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‘ADOLFO LIMA : Educacao Ensino— » EDUCAGAO INTEGRAL 1914 GUIMARAES & C* — Editores 68, R. 00 Mundo, 70 LISBOA. EDUCACAO E ENSINO EDUCACAO INTEGRAL DE MANUEL, LUCAS TORRES oye otto ‘ego RUA DO DIAR O DR NOTICIAS, ¢ ; ea CAPITULO 1 HDUGCA GAO Educagéo social Sem a esperanca ccm que se con- templa a mocidade, quem posers vencer essa impressao glacial que se experimenta com a ideia de que o mundo ficard sempre tal como é hoje. (Aforismos pedagogicos —Hsr- baRr.) Deelarada a faléncia da velha Escola —da Escola do magister dicit, da palmatoria e do psitacismo, ~ criticada por todos os aspectos a sua organizagao, julgados e con- denados os scus meios de ensinar, e patentoados todos ‘os sens vicios, todas as suas inconseqiancias, assaz fanes- tas As criangas, 4 sociedade —a Escola antiga, do mes- tre autoritirio e rabujento, sem criterio nem orientacio pedagdgica e social foi e 6 considerada como uma insti- tuieio que deve desanarecer rejudicial. contrapor se surge uma nova Eset organizada, noutros fundamentos, com intuitos, e procurando empre- gar métodos © processos de ensino, diz-se, de harmonia’ com a seiéncia, com a pedagogia, com 2 pedologia —nou- tros termos: de harmonia com as forcas fisiologicas @ psi- cologicas da_crianc: “3 Teacedo, o trabalho contra a Mol do Cons = mo do passado tom sido grande, @, se ainda temos por ai _ EDUCAGAO EF ENSINO- escolas 2 antiga, 4 jesuita, se por ai hi muita yelharia, muita metafisica, muito empirismo no ensino quer prima- rio, quer, mesmo, no superior, nfo 6 A falta de certeiros ataqnes, duma propaganda intensiva ¢ extensiva, de mui- ta audaciosa afirmativa e de muita boa vontade para a destruir, para a redazir ao nada, O combate tom sido sem tréguas 0, por vezes, tho ofi- eaz quam radical. De entre outros dos sous dofeitos salienta-se, como principal, que ela é artificial; nado tem vida. B” inerte. Alheia ao que se passa fora dela, nfo sabo 0 que é a pritica da vida, o viver social, a sociedade, 0 mundo! As erian- _ gas saem dela completamente cegas sobre a mais rudi- mentar pritica da vida. Os poucos conhecimentos que adquirem nao Ihes sorvem para nada porquanto nio os sabem aplicar aos rospectivos casos. Tudo & érro, tudo ilusio. A crianga incapaz de pensar por si, de actuar sd- zinha, sem iniciativa, — ao sair da Hscola sé encontra surpresas, e nio sabe livrar-so dos abismos, dos alga- pdes da vida pratica, da casuisticn cotidiana. .. Este quadro, alias verdadeiro 0 justo, provocon uma corrente de opiniio oposta, quo se orienta no sentido de fazer na Escola a imagem da vida... © transforma-la num Ayano do gente pratica, positiva, sabendo o que é a vida... Pretende-se criar na Escola um meio que seja a vida real, uma como que repetic¢ho ou copia do que 6 0 viver em sociedade. A Escola deve sor um meio social expori- mental, reflexo da realidade, em que a crianga dever’ ser trenada a ver, a observar a vida, a sociedade, onde mais tarde tera de haver-so, de existir. Muito bem. zMas quem educa deyerd limitar-se ao campo da vida positiva, deverdé por em acgio, na Escola, apenas o que constitai o mobil da maioria humana? 20 edueador de- vera cingir-se ao limitado Ambito da pratiea da vida, de- vera sd tratar © salientar o que ¢ essa vida fazendo da Escola uma sociedade em miniatura, com todas as suas: determinantes, com todas as paixdes e antagonismos ? ¢Deverd fazer sentir’ erianca que a vida social éa Inta eo vencedor 6 0 que for mais egofsta, 0 que menos es- crapulos tiver, 0 que torcer mais a sua consciéncia @ es- ‘rangalhar o sen cardcter ; deverd transformar a Escola, ‘nam campo de manobras, de taticas e de estratégias, em quo os espertalhdes, os que furam, o8 arrivistes silo os que vencem na sociodade contemporanea? Na Escola, dentro da Escola, deve fazer-se sentir ) crianga a hosti- lidade social, a livre coneorrencia, aluta pela vida? ¢De- ve dentro da Escola proceder-se com a erlanga como procedem os individuos ¢¢ fora, por osse mundo, numa, guerra om quo os fins justifieam todos 08 meios? gDeve-se ent&o ensinar a crianca a mentir, a rodear a verdade, a tratar e a pensar 80 de sie a 6 fazor 0 que the trouxer uma utilidade material ‘o imediata, a cuidar 30 no presente, na sua bdlsa e na sua pessoa? gDentro da Escola deve entio 0 educador inibir-se de praticar actos altruistas, porque na. so iedade s@ nfo pra- ficam eo 6 dar A crianga uma falsa ideia da pratica da vida? ; FY certo que vivemos numa dpoca essencialmente mer- cantilista ; 6 certo que a vida cotidiana quase se resume no deve e haver comercialista; gmas nico devemos dar & crianea, criar-lhe aspiracdes mais olovadas, necessidades mesmo, do atingir, de formar uma sociedade melhor @ mais porfeita? : gUnsinar a vida pratica? Sem diyida, fagamo-lo. gA erianca dove ficar sabendo ao sair da Escola o que vai encontrar na sociedade? Muito bom! Mas logicamente _ deverd sor instruida nas causas e nos efeitos da organi- zagio actual das sociedades. 20 edueador, porem, deve limitar a sua acgiio ao pre- gente, a apresentar o quadro, devord sémonte preoeupar se om eriar um cardcter odonistico, grosseiramente opor- tunista, pensando sémente no proprio bem-estar, nas con- venidneias pessoais, em vex de subordinar toda a acgio presente a um futuro melhor para sl o para 08 outros ? 7 Nao deverd eriar um espirito sofredor dos males alheios? 4Deverd fazer consistir a vida apenas na. balanga da morcearia, no materialismo econdmico individualizado, numa preocupacio egocéntrica pelo bem-estar possoal e presente ou deve alargar horizontes, eriar um idealismo RDUCAGAO FE ENSINO. baseado na exporiéneia ¢ nas previsées da sciéneia, fa- zendo ver A erianca que o presente no 6 igual ao pas- sado @ que tambem na seri B mnsine-se & crianga a pratica da vida mostre-se 6 que ola 6, ed fora; dé-se-lhe, eduque se a sua iniciativa, agua independéncia, a resolver por si os problemas cotidianos de que for objecto ela ou a sociedade om que viver, © a aplicar fodos 0s conhecimentos adquiridos gmas no se hé-de fazor dela igualmente um ser Perfectivel e progres- sivo, dando lhe, criando-lhe um ideal superior & mesqui- nhez da simples prtien? gNio se ha-do fazer da Dscola ésse meio ideal para que tendem as sociedades, om que experimentalmente as eriancas pratiquem 0 auxilio mi. tuo, aprondam a pensar nos outros e a euidar déles, at Serem generosas, verdadeiras, liais, altrufstas, humanas, @ natural @ conscientemente soliddrias? A Escola do passado, a velha Escola ora va, inane 3 estaya abaino da vida, da realidade. A que querem no presente, exigem-na exageradamonte a par da vida, co- mosinhamento limitada d estipida o vil vida vegetativa em que 0 estomago deve predominar ; 6 realista, Ora a Escola nito deverd colocar-se acima da vida, onde a ideéa © os belos sentimentos predominam sobre a tal pratica ? glim voz de readista nto deverd ser antes naturalista? xNio deveré antes bascar-so na naturesa eoeatvel © social da humanidade, que niio oxeluiaidoia lo futuro © a preparaciio para uma outra époea, para. melhores tempos ? E isso 6 se consegue dentro da Esco- fa, na pritica dos actos, em que o dogmatismo deve sér absolutamente posto de parte, e que ed fora nio so pra- ticam, éA Escola nto deverd pois ser... a Escola do futuro... praticado e nito apenas falado ? Edacar... Se instrnir, na verdadoira acopgio da palavra, 6 difi- cil, educar ainda é mais. Procurar instruir, isto 6, ensinar, dar 4 crianea um certo EDUCAGAO & ENSINO 9 © solido capital de conhecimentos devidamente coneate- nado 0 intoligivel, de modo que ola compreenda, assimile, se utilize désse saber na casuistica cotidiana, discernindo as relagdes de causa e de efeito, e no se torne um simples recepticulo onde se metem coisas ao acaso — 6 diffeil tarefa. Procurar educar, isto 6, eriar na erianca um método de trabalho, uma orientagtio, uma consciéncia de tudo que diz ¢ faz, estimular Ihe 0 gosto pola actividade, de- sonvolyer lhe a vontado ea personalidade, torné-la um eardcter a fim de que harmonize as suas aecdos com o son pensar, canalizar-lhe ou desenvolyer lhe 0 exercieio duma aptidao, duma inelinagio, 0, ats dum instinto, ou promover-lhe a inibicado doutros instintos, eultivar-Ihe um ideal — 6 tarefa, sem divida, muito mais dificil, Mas onde a obra do professor atinge o indximo da di- ficuldado 6 na necessidade que ha de educar as pessoas crescidas —nio para que elas so tornem caracteres ou sejam_ singelamente: coerentes, porquanto passado um certo limite de idade ja no se educa um ser, —~ mas, sim, Para que, ao menos, no escangalhem, nao inutilizem a obra de educacio do professor, Ah! as pessoas crescidas! Como seria relativamente facilitada © compensadora a missio do professor, como o seu trabalho seria proficuo e elicaz, se éle 86 tivesse a defrontar-se com a erianca ! As pessoas crescidas so 0 flagelo do professor e da erianga ! Sao 0 fracasso de muita obra educativa. Ma- nifestando ostensivamente todos os seus icios, os seus erros, todos os seus preconceitos, 0, sobretudo, a sua nula ou péssima edueagiio, elas so um elemento deletério, @ corrupeao da influéncia da Kscola. Os sous exemplos, © sen contacto, minam ¢ arruinam o edificio que a edu- eagio cria em cada crianca - edificio construido & custa de muita paciéncia, de muita dedicagtio, de muito boa vontade, de muito trabalho ! Nato 6 pela crianca, propriamente, que o professor se atormenta para conseguir o seu fim — eduear 5 mas, sim, pelas pessoas crescidas quo a todo 0 momentoo obrigam @ Tecomegar, a refazer a sua obra perdida por um mo- " nl Ne ae ea monto, a renovar os esforgos, a uma duplic vidado! Ah! as pessoas crescidas! Quem educa ou protende educar, careco de teimos de persisténcia, de continuidade. obra de educagiio 6 extenuante para quem a pre- tonde realizar a sério; exige uma sempre aguda observa- gio, uma constante atencio, para que nio se desprese’ © mais pequeno pormenor, o mais leve gosto, a mais in- significante contraecto do rosto ou das mios da crianga, de modo que se percebam quais as eausas que lhe dio prazer e as que Ihe provocam dor, e dai inferir as ton- déncias, os temperamentos, as ideosinerasias. Quer se tenha em mente canalizar uma tendéncia ou aptidiio ; promover o hAbito da reflexio, do raciocinio, ou desenvolyer um ideal on sentimento; quer se tenha o intuito de apagar, obliterar, destruir um yicio, um pre- conceito, uma ideia falsa, um mau sentimento, tanto wm como outro trabalho carece duma acgdo continua, sempre coerente, de todos os dias, de todos os momentos e em todos os lugares. E essa coeréncia deve vir do proprio professor: nao deve limitar-se a frei Tomds; deve fazer o que diz ¢ s0- brotudo praticd-lo, nfo s6 diante das criangas, mas mes- mo fora das suas vistas, porquanto o professor qua niio faz o que diz eo que deve fazer, 6 um mentiroso, sem. prestigio educativo © as criancas pressentem, debaixo da’ Sua aparéncia honesta, a falsidade, o ludtbrio. O atavismo, a hereditariedade, o preconceito, oinstinto, a tendéneia conservadora do aceitar as ideias © 08 sen: mentos ji feitos — personificados nos adultos —sio os inimigos da educag&o ¢ do progresso. i Para os combater e destrair ha nocessidade dum tra- balho simultaneamente intensive ¢ pertinaz. Nao é numa semana, nalgnns meses que arrancamos 4 uma crianga, por muito décil ¢ intoligenie que seja, a tendéncia para actos que foram praticados durante séculos por uma raga. Para se apagar, atrofiar, obliterar um vicio, quer mo- ral, quer fisico, oxige a natureza humana muito estado, EDUCAGAO E ENSINO IE muita observacio, muita boa yontade e um ideal de per- feictio humana! Para se conseguir tal desideratum 6 imprescindivel uma aegic convergente, 6 0 edueador tom de eriar um ambiente, uma atmosfera em que a crianga respire, viva, © constantemente seja solicitada a ver praticar e a prati- car ela propria actos © acgdes atinentes ao desenvolvi- mento do que queremos fazer brotar dela ou 20 atrofia- mento do que lhe queremos estirpar Nao basta dizer 4 crianca: cisto no se faz» ou «isto 6 que deve fazer-se» ou, ainda, dizer-Tho enfaticamente certas frases bonitas, ja feitas de encomenda, com pala- yrdes scntimentalistas, que tem tanto de incompreensi- veis como de conselheiro Acacio. F’ preciso mais alguma coisa, embora nisso esteja a grande dificuldade pata o educador. EH’ indispensayol para que a acgio do educador soja oficaz, e, portanto, du- radoura, para que alguma coisa fique na crianga, que sejamos deterministas e que, por conseqdéacia, saibamos criar uma série, um conjunto do causas psiquicas ¢ me- soldgicas quo, agindo directa ¢ indirectamente sdbre a crianga, esta se conduza por si mesma neste ou naquele sentido que nos queremos, O queé preciso é inventar determinantes, casos concre- tos, que actuando na crianca lhe criem o desejo, a von- tade, a necessidade de fazer ou deixar de fazer certo acto ou especial aegiio, Para educar, @ para que a educacdo seja uma pratica e nao apenas wma palavra, o essencial 6 criar um meio, uma acefio convergente que domine a crianga e desen- yolva-lhe as boas tondéncias, utilizando-as, e apague-The as mis, desprezando-as. O educador tem, pois, o dever de ser minucioso, do escrupulizar tudo que diz, cada palavra ou frase que pro- fore, cada opiniio que emite, Tom de rofleetir sdbre cada acto quo pratica. Precisa nflo perder nunea de vista o fim que tem a realizar, nfo s6 para as criancas conside- radas calectivamente, mas também individualmente : con- forme para quem fala, para quem pretends actuar, Glo deve usar dostas ou daquelas dotorminantes, para que EDUCAGAO # ENSINO corto vicio desaparoga da crianca A © para que corta qualidado so desenvolya na crianga B, Para que a educacio soja proficua o focunda oxige se, pois, que a crianga seja colocada em circanstancias fa- vordveis, num meio congruente & sua boa educagio, satidayol, notivo, o nto puramente passive, em que tudo que a rodeia lhe seja propicio, lhe estimule e crio — @ nao hostilize — a necessidade da vordade ¢ do bem ¢ quo ela s6 ouga € veja essa verdade o éase bem ! Dizer 4 crianca : «nto fagas isto» e deixd-la inconse- qientemente num meio que a solicita, a convida a pra- ticar ésse_acto quo The dizemos que n&o faga ; impor & crianga uma conduta que nds, as pessoas crescidas, somos ineapazos de seguir; mostrar A criauga a vida eontradi- téria em que nos debatomos, 6 despedagé-la moralmente, 6 fazer dela um farrapo, como nés, 6 tornar a educagio — a verdadeira — uma ¢oisa inttil por ser uma obra de farga. A crianga na sua légica nio compreende as nossas in- coeréneias. Dizer-Ihe quo deve sor solidaria e promiar- lhe a delacio ; dizer-lhe que deve ser vordadeira e cas- tigd-la quando diz a verdade, classifieando-a, nfo raras - yozos, de cinica ao confessar esponténeamonte uma pre- tensa maldado ; dizer-lhe quo niio deyo bater, que o ma- tar 6 um crime e meter-lhe na mio uma ospingarda ou uma espada; dizer-Ihe que 0 auxilio mituo é a lei da cou- duta social © patentoar lhe, fazer-Ihe sentir que a pratica desmoralizadora da vida & outra: 60 egoismo grosseiro, a Inta dos interdsses — 6 destruir a accio da Escola, da verdadeira Edueagio! Mas nao sao apenas estes factos gerais que as pessoas crescidas coneretizam na sua linguagem eivada de pre- eoneeitos ¢ tradutora duma vida oxelusivista e egocéntri- 4, que encontramos em toda a sociedade © que sd indi- rectamente influem, que inutilizai a obra da educacio. Ha ainda outros piores: sto os que se dio directamente om as criangas dentro das escolas ou nas familias, e em que elas, por vezes, tomam parte. Sho as palavras, as frases, os actos dos pais, dos EOUCAGAO £ ENSINO parentes, dos amigos déstes, de qualquer pessoa, adven- ticia ou nao, que se lhe aproxima, que assiste a uma au- Ja, quo the faz uma simples festa na eaboca! Quantas vezes uma possoa erescida destroi com uma simples caricia, inoportuna, a obra edueativa dalguns anos; quantas vezes um sorriso, de dtvida ou de des- dém, uma palavra inconscientemente proferida no inu- tiliza o trabalho aturado dalguns anos de educagiio ! A frase: «HA coisas que nunea se deviam dizer diante das criangas» devia estar sompre na meméria daquoles que estio, fortuitamente ou nao, em contacto com uma erianga, Um_ professor, apds um fatigante © inteligente traba- lho dalguns anos, estd prostes a conseguir duma crianca a completa estirpacio dam vicio, dum mau instinto. Com mais um esforco, ¢ perseverando em farti-la a datermi- nantes contrérias, espera conseguir safr-se vencedor. Pois bem, uma simplos frase proferida inoportunamente diante da crianca pode destruir toda essa paciente e difi- cil obra, e fazer vir & superficie ésse vicio, essa tendén- cia, que estaya apagada, e, que, dentro em pouco, teria, desaparecido por falta de exercicio, de estimulo e por um conjunto de medidas meticulosamonte organizadas ¢ inteligentemente postas em aeciio. Outro exemplo mais concreto. Suponhamos uma escola situada numa vila ou num bairro de desordeiros. Todo 0 esforco do corpo docente deve ser para criar um ambi- onte de paz, de sentimentos fraternais 6 organizar, polo menos na escola, um meio hostil a tndo que seja luta, com- bate. A preocupagio predominante deve ser apagar a ten- déneia para a agressio, as atitudes 0 as acces que tra- duzam sentimentos do combatividade, do lata, que forco- samente devem manifestar as criangas cujos pais sito afa- mados em desordens, em violéncias, em rivalidades. O dever do professorado seré pois criar nas criangas um espirito pacifista o destruir o espirito desordeiro, de os- tentacdo de forcas por parte dos seus alunos. Imagine-se, porem, que ao lado désse trabalho educa- dor, surgia alguém junto 4 escola a ensinar jogos de lu- ta, como o do box, o do pan, ete., e imediatamente todo lees ees inc \ ca, uma parada, um cortejo civicos dum far mento escolar, uma. sessile solene, com Ora dores som critério educative, uma récita, uma exibigio, | ma formatara, uma musica, pode por uma crianga em contacto, sob a influoncia dalgum elemento ou forga, Ou — essoa que inutilize toda a obra educativa dum Seinen Aa corpo docente amigo & apaixonado ate a abnegactio pela sua escola, pelos ss Se ie Mas—dirao os blaqueurs, fazendo espirito— 80 me a do numa redoma os meninos 6 que Glos se liyrario das idas! y Geen us tic do espirito sino da frase, respondo i a aceito ; dles devem ser subtraidos a ésse eopiany ie] i : rio pela forma mais radical possivel, @ ainda aan e que se julgando pedagogos nilo passaml de peda a nao no sentido etimoldgico do termo, mas noseu sent od iva do professor dup ne sy ee ere nae fazer de cada crianga wo bis hd também outra, a de evitar a influencia pernt ciosa © dostruldora dessa educag&o por parte das pes- soas crescidas ! ‘ f Aht as p ime S sadora a missio do professor, como oe Peano on proficuo ¢ eficaz, se éle sé tivesse ‘a defrontar-se com a crianga ! Fducagao racional As coisas de ensino em Portugal silo como as jon f todos pereebem @ teem opinides sobre 0 assunto. + ae as toiradas sto 0 metro com que so pode medir 0 es! a de civilizagaéo dos povos da peninsula, tambem a a i cidneia ou o pedantismo com que se fala de nang a simplesmente de instrugio no deixa de ser uma cal EbUCACAO E ENSINO ristica, H’ quo a ignorancia, como ja disso alguém, julga proceder com mais acerto e com mais verdade do que o consciente, do que o sabio. i © criterio da grande maioria, quanto a métodos de onsing 6 uma coisa nula; nfio sabe o que 6 método nem processos, nio distingue entre uns ¢ outros, mas sabo, diz ela, «como se edueam rapazes e raparigas». _. O seu modo de educar 6... aquele em que foi educada(?) Fa- zer aos filhos 0 que os avés fizeram ao pai, Se foi & bor- doada, a chicoto que foi educado (?), eso motodo (?) 6 para éle excelente: «o que sou e valho a isso devo...» Se foi pela castracdo da vontade, pela obliteragio dos sen- timentos, pelo automatismo intelectual, acliam optimo e se- guem naturalmente esse processo e repetem: «se somos alguma coisa noste mundo, a dle o devemos».., Ea yai- dade, o orgulho, a crassa ignorancia coga-os; nio lhes fazem yer, tanto 4 uns como a outros, que n&o teem ca- racter, que sio uns incoerentes, uns acrobatas de ideias @ de sentimentes, uns inconscientes da propria existencia Individual @ social, que as determinantes das suas acgdes ‘silo apenas instintos duma conservagio estreita e egoista e duma luta de fera contra fera, que neles nao ha a me- nor scentelha de intelectualidade, numa palavra, aio sio séres humanos integros, de posse do todos os seus di- reitos e faculdades, tendo conseiéneia das suas acgdes ¢ das dos outros, seus semelhantes. Sem se ser pedagogo, basta vor o quadro que nos dé a sociedade actual para se sentir que o metodo de ensi- no seguido at hoje é prejudicialissimo 4 naturezs infantil @ consequentemente a0 homem. Olhemos em roda e ob- servemos as monstruosidades. .. * Assim se oxplica, em parte, 0 movimento actual con- tra os antigos regimes de estudo e a vaga e imprecisa necessidade sentida pelos pensadores, em geral, de que deve onsinar-se por outros motodos, ¢ tratar as crian- Gas por processos novos; e o trabalho aturado, firme e cada vex’ mais scientifico e profundo dalguns filosofos e filantropos — nfo confundir com os da caridade-exibicio- nista oficial—no sentido de molhorar as condigdes do engino, tanto no que diz respeito a métodos e processos de educaciio, como relativamente 4 psicologia infantil e 4 mesologia da populagio escolar. Com a traicocira e rancorosa morte de Francisco Fer- rer divulgou-se - como foi inutil ¢ contraproducente o assassinato désse homem | — divulgou-se, iamos dizendo, um novo método, um noyo processo de educar, a que se chama racional e a que alguns chamam tambem racio- nalista—O que, a nosso vér, ainda é mais improprio, prestando-se a novas confusdes ¢ equivocos, porquanto pode parecer tratar se de qualquor des sistemas filoso- ficos que dito pelo nome de racionalismo, quer de Spino- sao do Strauss, quer de Descartes, quer ainda de Kant. Etfectivamente, todos os pensadores que sentiam a ne- cessidade da reforma do ensino, que sentidm os gravis- simos erros da escola do prosento, todos esses negativis- fas, incapazos do criwrem, experimentaram um alivio na sua conseidneia atribulada, quando souberam que jé havia um novo processo, uma nova orientagio a qual, 0 quo 6 importante, hes confessavam ser do optimos re- sultados, F, imediatamente, sem curarem de saber em que con- sistia esse novo processo de ensino, sem tentarem, como Voltaire aconselhava, definir os ¢ermos, ei-los, num lou- yavel intuito a constituirem ou modificarem grupos @ as- sociagdes para fundarem escolas ¢ nelas ser implantado © novo processo de ensino, julgando que para tal lhes pasta uma casa qualquer, um professor ou professora © uma taboleta com o nome de escola racional, ou coisa parecida ! Desculpavel ingenuidado! Para so seguir e aplicar o ensino racional é preciso mais alguma coisa. Nio basta escrové lo num papel em lindas frases abstractas! Nao bastam periodos bem es- critos, artigos bem deduzidos. E’ preciso saber o que é e como se concretiza na pratica. 5 EDUCAGAO E ENSINO * ‘A educagao racional, ou melhor positiva ou integral, 6 como todos os fenomenos sociologicos, um produto complexo de varios factores. Nio 6 uma invengio, uma descoberta; 6 uma resultante da psicologia colectiva, cor- respondeate ao estidio social para que caminhamos, é a emanagio duma concomitante mentalidade social e por conseguinte filia se no desenvolvimento scientifico dos po- vos. Nasceu, pois. das cireunstancias sociais © que 0s es- piritos neéfilos abragaram na sua ancia para o melhor. E onde essas circunstancias actuaram, criaram essa ne- cossidade, esse novo método surgiu o foi e 6 preconizado por aqueles que estio com o futuro, com a Ideia da ver- dade ensinada aos pequenitos. B assim ao estddio religioso da humanidade, em que as coisas sto oxplicadas por divindades voluntariosas, por causas sobrenaturais corresponde a escola congre- gacionista; e 4 sua imagem e semelhanga corresponde o ensino Oficial. A maioria das escolas do estado nfo passa d’uma repetigio, mascarada umas vezos, outras nfo, do ensino clorical-jesuitico, @ que tem por alvo nto formar na crianga um homem integro, mas, pelo contrario, defor- mé-la, fazer dela um mentecapto! Ao estidio metafisico, em que as coisas se explicam por abstracgdes, por goncralizagdes ompiricas dos feno- menos natarais, em que o ser humano se perde em mil e wma conjecturas, em definicdes cujo sentido nao se apreende, em que se entra na fantasia ¢ deixa de vér-se 0 cho que se pisa, correspondo a escola laica, com os seus palavrdos Ocos. abstractos, vagos, apoderando-se do sér humano e considerando-o sob uma forma simplista e egoista, fazendo dele, 4 semelhanga da escola religiosa, um automato;—mas com a diferenga de que nela os cordelinhos quo 0 fazem mover nilo obedecom 4 ideia dum deus, mas de patria, de estado, de eleitor, Tal 4 a edu-_ sire cieine qua eciou a Prams mepabticina aged jo pulaca de estudantes que apedrejou Zola por ocasisio da questio, Dreyfus !. e ra & escola racional, ou positiva, corresponde ao es- tidio psico-colectivo em quo o sor humano tem jé uma conseiencia social o adquiriu uma montalidadade positiva, ada, niio no livre-arbitrio, mas no de mo; a edueagio positiva é essencialmente determinista. Nao vé na crianga uma youtade metafisica que estuda ou nio estuda porque quer, nio yé na crianga um ser quan- titativa 9 qualitativamente igual ao adulto dotado dum igual livre-arbitrio @ que n&o conheco graduaghes. N&o ; a escola positiva sabe que nao existe livre-arbitrio e que se © adulto se determina por mobeis, a crianga tambem esta sujeita 4s infinidades do causas que agoitam um ser humano e que lhe criam uma idoosinerasia propria, pes- soal. A educacio positiva 6, pois, essencialmente a, dividualista. Cura sobretado da natureza particular do cada crianga, da sua psicologia fisiologica ou patologica, do meio social em que ela vive, © conforme os casos as- sim aplica este ou aquele processo. E’ um método es- sencialmente edonistico, isto 6, procura por todos os meios que a erianga obtenha o maior numero de conhe- cimentos © que, sobretudo, se eduque o melhor possivel, com o menor esforco. Tende a converter 0 ensino tanto quanto possivel num divertimento, num prazer e nko numa magada. Procura criar na crianga o gosto pelo aprender, pela seiencia, Alem disso s6 ensina a verdade demonstrada, 0 que pode explicar-se, © ainda desta parte sO aquela que a crian¢ga pode perceber., Tudo o que o estado de desenvolvimento psico-fisico da erianga n&o permite que ela compreenda, 6 deve ser posto de reserva para quando cla o possa compreender. Neste en- sino, portanto, nio pode haver programas rigidos que 0 professor dova seguir inflexivelmente. A todo 9 mo- mento, ante a necossidade da psicologia do aluno A. ou do aluno B., o professor 6 obrigado a alterar a ordem das materias, adaptando-as 4s individualidades dos alu- nos @ sobretudo 4 oportunidade. O professor deve sempre aproveitar_a euriosidade, 0 momento psicologico do inte- resse que a crianga possa ter em saber um assunto, deve EDUCACAO FE ENSINO 19 aproveitar a sezio, permitam me o termo, muito embora the va ensinar uma coisa quo sO mais tarde deveria sor- the ensinada, Isto, ja so vé, sob a condicio de que a erianga j4 pode compreender a explicacto dada, Assim, pois, sendo este processo essencialmente indi- vidualizado, 6le tende naturalmente a aproveitar as pre- dileccdes, as tendencias © aptiddes das criangas e por consequencia 4 criar-Thes uma individualidade distinta, a formar Ihes um caracter independente, tendo opinides proprias e sabendo discernir por si proprias. Todos es- ses problemas que deixamos esbogados @ ainda outros, como a questio dos livros, o regime de horas, a idade escolar, a escola mixta, ete., so problemas que carecem de desenvolvimento e de estudos concretos © prati- cos, sem o que a educagio racional n&io passard dum castelo de cartas. file visa a formar em cada sér humano, n30 um indi- yiduo mutilado, mas uma individualidade em que haja Ronseioncia, da sua existencia social integral, isto 6, que ‘esta mio 6 apenas economica ou politica, mas sim eco- nomica, familiar, artistica, scientifica, moral, juridica ¢ politica, : ‘A escola racional tende, pois, a concretizar a fraso de Torencio: «Bu sow homem’ ¢ nada que respeita d humani- dade me é estranho.» Escola Laica e Educagdo Racional No actual momento de mentalidade humana, uma das grandes dificuldades que surgem a0 pensador, ¢, sem duvida, a expressiio das ideias que dimanam das novas sciencias concretas, sondo-lhes bastante dificil encontrar palayras que traduzam rigorosamente as suas coacepgdes, som perigos de interpretagdes erroneas, ~ quer por parte dos que 86 véem as superficialidades das coisas, vendo mais a forma do que a essencia, quer dos que aprovel- tam, para seus fins, a confusto doses superficiaes. A linguagem nfo se forma com a mesma rapidez © quantidade com quo brotam da expeculagio scientifica as 20 EDUCAGAO E ENSINO ideias novas. Todos os dias s9 registam principios e leis que até entio eram intangiveis 4 consciencia humana. Grandes revolugdes se teem operado no quadro geral dos conhecimentos humanos e todavia a linguagom, a termi- nologia tem ficado quase a mesma. N&o tem havido uma correlativa evolugio da linguagem. Assim os homens de sciencia teem-se visto na necessi- dade de procurar na linguagem j4 usada, termos quo thes traduzam as suas novas ideias — termos que muitas ve- zes sto j& pela goneralidade, um preconceito —do que r dunda um verdadeiro caos, uma confusdo para 08 pro- fanos e que sé alguns curiosos ou especialistas que te- nham seguido a genese e desenvolvimento da ideia ou concepgio, podem lograr compreender rigorosamente essa ideia nova através da palavra ou palavras velhas. E se tal sucede em paises onde a sciencia se cria ¢ Pp ‘ide, onde os homens de sciencia fazem sciencia ba- seada na propria obsorvagio ¢ oxporiencia dos factos de que silo actores e espectadores ao mesmo tempo, muito mais se dé entre nés onde nio ha sciencia indigeua, mas unicamente de exportagto, onde os sa%ios, os intelectuais seguem servilmente o que se diz Id féra, 0 que diz o eminente professor I’, ete., limitando-se apenas a apor- tuguesar termos estrangeiros, onde o homem de sciencia, ou soi disant como tal, se amanceba ¢ se submete, acor- rentado, ao politico profissional que explora o seu nome pata angariar froguoses para o sou jornal ou para se dar arey,entre os seus éleitores,de que 6 wm politico... scientifice. Dé se, pois, em Portugal uma dupla causa de confu- sto de ideias Acerca das sciencias novas: uma, é goral, de todos os paises —a terminologia velha aplicada a idoias novas; outra especial, propria de nos — a termi- nologia scientificea 6 toda estrangeira ou estrangeirada, com significacdo inteiramente estranha ao portugués, 0 que 6 derivado da carencia quase absoluta do homens de scioncia na verdadeira acepgio da palavra, isto 6, homens que fagam, eriem sciencia. B, de facto, entre nds, os intelectuais, os salios, quar- do n&o passam de motafisicos, nado fazem scioncia, imi- tam-na sob a capa de erudigéo. EDUCACAO E ENSINO at Procare-se em roda; nomeie-se um a um todos aqueles que, entre nés, se dizom ou teem a aparencia de sabios, © pergunto-se Ihes quais as suas obras de sciencia. Um ou outro poder’ jactar-so desta ou daquela obra assinada com o seu nome, muitas yezes uma simples dissertagio obrigatoria para escolas on concursos; mas a maioria dos nossos inteloctuais apenas apresentard como bagagem scientifica as palestras dos cafés, ds mesas ou 4s portas do Martinho ou do Suisso, ou alguma dessas conferen- cias scicatifico-galopinciras, mixto de medioeridade © do abstracedo erudita, arquitectadas nas alturas do visiona- rismo, 4 imagem e semelhanga das parlengas universita- rias coimbrés, que todos para ai criticam, mas que todos seguem e repetem. . * «Vem isto a proposito de ser mania agora confundir a escola racional com a escola laica, B logo toda uma de- terminada gente repetin a mesma fantasiosa afirmativa. «&’ a tendencia a pensarem todos da mesma, forma, a re- petirem todos, sem ezame, a mesma afirmagdo ou a mesma negacdo — seja uma intuicio de genio ou uma parvoiga- da — tendencia talvez derivada ou, pelo menos afim de outra — a que todos temos a nfo admitir quo os outros pensem de uma maneira diferente da nossa», «A cada idéia on psoudo idéia atirada para o meio do rebanbo, lo- go os doceis lanigeros de Panurgo se deitam todos a cor- rer para o mesmo lado,.. para dentro em pouco corre- rem todos em sentido oposto, o assim sucessivamente. B assim 6. Com o assassinato legal de Francisco Fer- yer todos os nossos pedagogos liberaes comegaram af a gritar, a barafastar que cram racionaes..- no ensino & que nas respectivas escolas democraticas s2 seguia ha mui- 40 © método racional, eonfundido tudo e seguindo todos a opinido de que a escola laica era a mesma coisa quo a racional. E 0 coro entoou-se, Associagdes, clubs, centros, tiveram o desplanto, a audacia do declararem pela boca dos seus luminares qne de ha muito seguiam nas suas escolas 0 ensino racional — escolas essas, como 6 publi- ¢o @ notorio, em que ha a imposigio autocratico do pro- 22 EDUCAGAO E ENSINO fessor; escolas essas onde ainda as direccdes discutem se devem ou nfo aplicar castigos corporaes, se deve ou nao ser abolido o regime da palmatoria; escolas essas onde ha uma diseiplina escolar 4 militar com toques de corne- ta, onde se segue servilmente os programas oficiais, os atrofiantes ¢@ banais livros oficiais, e outros dislates de igual jaez ! Evidentemente esta confusaio tem no fando uma base: a vaidade. Entre nds, onde nfo ha iniciativa, originalida- de, todos querem ser os primeiros, OS UNMiCOs que pensam, que sabem, que teem inteligencia e yoom bem... Daqui, dizer-se quo ha outras coisas diversas das que éles sabom ou preconizam 6 ofender-lhes o orgulho de sabios, a vaidade de pensadores—o que éles resumem nas seguintes frases ; «isso ndo 6 novo para mim», seu j) issu, eeu j& sei isso» ! Hipertrofia do eu, afinal de con tas. Mas, dizem os defensores da escola laica, os que pre- tendem a confusto dosespiritos de modo que sejam coa- siderados a ultima palayra na pedagogia, que sejam ti- dos como nao falidos em materia do ensino: nada ha que a «escola racional preconize quanto a métodos pedago- gicos (logo, quanto a outras coisas, pelo menos, ja nig 6 0 mesmo) que n&o tena sido dito e redito pela escola laica», x sescola racional pretende igualmeute so- guir nos seus métodos pedagogicos os estudos feitos so- bre a pedagogia da infancia. Tambem isto nao é inven- clo sua». Evidentomente que assim ¢, mas uma das diferengas osté exatamento em que a laica pretende apenas, a0 pas- so que a racional, no pretende sb, pratica experimen- talmente. Onde primeiramente a psicologia infantil foi estudada, foi nas escolas religiosas, cougregacionistas. A educagio jesnita 6 um conjunto de processos aplicados & psicologia da crianga. Quem poderd negar quo a educacio jesuitica niio tem a sua base na psicologia infantil, quando empre- g® os sous particularissimos meios para conseguir fazer duma erianga um frangalho humano? Mas, dirfio, essa psicologia habil 6 falseada, essa psi EDUCAGAO E ENSINO logia nfio 6 a da «escola laica» que tem outros fins a al- cangar ! F Pois 6 exactamente o mesmo que dizemos a respeito da psicologia infantil estudada ¢ proconizada na escola lai- ca, em face da psicologia infantil praticada ¢ seguida na escola racional ou scientifiea; nesta a psicologia tem ou- tros eriterios, porquanto outros so os seus intuitos © os seus meios ou processos de ensinar f E Dizem ainda os defensores da amalgama laico-raciona- lista +que /a escolas laicas que sio apatriotas © até an- tipatriotas © anti-militaristas» e «que nto 6 verdade que a ideia da patria soja sempre (sic) onsinada dogmatica- mente na escola laica; em muitas escolas, mesmo ofi ‘iais esta ideia 6 estudada scientificamente e ensinada critica- mente, fazendo apelo & experiencia @ & razor. Que prova isso? A excepgio confirma a regra: simples- mente que em regra geral a escola laica 6 patriota, mili tarista, que aideia de patria 6 sempre ensinada dogmati- camente, pondo-se do parte a sciencia, a critica, a expe- riencia, @ razio; ¢ que a escola racional é sempre apatrio- ta 6 que segue o método do estudo scientifico, critico, apelando para a experiencia ¢ para ara7%o, 6 nunca pa: ra o dogma! os Nesso argumento ha, porém, ainda uma fslle que recor- da aargucia jesuitica: 6 a ideia de patria ter uma explicagio sciontifica. Ora quando se explica seientifica- mente tal fenomeno, nfo 6 como fdeia que se encara, é como preconceito; como sentimento, muda de nome e chama- se adaptacio ao meio social, pertence 4 mesologia. Mas, dirio jesuiticamente: Ora! quostio de pala- sia questio de palavras, mas cada palavra tendo uma significagio diferente: uma traduz preconceito ey ista, exclusivista, outra traduz um facto natural, baseado na psicologia colectiva ¢ nio contém exclusivismos depri- mentes para com os nossos semelhantes, Com a protensio, porém, de fazer interpretacio anten- tica langa-se milo dum escrito publicado na 2 cole Reno- vée, assinado por William Heaford, © ainda da denomi- nacio de Scuola laica que tem 0 periodico representante 24 KOUCACAO E ENSINO em Roma, da Liga Internacional de Educagao Racional da Infancia. Ora o artigo de Heaford, onde se faz a historia da ori- gem da Escola Moderna, de Barcelona, encara esta uni- camente, ou pelo menos, principalmente sob 0 aspecto do que ela tem realmente de contrario 4 oscola religiosa ou congregacionista; mas no referido. artigo ha o cuidado de dizer-se embora incidentalmente, que Ferrer ao pretender «coordenar as oscolas Jaicas da Hspanha» pretendeu tam- bem substituir os métodve dessas escolas por outras mais racionais, positivos, scientificos. Quem guiser ver tirard facilmente a conclusio de que ¢le encarou a Escola Moderna sb no ponto de vista de que ela tem da laica © que nao entrou no estudo das ou- tras particularidades por que se distingue desta. De facto. a escola laica contém-se na escola racional no que ela tom de negativo em materia de religiao, mas afasta-se de- la noutros inconciliaveis pontos, como por exemplo, quan- to @ sua fase positiva em matoria de dogmatismo politico social. Explicado assim o artigo de Heatord, o argumento dainterpretagio autentica com a sua citagio, eai pela base, Quanto 4 Scuola laica, de Roma, diremos que esse titnlo corresponde em parto 4 uma oxigencia mesologica ede propaganda, e, ainda, que essa publicagiio nlo se do dica inteiramente ao ensino racional ; é uma revista es- pectal em lingua italiana, consagrada em grande parte d Hcole Renovée, A escola laiea existe om Franga, onde ba a favorecd Ja a separacio legal entre o estado e a igreja. Emile Zola estigmatizou-a, deserevendo no seu romance Verda- de, com 0 seu costumado rigorismo, fotografando-no-lo em que consiste a escola laica e quais as perseguigdes que sofre o humilde professor que onsa sair da rotina © pre tende ensinar por métodos racionais. Basta, porém, ler os criticos da escola laica ¢ os peda- gogos de oriontagio racional ou positiva que adyogam o novo método, para se provar que uma coisa é oscola Jai- ca, outra escola racional. Leiam-se todos os artigos, — © para o caso, dos autores franceses principalmente, — que vieram publicados na H’cole Renoved revista faun- EDUCAGAO £ ENSINO 25 dada por Ferrer; leiam-se nomeadamonte os artigos de Marcel Borit nos dois ultimos numeros do 3.° ano, 0 artigo de Maurice Dubois, intitulado «Heole primai- re et la prépartion 4 la vio» o tivar-se-& imediatamente a conciusio = (ue as supraditas escolas s&o diferentes. De coutrario, chegur-se-ia a este absurdo: os dofenso- res do ensino racional criticarem e censurarem... esse mesmo ensinol gSe a oscola laica 6 uma e a mesma coisa que a escola racional, para © porque 6 entto que os pre- conizadores desta, combatem a escola laica, reprovam-na e pretendem modificd-la radicalmente, dando-lhe uma ori- entagito scieatifica, nos proprios paises em que ela existe, quer oficialmente, quer particular ? Sabemos perfeitamente que classifieagdes nJo corres- poodem 4 rigorosa realidade das coisas, que sfo apenas processos_especiais de que os pensadores langam mio para simplificarom a saa tarofa © so especializarem. As classificacdes dos conhecimentos, das plantas, dos auimais, das sciencias sociais, sio apenas métodos, processos, meios, com que o ser humano, mercd da sua mentalidade restrita, toma 4 parte © ostuda um aspecto particular, da natureca, uma sua modalidate. Quem pensar que as classificagdes servem apenas para constituir coisas completamente distintas, separadas, sem relayio-alguma com as outras ovisas que a realidade nos ofevece erra. O matomatico ostuda as coisas sob o aspec- to dos numeros, o geometra estuda essas mesmas coteaa sob o da extengio, o fisico estuda-as independentemente da sua composigao, que 6 © aspecto que pertence ao qaimico, o assim para os demais aspectos, até que chega- mos a0 aspecto social, que por sua vez so subdivide em diversos aspectos, economico, genetico, artistic, psico-co- lectivo, moral, juridico e politico, pelo que se conelui que 4 seioncia tem sempre o mesmo objecto sobre que reeai A sia observagito ¢ ostudo, isto 6,—va 0 palavrilo! — a sciencia 6 una. Sabemos, portanto, que os eelebres duatismos antago- nicos sdo pura metafisica, como por exemplo, o bem © 0 mal, a virtude © 0 vicio, vertobrado © invertebrado, ete. Estas pseudo-antiteses exclusivistas nfo passam do 26 EDUCAGAO B ENSINO modalidades duma_e¢ mesma coisa, antes aproximando- se umas das outras por series de graduagdes. Mas se sabomos isto, sabemos por consequencia que as coisas se distinguem pelo seu aspecto geral, pelo modo como est&o conjugadas as saas componentes, e n&o por- que todas ossas suas componentes sejam exclusivamente suas, proprias, constituindo earactéres distintos, tranchés de todos os outros caractéres que compdem as outras coi- sas. Evidentemente as escolas congregacionista ou religio- sa, laica ou metafisica, e racional on positiva, teom cara: ctéres comuns, sobretado este: serem escolas... como, por exemplo, os mamiferos, cuja caracteristica 6 ter ma- mas. Mas, assim como sob este aspecto encontramos ou- tros animais, alem do ser humano, que se distinguem dele, assim tambem encontramos sob a rubrica eseolas diversas escolas que pelo conjunto dos seus caractéres se distin- guem umas das outras. Ha, de facto, entre clas uma serie de pontos de conta- to que servem de transigio entre a escola religiosa e a laica e entre esta e a racional; mas 0 que é certo 6 que elas no seu conjunto se distinguem dum modo evidente. Pode a escola religiosa adopter certos meios empregados pela escola laica, como esta pode seguir soparadamente algum ou alguns dos processos preconizados e praticados na escola racional, mas todas as trés distinguem-se no seu conjunto, sob varios pontos de vista como, por exem- plo, quanto aos fins ou intuitos, quanto 4 instrugio, quan- 1o 4 organizacio e funcionamento escolar, ete. Deste modo,pois, a classificagio de escolas em religio- sas, laicas e racionais nao 6 uma parvoigada. Profundemos, 4 A escola laica, do latim fatcus, 6 a que nado 6 eclesias- tica, religiosa. As escolas religiosas primarias sto dirigidas por indi- viduos da igreja, por sectarios religiosos, e dio 4s crian- cas uma instrucio primaria, 6 certo, mas ao mesmo tem- po diio-lhes uma educagao religiosa, apelando paraas pra-. EDUCAC4O £ ENSINO 29 ticas religiosas, para os oxercicios espirituais, criando no- Jas automatos, castrados de vontade e de ideias pro- prias, com criterio espiritualista e cheios de terror dian- to do que lhes dissoram ser o sobrenatural. As escolas laicas so feitas por profanos ou secalares e destinadas igualmente a profanos ou seculares. Sio pro- tondidamente dirigidas por um professor ou professora laica 0 dio 4s criangas uma instrugto igual 4 das escolas religiosas, mas sem a materia religiosa que ¢ substituida pela educactio chamada civica. Prodato hibrido do Livre-pensamento ¢ da Magonaria, sfio na frase dum sou partidario um «meio seguro e proficuo de oposigio 4s facciosas @ despoticas escolas de carfcter religiosos e teem por principal, seu&o unica mis- so fazer ateus, ou mais rigorosamente fazer individuos sem fanatismo religioso, pois que nem o seu ensino, nem os prineipios que Ihes servem de lema, sio condu- contes a criar irreligiosos, individuos completamente des- pidos de qualquer sentimento religioso. O culto dos mor- tos, por exemplo, subsiste na escola laica através do seu negativismo ateu. © dogma religioso que ela tenta destrair, é substituido por outro dogma —o da patria. A liberdade de conscien- cia que ela defende diz respeito unicamente 4 re- ligito. Um dos apostolos da escola laicx sintetiza-nos esta vordade na seguinte frase dum seu escrito recente: «pen- sar on no pensar, racionar ou ndo raciocinar, ter conscien- cia livre ou prisioneira dos dogmatismos das igrejas». Vé- se, pois, que 0 ponsar, o raciocinar, o ter eonsciencia livre 6na oseola laica unicamente respeitante aos dogmatismos religiosos. E os outros dogmas, os outros preconceitos? A esses deixa-os inteiramente de pé. A propricdade, a autoridade marital, a correlativa subordinagio da mulher, a arte ea seiencia como um dom, acaridade, 0 crime e 0 castigo, 0 estado, a patria, a ordem, o prestigio da autoridade, o respeito 4s leis © aos chefes, etc., etc., tudo fica do pé, tudo ola sanciona © defendo com eatusiasmo. BH’ a sua missio de caricter afirmativo. EH nesse sentido tem um trabalho do sugestio. 28 EDUCACAO E ENSINO Ela procura — empregando, 4 semelhanga do jesuita solerte, um conjunto de meios, de praticas politicas, de exercicios militares, com hierarquias, premios ¢ castigos — fazer dos alunos oleitoros, a que chama cidadaos ; criar soldados «que defendam a Patria» ; insutlar o dogma ae bandeira — simbolo da supradita patria ; alimentar o io ao estrangeiro; manter o amor fetichista pelo nosso exereito, pela hierarguia social ; isto é, agarra nas crian- gas, e, corrompendo-lhes a inteligencia, mentindo-lhes, faz delas esses servidores inconscientes, esses partidarios de toda essa engrenagem metafisica do Estado-Autoridade, do Estado-Loi, do Betado-Parlamento. i s «O aluno das escolas laicas faz do mundo extorior uma i ela muito especial. Segundo o criterio dos mestres, ha las especies de homens no mundo exterior : os homens honestos, inteligentes que teem raz&o em tudo que dizem, que silo heroes quando vencem, martires quando yenei, _ dos, S80 08 cidadaos tementes 20 Estado—quando exteriori- ue bem patontemente praticas politicas ! Os outros, ma- landros, corja, sio os apatriotas, os anti-militaristas, os anti politicos, se slo sabios pensam como intrujdes, se silo crentes & porque silo hipocritas, se vencem so traidores e da policia, se so vencidos sfio covardes ! 0 ideal da escola Jaica, sob o ponto de vista da edu- eagdo seria transformar 0 mundo pensante numa vasta politicocracia> © «a edueagio da mocidade 6 um dos me- lhores meios para 0 politico conseguir o fim do se s tido», ae A afamada obra de Jules Payot - La Morale a UE’ J = UB a conforme o programa do ensino da moral nas oe Mae confirma o que dizemos. Eis uns exem- «Nos queremos que a nossa patria seja a mais j mais humana, noma ple mace eee Gee mos que a Franca tenha uma reputagho de polidez, de ge- nerosidade que se faga amar por todos os povos @ que Pee propria estima das nacdes hostis. «Um aprendizado necessario, — um bom soldado 6 um mister dificil que 6 oe aprender. EB’ forgoso ser um atirador habil, saber earro- EDUCAGAO E ENSINO 29 gar e apontar um canhio. Este aprendizado 6 0 sorvigo militar.» «A victoria pertenco aos que avangam. Numa batalha, & sompro o mais perseverante quem vence. O menor mo- vimento de hesitacdo e de indecisio aumeata o numero de mortes, de feridos. Pelo contrario, oentusiasmo, a au- dacia alegre, diminuem as perdas. Porisso devemos sem- pre avangar com coragem, euste o que custar.» Que melhor prova poderiamos dar do criterio social que preside 4 escola laica! Contudo acrescentaromos ou tra prova: 6a excelencia do colobrado mutualismo esco- lar que to grande deslumbramento causa 208 NOSS08 pe- dagogos... franceses. O mutaalismo 6 simplesmento uma escola do agiotagem, pois cria apenas, sob a capa da pre- videncia, o espirito de ganancia, do dinheiro a juros ; nfo cria seres humanos solidarios, mas simplesmente capita- listas, B’ portanto ossencialmente tandencioso a fazer dos alunos bons e pacatos burgueses. Quarto ao mais... a escola laica segue 9 mesmo que a escola religiosa. Na parte jnstrutiva o que tem em vista 6 0 exame, & carta de exame, a caga ao ©. BE. P. (certificat d’études primaires), como dizem em Franga. «Para a domoeracia, diz Maurice Dubois, que nfo sabe que existe a industria e a agricultura, que nfo pensa na produgio, mas para quem o ideal 6 0 pequeno comerciante, 0 burocrata, gen- to de modesto salario, com a vida livre de perealgos, cer- ta dum pequeno rendimento para o futuro, a instrugio simbolizada pela carta de examo primario, 6 uma excelen- te panaceia.» Os assuntos a ensinar, tanto na escola laica como na religiosa, silo 0s Mesmos, com O mesmo cardcter de frac- ¢ionamento, de coisas soltas, sem nexo. As nomenclatu- tas Ocas sdo o seu cavalo de batalba. A historia 6 ainda a mesma enfiada de reis, de guerras, de grandes homens, «desde as epocas mais remotas até nossos dias». ‘A edueagao familiar 6 completamente desprezada. O homem e a mulher so, para a escola laica, seres que nao teom vida comum, que nfo sdo socialmente iguais, Para ela, a mulher 6 ainda um ser inferior sobre o qual o ho- pee Sige aes 30, i EDUCAGAO & ENSINO mem manda. Basta ler as constantes chufas, os ditos du- bios @ pornograficos que costumam escrever certos par- tidarios da laicizagto do ensino, acerca da mulher, para se ver que a educagéo do homem para companhoiro da mulher 6 coisa que Ihes repugna ou que lhes 6 desconhe- cida. A escola laica tambem nao cura da inteligencia da cri- anga ; 0 seu método de ensinar 6 ainda o mnemonico : de- senyolve a memoria ¢ nada mais, 0 raciocinio 6 coisa de que ela no cogita. Os programas sio rigidos, independentemente dos meios sociais a que devem ser aplicados. Sao os funcio- narios que habitam as capitals, que os formulam dentro dos seus gabinetes e que fazem os livros destinados a se- rem decorados, sistema este paramente empirico, origi- nando essas verdadeiras monstruosidades, a que Laurin chama fantasias pedagogicas,,. * Aescola racional ou scientifica ou integral nio 6 assim, N&o trata aponas de substituir 0 padre professor gue man- da, pelo professor laico gue manda tambem, com preocu- pacao assente de ser contrario As doutrinas religiosas; no trata 86 de eliminar dos programas a parte religiosa ou fazer segundo a frase proferida num Congrosso Pedago- gico,da Liga Nacional de Instrugko, por um novo pedago- go(?) cujonome serve de rotulo a uma escola republicana —onsinar 4s criancinhas a doutcina, para depois dizer- lhes «isso 6 uma mentira,..» Nao trata tambem do su- bstituir a palavra égreja pola palavra estado ou por qual- quer outra que como estas so meros dogmas ou precon- ceitos. Outras so as suas vistas, 0s seus horizontes, ou- tros os seus fins © intuitos, Ela tem por fim fazer da erianga um ser humano com- pleto, integro. Dirige-se a criar em cada crianga, no um ser mutilado, mas um individuo socialmente completo, co- nhecedor de ¢odos os seus direitos, tendo uma consciencia social integral @ nfo sendo apenas uma maquina eleitoral. Nas escolas racionais, segundo a exposigio de princi- pios da «Liga [nternacional de Educagdo Racional da In- fanciay, fundada por Francisco Ferrer, tem-se em vista que a educacio deve assentar em bases scientificas e racionais, e por conseguinte repele toda a intervengiio sobrenataral ou autoritaria; que a educagiio é mais im- portante do que a instrugio, 6 deve compreender, alom da «formacao da inteligencia, do desenvolvimento do ca- racter, acultura da vontade, & preparacio dum ser moral ¢ fisico, bem equilibrado, cujas faculdades sejam harmonicamente associadas e lovadas 4 sua maxi- ma potencia.» A educacato moral 6 tambem experimental e tem como ideal o fundamento a pratica da «grande lei natural da ~ solidariodade>. «Os'programas e o método sio adaptados tio exacta- monte quanto possivel 4 psicologia da crianga». E assim 08 programas no s&o inalteraveis, a ordem das materias tais como neles existe tem minima importancia : uns ser- vem apenas de orientagio para o professor, a outra 6 al- terada constantemente, de harmonia com a psicologia in- dividual dos alunos e com o meio social a que se aplica, urbano ou rural. Preoeupando-so mais com a qualidade do que com a quantidade, com o saber consciente do que com o palavrea- do erudito de sabios; 6 pois um ensino intensivo e nao extensivo, cteristica do ensino laico. Como principio fundamental em pedagogia ela preco- niza que 86 se deve ensinar as criangas o que elas podem compreender, ver. E como a psicologia, da crianya 6 essencialmente concre- ta, assim tambem o sou ensine deve ser essencialmente conereto. A abstraccto 6 posta do parte por incon gruencia. Preocupa-se com que a crianga sinta, veja, entenda, que investigue por si propria, observe, coleccione sistematica © conscientemente os conhecimontos, que tenha discerni- mento, criterio © iniciativa propria. O ensino & feito com coisas e nio por palayras, E’ um easino simples, sobrio, pratico, vivo, verdadeiro, livre de ideias j4 feitas, emol- duradas em definigdes sibilinas, sem palavreado, sem li- 32 EDUCAGAO & ENSINO gdes a dedo ; 6 feito numa linguagem chi © s4, ndo preten- dendo formar s6 sabios ou literatos, individuos estranhos 4 producto a quasi todas as demais actividades sociaes. A escola racional n&o confunde o estar preparado pa- ra a yida com o estar preparado para sor um comerci- ante ou um burocrata ou um eleitor, o neste intuito ela cura principalmente da eduecagio social integral e nao da mera educacio politico-galopineira, Procura fazer de cada aluno um ser economico ~ no sentido de quo deve desempenhar uma fung&o economica —como deve ser um individuo familial, artistico, scientifico, moral @ justo. O que, sobretudo, distingue a escola racional 6 que ela 6 essencialmento wm mébodo, um processo de ensino, baseado om estimular na crianga a investigagio scientifica, em lhe ensinar SG O que ela pode compreender dum modo claro e nitido, provo- cando-lhe o raciocinio de modo que seja a crianga que descubra a lei, o principio, a causa, numa palavra, a verdade scientifica, indo de raciocinio em raciocinio, de experiencia em experiencia. A acgtio do professor limita-se, pois, a provocar habil- mente a atengio do aluno o auxilid-lo nessa busca da verdade, nessa Juta pelo saber. Ao professor 6 vedado dar & crianga a verdade ja feita e demonstrada, dentro, dum enunciado ou duma definicao. A disciplina 4 militar 6 completamente condenada. A verdadeira disciplina encontra-a ola na amizade, na box camaradagem que deve haver entre os alunos @ os pro- fessores. Sobre higiene escolar, quanto ao estudo, conhece o © que é a doenga que o dr. Delassus denominou Keolismo ou sojao resultado morbido do excesso de trabalho exigido pelos desapiedados programas, que forgam os estadantos a um surmenage intelectual continuo e os obrigaa um se- dentarismo prolongado, cujas taras principais sfo 0 desvio da coluna vertebral, perturbagdes da vista, mau funciona- mente das vias digestivas, oxcitago nervosa, ete. Emfim, para terminarmos citamos o que Francisco Ferrer escreveu em 1907 quando estava preso no Carcere Modelo, ¢ que veiu publicado na Hwnanidad Nueva. 33 «A Escola Moderna (ou soja o ensino racional) nao tom por fim unieamente fazer desaparecer dos cerebros © preconceito religioso. E’ corto que é éle um dos que ‘mais se opdem 4 emancipacio intelectual do homom, mas expungi-lo niio é suficiente para se preparar uma sociedade livre e¢ feliz, porquanto nio se compreende que 0 sej som liberdade, s6 porque nao tem religiio.» A Escola Moderna propde-se combater todos os pro- conceitos que entravem a completa emancipagio do ho- mem. Porisso a instrugio que ministra 6 racional, homa- nitaria, lovando o espirito da crianga ao conhecimento de todas as injusticas sociais, para que, por sua vez, possa * combatélas ¢ opor se Jhes. O racionalismo que preconi- zamos abomina as guerras fratricidas, internas ou exter- “nas, a exploragio do homem pelo homem, a escravidao da mulher; tem como alvo a destruicio de todos os facto- res da dosharmonia humana, como a ignorancia, a mal- dado, 0 orgulho e outras chagas sociais que tanto afligem a humanidade.» - «O ensino racional ¢ sciontifico da Escola Moderna ~ abrange, como se vo, o estudo de tudo aquilo que 6 fa- voravel 4 liberdade do individuo ¢ 4 harmonia da colecti- yidade, isto em procura dum regime do paz, de amor © de felicidade para todos, som distingaio de classes, nem de > soxos.» : { 3 Bis o que 6 0 ensino racional! His o que Gle quer: que aa humanidade se governe pela raziio @ pela ver- dade, em vez do so deixar governar polos preconceitos ¢ ES pela mentira», quer sejam religiosos, quer politicos ! Bis ° aS ndo é a escola laica! i rémos ter demonstrado a diferenga, at preciso sair-se da aristocratica abstracgio seientifica, ¢ penetrar, misturar-nos na democratica concretizagio dos factos eotidianos ; a dedagio dos nobres pensadores, ~ ecarece, para nao perder 0 caracter do scicatitiea, do ser corrigida constantemente pela observago directa e pela experiencia scientifica. Deegam do alto do seu explenderoso pedestal do marfim, da sua elevadissima mentalidade eru- dita @ venham acotovelar-se na obscuridade anonima @ in- gloria da massa humilde dos factos diarios, que ore EDUCAGAO E ENSINO isso deixam de ser secientificos, venham para a realidade o yerao ent&o que, tanto na pratica, como na teoria, a es- cola laica nao é a escola racional, positivas de observar as criangas, de as preservar inicialmente do quaisquer males quo na sua idade tio fa- oo ‘cilmente se adquirem 6 que mais tarde se convertem em dadeiras taras. Assim, presentemente, a erianga 6 objecto de mil eui- dados, ‘de mil cbsorvagies © experioncias por parto dos pais, que teem consciencia das suas responsabilidades ¢ Edmond Picard, ao terminar a sua bela obra—O Di- gabem ecumprir com os seus deveres, por parte dos pro- retto Puro, pergunta ao leitor : aumentei os vossos conb: _ fessores, que estio compenetrados © amam a sua tarofa, cimentos ? Aumentei a ordem das vossas ideias? Se assim dos pedagoggs, dos medicos, ¢ dos psicologos, que, como sucedeu consegui o meu fito. E, na verdade, um livro que homens de scioncia, proeuram, na crianga, prever @ evitar queira ter a classificacio de bom, deve apresentar estas omal,—as futuras doengas, quer meramente fisicas, quor -qualidades, que podemos resumir em duas palavras : fazer psicologicas, quer, ainda, morais ou sociais. pensar. ‘Nio basta alimentar a crianga: 6 preciso regime, ¢ 0 livro — Ligdes de Pedologia ¢ Pedagogia experimen saber quais os alimentos que cla deve ingerir de prefo- tal,’ tem estas qualidades? 1’ um livro essencialmente reneia, com exclusiio, absoluta ou relativa, doutros ; nio moderno, proprio-da nossa epoca — epoca de critica, de basta ensina-la: 6 necessario saber 0 que se lhe ensina ospeculacio mental, de sciencia? © 0 que se lhe deve ensinar, e 0 modo oa método como A obra do Faria de Vasconcelos faz pensar, tem a deve ser ininistrado esse ensino e em quo consiste. Niio particular qualidade do fazer pensar num assunto que basta instruir, por mero descargo de conseiencia. Acima hoje preocupa todas as pessoas, que 6, por assim dizer, de tal inutilidade est’ a edueagio, isto 6, formar uma o ostribilho de todas as conversas e discussdes do mundo -consciencia em cada crianga, levando-a a saber aplicar culto, © quo até jé alguem propos que servisse de epiteto na pratica da vida o que ela aprenden, oa ser wn caracter. ao seculo em quo vivemos, —- trata désse monumental, Ni&o se trata, pois, 4 antiga, de abarrotar a crianga tanto pela complexidade como pela importancia, désse do muito comida, quer no rigor do sentido, quer no mo- grandioso problema da educacao da crianga. ral, isto 6, quer no estomago, quer no cerebro. A quastiio A erianga nio 6 j4 0 ser desprezado, deixado crescer -niio 6 de guantidade, mas de quatidads, Antes pouco ¢_ 40 acaso, num inconsciento desprozo ; jd no 6 0 desprosi hom, do que muito @ mau. : vel fedelho,sem categoria social, som eonsideracio algu- 2 com este criterio verdadeiramente positivo, que uma leiade de homens de scioncia, de amigos da infancia, da ma, Hoje, a crianga adquirin j4 direitos, que a sociedade umanidade, tem anatomizado, analizado a crianca ; nilo regateia, © que oxige, até, que sejam respeitados o acatados. O direito utendi et abutendi do poder paternal tem-se dedicado com real paixtio ao estudo do que 6 barbaro ¢ selvagem acabou. E hojo, nao sé se exige dos “uma crianga nos seus multiplos ¢ complexos aspectos. pais a obrigagio negativa de no usar © abusar da sua Ie “Asvelhas teorias, ou melhor, as falsas ideias dcerca da 5 : f. erianga, e, cujos resultados prejudicialissimos todos nos i sontimos, infelizmente, esto sendo hoje combatidas com frofesi, com o anceio de salvar alguma coisa preciosa, mestos a porder se. y iduos que possuem a sciencia oxperimenital, “Ligoes de Pedoloyia e Pedayogia Experimental, ‘Um volume de 584 pag, por Faria de Vasconcelos, professor da spares in Nova de 'Bruxellas,— edigio da Antiga Casa ertrand. EDUCAGAO E ENSINO olham ji a crianga como um factor do futuro e como tal deve ser educada, isto 4, formada, moldada numa orienta- gio que Ihe deva principalmente desenvolver 0 caracter e a independencia de um se/fgovernment — para que ela nao sinta, pense ¢ actue somente pelo quelhe dizem, mas que saiba sentir, pensar ¢ actuar por si propria, por erf- terio proprio e que actue © trabalhe na vida conforme o seu discernimento lhe ditar, iar jane ate ples imitador da rotina ¢ seguidor passivo ake t autoritarias do meio, mas uma conscioncia 80 da sua ersonalidade fisiea 9 social, mas mts advento inteligon 5 F se, necessariamente, no ensino. O empirismo cedeu o seu lugar 4 experimentagio. O livro- arbitrio desapareceu perante a entronizagiio do determinismo. E o ensino que erae é ainda em muita parte... ba- soado na vontade livre, torna-se — salvo, felizmente, ra- ras excepgdes — em detorminista. rm A crianga passa a sor julgada como um produto com- plexo. de diversos e variadissimos factores, congenitos e adquividos, 6 uma resultante de complicadas forcas, 6 um efeito de multiplas causas ¢ nao simples vontade — esse metafisica que ao prosonte nos faria rir, se no fosse de resultados funestissimos para todos nés,e se de comedia no se convertesse em tragedia, cujas vitimas temos sido nos todos — uns mutilados, nao s0 fisicamente, mas so- bretudo moral ¢ socialmente. i fi ¢ pode. So podemos oxigir da cri- ~ALorianca 56 faz o que pode. S6 podemos oxigir da erie individualizar-se, isto 6, nem a todas as criangas se pode quer em qualidade. A crianga nfo ¢ um ser _humano adulto, em ponto reduzido. EB’ um ser Orne com forgas imanentes proprias, que a caracterizam @ individualizam, Possuidor déste criterio eminentemente scientific, o auior das Ligdes de Pedologia ¢ Pedagogia experimental, partindo do seguinte Beitr : — a erianga tanto fisiea como psiquicamente constitui um tipo especial ¢ cujo erescimento ndo é apenas quantitativo,—mas sobretudo uma transformagdo qualitativa, — pro- We-s0 estudar «o corpo da crianga (estatura, poso, ete.) mal e anormal, a sua evolugho, os orgiios dos senti- dos, 0 sou espirito, as qualidades o defeitos fisicos,intele- ‘etuais © morais, tendo em vista a determinagio das leis do seu desenvolvimento fisico omental, tanto sob 0 ponto do. vista goral aplicavel a todas as eriangas, como sob 0 ponto de vista das diferongas © variedades individuais.» Para demonstracio de tais problemas —pois a caracte- ristica da obra de sciencia no est& em afirmar, mas em provar — o autor encara a crianga, soparadamente sob _ varios aspeetos : 0 seu crescimento fisico ; os factores do sou desenvolvimento mental; os orgios dos sontidos ; a memoria sob 0 ponto de vista experimental; a associagdio das ideias; a atengio; a afectividade ; a actividade; a fa- diga, etc. E assim, langando mio da observacio directa e da ex- periencia, de numerosas estatisticas e documentos, elabo- rados com probidade e conhecimento profundo de materia, pelos yarios especialistas déste ramo da sciencia psicolo- gica, ¢ escudado ainda por uma erudigho vastae especia~ Tizada, 0 autor consegue : para a grande maioria, inicid- la no estado scientifico da crianga; para um numero mais restrito, dar-lhe novos conhecimentos; © para um reduzi- dissimo numero de individuos j4 conhecedores do assun- to, oferecer-Iho —e nisto ests um dos predicados do li- yro, que analizamos—a sistematizacio das ideias ¢ das toorias pedagogicas e pedologicas existentes © que siio a base do ensino scientifico, positivo, da erianga. Para os pais a queiram euidar a valer, como Thos _cumpre, dos seus filhos, é 0 livro de Faria de Vasconcel- los, utilissimo, pois lhes permitiré seguir uma orientagio na educagao dos seus filhos. Para os professores views jeu, 4 antiga, 6 uma corro- egio, uma ligho, so o neofobismo dalguns nao lhes fizor compreender o que ha de verdade nesse livro, ha a compensar a influencia salutar que pode exorcer no es] rito progressivo do professorado, om goral, ¢ nomeada- mente dessa ploiade de novos pioneiros da instrugio que pretendem transformar o ensino, substituinde os yelhos EDUCAGAO E ENSINO. © rotineiros processos, por outros processos intuitives © positives © cujo conjunto forma 0 mdtodo racionat. Niio mais ensino que a crianga nao possa compreender, nao mais processos simplesmente mnemonicos, ndo mais. nee prodigios desi _ avariada e aerea! Nio mais abios de setencia (?) ouvida, de sciencia (?) decorada! Nao. mais eerebros atulhados de palavrdes psoudo-scientificos, de sciencia de papagaio o mien it A crianga — a humanidade futura — 6 digna do molhor sorte! Hla tem. dircito de ser melhor tratada. Tenham compaixiio ! e Cuidemos do futuro da humanidade ; cuidemos da. eri- anca, estudando-a carinhosa e scientiticamente. Fagamos do seculo XX 0 seculo da crianga ! i CAPITULO 11 RDOGAGAO RELIGIOSO-MILITARISTA Militarizagao das escolas 1 O ministro da guerra do governo provisorio, metendo’ foice"ein seara alheia, nomeou uma comissio para — ba- seada no criterio de «ineutir ¢ radicar nos animos o espi- rito militar desde a primeira adolescenciar, «o qual deve ser porit todos 0 abscedario na linguagem das suas futuras relagies sociais,—apresentar um projecto para a institai- gio e organizagiio da instrucio militar preparatoria nas eseolas @ mais institutos de educag&o, quer oficiais, quer particularés, . i teil Este facto; que 0% conselheiros aeacios da juvenil re- publica aplaudiram enfiticamente, exclamando, por entra um gatisfeito arroto de saborosa ¢ ruminante mastigacto: «BE? como nie Suisea'!s § muito gravo © 6 de todos 08 as- suntos que as hovas institaigdes politieas vieram revolver, um dos que mais merece ser tratado com grande ampli- dao, coin largueza de vistas, ¢ tomado a peito por todos 08 quo se interessam pelo bem da humanidade, pelas erian- gas, pela édacagtio da geracio futura. eee Todos os que teem uma consciencia social, que consi-— deram a educacéo como o principal faetor do poe que ha de lancar A terra 2 semente donde germinaré 0 que 6 hoje © nosso ideal, como sendo a eriadora da so- EDUCAGAO E ENSINO ciedade futura, devem desde j4 protestar contra tal aton- tado, contra semelhante monstruosidade! 4 3 oO governo provisorio, substituindo o ensino congrega- cionista ou jesuitico religioso pelo militarista-patrioteiro, niio faz mais do que substituir o milagro idiota pela forca estupida, a mentira religiosa pela violencia militar, pela mentira patriotica. E’ dar igualmente um veneno corrosivo © peryertedor em yea de licées e exemplos es- sencialmente morais sobre a vordade, a justiga, a solida- riedade ! EB” apossar.se, 4 semelhanga do jesuita, da eri- anga no banco da escola, para a encerrar cobardemente nas trevas dos dogmas. No fundo e nos sous rosultados a educagio baseada no dogma religioso ¢ a edueagio no dogma do amor da pa- tria, da razio do Estado, equivalem-se. Tais educagdes sAo, tanto no ponto de vista social como sob 0 aspecto meramente pedagogico, um verdadei- To crime cujas consequencias sho prejudicialissimas. To- dos os vicios funestissimos que encontramos o encontram os chamados livre-pensadores, no ensino religioso, encon- tramos nés no ensino patriota-militarista. Atacar o primeiro © defender o segundo 6 ilogico ¢ prova ignorancia ou perversiio oujacobinismo deshonesto! * O ensino religioso, —baso do cloricalismo, essa baixa supersticado, — bestializador © reaccionario, devora tudo, envenena uma sociedade inteira, com os seus dogmas, os sous feiticos, com a abdicagto da, personalidade em holo- causto dum dous violento, vingador o infecundo. Uma sociedade edueada sob o regime elerical-roligioso, 6 uma sociedade viciada, corruta, incapaz de progresso, de ver- dale e de justica. O estagnamento 6 a sua caracteris- ica. Pois uma sociedade educada sob o ospirito militarista © patriotico oferece-nos 0 masmo degradante quadro. O militarismo 6 um sopro de morte; fero a terra com a sua esterilidade o lanca os homens no odio, na vinganea; 6 a negagio da propria vida, contribuindo para a escravi- EDUCAGAO £& ENSINO dao dos poyos. E’ o regresso 4s paixdes rancorosas, fa- zendo de cada homem um ser capaz das ferocidades mais crueis, das superstigdes mais grosseiras e selvagens, 0 criando-lhe una mentalidade que adora igualmente feiti- gos © que bascia a gloria no massacre, na intolerancia, na cruoza foroz do fazer mal, de fazer doer, EB’ a porver- silo dos caracteres, langando no intima, no sangue, nos ner- yos dos individuos o veneno, o fermento de todas as de- sordens, de todos os sofrimentos, de todos os ranco- Tes. Toda a instrugio que é dirigida para exaltar a ideia de atria, cujo unico fito 6 fazer soldados, nto faz um povo inatacavel, faz apenas um rebanho estagnado na rotina, submisso, s6 cuidando em lisongear os superiores para viver uma oxistencia de pura animalidade. Substituir 0 erucifixo pela espada, o rosario pela char- ~ Jateira, a oracio unisona e insidiosa, estapafurdia @ terri- ficante pelo canto guerreiro em que se celebra o odio ao semelhanto, em que se glorifica o assassinato em massa © so incitam, com uma mentalidade mediova, os seres hu- manos & pegar em armas @ contra os canhies marchar _ —6, afinal, fazer o mesmo, 6 obter os mesmos resultados sob denominagdes diferentes. Tanto a educagio religiosa | como militar criam individuos anti sociais, civados do so- ___ pirito sectarista — estigma do fanatico, quer éle seja um _ __ religioso quer um _patriota. Que diforenga de mentalidade, de sentimentos ha en- tre o religioso imbuido na obcecagio doista e 0 megalo- | maniaco patrioteiro, cheio ats A medula, do espirito mili- a tarista, igualmente injusto ¢ mentiroso? A. primeira comunhio ¢ o juramento ou festa duma _ bandeira nao teem tantos pontos de contacto? Os templos © .08 quarteis no sio chamados indistintamente santua- rios, um dum deus, outro duma patria? As solenida- des, os deslumbramentos das ornamentagées tendenci sas e¢ a gravidade com que se procede a essas espectacu- losas cerimonias nao sio identicas nos fins, Aparte os sim- bolos? Nao tendom ambas para a captagio do adolescon- te ? Nao se realiza com ambas a renuncia 4 individuali- dade e a submissio a dogmas, a simbolos que a crian¢a mo EDUCAGAO & ENSINO niio compreende? Nao sto iguaés as preparacdes miste- rigsas € incompreensiveis, as catequeses, a capela res- landecente de luzes @ 0 quartel roluzente de armas, 0 fato novo ou a farda nova; o incenso © toques dos sinos ou os toques de corneta, emfim, toda essa espectaculosi- dade que tem ‘por fii aproveitar o momento perturba- dor da adoléscencia e da puberdade, ¢ conquistar ¢ apo- derar-se para sompro’da tonra raziio das criancinhas, ali- mentando-lhes a febre perversa do misticismo, tornando- as eseravas dum deus egoista, ou duma bandeira e dos quais jémais se esqueceriio, sentindo-se invadidas por esses virus pestilontos quo a toda « hora, em todos os momentos da vida Thes virio 4 memoria. Esse espectaculo de que a criahca foi um inconsiente actor, essa hora do espasmo, esse desfloramento moral de que foi vitima fi- card para sempre gravado na sua mente! Ea obra ini- ciada seré complotada. A crianca acabar& de crescor 0 de desonvolver se no meio dos peores preconceitos, ali- montada de erros 6 de mentiras seculares, inteiramente contraria a toda a ideia gencrosa. Um inilitarista @ to prejudicial como um sectario de Loyola, Um poo militarista 6 um poyo clerical, um poyo reaceionario. E se nid, vejamos no campo dos factos. Olhemos para as chamadas democracias curopeias, para a Suissa © para a Franga... ut _ F’ costame neste assunto, trazor como exemplo as republicas suissa ¢ francesa. Pois tanto uma como a on- tra so exemiplos... nfo para seguirmos, mas para rée- jeitarmos por conipleto. Olhemos para a Suissa. Que espectaculo nos ofereco com 0 séu onsino militarizado ? Ainda que pese aos nossos politicos siminianos, quo se extasiam perante tudo quo 6 estrangeiro, 4 mingua dum ideal © dum saber criador, proprios —0 pove suisso nada oforece de educative senio no ponto do vista come- sinho de casa bem administrada. Ondo ha pio... A EDUCAGAO E ENSINO 43 Suissa, alguem j4 o disse, 6 um hotel om ponto grande. O ideal bemfazcjo quo eria individualidades, que dignifi- ca os caracteres, que faz sores humanos, lutando pelo futuro, pela sciencia, pela civilizacto, agitande as multi- ddes num caminhar para a frente, para o melhor bem estar, 6 coisa que ost’ amortecida na grande maioria dos suissos, quo vive num estreito ¢ cristalizador oportunis- mo. Debaixo da sua militarizagio, sob a sornice, sob a rotina atrofiadora no sai, nio brota’a seentelha do genio, do talento. A sua inteligencia est4 apenas formada para obedecer, para o deve o haver 0 a compreensiio dos sous deveres sociais limita-se ao servilismo politico, vulgar e improgressivo, eriado nas formaturas militares, no ma- nojo das armas, 4 voz do comando dos superiores!,.. B a Franca? Por ocasito da derrota de 1870, toda a sua osperanca foi o exercito. Entregou-se de corpo e al- ma ao ezercito. Era neeessario, dizia se, continuar a de- fonder-se dos vizinhos armados até aos dentes. Este os- pirito invadiu as escolas. «S6 se exaltava 4 crianga, por meio de livros, de estampas, do ligdes a toda a hora, o dircito do mais forte, os massacres, as carnificinas, as cidades devastadas, arrasadas. SO se lhe desenyolvia da historia as paginas sangrentas, as gaerras, as conquistas, os nomes dos capities que tinkam dizimado a humani- dade. Esquentayam-se os’ pequonos cerebros com uma confusio do armas, com posadelos. de mortandades que tingiam de sangue’os campos. Desde ‘os livros, como premios, dados aos estudantes, dos jornalecos feites por élos, até As capas dos cadernos, niio se lhes punha de- paixo dos olhos sento exercitos massacrando-se, navios ineendiando-se, —a eterna calamidade do homem torna- do lobo do honiem». Criada esta mentalidade reaccionaria, ombratecodora, os corebros perverteram-se e 08 caracteres abdicaram da sua autonomia. No se pensava, niio se admirava: ne- nhum ideal havia mais elevado do que a patria, brutal, exclusivista, preponderante e sanguinaria. Fez-se, orga- nizou-se’ habilmente um culto da bandoira. Désse eulto absoryente, derivou um estado de religiosidade, de fana- tismo, E entiio, a igroja, o eatolicismo, que prepardra a EOUCAGAO & ENSINO mise-en-scdne © contribuira argutamente para esse estado, —comega a intorvir mais divectamento. Do fanatismo pa- triota, 6 facil passar ao fanatismo deista; do eulto da bandeira ao culto de imagens, @ vice-versa: 6 baralhar os dois, 6 confuadi-los, 6 tornd los dependentes wn do outro; 6 ligé-los, 6 dar-lhes a mesma causa, a mesma origem. KE’ dizer-lhes que defender a patria 6 defender deus, que defender este 6 defender aqnela, que prestar culto a deus 6 prestar culto 4 patria — pois que nto ha patria sem deus ! E assim, habilmento, nio som um cunho do vordade Por meio duma propaganda, quer falada, quer eserita, e sobretudo, por meio das estampas covardemente da- das 4s criancas, se foi alimentando 0 espirito religioso que a republica francesa pretendera acabar A forca de deeretos, deixando, todavia, de péo exaltando o eulto militarista, arvorando, como na idade média, a profissio sures na principal, na mais honrosa, na excelencia le todas as carreiras sociais. Quando, porém, nio se tratava duma batalha, tra- tava-se dum milagre guerreiro, alguma londa absurda, fonte de trevas: «nm santo ou uma santa libertando o ais d forga de oragdes, uma intervengio de Jesus ou de ia, assegurando aos ricos a beepriatasls déste mundo, um padre resolvendo com um sinal da cruz as difieulda- des sociais @ politicas.. Fazia-se sempre um apélo 4 obe- diencia, 4 resignagio dos humildes. Reinava 0 pavor, 0 temor de deus, o temor do diabo, o temor baixo e medo- nho que se apossava do homem em crianga 0 0 nito lar- gava até ao tumulo, através da densa noite da ignoran- cia eda mentira. De modo que s6 se fabricavam esera- vos, a carne boa para ser empregada 4 vontade do se- nhor, o daf yinha a necessidade dessa educagdo de coga f6, de perpetua oxterminagio para torem-se soldados sempre prontos a defender 9 ordem de coisas estabele- cida. A guorra é a unica cultura da energia humana — diziam. Unicamento a espada resolyia as questdes do povo --afirmavam, Os eultos de Joana d’Are e de Na poleao imperavam, absorvontes e embrutecedores. -. » Déste modo apds trinta anos, o passo dado pela FPran- EDUCAGAO E ENSINO ga parecia anular-se 4 menor perturbagdo publica, «0 povo de hoje voltava ao embrutecimento, 4 demencia do povo de ontoem, sob o repentino rogresso das, trevas ancostrais, devido a essa educagio militarista, patrioteira © medieval. Debaixo dessa educagio, aigreja trabalhando na sombra tinha obstruido os caminhos, retomado um a um os pobres de espirito, indo até declarar- se ropublicana; as congregagdes expulsas, yoltaram uma a uma; os cole- gios dos jesuitas, de dominicanos, ¢ outras comunidades de ensino povoavam da{ a pouco com os seus discipulos, a administragio, a magistratara, 0 exercito, ao passo que as escolas dos Irmaos e das Jrmis desapossavam as os: colas primarias, laicas, gratuitas... e obrigatorias.. . E do tal modo que, de repente, num grande sobresalto de despertar, todo o pais se encontréra nas mios da igreja, com homens desta nos melhores lugares do seu organisme governamental © com o futuro comprome- tido.e Tal 6 0 quadro que nos apresenta a Franga com 0 sou ensino militar nas escolas ! * Estes exemplos, estes factos so 0 bastante para. pro- var a nossa tese: a militarizagio das escolas 6 prejudi- cialissima, Cria uma mentalidade quo 6 uma proparagilo, uma porta aberta para o fanatismo religioso, o qual por sta vez carcome as instituigoes republicanas, quer man- tendo-as num espirite conservador, como a Suissa, quer leyando-as 4 sua paopna destruigio, para entrarem aber- iD tamente num caminho despotico, reaccionario e monar- quieo, como sueedeu com a Franga nas aventuras do houlangismo e@ na questao Dreyfus. Com o boulangismo: a Franca esteve prestes a tornar-se uma monarquia mi- litar, saida do exercito, imposta pela violencia despotica das armas ¢ tendo como chefe wn general, repetindo-se um 18, de brumario atenuado. Com a questo Dreyfus, © exercito o a religiio ligaram-se contra as instituigbes republicanas em nome dos cultos da patria e do deus - habilmente explorados pelos reaecionarios politico-religio-

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