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402723, 01:16 16° Enconira Nacional da ABRAPSO - A poética urbana: Voce esté em: Pagina inicial » A postica urbana: a experiéncia subjetiva entre a cultura e a nostalgia A poética urbana: a experiéncia subjetiva entre a cultura e a nostalgia Apresentagao Oral em GT ‘Autor(es): Tiago Rodrigo Marin (Universidade de Sao Paulo) Resumo: Hé poesia nas ruas de Sao Paulo? Em minha pesquisa de mestrado, desenvolvo um estudo sobre a poética urbana da Avenida Paulista pelo olhar dos artistas que nela trabalham. No entanto, para tal pesquisa, uma leitura profunda sobre conceit da postica urbana foi necesséria, e & esta discussdo que busco trazer para esta apresentacdo. A experincia postica pode ser compreendida como um fendmeno subjetivo ¢ cultural. & a partir desta dialética relagdo entre poética © cultura que pretend dar compo a uma concepeo de poética urbana. Para compreender o fendmeno da postica cultural, tal qual proposta por Ivan Teixeira e Aliredo Bosi, as idéias sobre poética de Gaston Bachelard e de percepcao de Maurice Merleau-Ponly, serdo discutidas a partir da leitura sobre a cultura afirmativa tal qual apresentada por Hebert Marcuse, respeitando-se as diferengas entre a fenomenclogia e 0 materialismo histérico. A discussao encontrara parte de sua conclusdo acerca da relagao do homem com sua cultura fem Michel de Certeau, para quem 0 cotidiano 6 construldo através de taticas ativas do sujeito ordindrio, através da cultura popular. Para o encontro da experiéncia postica com a cultura urbana, a discusséo caminharé sobre alguns aspectos da urbanidade contempordnea tals quais discutidos por Ecléa Bosi, Marshal Berman, © Eda Tassara tencontrando em Walter Benjamin reflexes sobre como a poética urbana pode se relacionar com a histéria do espaco urbano, criando neste no uma nostalgia vazia que ignore 0 passado em busca de uma Idade de Ouro perdida, mas, a0 contrétio, que represente a temporalidade da ago humana, que pode encontrar no passado fonte de reflexdes & ‘saudades — um olhar que, embora possa ser nostalgico, seja também honesto com as possibilidades de ago no presente © seus possiveis efeitos no imprevisivel futur. ‘Texto completo: “A postica urbana: a experiéncia subjetva entre a cultura e a nostalgia" ‘Tiago Rodrigo Marin 4. Introdugao: a experiéncia urbana moderna Para compreender o processo de construgao e destruigdo urbana que vivemos, Berman (2007) constuird parte de suas reflexdes através de uma andlise critica sobre a modernidade desvairada, amplamente metaforizada pelo autor a partir da obta "Fausto", de Goathe, Fortemente inspirado em leituras marxistas sobre a cultura, apesar de destacar que alguns vicios de nosso desenvolvimento moderna nao se restringem ao capitalsmo, Berman define a vida na modemidade como permeada por paradoxos e contradigSes, vinculada a um ambiente com promessas de poder, aventura, crescimento e transformagao — de si e das coisas ao redor ~ mas que, ao mesmo tempo, “ameaga destruir tudo 0 que termos, tudo o que sabemos, tudo o que somos” (p. 24) a0 tomar tudo obsoleto ante a expectativa de uma constante novidade por vir. Se, por um lado, a modernidade pode reduzir algumas fronteiras, por outro, nos despoja em constante movimento de transformagao e desintegragdo, ambiguidade e angistia. © desenvolvimento rapido, supostamente herdico, & tido como prioridade em diversas nagdes, independente da ideologia nela reinante. Entretanto, cabem as massas os cruéis efeitos colaterais de tal desenvolvimento, a0 serem transformadas em forga de trabalho © produgéo da qual se deve espremer até a uitima gota, através do aspecto de trabalho livre e remunerado, mas alienante. Nao apenas, a modemidade traz consigo, também, a destruigdo de tradigdes © referéncias biograticas, aquilo que julga velho © desnecessario. Os circulos ininteruptos de nosso movimento mademo se encantam com a publicidade do progresso, a rasgar nossa paisagem com prédios, vias, agos & vidros que muito se vinculam & propagagao de um modelo de vida e da promessa de evolugao material ‘A pattir da légica de um desenvolvimento desenfreado, a cidade perde seu vinculo com sua populagdo e suas tradigSes intimas, sendo dirigida por intervengées generalizantes e homogensizantes que ignoram a vida do homem ordinario em suas ruas (CERTEAU, 1996). As intervengdes socials, sanitarias © espacials, estipuladas pelos gestores do Estado, constroem espacas vinculados & imposieao de uma logica estrutural; através de um olhar que pauco se vincula as www-encontro20"1.abrapso.org brftrabalhalview/2q=¥ ToyOnt20}YSInBhemFteyl7zozNjol¥ ToxOnt2O}ExOMURFUURFCOUXITYI7cz000ilyM2Ma.. 1/7 402723, 01:16 16° Enconira Nacional da ABRAPSO - A poética urbana: vivancias que inventam e reinventam nosso cotidiano, ‘Acidade, que deveria ser superada apenas pela linguagem enquanto a mais preciosa invengao coletiva da civilzagéo 6, neste contexto, conduzida de maneira a possibiltar aquilo que 6 corveniente a légica modema e capitalsta de espago. As elites brasileiras foram, ao longo da histéria, infuenciadas pelo modelo de grandes centros urbanos do hemisfério norte, por sua vez, alvos de programas de reforma urbana seguindo o modelo parisiense de “cirurgia material, social e urbana’ (FERNANDES, 2008, p. 78). Ainda que plblices, no s4o todos os espagos da cidade que estdo abertos para todo e qualquer habitante. As metropoles, obrigadas a abrigar os mais diversos tipes de classes sociais, tm 0 seu passado ignorado e se transformaram em mercadoria, desrespeitando-se as marcas que garantem 0 lago social, transformando 0 contexto social em algo incoerente, incompreensivel e sem garantias. sxperéncia subjeliva ene a cultura @ a nostalgia A especulago imobilidria, assim como a légica arquiteténica, também tem como objetivo a selegde social de frequentadores que so permitidos ou nao a estarem presentes em determinados espagos urbanos, impossiblltando a miscigenagao no espago vivido. Este mesmo aspecto da urbanidade contempordnea ¢ trabalhado por Bauman (2003) (© autor demonstra que a inseguranga modema 6 caracterizada pelo medo dos crimes © criminosos, sendo substanciada pela desconfianga dos outros & de suas intengdes. Reflexo, em partes, de uma sociedade na qual a solidariedade fora substitulda pela competigao, estando os individuos com o sentimento de abandono a si mesmos, centregues aos sous préprios recursos, necessitando prategorem-se uns dos outras. O homem se separa do sua vizinhanga imediata, e entrega-se, entdo, a vigilancia do ambiente e aos aspectos arquitetBnicos que “servem para dividir e manter separados seus habitantes: para defender uns dos outros, ou seja, daqueles a quem se atribui o status de adversario" (BAUMAN, 2009, p. 42). Retomando Certeau (1996), podemos compreender 0 cotidiano como aquilo que 6 dado a cada pessoa, diariamente, que nos pressiona @ oprime. Como opresstio do presente compreende-se a difculdade de se ser quem se é, de assumir 0 peso da vida, vivendo nesta ou naquela condigao, com este ou aquele desejo. Contudo, 0 cotidiano, além daquilo que nos 6 imposto pela nossa prépria condigao de existente e pela condigao do contexto (social, cultural e politico) no qual vivemios, € também quando expressamos e reformulamos quem somos, onde © como existimos. A cidade, apesar de impor o seu aspecio imével, & passivel de transformacao, interpretagdes © visées préprias, particulares. E assim que nomes e simbolos coexistem em cardter de substituigdo @ complementagéo uns aos outros. ‘Assim sendo, os espagos vao se diferenciando dos lugares (CERTEAU, 1996). O lugar é aquilo que 6 permeado pela ordem, pela existéncia de um fixo que impede duas coisas de ocuparem dois espacos, sendo “uma configuracao instantanea de posigSes (p. 201), implicando em uma indicag3o de establidade. J 0 espaco se caracteriza “pelo Conjunto dos movimentos que ai se desdobram” (p. 202), ou seja, & um lugar praticado: “assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espago pelos padestres”. Os espagos ganham caracteristicas daqueles que o frequentam, tendo determinados aspectos ressaltados enquanto outros sao ignorados. Através de tal reconstrugdo € ressignificagdo, a cidade, mesmo neste cenario cadtico, & passivel do afeto proveniente de seus habitantes ~ e é isso que nos traz Bosi (1994) em seu estudo sobre as lembrancas dos velhos. A autora demonstra que as recordagdes buscam as pedras da cidade com o mesmo carinho que buscam a casa particular @ os objetos biograficos. O velho recorda de ‘sua’ cidade com amor ~ através de diversas recordagées, no apenas visuais, mas também sonoras, olfativas, retomando um mapa sensorial daquilo que viveu. Mas a recordagio traz consigo um carater de estranhamento: enquanto alguns aspectos da cidade se mantiveram e resistitam 20 desgaste do tempo & as intervengdes humanas, outros tantos se foram. Algumas coisas velhas convivem com tantas outras novas, a biografia se mistura com 0 cotidiano atravancado pela modemidade, ‘Tentando tragar as possibilidades de nossas experidncias nos mapas das cidades, Giuliani (2004) apresenta que a relago de uma pessoa para com seu lugar de existéncia 6 permeada pelo afeto, assim como nas relagées interpessoais. Os lagos afetivos com os lugares exercem qualificagdo positiva e negativa na vida individual de uma pessoa, mas também na vida de grupos inteitos. Para a autora, sentimentos como comunidade, fratemidade, diversidade, aversdo ¢ hostilidade esto relacionadas a questées de lugar @ terrtério, ¢ 0 apego relacionado a estes. A autora dividira 0 afeto pelo espago urvano em trés possibllidades, © prime'ro diz respeito aquele derivado do uso de determinados lugares, sendo diretamente dependente da funcionalidade dos mesmos. Outra maneira possivel de se criar tal afeto 6 através de um longo vinculo biogratico pessoal nele, ou seja, baios e ruas que nos sao intimos, onde nos desenvolvemos por um longo periodo de nossas vidas. Por fim, ha a possibilidade do afeto resultante de representagses simbélicas fortes relacionadas ao espago, mas independentes do uso ou da grande permanéncia, E neste terceiro ponto que, creio eu, a poética urbana exercera grande efeito. Esse texto — assim como a apresentagao no 16* Encontro Nacional da ABRAPSO ~ 6 um recorte especifice da minha .www-encontro2011.abrapso.org brftrabalhalview/2q=¥ ToyOnt20}YSInBhemFteyI7zozNjol¥ ToxOnt2O}ExOMURFOUURFCOUXITYI7cz000ilyM2May.. 217 402723, 01:16 16° Enconira Nacional da ABRAPSO - A poética urbana: pesquisa de mestrado, realizada sob orientagdo do Prof. Dr, Gustavo Martineli Massola no Laboratério de Psicologia Socioambiental ¢ Intervengdo (LAPS!) do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia a Universidade de Sao Paulo (PSTIIPUSP). A proposta do projeto 6 buscar 0 que & compreendido por postico na Avenida Paulista, a partir do olhar dos artistas que nela trabalham, Para isso, uma leitura critica rigorosa sobre 0 cotidiano da via se fez necesséria, especialmente pelo fato de a encontrarmos quase sempre exallada em livros turisticos sobre a cidade de Sao Paulo, que a destacam como lugar eleito pela populagao como simbolo da metrépole. No entanto, devide ao cronograma ainda em andamento da pesquisa, e também & necessétia limitagao temporal do fencontro, opto por focar, nesse texto, uma discusso que discora, através de um ensaio tedrico, aquilo que compreendo por pottica urbana, sxperéncia subjeliva ene a cultura @ a nostalgia 2. A experiéncia postica entre a subjetividade e a cultura ‘Ao discorrer sobre a constante invengo do cotidiano a partir de pequenas agdes do homem ordinario, Certeau (1996) compreenderd essa pratica — responsavel por negociagSes com a ordem hegemdnica e dada, através da tatica que a esperteza se vé obrigada a criar ~ enquanto uma postica, remetendo a palavra ao fazer postico da inovagao. O autor parece tirar da poética nao apenas o seu (no obrigatério) vinculo com as artes, mas também a sua relagao com a {ruigdo da beleza daquilo que despertou a experiéncia ~ 0 que nao apenas remote a postica a uma agao pratica como também parece dar-the uma finalidade obrigatéria. A este ponto, devo me contrapor. Heidegger (1958) também desvinculara a poética de uma mera finalidade artistica, enquanto a coloca como parte da ontologia do ser. Através da andlise da obra do poeta Friedrich Hélderlin, o autor destaca que a poesia traz consigo a tarefa nomeadora perante um mundo de imagens e acontecimentos, néo tendo necessarlamente uma ago imediata correspondente, © homem, para o autor, tem a sua existéncia baseada no dislogo; o seu ser é fundado na fala, © é da nossa esséncia a capacidade da escuta mitua na nossa coexisténcia com outros seres humanos. Encontramos em Merleau-Ponty (2004a; 2006), fenomenélogo muito influenciado por Heidegger, a concepcéo do homem enquanto um ser corpéreo, que, no entanto, nao percebe o seu mundo gragas exclusivamente as reagées fisiolégicas de seu corpo: ao perceber o mundo, © hamem nao sabe como isso se produz em sua maquina nervosa. A ercepeao também nao 6 uma mera operagdo do pensamento: “o vidente nao se apropria do que ve; apenas se aproxima dele pelo olhar, se abre ao mundo” (MERLEAU-PONTY, 2004a, p. 16), ou seja, mais do que uma abstragao intelectual, a visdo & uma relago entre o homem ~ lho e espirito ~ com 0 seu mundo, ao qual ele se dirige. Dessa maneita, a percepeao e a verdade por ela originada nao so relativas a um homem interior: o homem esté no mundo, € se conhece a partir dee, [A partir do homem que se constréi enquanto ser-no-mundo, podemos compreender mais profundamente o que Bachelard (2008; 1998) prope como exoeriéncia postica, Para o autor, se por um lado a poesia nomeia, por out, a postica traz © que ainda néo fora nominado. Para Bachelard (2008), a imagem podtica 6 aquilo que traz consigo 0 emergir de algo novo e proprio, sem depender do eco de um passado, mas ao contréro, “com a exploséo de uma imagem, o passado longinguo ressoa de ecos e ja ndo vemos em ue profundezas esses ecos vao repercutire morrer (0.2) ‘Assim, a imagem poética opera uma invasdo total na alma daquele que a percebe. H, no receptor da poesia, uma vez que esta o atinge, tal sensagdo de singularidade, que aquela imagem nos ¢ intima, profunda e particular, e a Compreensao de sua existéncia também depende de cada um, ou seja, de uma sensibilidade pessoal, daquilo que se sente, diante do que foi experimentado; ainda que seja da imagem poética a propriedade de intersubjetividade, de ser comunicada ao outto, através de nosso entusiasmo para com ola. © postico surge ingenuamente om nés, todavia, conta com considerdvel poder, pois apés a repercussdo se desdobram as ressondncias e recordagées de nosso pasado, ou seja, a Imagem alinge nossas profundezas antes de emocionar a superficie, @ traz consigo © poder de condensar todo 0 psiquismo daquele que a percebe. A poética nao se faz necesséria, nao tem finalidades causais, entretanto, 6 uma toniicagao da vida. No entanto, como compreender a possibiidade do homem em nomear as coisas se este se encontra em um mundo ja dominado e nominado pelo poder hegemdnico? Ecos deste questionamento parecem intimos - quando nos desapegamos da questo poética © nos debrugamos apenas na relagao homem/cultura — as vividas criticas que Marcuse (1998), seguidor do materialism hist6rico iniciado or Marx, fard ao existencialismo. Nao dando especial destaque & fenomenologia enquanto critica a filosofia cartesiana, Marcuse se volta & obra “O Ser e 0 Nada’, de Jean Paul Sartre, para fazer suas consideragdes sobre o existencialismo, Nao 6 objetivo deste ensaio se aprofundar na obra de Sartro, contudo, Marcuse chega a langar parte de suas eriticas & filosofia de Heidegger, na qual Sartre muito se inspira, _www.encontro20"1.abrapso.org brftrabalhalview/2q=¥ ToyOnt20}YaInBhemFteyl7zozNjol¥ ToxOntzO}ExOMURFOUURFCOUXITYI7cz000lyM2Mz.. 3/7 402723, 01:16 16° Enconira Nacional da ABRAPSO - A poética urbana: © materialismo histérco tal qual proposto por Marx e seguido pelos autores da Escola de Frankfurt traz em suas idelas alguns pontos fundamentais. A histéria nao & compreendida como uma sucesso de falos colocados em um fundo branco, mas como um processo de construgdo humana que se desenvolve a partir de confltos entre classes sociais, distintas. A principal divisdo da sociedade se dA entre os detentores do meio de produgdo (assim como do poder tecnolégico, financeiro e politico) e aqueles que vendem a sua forca de trabalho (CHAUI, 1983). Na sociedade materialista, o trabalho intelectual 6 separado do trabalho material, ¢ nisso se encontra a raiz da alienagao: 0 homem “nao se reconhece como produtor das obras e como sujeito da histéria, mas toma as obras e a histéria como forgas estranhas, exterores, alheias a ele e que 0 dominam e perseguem" (CHAUI, 1983, p. 41). Desta maneira, tanto a histéria quanto a sociedade ndo se apresentam como construidas pela liberdade individual do homem, mas so compreendidas como existentes por si mesmas, dominando os homens: a sociedade se naturaliza. sxperéncia subjeliva ene a cultura @ a nostalgia Da separagao entre o trabalho materiale intelectual, surge a “suposigao de uma autonomia das idelas, como se fossem ou como se tivessem uma realidade prépria © independente dos homens" (CHAUI, 1983, p. 69). Surge, assim, a ideologia, que “nao é um processo subjetivo consciente, mas um fendmeno objetivo e subjetivo involuntario, produzido pelas condigdes objetivas da existéncia social dos individuos” (p. 78). E neste embasamento teérico que Marcuse (1998) desenvolve suas consideragdes sobre a cultura, compreendendo-a enquanto um complexo de valores morais, Intelectuais © estéticos considerados pela sociedade como meta de sua organzagdo e dirago de seu trabalho, instituindo um modo de vida. A pattir disso, Marcuse inicia sua critica ao existencialismo o apresentando enquanto uma doutrina filoséfica e idealista. No entanto, a principal erica do autor parece se dedicar @ nogao de liberdade proposta por Sartre, cuja viséo de homem se dé em um ser que se consttdi a partir de suas escolhas. No entanto, Marcuse atenua sua critica & Heldegger a0 dizer que, a0 contrario de Sartre ~ quem propée uma visdo de mundo e uma doutrina de ago ~ 0 filésofo alemao encerra suas consideragSes na pura ontologia do homem. Heidegger faz questéo, em sua obra Ser e Tempo (1995), de dedicar uma nao tao sutl eritica a ‘llosofia da cultura’. Ao analisar 0 cotidiano do ser langado ao mundo da decadéncia (contraponto & possibilidade do ser-com e do ser-er), no Qual ele diluird seu arbitrio em um mundo cuja compreensao & sempre reproduzida através do anonimato das idéias, que tudo quer saber sem se aprofundar em nada. 0 filésofe destaca: "néo sera supérfluo observar que a interpretagao tem um propésito puramente ontoldgico © se mantém muito distante de qualquer eritica moralizante da pre-senga cotidiana’ (HEIDEGGER, 1996, p. 227). J Merleau-Ponty (2004b) nao busca uma fuga da reflexao sobre a cultura, a0 contrétio, compreende-a como o meio no qual o homem se constrdi e entra em contato com si mesmo. Apresentadas brevemente as areas de atrito entre fenomenolagia e © materialismo histérico, assim como algumas consideragses sobre postica e cultura, resta-nos, agora, a tentar compreender a relagao entre amibas. ‘Acxperiéncia da imagom 6 anterior & da palavra, © se enraiza no corpo, apanhando no somente sua aparéncia, mas alguma relagdo existente entre aquele que a percebe e a propria imagem (BOSI, 2000). 0 imaginado 6 ao mesmo tempo dado — enquanto & matéria — e construldo ~ enquanto se forma pelo sujelto, Se por um lado a percepcéo independe de nossas vontades, por outro, independe da ‘vontade' da imagem o “resultado de um complicado processo do organizagao perceptiva quo so desonvolve desde a primeira infancia” (BOSI, 2000, p. 22). Contudo, com a imagem se relacionam a palavra e a linquagem, sendo esta um cédigo. Falar implica em uma escolha, que seleciona e recorta determinados perfis da experiéncia. A linguagem cabe o ato de predicar, de julgar a0 se ter um ponto de vista, ou seja, entre a postica e 0 campo de sua experiéncia néo hd apenas a mediagdo imagistica, mas também as varias mediagbes do discurso como o tempo, 0 modo, a pessoa, 0 aspecto, o 'mundo-da-vida’, que traz consigo a ideologia. € por isso «que Bos! (2000) defenderé que a postica & cultural Em caminho semelhante segue Teixeira (2008; 2003) om suas roflexées sobre o imaginario. A imaginagao, quando compreendida como a produgéo de imagens, 6 uma poténcia maior da natureza humana, desprendendo-se de seu vinculo com o passado, a biografia e a realidade; abrindo-se ao futuro e ao incerlo, em suma, ao novo. Mas, em sua esséncia, 0 imaginario € feito do conjunto ou colego de imagens, que podem ser simplesmente percebidas © armazenadas na meméria, percebidas ¢ condenadas ao esquecimento ou, enfim, percebidas e transformadas pela imaginagao, Enquanto conjunto de imagens, 0 imagindrio de alguém vinculado a sua cultura, que ndo apenas traz consigo todas as suas coisas referentes, como também a maneira em se relacionar com elas. Elucidadas as questées de como uma experiéncia de cardter subjetivo que aproximara 0 imagindrio as representagées simbélicas da experiéncia postica se relaciona com a civllzagao e a cultura hegeménica, compete-me apresentar agora a viso de Satra (2004) sobre a podtica do ‘self’, que contribui para uma leitura psicolégica sobre tal relagao ‘Ao contrério de Certeau (1996), para quem a postica & uma praxis da talica © da esperteza na luta por mudangas www-encantro20"1.abrapso.org brftrabalhalview/2q=¥ ToyOnt20}YSInBhemFteyl7zozNol¥ ToxOnt2O}ExOMURFOUURFCOUXITYI7cz000ilyM2Ma.. 4/7 402723, 01:16 16° Enconira Nacional da ABRAPSO - A poética urbana: daquilo que & inaceltavel dentre as imposigées ao nosso cotidiano, Safra (2004) também traz a poética enquanto uma das faces de um homem que é essencialmente soltério, encontrando na vivéncia no mundo a necessidade de compreensao acerca de si, assim como sua apresentagao aos outros, estando a poesia no entremeio entre a revelacao © 0 no saber, Porém, além disso, de acordo com o autor o homem um ser essencialmente criative. O ser de aco cria, rompe-se, transforma, A sua aco, sua obra, é apresentada na cultura. Portanto, a cultura deve ser “compreendida como mundo em marcha, fruto da ago criativa do homem, orientada pelas questées do destino humano, sobre o mundo natural e sobre o mundo humano pré-existente ao nascimento de alguém" (SAFRA, 2004, p. 45). Assim sendo, © que 0 autor compreende por criativo é aquilo que possibilta 0 surgir da singularidade pessoal ~ podendo vincular-se a outros contextos, nao sendo apenas uma resposta as necessidades do meio, sxperéncia subjeliva ene a cultura @ a nostalgia A postica que se relacionara com a cultura néo & apenas a possibilidade de ago, mas a propria experiéneia postica. Por isso, uma vez inserida na cultura, 0 efeito da experiéne'a poética se assemelha a uma redugao fenomenolégica: 0 ser constréi uma nova compreensao acerca daquilo com 0 que entrou em contato. Este cardter de novidade traz consigo a possiblidade para uma mudanga, conquanto tal possibilidade néo implique necessariamente na lransformagao de uma praxis. Ao mesmo tempo a experiéncia postica néo ocorre por ser um objetivo do ser, nao podendo ser planejada ou buscada; resta-the um cardter surpreendente, quase acidental, 3. A postica e a cultura urbana: resposta @ anti-cidade e & nostalgia vazia 0 termo ‘poética urbana’ ja traz em si o choque entre a poética e a cultura, contudo, uma cultura especifica. Sendo a experiéncia poética iniciada por algo vivenciado ou percebide, a poética urbana se estrutura por meio de uma “experiéncia postica’, que se dé através de um suporte material, necessariamente concreto, presente na urbanidade. A esta experiéncia cabe a liverdade contida a condigo humana, que busca a transformagao. A cidade, que pertence aos, homens, seus criadores, faz com que a postica urbana seja um elemento de sustentagao da vida por ser um elemento *a dar sentido vida" (TASSARA; RABINOVICH, 2001, p. 215). No entanto, 0 suporte material necessario a experiéncia poética encontra-se também nas imagens que a cidade faz de si propria, Se, por um lado, a experiéncia urbana carrega consigo a potencialidade de ser poética porque carrega a hummanidade dentro de sua concepgo; por outro, encontra no ‘80u desgaste cotidiano um abstaculo para a relagdio entre © hamem e seu espago Benjamin (1994; 1989) dedica especial atengao & relagao do homem com a urbanidade, Para o autor, © burgués, atendo-se a sua propriedade, faz de seu lar e seus lugares de convivéncias resiritas o conjunto de seus vestigios, na esperanga de que eles nao desaparecam. Na cidade, em contraposigao ao lar, os vestigios tém a sua existéncia impossibilitada, No cotidiano técnico do homem massificado, a cidade 6 estranha enquanto néo traga consigo os vestigios de seus habitantes. O homem, na rua, é um desconhecido estranho, que pode vir a ser um concorrente, um inimigo; e © espaco urbano toma-se palco para o anonimato das massas © de cada um, que nao possui informagao sobre 08 outros que atravessam seu caminho. Mas em Baudelaire, Benjamin encontra outras interpretagGes sobre a cidade © a mademidade. Especialmente sobre sua caracteristica efémera e répida, que dissolve @ desi o que se pretende como novo. Assim como no soneto “A uma passante", do poeta francés, cujo amor ja ndo 6 mais primeira vista, mas sim a uilima: no se sabe dos reencontros possiveis em uma cidade, o que ocorre se dé no lampejo de um arrebatamento, Para encarar o ritmo da cidade, © sua espacialidade tal como uma fonte rica e inspiradora, e se sobrepor ao ritmo técnico do uso automatizado do espaco, Benjamin dard grande importancia 4 imagem do “Raneur’, O “flaneur” dar-se-4 a cidade de tal modo que encontra nessa néo o exterminio de seus vestigios, ao contrério, a possibilidade de reconhecimento destes no espaco urbane. Retomando a compreensdo de Tassara e Rabinovich (2001) sobre a postica urbana, encontramos que ela pode ser Compreendida como processo de subjetivagao do homem, que se dé através da experiéncia conereta com um meio ‘material produzido técnico-s6cio-cultural-historicamente, sendo a cidade este meio e a poesia uma qualidade de certos lugares. Portanto, a pessoa toma-se a si prépria ao se apropriar do meio urbano, que fornece os meios @ os mados no qual a postica pode ser exercida, © a elucidagdo da postica permiticd fornecer os meios para uma intervengéo nao autoritéria ancorada em uma utopia dirgida pela condigao de transformago inerente ao homem. Contudo, o ‘mundo-da-vida' urbano chocar-se-A a possibilidade da experiéncia postica através da ilusdo do progresso apresentada na introdugéo deste texto, O ritmo frenético de construgées © destruigées faré com que o afelo e a meméria busquem a resiliéncia; a hegemonia homogeneizara o cenério urbano, 0 reduzido a um contexto pratico de uso © exclusdo, do qual sous habitantes se sentom cada vez menos parte. A partir disso toma-so facilmente Compreensivel a constante busca por uma fuga da cidade, _www-encantro2011.abrapso.org brtrabalhalview/2q=¥ ToyOnt20}YSInBhemFteyl7zozNol¥ ToxOnt2O}ExOMURFOUURFCOUXITYI7cz000ilyM2May.. 5/7 402723, 01:16 16° Enconira Nacional da ABRAPSO - A poética urbana: sxperéncia subjeliva ene a cultura @ a nostalgia Fuga que poderd ser vista espacialmente e temporalmente, Caldeira (2008) apresenta a ilusdo de uma ‘Idade de Ouro! como um contraponto recorrente distopia urbana, Ao se louvar 0 passado que é conhecido de uma maneira meramente contemplativa © romantica, ignorande-se as suas lutas, opressGes @ derrotas, temos dele nada além de uma imagem artificial vendida pela publicidade e pelo turismo, vazia de significados. E 0 que comoreendo por nostalgia vazia, que muito se distancia da nostalgia do que foi vivido © se perdeu, que carrega em si a poténcia de uma leitura critica sobre o passado e suas transformagées, como encontramos em Bos! (1994) ¢ Benjamin (1994). J a fuga do espaco fisico urbano 6 amplamente analisada por Berque (2009). O autor diferenciard o pensamento da paisagem — aquele que se traduz om reflexdes e racionalizagdes sobre 0 meio - do pensamento “paisageiro’ Cpaisajero”, em espanho), fruto de reflexes construldas “no” meio, ou seja, a partir de uma relagdo direta com este. E segue 0 autor de maneira critica que quanto mais pensamos sobre o nosso melo ~ @ partir de uma leltura que o transforma em um objeto distante ~ mais hipécritas e destrutivas seguem nossas aces. O autor apresenta a busca por uma anti-cidade como contraponto a desmedida urbana. No entanto, tal busca encontra seu suposto sucesso em qualquer coisa que se localize fora dos limites urbanos; ou seja, para ela nao hé diferenga entre a nalureza selvagem © © campo transformado por anos de trabalho humano: tudo se transforma em um vago “natureza’, desde que se apresente como uma antitese urbana, Desta maneira, tento apresentar a poética como uma altenativa a essa fuga artificial & Idade de Ouro ou a anti-cidade, Sendo carne e peda insepardveis em uma relagdo miitua de influéncias © construgSes, o desenvolvimento urbano e a subjetivagao do homem neste espago ocorrem a partir de um didlogo. Assim sendo, a postica nao é a nica maneira de se relacionar com 0 espago urbano, ao contrério, ha o forte risco dele ser cada vez mais banalizado pelo uso automatico e critic, Contudo, a construgao biogréfica de alguém em sua cidade manteré uma relagao dialética com 0 afeto pelo espaco; ou seja, tal retagao afetiva nao é apenas fruto de uma longa permanéncia, mas talvez leve a tal permanéncia, quando a ela nao for imposta outras necessidades. A postica se encontraré no cerne de tal relagdo, uma ‘vez que ela reconstisi os discursos hegeménicos sobre nossas urbes. 4. Reforéncias BACHELARD, G. “A Poslica do Espago". Sao Paulo: Martins Fontes, 2008. ‘A Poética do Devaneio". Séo Paulo: Martins Fontes, 1998. BAUMAN, Z. “Confianga ¢ Medo na Cidade". Rio de Janeiro: Jorge Zaha, 2009 BENJAMIN, W, “Magia ¢ Técnica, Are ¢ Politica’, Sao Paulo: Brasiliense, 1994, (Obras escolhidas — Volume I). ‘Charles Baudelaire: um lrico no auge do capitalismo". 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