didatica nos problemas de natureza pedagégico-didatica nas escolas; e nao reconhecimento da di- datica como campo de formacio ¢ investigaca Tendo em conta esses dados, convinha ao campo da pesquisa em educacao se perguntar qual € 0 sentido dos cursos de pos-graduacdo em PRESENTE € FUTURO DO CAMPO DISCIPLINAR E INVESTICATIVO DA DIDATICA 151 Educacao? Por que maior parte da produsao bibliografica dos professores vinculados as linhas de pesquisa ligadas a didatica nao diz respeito pro- priamente a temas da didatica? Por que questées do ensino-aprendizagem esto em segundo plano ou ausentes do conjunto dos temas de investiga- 40? Os pesquisadores da drea da pedagogia também podem se perguntar pela auséncia de poder social do campo tedrico dessa disciplina nos pro- gramas ou buscar explicagdes para a falta de reconhecimento cientifico dos estudos e pesquisas em pedagogia e didatica e o fortalecimento de estudos nao diretamente ligados ao processo educativo escolar. Os pedagogos de- dicados & pesquisa, os que ainda existem, enfrentam uma questio crucial: qual é a fungao social e pedagégica dos cursos de pés-graduagao no que diz respeito ao desenvolvimento das escolas e do ensino? Nao havendo lugar nos cursos de pés-graduacao em Educagao para questées propriamente pedagogicas ¢ didaticas, onde estariam se realizando pesquisas sobre 0 FREITAS, 2016) Finalmente, entre as questées incémodas fora do campo pedagégico, processo de ensino e aprendizagem? (LIBANE! esta o enfraquecimento da didatica provocado pelas politicas educacionais neoliberais expressas no curriculo instrumental — ou de resultados — e, mais recentemente, sua face visivel, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A origem desse curriculo, sua expansio e consolidacdo na Améri- ca Latina e no Brasil tém sido investigadas nos tltimos anos, entre outros, por Evangelista e Shiroma (2006); Evangelista (2013, 2014); Silva (2014); Libaneo (2014, 2016); ¢ Libaneo ¢ Freitas (2018). O marco do surgimento desse curriculo foi a Conferéncia Mundial sobre Educag3o para Todos, na Tailandia em 1990, promovida por um conjunto de organismos interna- cionais, tendo a frente o Banco Mundial e a Organizagao das Nagdes Uni- das para a Educagdo, a Ciéncia e a Cultura (Unesco). A Declaragao Mundial sobre Educacdo para Todos, que traz as diretrizes e orientagdes curriculares para a educac3o em paises emergentes, estabelece que a aprendizagem para todos é melhor assegurada por mecanismos de avaliagdo externos & escola. As avaliacdes externas visam aferir o desempenho dos estudantes, eo resultado obtido é usado para controlar o trabalho dos professores e das escolas. (PACHECO; MARQUES, 2014; LIBANEO; FREITAS, 2018) 152. DIDATICA: SABERES ESTRUTURANTES & FORMAGAO DE PROFESSORES No Brasil, esse modelo de qualidade de ensino foi introduzido com © Plano Decenal de Fducacdo, em 1993, no governo Itamar, no qual esto inscritas todas as orientagées da Declarag&io Mundial sobre Fducacdo para Todos. Dai a diante, essa tem sido a marca das politicas posteriores. Por exemplo, em 2007, junto com a aprovacao do Plano de Desenvolvimento da Educagio, foi assinado pelo governo brasileiro 0 documento Compro- misso Todos pela Educagao, claborado por entidades ¢ fundagoes ligadas a bancos e empresas. Esse mesmo grupo formou o Movimento Todos pela Educagao, entidade formada com muitos recursos financeiros e que tem influenciado fortemente as recentes politicas educacionais, especialmente na aprovagdo da BNCC. Conforme os mencionados estudos, a intencionalidade para a escola publica no contexto da mundializacao dos interesses econdmicos do mer- cado volta-se para 0 direito & educagdo para todos... Os pobres, para pre- paré-los para o mercado de trabalho e integré-los na sociedade de modo a conter conflitos sociais. O procedimento pedagégico para pér o curriculo instrumental em prdtica é a preparacdo dos alunos para responder testes padronizados — é a esse procedimento que fica reduzida a avaliagao da aprendizagem escolar. Desse modo, a exacerbac&o do tecnicismo pedagé- gico leva a banalizagao do processo de ensino-aprendizagem, desconside- rando-se 0 papel ativo do aluno na aprendizagem, a atuacao de fatores interescolares e dos contextos sociais e materiais de vida dos alunos e, especialmente, o papel da intervencao pedagégica na formacao cognitiva, afetiva, social e moral dos alunos. Pedagogia e a didatica sao dispensadas. Fis, ento, que a adocao do curriculo instrumental ou de resultados levou a uma visio restrita ¢ restritiva de qualidade e, em alguns casos, ilusoria e distanciada de preocupagdes com a formagao humana, cultural e cientifica. (LIBANEO; FREITAS, 2018) Em sintese, as politicas educacionais em curso no pais, ao desde- nhar da formacao humana, cultural e cientifica, representam, na verdade, um salto para tras. Do ponto de vista pedagégico, reduzem o papel do professor a executor de tarefas, pondo em segundo plano os requisitos de exercicio profissional que podem assegurar s6lidas aprendizagens e 0 PRESENTE € FUTURO DO CAMPO DISCIPLINAR E INVESTIGATIVO DA OIDATICA 153 desenvolvimento cognitivo, social e moral dos alunos, tendo em vista a for- mago da personalidade integral. Uma boa pedagogia sabe que o trabalho dos professores requer muito mais do que repassar contetidos ¢ treinar os alunos a responder testes. Requer, entre outras, a capacidade de organi- zacao do ambiente de aprendizagem, a organizagao dos contetidos e sua transformagao didatica, a preparacao de tarefas de estudo, a adequagio de métodos e procedimentos de ensino a situagées didaticas especificas, a insergao da diversidade social ¢ cultural nos contetidos, 0 estabelecimento de formas de interagao com os alunos, o conhecimento das suas caracteris- ticas sociais, individuais e culturais e a seleg&io de formas de avaliagio na sala de aula — ou seja, tarefas que cabem A didatica. Em face dessas questées, convém assinalar, por outro lado, a inces- sante necessidade de ampliacao e fortalecimento das pesquisas voltadas para a escola e salas de aula, buscando melhor fundamentagio te6rica da didatica e sua relevancia na formagio profissional dos professores. Com efeito, ha, no pais, no minimo, 35 mil professores de didatica trabalhan- do incansavelmente na formagdo de futuros professores nos cursos de licenciatura, incluida neles a licenciatura em Pedagogia. Conforme da- dos do site do Ministério da Educaco (MEC) (2018), hA no Brasil, hoje, 11.606 cursos de licenciaturas, dos quais 2.987 stio de Pedagogia (25,73%). Na licenciatura em Pedagogia, considerando que, numa turma de alunos, ha um professor de Didatica e cinco professores de metodologias especifi- cas de ensino, temos cerca de 17.922 professores de Didatica. Nas demais licenciaturas, considerando-se 8.619 cursos com, ao menos, dois professo- res em cada curso — Didatica e metodologias de ensino —, temos cerca de 17.238 professores, 0 que da um total aproximado de, no minimo, 35 mil professores de Didatica no pais. A levar em conta os desafios postos pela realidade do processo de ensino-aprendizagem na escola publica brasileira, em especial a formacao de professores, hé tarefas incessantes e inadidveis por parte dos Encontros Nacionais de Didatica e Praticas de Ensino (Endipe), do Grupo de Trabalho (GT) Didatica, da Associagao Nacional de Pés-Graduagdo e Pesquisa em Educac&o (Anped), ¢ das entidades regionais ligadas a didética, bem como 154 DIDATICA: SABERES ESTRUTURANTES & FORMAGAO DE PROTESSORES aos pesquisadores, no sentido de fortalecer as pesquisas no campo disci- plinar, investigativo e profissional da didatica e das didaticas especificas. Sao levantadas, a seguir, algumas questdes tedricas diretamente liga- das ao contetido da didética a requerer pesquisa na area. A primeira delas diz respeito 4 defini¢ao das finalidades educativas escolares, ou seja, res- postas & pergunta “para que servem as escolas>”. Com efeito, finalidades expressam uma visio filoséfica, ideais, valores desejados, os quais funda- mentam um sistema educativo ¢ indicam marcos operacionais para o ensi- no ea aprendizagem na escola. Nao € nada facil, no campo da educaco, a obtencdo de consensos minimos. No entanto, é questio crucial no quadro atual dos estudos sobre a educac&io publica, uma vez que se verifica um aprofundamento crescente dos dissensos em relacdo a finalidades e objeti- vos da educagio escolar. Com efeito, qual é a finalidade da escola? Para qué os alunos vao a es- cola? Que fungées deve cumprir a escola? Qual é 0 lugar do conhecimento escolar? Como a diversidade sociocultural impacta a didatica? A escola tem uma fungdo prioritaria voltada para a apropriagdo de conhecimentos e mo- dos de agir ou essa fungio prioritiria € outra, por exemplo, constituir-se em espaco de convivéncia e de compartilhamento de valores humanos conforme particularidades culturais? A finalidade da escola é atender a diversidade cul- tural? O que se entende por diversidade cultural? Ou a escola é o lugar ape- nas para a formagio para o trabalho no qual se desenvolvem principalmente habilidades e destrezas profissionais? Ou, ainda, a escola deve ser o lugar de formagao humana onilateral e desenvolvimento integral, portanto para além de apenas formaco para o trabalho? A definigdo que se adota para finalida- des e objetivos da educagio escolar repercute na definicao de fungées da es- cola, modos de organizacio escolar, curriculo, papel e concepgio de didatica. A segunda questao decorre da primeira: quais sao as fontes epis- temoldgicas de propostas didaticas: a politica? A sociologia? A psicolo- gia? A pedagogia? E possivel derivar propostas didéticas exclusivamente de concepgdes sociolégicas? Ou as ciéncias da educagdo devem ser vis- tas como dimensoes da didatica, tendo esta um campo epistemolégico proprio? Como essas fontes abordam a relacao entre sujeito e estrutura PRESENTE € FUTURO DO CAMPO DISCIPLINAR E INVESTIGATIVO DA OIDATICA 155, social? Entre o universal e o particular? Entre igualdade e diferenga nos seres humanos? Respostas a essas perguntas trazem uma terceira questo referente aos posicionamentos sobre o lugar do conhecimento na escola ¢ 0 papel da escola no conhecimento. O que é conhecimento escolar? Qual € a natureza do processo de conhecimento escolar: atividade psicolégica interna ou atividade discursiva/linguistica? A quarta questdo recai no contetido do “objeto” da didatica: ensino? Aprendizagem? Ambos? Ou a unidade dialética ¢ contraditéria? Ou esse objeto nao existe? Em consequéncia, é preciso definir a natureza, os ele- mentos e as condigdes do processo de ensino-aprendizagem: em que con- siste a mediagio didatica? Em que consiste a identidade do professor e quais sao as caracteristicas do seu trabalho? A quinta questao refere-se a um problema com pouca tradicg3o na investigacdo educacional entre nés: em que consiste a pesquisa propriamente pedagégico-didatica? A didatica possui meios de investigac3o préprios ou precisa de buscd-los em outras ciéncias humanas, como a psicologia e a sociologia? Essas questées esto no centro da discussao sobre o campo teérico da pedagogia e obrigam um compromisso de docentes e pesquisadores vin- culados as ciéncias da educagao acerca do objeto de estudos da educagao € como as ciéncias atuam no esclarecimento desse objeto e, especialmente, no campo da didatica. Meu entendimento é de que o objeto de estudo da educagio so os processos e as acdes formativos que visam a formacao € 0 desenvolvimento de seres humanos em condig6es sociais e materiais con- cretas. Cabe a pedagogia, em primeira mio, a realizacao teérica e pratica desse objeto, com a contribuiggo das demais ciéncias da educagao. Qual é o lugar dos estudos em didatica nessa formulagao? Finalmente, quais so as possibilidades de uma pauta comum de es- tudos sobre o campo disciplinar, investigativo e profissional da didatica num contexto de pluralidade teérica? Essa pergunta também é embaracosa e as respostas, dificeis. Frente aos problemas externos ¢ internos do campo da didatica que pdem comple- xos desafios A investigaco, tém se apresentado, no campo critico da didatica, ao menos quatro propostas teéricas e programas de pesquisa: a didatica de ITICA: SABERES ESTRUTURANTES E FORMAGAO DE PROFESSORES recorte “pedagdgico” com foco nos saberes profissionais do professor embu- tidos na pratica docente; a didatica intercultural de cunho sociolégico, envol- vendo priticas inter-rclacionais ¢ processos identitarios; a didatica inspirada em concepsées te6ricas da sociologia curricular critica - incluindo varias ramificagdes, entre outras, a pedagogia do cotidiano -; a didatica histéri- co-cultural — incluindo ramificagées, entre outras, a didatica voltada para o desenvolvimento humano — baseada na unidade dialética e contraditéria entre ensino, aprendizagem, desenvolvimento e condigdes socioculturais. Mesmo levando-se em conta possivel imprecisdo dessa classifica- Go, cabe advertir para as dificuldades de se alcangar uma pauta comum de atuagdo entre pesquisadores e docentes, principalmente em razao das diferengas entre os referenciais teéricos e epistemolégicos das referidas propostas. As diferencas parecem estar situadas em dois referenciais teéri- cos distintos: 0 socioldgico/cultural e 0 socio-psico-pedagogico. O primeiro valoriza mediacées pedagégicas em praticas sociais/culturais, participacaio do aluno em contextos e interagdes sociodiscursivas, com pouca ou ne- nhuma intervengao da psicologia. O segundo valoriza a intervengao peda- gogica/cultural por meio da cultura sistematizada em articulago com as culturas particulares e a apropriacéio dessa cultural pela atividade psicol6- gica interna em praticas de interacao social, visando o desenvolvimento de processos psicolégicos superiores, isto é, a personalidade. Ainda assim, a questdo da pauta comum depende de posicionamen- tos dessas propostas frente as diversas formas de resisténcia ¢ oposico & didatica, as insuficiéncias/debilidades tedricas do campo investigativo da didatica — em ligago com a pedagogia - e as imposig6es do curriculo ins- trumental consolidado hoje na BNCC. Em meu ponto de vista, é crucial delinear bases minimas, talvez um pacto politico-pedagdgico, em torno de finalidades educativas escolares, as quais definem o papel da escola, do curriculo, da didética, meios pelos quais se efetiva o desenvolvimento do aluno. Obviamente, a definigiio dessas finalidades passa pelo enfrenta- mento de questdes teéricas e de pesquisas apontadas no t6pico anterior. Nesse sentido, é possivel apontar trés diferentes visdes da educagao esco- lar ptiblica: PRESENTE € FUTURO DO CAMPO DISCIPLINAR E INVESTICATIVO DA DIDATICA 157 1. uma escola que atenda a todos por meio de um curriculo de resulta- dos, instrumental, aligeirado e circunscrito a competéncias minimas, reduzindo patamares de qualidade a certos padrdes minimos a pretex- to de se atingir padrdes minimos a todos. Essa visio consolida a escola dualista para ricos e pobres, legitimando as desigualdades sociais; 2.uma escola que atenda a todos no sentido de acolhimento a singu- laridade e diversidade sociocultural, principalmente de grupos sociais em situagdo de vulnerabilidade social, acentuando mais praticas peda- gogicas de reconhecimento de identidades, compartilhamento de valo- res e vivéncias interculturais do que 0 acesso ao conhecimento escolar sistematizado e o desenvolvimento de capacidades intelectuais; 3. uma escola que atenda a todos em condig&es de igualdade propor- cionando uma base comum de conhecimentos em articulagdo com praticas socioculturais, instituindo ajudas especificas de atencao es- colar diferenciada de modo a atingir igualdade de condigdes para que todos os alunos desfrutem de oportunidades educacionais. As duas tiltimas propostas teéricas e os decorrentes programas de pes- quisa parecem ter um denominador comum: as relagdes entre pobreza e educagio escolar, mesmo partindo de diferentes tradigdes epistemol6gicas pedagégicas. A tarefa de construgao de uma pauta comum dependeria de es- sas propostas buscarem a unidade entre o politico, o sociocultural, o pedagé- gico e 0 epistemologico para produzir o desenvolvimento humano do aluno, mesmo sabendo-se que elas se sustentam em quadros de referéncia teéricos € epistemolégicos muito diferentes. Disso resultaria um contetido basico para o estudo da didatica, juntando uma teoria pratica e uma pratica te6rica. Para inspirar e aclarar um pensamento critico em didatica, nao é fora de propésito mencionar o posicionamento de Boaventura Santos Sousa (1997). Para esse pesquisador, tendo em conta as relagdes de poder vigentes nas sociedades, o que é mais caracteristico é o profundo entrelagamento entre a desigualdade material e a desigualdade nao material, sobretudo com a edu- cago desigual, ou seja, a desigualdade das capacidades representacionais- -comunicativas e expressivas, a desigualdade de oportunidades e de capaci- 158 000 ITICA: SABERES ESTRUTURANTES E FORMAGAO DE PROFESSORES dades para organizar interesses e a desigualdade em relacao a participacao auténoma das pessoas em processos de tomadas de decisées significativas. Meu entendimento é de que a didatica é a ciéncia profissional dos professores. Ela é o meio mais importante para um profissional aprender a ensinar visando o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alu- nos ¢ o desenvolvimento da personalidade. A didatica, ha décadas, passa por muitas criticas, ironias, descrédito. O texto buscou sondar a origem ¢ as razées que vém produzindo esse quadro. A ressignificacaio da didatica ¢ de seu contetido é uma tarefa teérica e pratica ainda desafiadora, que pre- sume a unidade entre ensino e aprendizagem, mas que supde compreen- der as duas pontas da pesquisa na rea: as finalidades educativas escolares e o desenvolvimento humano dos alunos. REFERENCIAS CANDAU, V. M. (org.). A diddtica em questdo. Rio de Janeiro: Vozes, 1984. EVANGELISTA, O. Qualidade da educacdo publica: estado e organismos multilaterais. In: LIBANEO, J. C.; SUANNO, M. V. R.; LIMONTA, S. V. (org,). Qualidade da escola piiblica: politicas educacionais, didatica e formagao de professores. Goiania: Ceped Publicagées, 2013. EVANGELIST, O. (org.). O que revelam os “slogans” na politica educacional. Araraquara: Junqueira & Marin Editores, 2014. EVANGELISTA, O.; SHIROMA, E. O. Educagao para o alivio da pobreza: novo tépico da agenda global. Revista de Educagao PUC Campinas, Campinas, ¥. 20, P. 43-54, jun. 2006. LIBANEO, J. C. Panorama do ensino de didatica, das metodologias especificas ¢ das disciplinas conexas nos cursos de pedagogia: repercussées na qualidade da formagio profissional. In: LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V. (org.). Panorama da didética: ensino, pratica e pesquisa. Campinas: Papirus, 2011. LIBANEO, J. C. Didatica como campo investigativo e disciplinar e seu lugar na formacao de professores. In: OLIVEIRA, M. R. N. S.; PACHECO, J. A. (org). Curriculo, didatica e formagao de professores. Campinas, SP: Papirus, 2013, TIVO DR DIDATICA 159 LIBANEO, J. C. Internacionalizacio das politicas educacionais: elementos para uma anilise pedagégica de orientag6es curriculares para o ensino fundamental e de propostas para a escola piiblica. In: SILVA, M. A; CUNHA, C. (org,). Educagao bésica: polfticas, avangos, pendéncias. Campinas: Autores Associados, 2014. LIBANEO, J. C. Antinomias na formagao de professores e a busca de integracao entre o conhecimento pedagégico-didatico e o conhecimento disciplinar. In: MARIN, A. J.; PIMENTA, S. G. (org.). Diddtica: teoria e pesquisa. Araraquara, SP: Junqueira & Matins/UECE, 2015. LIBANEO, J. C. FREITAS, R. A. M. Pesquisa e produgao académica em didatica em programas de pés-graduagio em educagio na regio nordeste. In: LONGAREZI, A. M, PUENTES, R. V. (org.). A diddtica no ambito da produgdo brasileira. Uberlandia: EDUFU, 2016. LIBANEO, J. C.; FREITAS, R. A. M. (org.). Politicas educacionais neoliberais e escola piiblica: uma qualidade restrita de educacao escolar. Goiania: Espago Académico, 2018. LONGAREZI, A. M.; PUENTES, R. V. (org.). A diddtica no ambito da produgao brasileira. Uberlandia: EDUFU, 2016. PACHECO, J. A.; MARQUES, M. Governabilidade curricular: ago dos professores em contextos de avaliacdo externa. In: OLIVEIRA, M. R. N. S. (org,). Professor: formacdo, saberes, problemas. Porto: Porto Editora, 2014. SANTOS, B. Pela mao de Alice: o social e o politico na pés-modernidade. Sao Paulo: Cortez, 1997. SANTOS, S. R. M.; COSTA, P. M. D. Sobre a didatica e as didéticas especificas: que esté em questo na formacao docente? Revista de Fducagao, Ciéncia ¢ Matemética, Rio de Janeiro v. 3, n. 2, maio/ago., 2013, p. 14-30 SILVA, M. A. Dimensées da politica do Banco Mundial para a educago basica ptiblica. In: SILVA, M. A.; CUNHA, C. (org.). Educagao basica: politicas, avancos ¢ pendéncias. Campinas: Autores Associados. 2014. 160. IDATICA: SABERES ESTRUTURANTES E FORMAGAO DE PROFESSORES

You might also like