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CRITICAMENTE QUEER O discurso nao é a vida; seu tempo niio é 0 de vocé : os ces, MICHEL FOUCAULT, “Politics and the Study of Disc ‘ourse” 0 risco que se corre ao oferecer um capitulo final sobre o teinid queer € que a palavra pea tomada em sua acepcao suméria, mas o que quero mostrar € que talvez esse seja apenas seu sentido mais recente. Na verdade, a temporalidade do termo é justa- mente 0 que me parece importante analisar aqui: como é pos- sivel que um termo que indicava degradacao possa ter mudado tanto - sendo “consolidado” no sentido brechtiano do termo - para afirmar um conjunto de significados novos e afirmativos? Seria essa uma simples inversao de valores em virtude da qual queer possa significar tanto uma degradacao no passado como uma afirmacao no presente ou no futuro? Seria essa uma rever- so que mantém e reitera a histéria abjeta do termo? Quando o termo era usado como insulto paralisante, como a interpelagio trivial de uma sexualidade patologizada, o usuario do termo se transformava em emblema e veiculo da normatizacao, ¢ a oca- sido de sua expressao se vertia na regulamentagao discursiva dos limites da legitimidade sexual. Grande parte do mundo heteros- sexual sempre precisou das pessoas queers, que procutava ne diar usando a forca performativa do termo. Se agora 0 te na é submetido a uma reapropriagao, quais S20 28 on a limites dessa inversdo significante? Sera coe foi eee a légica do repuidio por meio da qual or anes de ofensa? Ser O termo pode superar sua historia cam mo uma fantasia que hoje a ocasido discursiva S° e peer Quando e como vigorosa e convincente de reparagao i um termo como queer S€ tornou, eee a significagaio afirmativa, enquanto dos esforgos € rei indicagoes f reinscrever dor? Gome e on forma que 0s varios esforgos de recontextualizar e ressignifi- car um determinado termo encontram seus limites nessa outra forma, mais brutal e implacavel, de repeticao?" Em Genealogia da moral,* Nietzsche introduz a nogio de “cadeia de signos”, que poderiamos ler como um investimento utépico no discurso que ressurge na concepgao do poder dis- cursivo de Foucault. Nietzsche escreve: “toda a histéria de uma ‘coisa’, um rgao, um uso, pode desse modo ser uma ininterrupta cadeia de signos de sempre novas adaptag6es e ajustes, cujas causas nem precisam estar relacionadasentre si, antes podendo se suceder e substituir de maneira meramente casual” (p. 61). As “sempre novas” possibilidades de ressignificago sao deriva- das de uma suposta descontinuidade histérica do termo. Mas seria essa propria postulagao suspeita? Poderia a possibilidade de ressignificagao derivar de uma historicidade pura dos “sig- nos”? Ou deve haver uma maneira de pensar sobre as restrigdes impostas a ressignificagdo e 4 ressignificagao que leve em conta sua propensao a retornar ao “sempre velho” das relagdes de poder social? E poderia Foucault nos ajudar aqui ou, em vez disso, ele poderia reiterar a desesperanga de Nietzsche no dis- curso do poder? Investindo o poder com uma espécie de’ lismo, Foucault faz eco a Nietzsche quando se refe F como “lutas e afrontamentos incessantes” um ponto ¢ outro”? Nem o poder, nem o discurso se renovam Por completo a cada momento; eles nao sao tao desprovidos de Peso como os utopicos da ressignificagao radical poderiam sugerir. E, ainda assim, como poderfamos entender sua forca convergente como um efeito acumulado do uso que tanto limita como permite sua reformulacdo? Como é possivel que os efeitos aparentemente injuriosos do discurso se tornem os recursos dolorosos pelos quais se realiza uma pratica de ressignificagéio? Nao se trata aqui apenas de uma questao de compreender como 0 discurso fere os corpos, mas de como certas ofensas estabelecem certos corpos nos limites de ontologias disponiveis, de esquemas disponiveis de inteligibilidade. E, indo além, como se explica que aqueles que sao abjetos cheguem a fazer suas reivindicagdes por meio de e contra os discursos que buscaram repudid-los? O PODER PERFORMATIVO As reflexdes recentes de Eve Sedgwick sobre a performati queer pede que consideremos nao sé como se aplica certa teoria dos atos de fala as praticas queer, mas como 0 termo queering persiste como um momento de definigao da performatividade.* O carter central da ceriménia de casamento nos exemplos de performatividade de J. L. Austin sugere que a heterossexualiza- ¢80 dos vinculos sociais é a forma paradigmatica daqueles atos de fala que dio vida ao que eles nomeiam. “Eu vos declaro...” Mas de onde e eo que poe em pratica a relacéo que 0 discurso nome! quando essa expressao performativa adquire sua forga “Queer Performativity”, in GLQ, v. 1, n. 1 Spring provocante trabalho e por ter me instigado 2 7° ividade. 4Ver Eve Kosofsky Sedgwick, 1993. Estou em divida com seu pensar a relacao entre género e performat an sorriAMENTE QUEER acontece com o enunciado performativo quando seu objetivo é anular a forca presuntiva do cerimonial heterossexual? Os atos performativos sao formas de discurso de utorizacio: a maioria das falas performativas, por exemplo iste em “enunciados que, ao serem proferidos, também realizam determi nada ago e exercem um poder de conexao.’ Implicadas em uma rede de autorizagao e punicao, as sentengas performa' er dem a incluir sentengas judiciais, batismos, inaugurag6es, decla- racdes de propriedade; sfio declaragées que nao so realizam uma cdo, mas que conferem um poder vinculativo a a¢ao realizada. Se o poder do discurso para produzir aquilo que ele nomeia esta relacionado com a questao da performatividade, logo a perfor- matividade é um dominio no qual o poder atua como discurso. No entanto, é importante recordar que nao ha poder, inter- pretado como um sujeito, que nao atue pela repetigao de uma frase anterior, uma atuagao reiterativa cujo poder s6 existe por causa de sua persisténcia e instabilidade. Este é menos um “ato” singular e deliberado que um nexo de poder e discurso que repete ou parodia os gestos discursivos de poder. Assim, 0 juiz que autoriza e instala a situagdo que ele nomeia invariavel- mente cita a lei que ele aplica, e o poder dessa citag’o é o que da en- SE dbvio que nunca estd completamente certo dizer que a linguagem ou o discur- so “performatiza”, uma vez que nao esta claro que a linguagem é primariamente constitufda como um conjunto de “atos”. Afinal de contas, essa descriciio de um. “ato” nao pode ser sustentada pelo tropo que estabeleceu o ato como evento sin- gular, pois o ato vai terminar por se referir a atos anteriores e a uma reiterago de “atos” que é talvez mais apropriadamente descrita como cadeia citacional. Paul de Man aponta em “Rhetoric of Persuasion” que a distingdo entre enunciados formativos e afirmativos é confundida pela condigao ficcional de aml “Lie Possibilidade que a linguagem tem para realizar [perform] é tio ficcional Possiblidade que a linguagem tem para afirmar” (p. 129). Além disso, ele € “considerada como persuasio, a retérica é performativa, mas ‘um sistema de tropos, ela desconstréi sua prépria performance”. Reading. New Haven: Yale University Press, 1987, PP. 129-131. a72 CORPOS QUE IMPORTAM a expressao performativa sey E, embora possa parecer quea juiz seja derivada da forca de sua Vontade ou de uma autorid : see v ‘ori anterior, © oposto é mais verdadeiro: é Por meio da citacao d, a que se produz a figura da “vontade” bela do juiz e que se estab os : elece a “prioridade” da autoridade textual. Na verdade, é da invocagao da convenc¢ao que vem a forca vinculativa do ato de fala do juiz; esse poder de ligactio nao pode ser encontrado nem na figura 6 juiz, nem na sua vontade, mas no legado citacional por meio do qual um “ato” contemporaneo emerge no contexto de uma cadeia de convengGes vinculativas. Onde houver um “eu” que profira ou fale e, dessa forma, pro- duza um efeito no discurso, ha primeiramente um discurso que © precede e o habilita, um discurso que forma na linguagem a _trajetéria obrigatéria de sua vontade. Assim, nao ha nenhum “eu” que permanega por tras do discurso e execute seu desejo ou sua vontade por meio do discurso. Ao contrario, o “eu” apenas “vem a existéncia ao ser chamado, nomeado ou interpelado, para usar um termo althusseriano, e essa constituigao discursiva é anterior ao “eu”, é a invocacio transitiva do “ey”. Na verdade, 86 posso dizer “eu” na medida em que alguém tenha primeira mente se dirigido a mim e que essa abordagem tenha mobilizado meu lugar no discurso; paradoxalmente, a condigao discursive do reconhecimento social precede e condiciona a formagio do poder de vincular ou de conferir, forca vinculativa das Palavras do er em conta esse conjunto de termos per~ sera importante t f 6 No que se segue, sera imp sou aeja, aqueles nos quais 0 poder formativos que Austin chama de ilocutérios, > poritt Giacatecirio a ato parece derivar da intengao ou vontade do es a ee ture, Event, Context” [Assinatura, acontecimento, Say eraser eal que o poder vinculativo que Austin atr peas ee oe ilocutérios é mais propriamente atribufvel a uma ar cs es iterabilidade que estabelece a autoridade do ato que fl carter nio singular desse ato. Nest do, cada “ato” é um eco ou uma cadeia jeste sentido, cada “at eco 0 citacional e é a sua citacionali in atribui inte ‘dade que constitui a sua forga performativa, 373 CRITIGAMENTE QUEER sujeito: o reconhecimento nao é conferido a um sujeito, mas é 0 reconhecimento que o forma como sujeito. Além disso, a impossibilidade de um reconhecimento pleno, isto é, de chegar a habitar totalmente o nome em virtude do qual se inaugura e mobiliza a identidade social de cada pessoa, implica a ins- tabilidade e a incompletude da formagao do sujeito. O “eu” é, portanto, uma citagao do lugar do “eu” no discurso, compreen- dendo-se que esse lugar de algum modo é anterior e tem certo anonimato em relacao a vida que anima: é a possibilidade histo- ricamente modificavel de um nome que me precede e me excede, mas sem 0 qual eu nao posso falar. PROBLEMAS COM O TERMO QUEER O termo queer emerge como uma interpelagéo que levanta a questao da condi¢ao e do local da forga e da oposicao, da esta- bilidade e da variabilidade, dentro da performatividade. O termo queer tem operado como uma pritica lingufstica cujo objetivo tem sido envergonhar os sujeitos que assim s%0 nomeados ou, em vez disso, produzir um sujeito por meio dessa interpelagao humilhante. A palavra queer adquire forca justamente por ter sido muitas vezes invocada, 0 que a levoua ser vinculada aacusagao, a patologizacao, ao insulto. Essa é uma invocagio por meio do q se forma, ao longo do tempo, um vinculo social entre as com dades homofobicas. A interpelacdo ecoa interpelagbes pass € se vincula Aqueles que a proferem, como se eles esti falando em unissono todo o tempo. Nesse sentido, é s mr Coro imagindrio que insulta com “queer!”, Até que | 0 termo performativo deformagao do a heterossexualizacio do lago Social, talvez, el, em jogo precibamente como o tabu humilhante que “perturba” [queers] quem resiste ou que se opée a essa forma social vie pormolqhen’ s oclpa'sem/a sancao social hegeménica, pobre: esse aspecto, lembremo-nos de que as reiteracdes nunca séo simplesmente réplicas do mesmo, E 0 “ato” pelo qual piacme) poceaza ou desautoriza um conjunto de relagdes sociais ou sexuais €, necessariamente, uma repetigdo, Derrida pergunta: “poderia um ato performativo surtir efeito se sua formulagao nao repetir uma enunciagio ‘codificada’ e reiterd- el [...] Se nao fosse identificavel, de alguma forma, como uma ‘citagéo’?”.” Se uma expressio perform: sorian ‘bem-sucedida (€ eu sugeriria que seu “éxito” é sempre e apenas _Provis6rio), nao é porque uma intengio tenha éxito em governar aacao do discurso, mas apenas porque essa a¢ao ecoa agdes anteriores, e acumula a forca da autoridade com a repeticao oua citagéo de um conj nto prévio de préiticas autorizantes. 1880. siga fica, entao, que uma expressao perfo iva “obtém éxito” na ‘medida em que ela conte com o apoio ¢ encubra as a “constitutivas pelo qual é mobilizada. Nesse sentido, Ee ze ‘termo ou declaragio pode f fasclonan performs seme historicidade acumulada e dissimulada desusl07™ ais Esse ponto de vista da performativida hee serie curso tem uma histéria® que néio apenas precece> ‘a também entre 18. 7Jaeques Derr, Signatre Even GONE a historia € constitutivs ce 8A historicidade do discurso ee ° ae i que os di 08 a loca: i a a simples sbprio susie ae ee nieieee ‘mas que eles tem 8e0 PrP! carder cons los em cont t ain constitutive, Historicidade é wi titutivo da historia na pratica tica” nfo poderia existir separacttrr quais ela é produzida e se torn est seus usos contemporaneos, e que essa historia descentra efeti- vamente a visdo presentista do sujeito segundo a qual ele é a origem ou o proprietario exclusivo do que é dito.? Nao obstante, isso também significa que os termos que pretendemos reivindi- car, os termos com os quais insistimos em politizar a identidade e o desejo, muitas vezes exigem que nos voltemos contra essa historicidade constitutiva. Aqueles de nés que tém questionado os pressupostos presentistas em categorias de identidade con- temporaneas sao, portanto, as vezes acusados de despolitizar a teoria. E, no entanto, se a critica genealégica desse tema é a interrogacao dessas relag6es constitutivas e excludentes do poder por meio das quais os recursos discursivos contempora- neos sao formados, entaio segue-se que a critica do sujeito queer é crucial para a democratizacao continua da politica queer. Por mais que se devam usar termos identitarios e que se deva afirmar a “exterioridade”, é indispensavel submeter essas mesmas nogdes a uma critica das operagdes excludentes de sua propria produ- ao: para quem a exterioridade seria uma opgio historicamente disponivel e acessivel? Na demanda por uma “exterioridade” universal, existiria um cardter de classe dissimulado? Quem é representado e quem esta excluido nos diferentes empregos do termo? Para quem o termo apresenta um conflito impossivel 9Sobre a acusacio de presentismo, entendo que uma indagagao é presentista na medida em que: (a) universaliza um conjunto de afirmagées sem levar em con as oposigdes hist6ricas e culturais a tal universalizagao, e (b) toma um cor historicamente especifico de termos ¢ o generaliza falsamente. E poss ambos 0s gestos em alguns casos sejam 0 mesmo. Seria, no entanto, afirmar que toda linguagem conceitual ou linguagem filosdfica é afirmagio que seria o equivalente a Prescrever que toda filosofia se to tia. Meu entendimento da nogo foucaultiana de genealogia é que : qteicio especificamente filoséfico que procura expor e traga como se instalam ¢ como operam os falsos universais. Ag 4 Joan W. Scott por me terem explicado esse coneeita, © 376 entre filiagao racial, étnica ou religiosa e politica sexual? Que pos de politicas permitem e que tipos de politica relegam a um segundo plano ou simplesmente apagam os diferentes modos de empregar 0 termo? Nesse sentido, a critica genealdgica do tema queer sera fundamental para uma politica queer na medida em que constitui uma dimensao de autocritica dentro do ativismo, um lembrete persistente de que leva tempo para se considerar aforca de exclusdo de uma das premissas contemporaneas mais yalorizadas do ativismo. Por mais que seja necessario, tanto afirmar as demandas poli- ticas, recorrendo-se as categorias identitérias, quanto reivindicar o poder de autonominagio e determinar as condigdes em que esse nome € utilizado, também é preciso admitir que é impos- sivel sustentar esse tipo de dominio sobre a trajetéria de tais categorias dentro do discurso. Nao se trata de um argumento contra o uso de categorias identitdrias, mas de um lembrete dos riscos de cada um de seus usos. A expectativa de autodetermi- hagao que desperta a autonominagao encontra paradoxalmente 4 contestagdo da historicidade do préprio nome: a histéria dos Usos que nunca foram controlaveis, mas que limitam o préprio J ‘so que hoje é emblematico de autonomia; os esforgos futu- ros de implantagao do termo na contramio dos termos at tentativas que certamente excederam o controle daqueles Procuram fixar o rumo dos termos no presente. Se 0 termo queer deve ser um local de ci © Ponto de partida para um conjunto de © Perspectivas futuras, ele tera que continuar Presente: um termo que nunca foi ple! te que é sempre e apenas apropriado, to Por um uso anterior que se orienta Urgentes e expansivos. Isso também. sem duvida, ter que ceder parte de b realizem de forma mais eficaz esse trabalho politico. Tal tarefa bem pode se tornar necesséria a fim de acomodar ~ mas sem domesticar — contestagdes democratizantes que redesenham e redesenharao os contornos do movimento de formas que nunca podem ser totalmente antecipadas. Pode ocorrer de o conceito de autonomia implicito pela auto- nominagao ser uma pretensao paradigmaticamente presentista, ou seja, a crenga de que ha uma pessoa que vem ao mundo, no discurso, sem uma historia e que essa pessoa se faz em e pela magia do nome, que a linguagem expressa uma “vontade” ou uma “escolha” antes que uma histéria complexa e constitutiva do discurso e do poder que compéem os recursos invariavel- mente ambivalentes por meio dos quais se forma e se reelabora a instancia queer. Figurar diferentemente o termo queer nessa cadeia de historicidade é, portanto, admitir um conjunto de restrig6es sobre o passado e o futuro que marcam de uma sé vez os limites do termo e a maioria das suas condicdes permissi- veis. O fato de que o termo “queer” tenha desde sua origem um alcance tao amplo faz com que ele seja empregado de manei- ras que determinam um conjunto de divisGes sobrepostas: em alguns contextos, o termo apela a uma geracdo mais jovem que quer resistir as politicas mais institucionalizadas e reformistas, terizadas como politicas “lésbicas é gays”; em. ‘outros ‘cont XLOS, | sao 0s esa o term dades no- aay E enquanto, em a casos, mobilizado ur um ativismo lésbico,° em outros 0 ue a critica do termo acabe por iniciar um ressurgimento dag mobilizages feministas e antirracistas dentro da politica lés- pica e gay, ou acabe por abrir novas possibilidades para formar aliangas OU coligagdes que nao pressuponham que esses gru- pos sociais sejam radicalmente distintos um do outro. O termo gerd revisto, dissipado e tornado obsoleto na medida m que resista 4s demandas que se opdem a ele justamente por causa das exclusdes que o mobilizam. ee Nos nao criamos os termos politicos que podem represen- tar nossa “liberdade” a partir do nada e somos igualmente res- ponsaveis pelos termos que carregam a dor da ofensa social. Entretanto, todos esses termos necessitam ser submetidos a um trabalho e a uma reelaboragao dentro do discurso politico. Nesse sentido, continua a ser politicamente indispensavel rei- vindicar os termos mulheres, queer, gay e lésbica devido 4 forma como esses termos, por assim dizer, nos reivindicam antes de nosso pleno conhecimento deles. Serd necessario reivindicar a inversio de tais termos para refutar seus usos homof6bicos no campo legal, nas politicas publicas, na rua, na vida “privada”. Mas a necessidade de mobilizar o necessario erro da identidade (termo de Spivak) estara sempre em tensio com a contestagao democratica do termo que se levanta contra suas implantacoes hos regimes discursivos racistas e misdginos. Se a po! ica queer se situasse de forma independente de todas essas outras mo lidades de poder, ela perderia sua forca de democaaaa desconstrucio politica do queer nao tem nao emprego de tais termos, mas, idealmente, cerca alcance e nos fazer considerar a que prego © Pl dades os termos so usados € por meio dec Poder tais categorias sao engendradas. oe ‘emente destacou 0 uso, do termo Propés uma investigaga0 de base po” racializagdio, a formacao da raga." Tal investigagao nao suspende nem profbe o uso do termo, embora insista na necessidade de analisar como se vincula a formagao do conceito coma questao contemporanea do que esta em jogo nele. Tal enfoque também poderia ser utilizado nos estudos queer, j que 0 termo queering pode fomentar indagagdes sobre (a) a formagao de homossexua- lidades (uma investiga¢ao historica que nao dé por certa a esta- bilidade do termo, apesar da pressao politica) e (b) o poder de deformar e apropriar erroneamente o significado que o termo tem hoje em dia. Estaria em jogo a formagao diferencial da homos- sexualidade em relag&o com as fronteiras raciais, incluindo a questo de como as relagGes raciais e reprodutivas se tornaram mutuamente articuladas. Poderfamos ser tentados a afirmar que as categorias de iden- tidade sao insuficientes porque cada posigao do sujeito é um local de relagdes convergentes de poder que nao sao univocas. Contudo, tal formulagao subestima o desafio radical que essas relagdes convergentes implicam para o sujeito. Pois nao ha sujeito autoidéntico que abrigue ou carregue essas relagdes, nao ha nenhum local em que tais relagdes convirjam. Essa conver- géncia e interarticulagao é 0 destino contemporaneo do sujeito. Em outras palavras, j4 ndo existe mais 0 sujeito como entidade idéntica a si mesma. E nesse sentido que se trata de um erro necessario a gene- ralizagao temporal realizada por categorias identitarias.Esea identidade é um erro necessério, entao a afirmagio do termo ‘i queer sera necessaria como forma de afiliag&o, embora ess categoria também nao va descrever de forma plena os que tende representar. Como resultado, serd necessdrio 11 Ver Omi and Winant, Racial Formation in the United States: From the. 1980s. New York: Routledge, 1986. 380 (CORPOS QUE IMPORTAM, contingéncia do termo: permitir que se abra aos que si f dos pelo termo mas que, q 10 excluf- a) com toda raziio, €speram ser represen- tados por ele, deixa-lo adquirir Significados que uma geracio mais jovem ainda nao pode prever — 8eraciio cujo Meas politico bem pode levar em conta uma série muito diferente de investimentos. Na verdade, 0 prép io termo queer tem sido © ponto de encontro discursivo de lésbicas e gays mais jovens £,€m outros centextos, de intervengées lésbicas e, ainda em outros contextos, de bissexuais e heterossexuais para quem ° termo expressa uma afiliagdo politica anti-homofébica. Essa possibilidade de tornar-se um local discursivo cujos usos nao podem ser totalmente restritos de antemio deve ser salvaguar- dado nao apenas para o propésito de continuar a democratizar a politica queer, mas também para expor, afirmar e refazer a historicidade especifica do termo. PERFORMATIVIDADE DE GENERO E DRAG Como a nogio de ressignificagio discursiva se vincula = se é que se vincula - ao conceito de parédia ou imitagao de género? Em primeiro lugar, o que significa entender 9 género como imitagao? Isso quer dizer que uma pessoa poe ee een “ veste uma personagem, que ha um “alguém’ que pees es essa “imitacdo”, alguém que é diferente de seu proprio ae desde o inicio? Ou sera que essa mimica, essa ee a ee e forma esse “alguém”, operando como sua condigao for Pa 5s F, em vez de ser seu artificio dispensdvel? eee De acordo com o primeiro modelo, a construg i circunstan- -como-drag parece constituir 0 efeito de alge - cias. Uma delas jé mencionei aocitar a mor ae exem| de performatividade; um movimento qui (CRITICAMENTE QUEER alguns, 0 protdtipo da performatividade. Se a montagio é perfor- mativa, nao significa que toda performatividade deve ser enten- dida como drag. A publicagao de Problemas de género coincidiu com a aparicao de uma série de publicagées que afirmaram que “q roupa faz a mulher”, mas nunca pensei que o género fosse como roupas ou que a roupa fazia a mulher. Somadas a isso, no entanto, esto as necessidades politicas de um movimento queer emergente em que se tornou bem central a publicitagao do termo como instancia teatral.? A pratica pela qual ocorre a generificagao, a corporificagaio de normas, é uma pratica obrigatoria, uma produgao forgada, mas nao por isso totalmente determinante. Na medida em que o género é uma atribuigao, trata-se de uma atribuigao que nunca é plenamente mantida de acordo com a expectativa, j4 que as pes- soas a quem essas atribuig6es se dirigem nunca habitam com- pletamente o ideal a que sao obrigados a se assemelhar. Além disso, essa incorporagao é um processo reiterado. E a repeticao poderia ser construida precisamente como aquilo que pée em causa 0 conceito de um dominio voluntarista designado pelo sujeito na linguagem. 12.A teatralidade nfo é, por essa razao, de todo intencional, mas devo ter feito essa possfvel leitura devido a minha referéncia ao género como “intencional e nao referencial” em “Performative Acts and Gender Constitution”, ensaio publi- cado em Sue-Ellen Gase (ors), Performing Feminisms (Baltimore: Johns: mente fenomenolégico, gene dentro da fenomenologia um ato voluntario, mas uma forma de indicar que a consciéncia gem) tem um objeto, mais especificamente, que se dirige a um_ nao pode existir. Nesse sentido, um ato de consciéncia pode constituir, aprender) um objeto imagindrio. O género, ser interpretado como um objeto intencional, um ideal Dessa forma, 0 género seria como “o ilidade por Drucilla Cornell em Beyond. Routledge, 1992). Como Paris is Burning deixou claro, o drag é uma pratica subversiva problemitica. Sérve a uma fungio subversiva na medida ae que reflete as Personificagées mundanas pelas quais 4 géneros heterossexualmente ideais sao cumpridos e naturalizados, e enfraquece o poder desses géneros em virtude da efetuacao dessa exposigio artificial. Mas nao ha nenhuma garantia de que a exposicao da condic&o naturalizada da hete- rossexualidade seja suficiente para levar 4 subversio. A hete- rossexualidade pode argumentar sua hegemonia por meio de sua desnaturalizagio, como quando vemos essas parddias de desnaturalizacao que re-idealizam as normas heterossexuais sem as colocar em questao. Porém, em outras ocasiées, a possibilidade de transferéncia de um ideal de género ou norma de género coloca em escrutinio 0 poder de abjecao que esse género sustenta. Pois a ocupagao ou a reterritorializacao de um termo usado para excluir parte da populagiio pode se tornar o lugar de resisténcia, a possibilidade de uma ressignificacao social e politica capacitadora. De certa forma, é isso que acontece com a nogio de queer. A acepgao con- tempordnea do termo faz com que a proibigao ea degradacao tenham seu sentido invertido, gerando uma ordem diferente de valores, uma afirmacio politica que parte do proprio comet? desenrola por meio desse termo, que em seu uso anterior ee como objetivo final justamente a erradicagao dese afemetee No entanto, pode parecer que existe uma difer as i si ii to das normas de género € 0 uso CSET a aaa i tidos diferentes performativo do discurso. Seriam esses dois sent de “performatividade” ou eles convergiriam como modos de ape- i i i tivos lagdo a citaciio em que o carter obrigatorio de ae ne Li sociais se submete a uma desta ae ee ee mas de género operam pela exigéncia ee minados ideais de feminilidade € CoRITICAMENTE QUEER | et: quase sempre relacionados com a idealizagao do vinculo heteros- sexual. Nesse sentido, a expresso performativa inicial “E uma menina!” antecipa a eventual chegada da san¢ao “Eu os declaro marido e mulher”. Dai, também, o prazer peculiar da historia em quadrinhos em que a crianca é interpelada pela primeira vez den- tro do discurso com o “E uma lésbica!”, Longe de ser uma piada essencialista, a apropriagao queer parodia e expde tanto o poder ‘vinculante da lei heterossexualizante como sua expropriabilidade. Na medida em que a denominagao de menina é transitiva, ou seja, inicia o processo pelo qual a posigao de certa “feminili- dade” deve ser assumida, o termo, ou melhor, o poder simbélico do termo, governa a formagao de uma feminilidade interpre- tada corporalmente e que nunca é completamente semelhante a norma. Essa é uma “menina”, no entanto, que é obrigada a “citar” a norma a fim de se qualificar e permanecer como um sujeito vivel. Portanto, a feminilidade nao é 0 produto de uma escolha, mas a citagao forgada de a norma, uma citagao cuja historicidade complexa é indissoc: vel das relagdes de disciplina, regulamento, puni¢ao. Na verdade, nao ha “alguém” que possa seller uma oe de género. Pelo re essa citacdo da norma de género é necessdria justamente para uma pessoa se qualificar como “alguém”, para se tornar | vidvel como “alguém’”, uma vez que a formagio do sujeito é dependente da operagio prévia da legitimacao das normas do género. A propria nogao de performatividade de género deve ser repensada em termos de uma norma que obriga que se recot a alguma “citagio” para que seja possivel produzir viavel. E preciso explicar a teatralidade de género. em relacao a tal carater obrigatorio da citagiio. Mas dade nao pode ser confundida com autoexibigao Dentro da politica queer - de fato, dentro SA0 do que é queer —, acreditamos ver uma pela qual o poder condenatério do nome queer é revertido para sancionar uma contestagio das condigdes de legitimidade sexual Paradoxalmente, mas também com uma grande promessa, a sujeito queer no seio do discurso publico, mediante interpelagdes homofobicas de varios tipos, retoma ou cita 0 proprio termo como base discursiva para exercer uma Oposigio. Esse tipo de citagao emergira como teatral na medida em que imita e torna hiperbélica a convengao discursiva que também inverte. O gesto hiperbdlico é crucial para pér em evidéncia a “lei” homofébica que ja nao pode controlar os termos de suas proprias estratégias de abjecao, Opor 0 teatral ao politico dentro da politica queer contempora- nea é, eu diria, uma impossibilidade: a “performance” hiperbélica da morte na pratica de die-ins [protesto em que as pessoas se fingem de mortas] € a “exterioridade” teatral pela qual o ativismo queer rompeu com a distingao fechada entre espago publico e privado fizeram proliferar locais de politizag3o e conscientiza- gao da arps em todo o dom{nio publico. Na verdade, poderia- mos contar um importante conjunto de histdrias em que o que _esta em jogo é a politizag&o crescente da teatralidade das pessoas queer (uma politizagdo mais produtiva, penso eu, do que uma insisténcia sobre os dois polos opostos dentro dos grupos queer). Essa hist6ria pode incluir tradigdes de cross-dressing, bailes drag, street walking, espetaculos de mulheres masculinas, a pea da “marcha” (de Nova York) a parada (de S80 Francisco); oe . eijacos [kiss-ins] da Queer oe izados pelo ACT UP eos b die-ins realizados p' ‘em beneficio da Iuta contra a Ibs de Lypsinka e de Lisa Judy);3 a convergéncia (entre as quais eu_ i Minnelli em que esta, finalmente, imita i »: Gay Men, arps, and PIL Die If I Want To!’: Gay T ‘Theatre Journal, n. 44 1992, PP» 305° a 33 Ver David Roman, “It’s My Party and’ Performance, Community”, the Circulation of Camp in USS. Theatre”, Theat ver também Romén, “Performing All Our Lives: AIDS, do trabalho teatral com o ativismo teatral; a demonstracaio excessiva da sexualidade e iconografia lésbicas que contrariam eficazmente a dessexualizacao da lésbica; interrupgées taticas de féruns ptblicos por ativistas gays e lésbicas a fim de chamar a atencio publica e condenar a insuficiéncia do financiamento governamental para a pesquisa e para o tratamento da aps. A ccrescente teatralizacao da indignagao politica em resposta ao mortifero descaso do poder publico na questao da arps é posta em alegoria pela recontextualizagao do queer, que antes ocupava um lugar central em uma estratégia homofébica de abjeciio e ani- quilagao, mas agora passa a desempenhar um papel insistente e publico de rompimento do vinculo entre essa interpelacaio e um efeito de produgao de vergonha. Na medida em que a vergonha é produzida nao sé como estigma da ams, mas também de tudo aquilo que é queer — sendo aqui queer entendido por argumenta- goes homofébicas como “causa” e “manifestagao” da doenga -, a faria teatral é parte da resistencia publica aquela interpelagao de vergonha. Mobilizada pelas queixas da homofobia, a indignagao teatral reitera essas queixas precisamente por meio da “atua- ¢40” que no se limita a repetir ou recitar essas queixas, mas que também implanta uma exibic&o hiperbdlica da morte e da dor para oprimir a resisténcia epistémica a atps e 4 exposigao do sofrimento ou que faz uma exibi¢ao hiperbdlica dos beijos para terminar com a cegueira epistémica a uma homossexualidade cada vez mais exposta e publica. in Janelle Reinelt; Joseph Roach (orgs.), Critical Theory and Performance (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1992). 14 Ver Larry Kramer, Reports from the Holocaust: Tae Making of an arws Activist (New York: St. Martin’s Press, 1989); Douglas Crimp; Adam Rolston (orgs.), A1DS- Democrapuics (Seattle: Bay Press, 1990); Doug Sadownick, “ACT UP Makes 2 Spectacle of atws”, High Performance, n. 13, 1990, pp. 26-31. Meus agradecimentos a David Roman por me indicar este tiltimo ensaio., 386 CORPOS QUE IMPORTAM MELANCOLIA E OS LIMITES DA PERFORMANCE O potencial critico da “pratica drag” se refere sobretudo A cri- tica de um regime de verdade que prevalece sobre 0 “sexo”, um regime que considero profundamente heterossexista: a distingaio entre a verdade “interior” da feminilidade - considerada como uma disposi¢a0 psiquica ou egoica - e a verdade “exterior” — considerada como a apar€éncia ou apresentacao — produz uma formagao contraditoria de género em que nenhuma “verdade” fixa pode ser estabelecida. O género nio é nem uma verdade puramente psiquica, concebida como “interna” e “oculta”, nem é redutivel a uma aparéncia de superficie; pelo contrario, seu caré- ter flutuante deve ser qualificado como um jogo entre a psique ea aparéncia (em que esta ultima inclui o que aparece nas palavras). Além disso, esse “jogo” é regulado por restrigdes heterossexistas, embora, por essa mesma razio, nao de todo redutivel a elas. Em nenhum sentido pode-se concluir que a parte do género que é atuada constitui, portanto, a “verdade” do género; a per- formance como “ato” delimitado se distingue de performativi- dade na medida em que esta tiltima consiste em reiteragio das normas que precedem, constrangem € excedem 0 atol ey Bese sentido, nfo podem ser tomadas como fabricagao da euppeade ou “escolha” do ator; mais ainda, aquilo que é “atuado” traba- Iha para esconder, quando nao para repudiar, o que permanece opaco, inconsciente, nao performatico. A redugao da performa- tividade a performance seria um erro. A itis de um modelo expressivo drag ace na performance se exterioriza parte dessa ve asia deve se submeter a uma reflexdo psicanalitica ae eieandllae entre como o género aparece € EoD ses < ie ie insiste que a opacidade dos conjuntos inco é nso eu que exteriorizagao da psique. Ela também argumenta, pe 387 ORITIGAMENT! QUEER : Ma corretamente, que o que é exteriorizado ou atuado s6 pode ser compreendido pela referéncia ao que esta barrado ao signifi- cante e ao dominio da legibilidade corpérea. Como fazem as identificagdes repudiadas, identificagdes que nao “se mostram”, para circunscrever e materializar as identi- ficagdes manifestas? Aqui parece ttil repensar a nogo de géne- ro-como-drag em termos da andlise de melancolia de género. Dada a figura iconografica da drag queen melancélica, poderta- mos questionar se e como esses termos trabalham juntos. Aqui, também se pode perguntar ~ partindo da recusa que ocasiona a performance e que a performance, por sua vez, “representa” - em que momento a atuagao passa a ser “acting out”, no sentido psicanalitico.’* Se a melancolia, no sentido dado por Freud, é o efeito de uma perda sem luto, uma conservacao de um objeto/ Outro perdido como uma figura psiquica com a consequéncia de identificagao intensificada com esse Outro, a autocensura e a exteriorizagdo de uma ira e um amor nao resolvidos,”” pode ser que essa performance, entendida como “acting out”, esteja significativamente relacionada ao problema de uma perda nao reconhecida, Onde hd uma perda sem luto na performance drag (eeu tenho certeza de que tal generalizac&o nao pode ser univer- salizada), talvez haja uma perda que é recusada e incorporada na identificag4o adotada, identificagao que reitera a idealizagao 15Problemas de género, op. cit,, pp. Ver também meu texto “Melancholy Genders, Refused Identifications”, in Psychoanalytic Dialogues. 16 Agradeco a Laura Mulvey por ter pedido que eu considerasse a relagdo entre Performatividade e reptidio e a Wendy Brown por me encorajar a pensar sobre @ relagdo entre a melancolia e o travestismo e por perguntar se a desnat das normas de género é 0 mesmo que sua subversto. Agradego também a Mandy Merck pelas intimeras perguntas esclarecedoras que me levaram a essas espect= 1aG0¢s, incluindo a sugestio de que, se o reptidio condiciona a performati entio talvez o préprio género possa ser entendido segundo o modelo do fetiche 17Ver “Freud ¢ a melancolia de género” in Problemas de género, op. cit. 388 ‘CORPOS QUE IMPORTAM de género e sua impossibilidade radical de énem uma territorializagao do feminino uma eevee do masculino pelo feminino, nem um signo da plasticidade essencial do género. O que isso, de fato, sugere é que a performance de género alegoriza uma perda que nio pode ser lamentada, alegoriza a fantasia de incorporacao de melan- _colia em que se adota ou se toma fantasmaticamente um objeto como maneira de se recusar a deixd-lo ir. Aanialise acima é um risco porque sugere que, em um “homem” que performatiza a feminilidade ou em uma “mulher” que per- formatiza a masculinidade (0 ultimo caso é sempre, com efeito, ode atuar um pouco menos, dado que a feminilidade geralmente € considerada como o género espetacular), existe um apego a uma perda e a uma recusa da figura da feminilidade pelo homem ou da figura da masculinidade pela mulher. Assim, ¢ importante ressaltar que a pratica drag é um esforco de negociagao da iden- tificagdo transgénera, mas essa identificagao nao ¢ o paradigma exemplar para pensar a homossexualidade, embora possa ser uma de suas possibilidades. Nesse sentido, a pratica drag SURE alegoria de alguns conjuntos de fantasias inaxporativas melan- célicas que estabilizam o género. Nao somente ha um grande mimero de heterossexuais que praticam drag, como ambi seria um erro pensar que a homossexualidade é mais bem ae - cada por meio da performatividade perscalas da poe st e No entanto, parece util destacar nessa andlipe aus ee BS pasa expde ou oferece uma alegoria da psique mun cena ans ticas performativas pelas quais os géneros heter eae alifates se formam renunciando a possibilidade da homoss hi - uma forclusdo que produz um campo de ghietes heterossexuai: habité-la. Isso nao pelo mMasculino, nem masculino é formado ao recusar a passar pelo luto do masculino como possibilidade de amor; um género feminino é formado (adotado, assumido) por meio da fantasia de incorpo: acdo pela’ qual o feminino € forcluido como possivel objeto de amor, uma” forcluséo que nunca permite a passagem pelo luto, mas que é “preservada” pela intensificagao da prdpria identificagio femi- nina. Nesse sentido, a melancélica lésbica “mais verdadeira” é a mulher estritamente heterossexual, e o homem gay melancélico “mais verdadeiro” ¢ o homem estritamente heterossexual. Nao obstante, 0 que a pratica drag expe é a constituigao “nor- mal” da apresentagdo de género em que o género adotado é de muitas maneiras constituido por um conjunto de caracterfsticas ou identificagdes repudiadas que constitui um dominio diferente do “nao representavel”. Na verdade, bem poderia ser que o que constitui o sexualmente n&o representdvel é adotado no lugar da identificagio de género.* Na medida em que as caracteristicas homossexuais permanecem nao reconhecidas dentro da heteros- sexualidade normativa, elas nao estarao apenas constituidas como desejos que surgem e logo se tornam proibidos. Em vez disso, trata-se de desejos proscritos desde o inicio. E, quando emergem do lado oposto ao do censor, muito possivelmente levam essa marca de impossibilidade, realizando, por assim dizer, o impos- sivel dentro do possfvel. Como tal, nao serio inclinagdes que se possa abertamente prantear em luto. Trata-se, pois, mais de uma antecipa¢ao do luto realizada pela auséncia de convengées cultu- rais que permitam admitir a perda do amor homossexual, e nao: 18 sso nao significa sugerir que uma matriz de exclusdo distingue rigorosamente: como alguém se identifica e como alguém deseja; é perfeitamente possivel ter uma identificagaio e um desejo sobrepostos em uma troca heterossexual ou ho- mossexual, ou em uma histéria bissexual da prdtica sexual. Além disso, masculini- dade e feminilidade nao so conceitos que esgotam os termos nem da identidade erotizada nem do desejo. ‘CORPOS QUE IMPORTAM, wate tanto da recusa a fazer luto (for fT envolvida). E é essa aides, ae ee ee Seco uma cultura de melancolia i sccinerinl ten ruras qe produz ser lida nas identificacdes hiperbélicas oat cultura que pode dade e a feminilidade heterossexual tata ee homem heterossexual torna-se (imita, cita, "ae acondica . ee 4 Sealer ete “nunca” amou e cuja perda ele eat, ev Erceeeral torna-se a mulher que por quem “nunca” chorou. E nesse sentido, entdo, que o que se manifesta mais aparentemente como pene ésigno e sintoma de uma negacao penetrante. Inclusive, é para evitar esse penetrante risco cultural da melancolia gay (que os jornais generalizam como “depresséo”) que tem havido uma publicizagao e uma politizacaio profunda de luto em torno dos que morreram com arps; 0 NaMEs Project Quilt é exemplar, por ritualizar e repetir o proprio nome como uma forma de publicamente admitir a perda sem fim.” Na medida em que o luto permanece indizivel, a raiva pela perda pode redobrar em razio da impossibilidade de confessa- -la. E se essa propria raiva sobre a perda é publicamente pros- crita, os efeitos melancdlicos de tal proibigao podem alcangar proporgées suicidas. O surgimento de instituigdes coletivas que encorajam o luto é, dessa forma, crucial para a sobrevivéncia, para unir a comunidade, para reformular o parentesco e para retramar relagdes de muitua sustentagao. E na medida em que ea dramatizacao da tais instituigdes implicam a publicizagao ; morte, elas devem ser lidas como respostas de afirmagao a es e na contramao das consequéncias psiquicas terriveis de processo de luto culturalmente fcpatra abs: Cctober, n. st, Winter 1989, PP- do e proscrito. PERFORMATIVIDADE SEXUAL E DE GENERO Como se vincula, ent&o, o tropo por meio do qual o discurso é descrito como “performativo” com o sentido teatral de perfor- mance, na qual parece ser central a hierarquia hiperbélica das normas de género? O que é “performatizado” na pratica drag é, sem duvidas, 0 signo do género, um signo que nao é o mesmo que 0 corpo que 0 representa, mas que, sem esse corpo, nao pode ser lido. O signo, entendido como imperativo do género - “menina!” — €menos uma atribuigdo do que um comando e, como tal, pro- duz suas préprias insubordinagées. O cumprimento hiperbélico do comando pode revelar a hierarquia hiperbélica da norma em si; de fato, pode se tornar o signo cultural pelo qual o impera- tivo cultural se faz legivel. Na medida em que as normas de género heterossexuais produzem ideais inatingiveis, pod “dizer que a heterossexualidade opera por meio da producio regulada de versdes hiperbdlicas de “homem” e “mulher”. Em sua maior parte, sao performances impostas, performances que nenhum de nds escolheu perfazer, mas que todos somos obriga- dos a negociar. Escrevo “obrigados a negociar” porque o carater obrigatorio dessas normas nem sempre as torna eficazes. Tais normas sao permanentemente perturbadas pela propria inefi- cacia; donde o esforgo angustiadamente reiterado para instalar e aumentar sua jurisdigao. A ressignificagao das normas é, pois, uma fungao de sua inefi- cacia e, por essa razo, a questdo de subversiio, de aproveitar-se da debilidade na norma, torna-se uma questio de habitar as pra- ticas de sua rearticulacdo. A promessa critica das praticas drag nao tem a ver com a proliferag&o de géneros, como se 0 mero aumento dos ntiimeros bastasse para obter um avango, mas com oferecer um modo de evidenciar a incapacidade dos regimes heterossexuais de legislar ou de conter seus proprios ideais. Por Boe (CORPOS QUE IMPORTAW isso, nao € que a pratica drag se oponhaa heterossexualidade, ou que a proliferagao drag va derrubar a heterossexualidade; pelo contrario, a pratica drag tende a sera alegoria da heterossexuali- dade e de sua melancolia constitutiva. Como a alegoria funciona “por meio do hiperbélico, a pratica drag pée em relevo o que é, “afinal de contas, determinado apenas em relacgao ao hiperbélico: a qualidade subestimada, tomada desde sempre como certa, da performatividade heterossexual. Assim, no melhor dos casos, a pratica drag pode ser lida pela maneira com que as normas hiperbolicas séo dissimuladas como sendo o trivial heterosse- ‘xual. Ao mesmo tempo, essas mesmas normas - ainda que nao sejam consideradas como mandatos a serem obedecidos, mas sim como imperativos a serem “citados”, torcidos, estranhados [queered], assinalados como imperativos heterossexuais — no , por essa razao, necessariamente subvertidas no processo, me importante ressaltar que, embora a heterossexualidade opere parcialmente estabilizando as normas de género, o género designa um local denso de significages que contém e superam a matriz heterosexual. Mesmo que as formas de sexualidade nao determinem o género unilateralmente, ainda assim é crucial manter uma conexio nao causal e nao redutora entre sexuali- ‘dade 2 genero. Na medida em que a homofobia frequentemente ‘opera atribuindo aos homossexuais um género danificado, fra- cassado ou abjeto de alguma outra forma - isto é, chamando os homens gays de “femininos” ou “efeminados” ou chamando as ~{ue.0 terror homofébico a atos homossexuais, quando existe,.¢ ‘muitas vezes também um horror de perder o género apropriado (“deixar de ser um homem de. verdade.ou-adequado” ou “dei- xar de ser uma mulher verdadeira e Podemos querer afirmar que certos tipos de praticas sexuais vinculam as pessoas mais fortemente do que a afiliagaio de geéne- ro," mas tal afirmagao s6 pode ser negociada, se é que realmente o pode, em relagiio a ocasides especificas de afiliagao; nao h4 nada em qualquer pratica sexual ou de género que privilegie uma em detrimento da outra. No entanto, as praticas sexuais sero invariavelmente experimentadas de formas distintas a depender das relagGes de género em que elas ocorrerem, E pode haver formas de “género” dentro de homossexualidade que exi- jam uma teorizagao que se mova para além das categorias de “masculino” e “feminino”. Se buscamos privilegiar a pratica sexual como uma maneira de transcender o género, podemos perguntar a que custo a sepa- rag&o analitica dos dois dominios pode ser considerada como uma distingao de fato. Existe por acaso uma dor especifica de género que provoque fantasias de uma prética sexual que trans- cenda completamente a diferenga de género, uma pratica em que as marcas de masculinidade e feminilidade j4 nao sejam mais legiveis? Isso nao seria essa uma pratica sexual paradig- maticamente fetichista que tentaria nao saber o que sabe, mas ainda assim o saberia? Essa quest&o nao, implica degradar o fetiche (afinal, onde estarfamos sem ele?), mas determinar se a separagao radical da sexualidade e do género sé pode ser pen- sada segundo uma légica fetichista. Em teorias como as de Catharine MacKinnon, entende-se que as relagdes sexuais de subordinagio estabelecem catego- rias diferenciais de género, de modo tal que os “homens” sao definidos como quem ocupa uma posi¢ao social sexualmente dominante e as “mulheres” como quem ocupa uma posi¢ao de 20 Ver Eve Kosofsky Sedgwick, “Across Gender, Across Sexuality: Willa Cather and Others”, South Atlantic Quarterly, v. 88, n. 1, Winter 1989, PP: 53-72 304 (CORPOS QUE IMPORTAM subordinagao. Seu enfoque altamente determinista nao deixa espaco para teorizar as relacdes de sexualidade fora da estrutura rigida da diferenga de género ou dos tipos de regulacio sexual que nao tomam o género como seu objeto principal (por exem- plo, a proibicao da sodomia, 0 sexo em publico, a homossexua- lidade consensual). Assim, a influente distingo de Gayle Rubin entre os dominios da sexualidade e género em Pensando 0 sexo e -2reformulagio que Sedgwick fez dessa posigao tém consttuido uma importante Oposicao tedrica contra a forma determinista sta de estruturalismo de MacKinnon." Em minha opiniao, essa mesma oposi¢ao precisa agora ser reelaborada a fim de confundir as linhas que separam a teo- ria queer do feminismo.# Certamente, ¢ inaceitavel insistir que as relagdes de subordinacao sexual determinem a posigao de género, assim como é inaceitavel separar radicalmente as for- mas de sexualidade dos efeitos das normas de género. Sem diivi- das, a relagao entre pratica sexual e género no é determinada estruturalmente, mas para poder desestabilizar o pressuposto heterossexual desse préprio estruturalismo ainda é necessario pensar os dois termos em uma relacao dinamica e reciproca. Em termos psicanaliticos, a relagao entre género e sexualidade € parcialmente negociada pela questo da relagao entre identifi- cago e desejo. E aqui fica claro por que recusar-se a tragar linhas ” (in: lamille Pinheiro 21,Ver Gayle Rubin, “Pensando o sexo” (in: Poltticas do sexo. Trad. J Dias, ee Ubu, 2017); Pleasure and Danger (New York: Rautletee ay Pp. 267-319; Eve Kosofsky Sedgwick, Epistemology of the Closet, op. cit., pp. 27°3 breve sJusio tedrica de Pensando o sexo, Rubin retorna a0 ees ala r “A longo prazo, a critica feminista da de implicagao causal entre esses dois dominios é tao importante quanto manter aberta uma investigaciio sobre a complexa inte- rimplicagéo que ha entre ambos. Pois, se identificar-se como mulher nao implica necessariamente desejar um homem, e se desejar uma mulher nfo sinaliza necessariamente a Ppresenga constituinte de uma identificagao masculina, seja ld o que for isso, entao a matriz heterossexual revela-se como uma légica imagindria que demonstra insistentemente que nao pode ser manejada. A légica heterossexual que exige que a identificacao € o desejo sejam mutualmente exclusivos é um dos instrumen- tos psicoldgicos mais redutores do heterossexismo: se alguém se identifica como determinado género, ele deve desejar alguém de um género diferente. Por um lado, nao existe uma tnica femi- nilidade com a qual se identificar, o que equivale a dizer que a feminilidade poderia oferecer em si mesma uma variedade de locais identificagéo, como atesta a proliferacio de possibilida- des de lésbicas bastante femininas. Por outro lado, supor que as identificagdes homossexuais “se refletem” ou se repetem entre si dificilmente bastaria para descrever as trocas complexas e dina- micas que ocorrem nas relagGes gays e lésbicas. O vocabuldrio que descreve 0 jogo dificil, o cruzamento e a desestabilizacao das identificagdes masculinas e femininas dentro da homosse- xualidade somente agora comegou a surgir dentro da linguagem tedrica: a linguagem nao- académica historicamente imersa nas comunidades gays nos é muito mais instrutiva aqui. O pensa- mento da diferenga sexual dentro da homossexualidade ainda necessita ser teorizado em sua complexidade. Pois uma questdo decisiva sera saber se as estratégias sociais de regulagao, abjegtio e normatizagao nao continuardo a a cular género e sexualidade de forma que a andlise que queita fazer oposig&o continue a estar soba pressao de teorizar suas inter-relagdes. Isso nao seré o mesmo que reduzir o género a 396 ‘CORPOS QUE IMPORTAM — termos que estabelecem e sustentam os corpos que importam? formas prevalecentes de relagdes sexuais, de modo que uma “seja” 0 efeito da posicao sexual que ela supostamente deve ocu- par. Resistindo a tal redugio, deveria ser Ppossivel afirmar um conjunto de relages néio causais e nao redutoras entre género e sexualidade, nao s6 para associar o feminismo 3 teoria queer, como poderiam se associar duas empresas separadas, mas tam- bém para estabelecer sua inter-relacdo constitutiva. Da mesma forma, a indagaciio tanto da homossexualidade como do género precisara ceder a prioridade de ambos os termos a servigo de um mapeamento mais complexo de poder que interrogue a forma- Gao de cada regime racial e espacializagdes geopoliticas especi- ficos. E, é claro, a tarefa nao para por aqui, pois nao hd nenhum termo que possa servir como termo fundacional, e 0 sucesso de qualquer andlise dada que se concentre em um tinico termo bem pode ser a marcagiio de suas préprias limitacdes como um Pponto de partida excludente. Assim, 0 objetivo desta andlise nao pode ser a subversao pura, como se enfraquecer o que j4 existe fosse suficiente para esta- belecer e direcionar a luta politica. Em vez da desnaturalizagio ou da proliferagio, parece que a questo de pensar 0 discurso e 0 poder em termos de futuro pode seguir por varios camiinhos: como pensar 0 poder como ressignificagao e convergéncia ou interarticulagiio das relagdes de regulagao, dominagao, consti- tuigo0? Como saber qual poderia se qualificar como uma res- significago afirmativa - com todo o peso e a dificuldade que esse trabalho implica - e como correr 0 risco de reinstalar 0 abjeto no local de sua oposig’o? Mas também como repensar os nao tanto parentesco que ele mostra. Os préprios bailes drag, por vezes, produzem a feminilidade exacerbada como uma fungio da con- digo branca e desviam a homossexualidade ao trangenerificar reidealizando certas formas burguesas de troca heterossexual, E, ainda assim, se essas performances nao sao imediatamente ou obviamente subversivas, pode ser que na reformulagéo do parentesco, em particular na redefinigaio da “casa” e suas for- mas de coletividade — tonar-se mae drag [mothering], dar a elza [mopping], gongar [reading], tornar-se lendério -, a apropriagio ea reafetacao das categorias da cultura dominante permitam a formagao de relagGes de parentesco que funcionam como apoio para os discursos opositores. Nesse sentido, seria interessante ler Paris Is Burning contra, digamos, A reprodugao da materni- dade, de Nancy Chodorow, e perguntar 0 que acontece com a psicandlise e 0 parentesco como resultado disso. No primeiro caso, categorias como “casa” e “mie” derivam da cena familiar, mas também sao deslocadas para formar agregados familiares e comunidades alternativas. Essa ressignificagéio marca os efeitos de uma agéncia que (a) no é o mesmo que voluntarismo e que (b) embora esteja implicada nas préprias relagdes de poder com quem se destinaa rivalizar, nao é, como consequéncia, redutivel as formas dominantes. A performatividade descreve essa relacdo de estar implicado naquilo a que se opée, essa virada de poder contra si mesmo para produzir modalidades alternativas de poder, para estabe- lecer uma espécie de contestagio politica que nao é uma oposi- sao “pura”, uma “transcendéncia” das relagdes contemporaneas de poder, mas a dificil tarefa de forjar um futuro com base em recursos inevitavelmente impuros, Como poderemos saber a diferenga entre o poder que promo- vemos € 0 poder ao qual nos opomos? Alguém poderia respon- der: isso se trataria de uma questo de “saber”? Porque alguém 398 (CORPOS QUE IMPORTAM — esta, por assim dizer, no poder até mesmo quando se opo: ele, porque o poder nos forma enquanto o reelaboramos. fi at simultaneidade é, ao mesmo tempo, a condicao de 08d ai lidade, a medida do nosso desconhecimento Politico e Dated acondigao da propria ago. Os efeitos incalculaveis da agdo sao uma parte de sua promessa subversiva e os efeitos que conse- guimos planejar de antemao. Os efeitos das expressdes performativas, entendidas como produg6es discursivas, nao se encerram ao término de determi- nada declaragao ou enunciado, a aprovagao de uma legislacao, oantincio de um nascimento. O alcance de sua significagao nao pode ser controlado por aquele que pronuncia ou escreve, uma vez que tais producées nao sao propriedade de quem as profere. - Elas continuam a significar apesar de seus autores e, as vezes, contra suas intengGes mais preciosas. Uma das consequéncias ambivalentes da descentralizagao do sujeito é que sua escrita se torna 0 local de uma expropriagao necessaria e inevitavel. Mas a cessao de propriedade daquilo que se escreve tem um importante conjunto de corolarios politicos, pois a ocupacio, a reformulagao e a deformagio das palavras abrem um dificil terreno futuro de comunidade, um campo em que a esperanca de chegar a se reconhecer plenamente nos ter- mos pelos quais se significa certamente terminara em desaponta- mento. Entretanto, essa despossessio de palavras esta ali desde o inicio, uma vez que falar é sempre, de certa forma, 0 falar de um estranho através de e como si mesmo, a reiteragao melancélica de uma linguagem que nunca se escolhe, que nao 4 considerada 0 instrumento que se quer utilizar, mas pela qual se é utilizado, e , por assin o cond e continua Br ene aint (1) Pre nd ee came Uo Corpos que importam / Judith Butler ; traducao de Veronica Daminelli, Daniel Yago Frangoli. - Sao Paulo : Pe eei come el cewetllon lee Seeeled Ploy eae ee exe ae Biel kee rete RUC Cs Inclui indice. eye e eer Serco mee @s om MEDI TAM Celcom Frangoli, Daniel Yago. III. Titulo. oe een peste) eas ag Ge Le ee OO Cen arty tte

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