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‘COLEGAO EDUCAGKO AMBIENTAL Pe, coerce meneame af \ Fat abil eee ee ‘sens de Gus Petra (or) Democratic «genio ambiental Em bsea do deseraliment suse Francisco A. Brite Jodo BD, Ciara Eucoeéo omibientl~ Uma metodlogtapartcpatiateformagdo "Nand Minin Media e Elzabet da Conccigs Sates A nena da praia ~ Ree cols pare sudo XT Mu. Palesl = Cana da vanreza Educa do amen, lite quae de via (Celis roms Ato Vietoino Saber ambienol~ Suentabidede,rcionaidade, complex poder Emngue Lett O contrat social dee Undo waberes na ea ambiental ‘Alevande de Gusmso Pei (0) ~ Medolgia om edveacto ational Alexandr de Gusto Psi or) Bagel ~ Ste prin ipa, mtbr tds Valdo Dareclos Dados Intermaconais de Catnogagio na Publiagio (CIP) (Ciara Brasileira do Live, SP, Beas) Lett, Sabor ambien serbia, acon, cmpeid poder Frau ef aun de ici Made Eadich Oth 708 Felis Vos, 208 Til origin Sater ambi: uses, oni, compli, posse iit ISHN 45.-906.2608.7 I: Desevalbineio sexes! 2 Tsoramia ambit 3. Bdsayapambica io. 01-2964 ep-3042 Indices par catlogo sistema: 1. Saber ambiental: Socialis 34.2 15— UNIVERSIDADE, INTERDISCIPLINARIDADE, E FORMAGAO AMBIENTAL* Dependéncia tecnolégica e desenvolvimento sustentivel A crescente complexidade ¢ 0 agravamento dos proble- mas socioambientais, gerados pelo triunfo da racionalidade econémica ¢ da razo tecnolégica que a sustenta, levaram a colocar a necessidade de reorientar os pracessos de produgao eaplicagio de conhecimentos, assim como a formagiio de ha- bilidades profissionais, para conduzir um processo de transi- 40 para um desenvolvimento sustentavel. Esta necessidade maior nos paises periféricos, onde fragilidade e dependén- cia de seus sistemas cientifico-tecnoldgicos, a desvinculagio dos processos produtivos ¢ a inadequagiio as suas condigies sociais, culturais ¢ ambientais so causa c expresstio de seu subdesenvolvimento. A dependéncia cientifico-tecnolégica manifesta-se como disfuncional entre o custo e as condigdes de aquisi¢ao do conhecimento importado; nas eapacidades de cada pais, cada indistria e cada comunidade para sua apro- priagdio, adaptagao e operagiio; no desaproveitamento c des- truigio dos recursos naturais ¢ culturais devido & implanta- gio de modelos tecnolégicos externos; e no intercambio de- sigual entre produtos primérios e mercadorias tecnol6gicas estabelecido pelas condigdes do mercado. Esta dependéncia adquire novos significados na perspectiva do desenvolvi- ‘Text regio pane do aio “Las cota ovis ya formative ‘nlvecstario”, Revista Interamericana de Planificcisn, vol. XX 06-126 199 _—— bientais do planeta. homogeneizagao tecnolégica ¢ cultural. ses do Sul, ao exigir a transferéncia de tecnologias li © 0 aproveitamento endégeno de seus recursos naturais. 200 mento sustentivel, face as novas formas de apropriagio ci- entifica e tecnolégica da natureza e as estratégias da nova ‘ordem mundial para o manejo sustentével dos recursos am- discurso desenvolvimentista definiu a crenga de que a transferéncia de tecnologia moderna seria 0 meio mais eficaz para reduzir as disparidades entre os paises industrializados 65 paises em desenvolvimento, Acreditou-se que uma artieu ago funcional do sistema cientifico-teenolégico 20 sistema econdmico ¢ produtivo estabelecido, assim como 0 aprovei- tamento das vantagens comparativas oferecidas pela dotagao de recursos humanos, naturais e tecnoldgicos de cada pais, | fecharia a brecha entre paises ricos ¢ pobres, dissolvendo as desigualdades regionais e sociais internas num processo de Neste sentido, a agenda econdmico-ecoldgica da globali- zacio reforga a dependéncia cientifico-tecnol6gica dos pai 1pas dos paises do Norte (em condigdes preferenciais), em vez. de prio- rizar o fortalecimento de uma capacidade cientifica e tecno- l6gica propria, destinada a incrementar 0 potencial ambiental Nesta problematica de dependéncia desenvolvimento desigual, a crise ambiental marca os limites ecologicos ¢ so- ciais da racionalidade produtiva dominante. Dai nasce uma consciéncia ambiental que enfrenta o mito do desenvolvi- mentismo e a esperanga de alcangar os beneficios da globa- lizagiio econémico-ecolégica. As estratégias de apropria- do da natureza (a biodiversidade) ¢ 0 controle dos equili- brios ecolégicos (a mudanga climética) dos centros de po- der econdmico, cientifico e tecnologico dos paises do Norte geram uma desigual distribuigio dos custos ¢ potenciais ecolégicos, assim como das oportunidades de acesso e apro- veitamento dos recursos do planeta, nos niveis nacional, re- gional e mundial. A internacionalizagao da racionalidade econémica e tec- noldgica dominante provocou a superexploragao dos recur- sos € a degradagio do potencial produtivo dos ecossistemas dos paises subdesenvolvidos. A produgio de mereadorias, orientada pela maximizagao dos lucros e dos excedentes eco- nomicos a curto prazo, gerou processos erescentes de conta~ minagao da atmosfera, de solos ¢ recursos hidricos; desmata- mento, erosio e desertificagao; perda de fertilidade dos solos, de biodiversidade ¢ de produtividade de seus ecossistemas; destruigao das praticas tradicionais e valores culturais consti- tutivos da diversidade étnica ¢ das identidades dos povos; falta de estimulos ao desenvolvimento cientifico-tecnolégico para gerar uma capacidade endégena para o uso sustentivel dos recursos. A partir de uma perspectiva ambiental, a articulagao dos conhecimentos existentes com o sistema econdmico vigente orienta a pesquisa cientifica, a inovagdo tecnolégica¢ a for- macio de profissionais as demandas explicitas do mercado € do aparelho produtivo instalado, desestimulando a produ- ‘40 de conhecimentos e capacidades para construir uma ra- cionalidade ambiental. A perspectiva ambiental do desen- volvimento subverte e transcende as politicas econdmicas, tecnolégicas e educativas prevalecentes, orientando os pro- cessos produtivos para o aproveitamento do potencial am- biental de cada regio, fundado na articulagao de seus siste- mas ecoldgicos, tecnologicos e culturais, para satisfazer as necessidades bisicas e melhorar a qualidade de vida da po- pulagdo. Esta estratégia requer politicas educativas e de ciéncia e tecnologia que gerem os conhecimentos, capacida- des e habilidades para conduzir um proceso endégeno de de- senvolvimento sustentivel. 201 ‘A reorientagdo das atividades académicas e da pesquisa que leva & construgio de uma racionalidade ambiental impli- ‘caa incorporacaio do saber ambiental emergente nos paradig- mas teéricos, nas priticas disciplinares de pesquisa ¢ nos contetidos curriculares dos programas educacionais. Este sa- ber se concretiza em contextos sociais, geograficos ¢ cultu- rais particulares ¢ encontra condiges desiguais de assimila~ ‘glo nas diferentes diseiplinas e nas instituigdes de pesquisa ¢ de educagio superior. A questo ambiental gera assim wm sa~ ber que leva a uma transformag3o dos conhecimentos, dos contetidos educacionais ¢ da gestio social dos recursos natu- rais, reorientando os sistemas de pesquisa, de educacao e de produgao. Universidade, sociedade e ambiente Embora as universidades e instituigSes de educagio su- perior gozem de autonomia formal (liberdade de pesquisa ¢ de catedra), suas atividades académicas silo afetadas pelos valores dominantes da sociedade na qual esto inscritas. Sua articulagdo com estas se estabelece através da demanda ex- pressa de profissionais portadores de conhecimentos ¢ de ha- bilidades titeis e funcionais para o sistema, e da canalizagio de recursos que repereutem na orientagao de suas atividades. Deste modo, o mercado define vocagies ¢ cria interesses pro- fissionais que internalizam a fungio eficientista, produtivista ¢ utilitarista da racionalidade econémica dominante na for- magio de “eapital humano”. ‘A valorizagao do conhecimento, a capacidade técnica ¢ ‘as habilidades profissionais por parte da sociedade repercu- tem nas orientagées adotadas pelo trabalho académico nas universidades. O prestigio social atribuido ao professor ¢ a0 pesquisador, os estimulas ¢ obsticulos ao desenvolvimento 202 de linhas teméticas dentro dos paradigmas dominantes em cada disciplina, as demandas explicitas de profissionais no mercado de trabalho, o sentido de participagio no processo de produgio e transmissio do conhecimento, as aspiragdes da ascensio social pela aquisigto de titulos e competéncias profissionais, assim como a remuneracdo € as possibilida- des de realizacao pessoal no trabalho intelectual ¢ docente produzem um conjunto de motivacdes ¢ frustragdes que in- fluem na organizagio dos programas de ensino e de pesquisa nas universidades. Estas influéncias ¢ interesses determinam as possibilida- des de transformaras estruturas educacionais mediante a ino- vacdo de métodos pedagégicos, a renovagao de planos de es- tudo, a reorganizagao curricular ow a reorientagio das ativi- dades cientificas nas universidades. Estas condicdes sociais do trabalho académico se traduzem em estimulos ou desesti- mulos de professores, pesquisadores e estudantes para intro- duzir novos projetos de formagio profissional e de pesquisa cientifica. Neste contexto se coloca o projeto de incorparar 0 saber ambiental nas universidades. A reorientagtio da pesquisa, a reelaboragao dos contetidos curriculares ¢ dos métodos pedagégicos, na perspectiva do desenvolvimento sustentével, implicam a construgaio de um saber ambiental e sua internalizagao nos paradigmas cientifi- c08 € nas priticas docentes que prevalecem. Este processo se defronta com obsticulos que provém da institucionalizagao dos paradigmas dominantes, legitimados e arraigados nos eritérios de valorizagio do conhecimento no meio académico @ na sociedade em seu conjunto. A formagdo ambiental se projeta assim a contracorrente das demandas e interesses da vida académica das universidaces e da racionalidade econd- mica dominante, 203, | SPST EEINORTreemaRrreneer nr ‘As perspectivas metodolégicas e os contetidos coneretos dos programas educacionais relativos ao ambiente dependem ‘da propria conceitualizagio da problemitica ambiental, dos processos que a constituem ¢ de sua inscrigdo dentro de uma facionalidade social e um determinado proceso de desenvol- ‘vimento, As condigdes de dominagao econdmica ¢ de depen- déncia tecnolégica dos paises do Terceiro Mundo, a caracte- rizago de suas causas e seus efeitos sobre a superexploragao ide seus recursos ea degradacdo de seus ecossistemas, sua di- ‘Versidade étnica e seu potencial ecol6gico para um desenvol- vimento alternativo fazem com que a questo ambiental apa- reca como uma dimensio mais complexa do que nos paises \dustrializados. Nao obstante os diferentes significados que adota nos paises do Norte e do Sul, 0 conceito de ambiente vem evolu- indo de uma perspectiva naturalista ou ecoldgica para a in- corporacao dos processos sociais que determinam a proble- matica ambiental (Leff [coord.], 1986, 2000; Leff [coord], 1994)'. Apesar desta evolugdo conceitual, nos programas de educagao ambiental predominow uma visio ecologista. Neste sentido, incorporaram-se conceitos bisicos de ecologia, como também de técnicas de avaliagao ¢ controle de impactos am- bientais nas carreiras tradicionais. Menores tém sido os es- forcos por ambientalizar as ciéncias sociais ¢ por incorpo- révlas A produgaio de um saber ambiental ¢ dos conhecimentos "hr aenginconcenirouse om primeira ose imcagiococeniou so an pms Tage sobre os problema de conserva do 1A ane coerce opel.) ambient smsi “SILI punblnspetn nll io mrs gunn Fa a a anes aspen cemnomicossosonitual ei subs rl ics cre ies dvesoe apse.) A cone peo 2s co sce spctos atari permite apres iomasmirgis SESSSciuo nm nce anc as ate Sa nena dosmbente bane) See vedads qu 8 aspects create eu tar! do bien ano, as dines coc ua ea mam compre uta metho 0 Feces ds bis Sat Fear de tunsnecesidades" (Unee, 1980: 22-23). 204 necessirios para construir uma racionalidade ambiental (Leff, 1994by, Saber ambiental ¢ transformagdes do conhecimento no processo educacional A racionalidade econémica dominante gerou formagdes tedricas e ideoldgicas que legitimam os valores do mundo ocidental, como também os meios cientificos e tecnolégicos que buscam elevar a produtividade das forcas produtivas. O interesse social inseriu-se assim no desenvolvimento histéri- co das ciéncias e nos paradigmas de conhecimento que domi- nam as priticas académicas e de pesquisa. Com a emergéncia da crise ambiental, 0 processo educacional orientou um pro- cesso de conscientizaco para regular condutas sociais que evitem efeitos negativos sobre o ambiente e criar habilidades técnicas para resolver problemas ambientais. A educagao re- lativa ao ambiente concebe-se como um “treinamento em proteco ambiental”, ou como uma “instrugao que permita aos estudantes resolver problemas ambientais ¢ Ihes dé uma visdo e convicgdes como base para um comportamento res~ ponsavel com a natureza” (Hundt, 1986: 41). Séo apenas in- cipientes os programas de formagao ambiental orientados para a construgio de uma racionalidade alternativa, capaz de compreender, promover, mobilizar e articular os processos naturais, tecnoldgicos ¢ sociais que abram as opgdes para ou- tro desenvolvimento. A perspectiva ambiental do desenvolvimento niio sé ques- tiona os comportamentos da sociedade da opuléncia ¢ da abundancia diante dos limites fisicos que se opdem a sua con- servago ¢ expansio. Implica também a reformulagao critica 1) Ne Amv Lata lo ands incipenieses programas do caucagbo ambiental no campo ih ences soos stoma dstnela que existe entre uma conectalzng0 pr Pris sobre a preblemiis ambiental do desrwolvimento o su incoxporueo hos pro rma de pesousa ede formagao (PNUMA, 1985, 1995; PNUMA.Uneseo, 1988) 205 dos paradigmas do conhecimento nos quais se aninharam formagdes ideolégicas que respondem aos interesses de clas- ses e de grupos sociais que apdiam este modelo de desenvol- vimento. Destas teorias surgem os instrumentos de planeja- mento ¢ 08 critérios de tomada de decisdes dos agentes eco- némicos que afetam as formas de valorizagao e apropriagito dos recursos naturais, assim como os processos de degrada- cio ambiental c a distribuigdo de seus custos econdmicos © ecologicos. A ética ambiental promove uma mudanga de atitudes, as- sociada a transformacao dos conhecimentos teéricos ¢ prati- cos nos quais se funda a racionalidade social e produtiva do- minante. Os requisitos de conhecimentos para a construgio de uma racionalidade ambiental dependem da perspectiva ideol6gica e politica que deu origem a sua demanda. Esta de- termina as estratégias conceituais e metodologicas para a pro- dugdo de conhecimentos, reorientando a pesquisa € o desen- ‘volvimento tecnolégico. Isto nao quer dizer que todos os p: radigmas cientificos se vejam questionados pelas diferentes perspectivas ideol6gicas dentro das quais se propde a proble~ ‘matica ambiental, ou que os recursos técnicos provenientes dos conhecimentos especializados existentes ndo possam aplicar-se a solugio de problemas ambientais pontuais: andli- se de toxidez, tratamento de fguas, reciclagem de lixo, tecno- logias “limpas” e economia de energia. ‘Muitos programas de pesquisa necessarios para induzir um manejo sustentével de recursos nao questionam os para digmas, métodos e técnicas de diversos ramos cientificos ‘Assim, os estudos sobre a capacidade de carga dos ecossiste- mas, sobre sua produtividade ecologica e as condigbes de re- generaco de seus recursos sujeitos a regimes alternativos de manejo integrado ¢ de culturas combinadas, nao discutem as teorias e métodos correntes da ecologia. Da mesma maneira, © estudo de recursos potenciais, de sua produtividade biol6 gica e suas formas de aproveitamento gera novos objetos de 206 pesquisa, mas no novos objetos tedticos ou métodos de ex- perimentagdo para a fitologia, a biotecnologia, a toxicologia ow a tecnologia de processos. Entretanto, na andlise das causas, dos fatores condicio- nantes e das vias no técnicas de resolusio da problematica ambiental, articulam-se processos de diversas ordens de ma- terialidade que remetem a reconstrugo do conhecimento. Sob esta perspectiva, a problematica ambiental requera cria- io de um corpo complexo ¢ integrado de conhecimentos so- bre os processos naturais e sociais que intervém em sua géne- se © em sua resolugio. Neste sentido, o potencial ambiental de cada regio integra as condigdes ecolégicas, culturais tecnolégicas que reorganizam a produgio na perspectiva de uum desenvolvimento sustentavel. A construcio desta racionalidade exige a transformagio dos paradigmas cientificos tradicionais e a produgiio de no- vyos conhecimentos, 0 diilogo, hibridagio e integragio de sa- beres, assim como a colaboragio de diferentes especialida- des, propondoa organizagao interdisciplinar do conhecimen- to para o desenvolvimento sustentivel. Isso gera novas pers- pectivas epistemolégicas e métodos para a produgio de co- nhecimentos, assim como para a integragio priitica de diver- 80 saberes no tratamento de um problema comum (Apostel etal., 1975). Tragam-se assim novas estratégias teéricas para a produgao cientifica ea inovagao tecnolégica, orientadas pe- los problemas da gestio ambiental e pelas perspectivas do de- senvolvimento sustentivel (Leff [eoord.], 1986, 2000). A necessidade de compreender a complexidade da pro- bleinties amblental bmn como oe mitiploeproceeon sa caracterizam, provocou um questionamento da fragmenta~ fio ¢ da compartimentalizagaio de um saber disciplinar, inca- paz de explicar resolver esta problematica. Masa retotaliza- gio do saber que a problemética ambiental requer nao é a soma nem a integracdo dos conhecimentos disciplinares her- dados. A inter ¢ transdisciplinaridade que o saber ambiental 207 exige nfio éa busca de um paradigma globalizante do conhe- cimento, a organizagao sistémica do saber ¢ a uniformizagao conceitual por meio de uma metalinguagem interdiseiplinar (Leff, 1981). Além do propésito de gerar um paradigma onia- brangente, de ecologizaro saber ou de formular uma metodo- Iogia geral para o desenvolvimento do conhecimento, o saber ambiental problematiza o conhecimento, mas sem desconhe~ cer a especificidade das diferentes ciéncias historicamente constituidas, ideologicamente legitimadas e socialmente ins- titucionalizadas (Leff, 1986). © que a problematica ambiental propde as ciéneias ~ quanto a produgio de conhecimentos ~ ¢ as universidades — ‘quanto a formacio de recursos humanos ~ transcende a cria~ G40 de um espago académico formado pela integracao das disciplinas tradicionais ou a geragao de um campo homogé- neo € totalizador das “ciéncias ambientais”, de valor univer- sal. A incorporagao do saber ambiental s priticas cientificas e docentes vai além de uma exigéncia de atualizagio dos cur~ riculus universitarios a partir da internalizagaio de uma “di- mensio" ambiental e de um pensamento ecoldgico, generali- zAvel aos diferentes paradigmas do conhecimento. O saber ambiental nao nasce de uma reorganizagao sisté- mica dos conhecimentos atuais. Esta se gera através da trans- formagao de um conjunto de paradigmas do conhecimento ¢ de formagies ideolégicas, a partir de uma problemitica so- cial que os questiona e os ultrapassa. O saber ambiental se constrdi por um conjunto de processos dle natureza diferente, que gera sentidos culturais e projetos politicos diversos, que no cabem num modelo global, por holistico ¢ aberto que ele seja. A logica dos processos ecolégicos, culturais e tecnolo- gicos envolvidos est integrada com a racionalidade das for- mages tedricas, das organizagdes produtivas, das estruturas institucionais e de interesses sociais diversos, ondesemobili- ‘zaese concretiza o potencial para a construgao de uma racio- nalidade ambiental que conduz as priticas do desenvolvi- mento sustentével. 208 A transformagao do conhecimento induzida pelo saber ‘ambiental é um processo mais complexo do que o da interna- lizagao de uma nova “dimensio" no corpo das diferentes dis- ciplinas cientificas e técnicas estabelecidas. Cada ciéncia, cada disciplina impSe suas condigdes teéricas e institucio- nais para a producao ¢ internalizagao de um saber ambiental, num processo desigual ¢ heterogéneo do qual emergem as dis ‘iplinas ambientais. Algumas formagées tedricas sfia mais dicteis 4 mestigagem ¢ ao amélgama de saberes, como o mostram os atuais paradigmas das disciplinas antropolégicas que incorporaram os conceitos ¢ métodos das andlises ener- géticas ¢ ecossistémicas nos estudos da organizacao produti- va.e das sociedades tradicionais (Vessuri, 1986). Outros para digmas, como os da economia, apresentam estruturas concei- tuais mais resistentes a incorporagio dos processos ecoldgi- os, 0 longo prazo, os valores humanos e as significagdes cul- turais no caleulo econémico (Gutman, 1986). A produgiin de nm saber ambiental, assim eomo sua incor poragio nos programas universitérios de pesquisa e docéncia silo processos atravessados por relagdes de poder. A elabora- do de programas de educagao ambiental se sustenta numa anilise critica das condigdes de assimilago do saber ambien- tal dentro dos paracigmas legitimados do conhecimento, na emer- géncia de novos conceitos ¢ métodos das disciplinas ambien- tais e na claboragio de métodos pedagégicos para a transmis- silo do saber ambiental. Nestes processos se elaboram os con- teidos curriculares de novas carreiras ou especializagdes am- bientais e se esbogam os métodos para seu ensino. Interdiseiy idade e educacao ambiental A problemitica ambiental irrompeu com a emergéncia de uma complexidade crescente dos problemas do desenvolvi mento, exigindo a integragdo de diversas disciplinas cientifi- 209 cas e técnicas para sua explicagdo e sua resolucdo. Desta for ‘ma, propés-se a reconstrugo do conhecimento disciplinar a partir de enfoques holisticos ¢ aproximagGes sistémicas para a formagio de novas habilidades profissionais. A interdisci- plinaridade no terreno educacional surge como um projeto pedagégico “com o propésito de treinar inteligéneias capazes de aprender, quase na forma de uma percepcao gestiltica, a unidade do real” (Boisot, 1975). Desde a conferéncia de Estocolmo sobre 0 Meio Ambi ente Humano, celebrada em 1972, a educagao ambiental foi apresentada como um meio prioritario de alcangar os fins de um desenvolvimento sustentdvel. Depois, a Conferéncia Inter- governamental de Educacio Ambiental, celebrada em Tbilisi, em 1977, estabeleceu os principios gerais que deviam orien- tar os esforgos de uma educagao relativa ao ambiente. A edu- cagio ambiental entende-se, portanto, como a formagio de uma consciéncia fundada numa “nova ética que deverd resis- tir exploragao, ao desperdicio ¢ & exaltacao da produtivida- de concebida como um fim em si mesma”. Este processo de formagiio e conscientizagao into s6 deve sensibilizar, mas modificar as atitudes ¢ fazer aadquirir os novos enfaques e conhecimentos (que) a inter- dlisciplinaridade exige, isto & a cooperagio entre as disc plinas tradicionais indispensaveis para aprender a omplexidade dos problemas do ambiente c para form lagdo de suas solugdes (Unesco, 1980: 8-19) Nio obstante a validade do propésito interdisciplinar no campo do saber ambiental, avangou-se pouco desde seus prin- cipios gerais para novas formas institucionais de orgunizayiio 3. "Acucagio lava aoombont (ten como meta permit ao srluunano compres ‘Scrantureea complex do ambionts tal eomo ele este da ntragio de seus spec {obiologees fuicns,scian econdiicors callers. (.) Emeonsoqiencin(.) de ‘end oferecor(.) os clos pas interpreta a iterdependéncia doses dversos cl Tentos no cepacn eno tempo, prs favoreccr uma uitzaeio mais sensataepracnc {pe rcursce do univers paras ssi das necssidaes da huranidads" (Une fain, 1985! 12) 210 ¢ avaliagao da pesquisa cientifica, novos métodos pedagogi- cos que incorporem o pensamento da complexidade eo saber ambiental em novos programas educacionais orientados para 0 desenvolvimento sustentivel, fiundado numa racionalidade ambiental. A experiéncia mostrou a rigidez institucional das universidades, onde o conhecimento continua compartimen- tado em campos disciplinares, em centros, faculdades, insti- tutos € departamentos, O saber ambiental é mais do que um conhecimento com- posto pelo amalgama dos saberes atuais ou pela conjuncio das diversas disciplinas para resolver um problema conereto. O saber ambiental questiona os paradigmas dominantes do conhecimento para construir novos objetos interdisciplinares deestudo. Esta pritica teérica se da dentro de cada cigncia e€ este conhecimento transformado que deve ser incorporado nos novos programas educacionais. Neste sentido, a interdis- ciplinatidade na producao de conhecimentos € nos processos educacionais enfrenta obstaculos epistemolégicos, metodo- l6gicos ¢ institucionais. Longe disto, a interdisciplinaridade na educacio relativa ao ambiente se tem apresentado como uma visdo meramente instrumental de aplicagdes do conhe- cimento, como o propésito de desenvolver uma pedagogia de projetos interdsciplinaces com vistas a realizar uma ago especifiea eoncernente 20 ambiente. Neste momento, as diferentes disciplinas tradi cionaisnio existom maispor si mesias(...) elas se conver tem em instrumentos indispensaveis a realizagio desse projeto, © ponto de partida nao é mais a diseiplina mas um projeto educativo baseado na ago a reslizar frente 20 am: biente, propondo solugdcs alicmnativas a un probleiia, ou ‘chegando.aum ordenamento docespago, vinculadocom um conjuntode objetivos.aleancar(.). Bm fungio das neces- sidades inerentes ao projcto (as disciplinas) juntam seus esforgos para estudar o mesmo fendmeno através de oticas diferentes e complementares (Uneseo/Unep, 1985: 15). au ‘A interdisciplinaridade na educagio ambiental orientou-se por um fim pratico, perdendo de vista as bases tebricas ¢ epis~ temolégicas que estabelecem as condigdes para a articulagao de saberes orientada por uma racionalidade ambiental’, Po~ rém, as ciéncias néo se submetem sem conflitos e resisténcias ‘a.um projeto de integragao proveniente de uma demanda ex- terna, seja por um projeto educativo ou pela necessidade de resolver um problema pratico. Sua possfvel integragiio de- pende de sua capacidade diferenciada para assimilar um sa~ ber ambiental complexo numa perspectiva comum de andli- se. Em muitos eases, a cooperacao interdisciplinar transcen- de a integraco dos saberes disponiveis, induzindo um pro- ‘cesso de reorganizago de conhecimentos, métodos e téeni~ cas de diversas disciplinas, que transformam seus conceitos ¢ abrem novos campos de aplicagao. Abre-se ai uma diversidade de métodos interdisciplina~ res, dentro da especificidade tedrica das disciplinas e da espe- cificidade ontol6gica dos processos que caracterizam uma problematica ambiental’. Este principio epistemolégico ¢ me- todolégico é necessario para evitar todo reducionismo das complexas causas desta problemética, como também para orientar os processos de pesquisa ¢ as aces sociais para a construgio de uma racionalidade ambiental, para caminhar rumo a um desenvolvimento sustentavel. idea do preoinvrilina,a paride uma erapetivacpistemo, Fae ae otra Ameren ef Poa 1982 1880, Let com) {Sti bat, 1981, 1988 2001 : ; Ap disilinas ecampos aus dcvem congas possucn cath qual mops iti 5 Ae eof un complonocarttrnieo decorate cts ecole see caate sea ume vancdade de metodos nits pura desenvolvere cxpandit (ar come de contecinowone de epagdes coutizgur cont cfeivamente ipa com owe presto isis fontlopes] stv cinlusivecon five qu ec wags qu earacteenm avira tips no tv ordns taeeeecpanels puss e consant Nee cvs um ear Geo para aatvidade doar abasccdidn nih una soho laa para conseguir una ntepragS0 {mtrataipinar™ (Moss, 1986, 75-70. 212 Os conhecimentos e métodos necessérios para compre ender e resolver uma problemitica ambiental dependem das condigdes geogrificas, ecologicas, politicas, econdmicas culturais que constituem 0 entomo no qual se inserem as uni- versidades para formar profissionais competentes. E neste ambiente que repercute a aplicagdo dos conhecimentos gera- dos nas priticas sociais e na organizagao produtiva de dife- rentes comunidades. A partir das diferentes perspectivas con- eituais © cuntextos sociais, nos quais se inscreve a educagto ambiental, podem ser definidos diversos graus de incorpora- gio da dimensao ambiental’, A reestruturagdo de conteiidos de diferentes matérias a reorientagao dos temas de estudo das disciplinas tradicionais implicam um processo de producio e transformagio do co- nhecimento para a elaboracao de contetidos ambientais de di- versas matérias, carreiras ¢ pés-gracluagdes. Nesta perspecti- va, a educagio relativa ao ambiente implica mudangas nos conteiidos educacionais que vao além de uma melhor inte- gracdo das diversas disciplinas contidas nos programas curri- culares tradicionais. Os objetivos da educagdo ambiental nfio se alcangai com 0 ensino de métodos sistémicos, com uma pratica pedagégica interdisciplinar ou com a incorporagiio de uma matéria de cardter integrador —a ecologia — dentro dos programas existentes. A educacao ambiental exige a criagao de um saber ambiental ¢ sua assimilagao transformadora as disciplinas que deverao gerar os conteticos concretos de no- ‘vas teméticas ambientais. his adiconsis toa ntegrastedelasem torno ds tmprojcto de ago conuniiria so treo ambien, passando peas convergence ds eciplinas que preston nigunss sfnidades concctesi emetodoieat.(.) Ente ae ndalidade ds incorporagio da ‘cai rsatva no ambient.) conven asst reorient dos oma de x {o das disiptinasvodtionals.(-) Entratato,a va msrosomendvel parce scr ade {evisarerowstuturaro conjuntodecontetdos de derenes masa.) Eefim 078 {do mais complete, ea avez tomibém o me sleatri, consi em romper 06 ‘compartment rdiionas ines o cote de diverse mateies de prose ‘um marco lizado os problemas pinlpai do ambiente” (nes, 1980: 49-40). 213, Be O saber ambiental nas ciéncias naturais, tecnolégicas e sociais A questo ambiental ndo é apenas um problema ecolégi- co ou técnico. Sua solugio nao se reduz.a incorporar normas ecolégicas aos agentes econémicos ou dispositivos tecnold- gicos aos processos produtivos. O saber ambiental se consti- tui a partir de uma nova percepgao das relagdes entre proces- sos naturais, tecnolégicos © sociuis, ma qual estes Gltiius ocupam um lugar preponderante em sua génese © em suas vias de resolucdo. A produgio ea incorporagio do saber ambiental no pro- cesso de desenvolvimento ¢ nas priticas académicas vincu- la-se aos interesses ¢ comportamentos de diversos atores so- ciais (empresirios, funcionarios, planejadores, produtores ¢ consumidores, cientistas ¢ tecndlogos, comunidades locais educadores) que incidem na percep¢o e uso dos recursos reconhecidos e potenciais, na organizagao da produgao ena inovagio de padres tecnolégicos para sua exploragio © transformacao, bem como nos habitos de consumo da socie~ dade. Assim, a consciéncia ambiental promove agdes ¢ mo- biliza forgas sociais que propiciam 0 aproveitamento sus- tentiivel dos recursos e a redugdo dos niveis de contamina ao, melhorando as condigdes ambientais ¢ a qualidade de Vida da populagao. A internalizagiio do saber ambiental nas disciplinas natu- rais, tecnolégicas e sociais um proceso desigual. As cién- ins sociais sao talvez.as mais resistentes, pois nelas se incor- poraram os paradigmas tedricos que, partindo de uma filoso- fia natural ¢ de uma praxeologia mecanicista, cristalizaram nos principios do direito privado, do contrato social, a racio- nalidade econdmica e uma razao tecnolégica, legitimando as estruturas de poder, 0s arranjos institucionais ea organizagio 214 = produtiva que conformarama racionalidade social contra na- tura da civilizago moderna. A incorporagao do saber ambiental as ciéncias naturais opera-se como um avango “mais orginico” no desenvolvi- mento de seus paradigmnas tradicionais (os desenvolvimentos da ecologia no terreno da biologia). Por sua vez, as discipli- nas tecnolégicas desempenham uma fungao instrumental dentro da racionalidade cconémiea, ¢ acus descavelvimentos para adaptar-se aos objetivos do desenvolvimento sustenté- vel nao transtornam os prinefpios fisicos, biolégicas, meca- nicos ¢ termodinamicos nos quais se fundam, A incorporagio, de normas ecoldgicas a internalizagao de custos ambientais, a0 projeto de equipamentos e de processos produtivos modi- fica os projetos tecnolézicos para gerar tecnologias mais lim- pas e melhor adaptadas aos sistemas ecolégicos. A inovacio tecnolégica orientada para 0 desenvolvimento sustentével abre assim novos campos de pesquisa (biotecnologia, tecno- logia ecolégica), mas nao modificaas leis fisicas e biolégicas nas quais se findam os processos tecnoldgicos. Entretanto, a construgdo de uma racionalidade ambiental implica novas formas de organizagao social produtiva, va- lores culturais, formas de significagio e relagdes de poder que impdem a transformagiio das disciplinas sociais que ex- plicam os processos ideolégicos € 0 comportamento dos ato- res sociais que participam nestes processos. Desta maneira, ‘05 movimentos sociais em torno de seus direitos culturais ¢ da apropriagio dos recursos naturais esto gerando novos prineipios juridicos; a internalizacdo dos custos ambientais.a valorizagao dos recursos naturais e as consideragdes a longo prazo reclamam um novo paradigma econdmico. A constru- fio de uma racionalidade ambiental implica pois a descons- truco da concepgao mecanicista do proceso econdmico, que se traduziu em instrumento de exploragdo dos recursos naturais e de controle social. ais A problemética ambiental gera novas perspectivas para a anélise sociol6gica dos movimentos sociais: sobre os interes- ses e valores que mobilizam uma tomada de consciéncia so- bre a exploracio excessiva dos recursos naturais, a degrada- do ambiental, a perda de valores culturais € a destruigao de priticas tradicionais; sobre a desigual distribuigao dos custos ecoldgicos do crescimento econdmico c a participagao social na gestiio dos recursos das comunidades; sobre os processos de inovagao tecnolégica ¢ organizacao produtiva para a auto- gestfio econémica de seus recursos; sobre a reestruturagao do Estado e a participagao dos cidadaos na organizacdo institu- cional ¢ no processo de tomada de decisbes. A incorporagio do saber ambiental — constituido por es- tes processos sociais — as disciplinas naturais ¢ tecnologicas vai além da internalizagao de critérios ecolégicos na andlise das relagdes sociedade-natureza nos estudos das disciplinas sociais, geogrificas, etnolégicas e antropologicas (geografia humana, antropologia ecoldgica, ecologia humana, sociobio- logia, etnoecologia, etc.). O saber ambiental questiona por- tanto os reducionismos ecologistas e energetistas, como tam- bém 0 determinismo biolégico ¢ geografico destas discipli- nas; partindo dai gera estudos mais complexos ¢ concretos sobre a articulagio dos processos que incidem num contexto social e num espaco geografico, integrando as condigdes so- ciais, politicas, econdmicas e culturais aos fendmenos natu- rais (ecolégicos, geofisicos) que incidem nos processos pro- dutivos de uma formagao social. A incorporagio destes aspectos sociolégicos do saber ambiental ais disciplinas tecnolégicas introduz novas consi- deragdes para a avaliacao do impacto ambiental, para a loca~ lizagao industrial, 0 projeto urbano, 0 desenvolvimento tec- nolégico ¢ a produgdo agricola, Estes critérios ambientais re- orientam a inovagao dos processos produtivos para sistemas tecnolégicos apropriados, que integram as condigdes ecol)- 216 —=_— gicas de cada regiio, bem como os valores culturais e as con- digdes de assimilagao ¢ apropriagao destas tecnologias pelos produtores diretos e pelas comunidades locais. Assim, 0s processos tecnolégicos se orientam para a conservacio e de- senvolvimento do potencial ambiental de cada regido, para satisfazer as necessidades basicas e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. Deste modo, a construgo de uma racionalidade ambien- tal implica a ineorporagao dos critérios sociolégicos do saber ambiental na formagao de economistas, ecdlogos, tecnélo- g08, engenheiros, empresirios e administradores piiblicos, a fim de que estes critérios se convertam em principios norma- tivos de sua pratica profissional. Incorporagio do saber ambiental no nivel universitirio A.ambientalizagao da educagdo é um processo mais com- plexo do que a ensamblagem de disciplinas dispersas, que sua integragio sistémica c a colaboragao de especialistas proven tentes de diversos campos do conhecimento para tratar (pesqui- sat, ensinar) um problema em comum. A produgao ea incor- poracdo do saber ambiental nas universidades se da num pro- cesso de abertura dos paradigmas teéricos, das barreiras insti tucionais e dos interesses disciplinares, onde se demarcam as priticas académicas dos centros de educagio superior. Esta transgressio da ordem universitiria no s6 requer conhecimento dos obstaculos a salvar para a reorganizagio dos saberes constituidos, mas também uma reflexio sobre a natureza do saber ambiental que se pretende inscrever em suas priticas de pesquisa ¢ docéncia, sobretudo no ambito das cigncias sociais (Leff [coord.], 1994). __A incorporagdo do saber ambiental na formagao profis- sional requer a claborago de novos contetidos curriculares de cursos, carreiras e especialidades. A formago numa disci- 217 plina ambiental implica a construgao ¢ legitimagao desse sa~ ber, sua transmisso na aula e sua pritica no exercicio profis- sional. A formacio do saber ambiental, sua dispersio temati- ca e a especificidade de suas especializagbes depende das transformagdes possiveis dos paradigmas cientificos tradi- cionais ondese insere o saber ambiental. A orientagao da for- magio de habilidades profissionais deve considerar 0 con- texto geografico, cultural politico no qual deverio exer- cer-se, assim como as problematicas ambientais particulares as quais deverio responder estas capacidades. Nestas condi- ‘ges surge o saber que dever plasmar-se em contetidos curri- Culares, estratégias de pesquisa e métodos pedagdgicos para a formagio ambiental. ‘A formagao do saber ambiental, sob esta visio critica ¢ prospectiva, nfo alcangou uma maturidade suficiente para permear 0s paradigmas cientificos ¢ as estruturas académicas dominantes das universidades, sobretudo a partir da perspecti- va histirica, politica, geogrifica e cultural dos paises do Tercei 10 Mundo. 8¢ € que existe um etmulo de saberes priticos, ain- da nffo se criou um novo paradigma, como um conhecimento positivo para a construgiio € operagao de uma racionalidade produtiva que incorpore o potencial ambiental ao desenvolvi- mento das forgas produtivas ¢ as identidades culturais de nos- sas sociedades. Pelo que dissemos, dentro da necessaria rela- ‘gio que deve existir entre a pesquisa e a docéncia para a incor poragiio do saber ambiental na vida académica, a pritica te6ri- ca é fundamental para o proceso de formagio do saber am- biental. As priticas docentes dependem da produgao destes novos conhecimentos para a claboragao de contetidos curri- culares que incorporem os novos paradigmas ambientais. ‘A construciio do saber ambiental passa pela constituiciio de seu conceito e de um espaco para sua objetivagao pritica Sua formagao se opera através de relagdes de poder que obs~ taculizam ou promovem a gestagiio, emergéncia e realizacio de seu potencial transformador das relagées entre as forma- 218 Ges sociais € seu entomo natural. Este saber ambiental nasce de um processo de transformagao do conhecimento que se es- tabelece em relagao direta com suas condigdes de aplicacao. A racionalidade ambiental, como uma estratégia alternativa de desenvolvimento, articula assim a esfera de racionalidade te6rica com a esfera de racionalidade instrumental (técnica, operativa) de seus principios. E um processo social, sintese de teoria © praxis, de transformagGes tebricas, movimentos sociais ¢ mudangas institucionais que incicem na coneretiza- io do conceito de ambiente. O desenvolvimento de programas de educagao ambiental eaconcretizagio de seus contetidos depende deste complexo processo de emergéncia e constituigo de um saber ambiental, ‘capaz de ser incorporado as praticas docentes e como guia de projetos de pesquisa. Contudo, 0 processo educacional niio poderia esperar a construgiio acabada de um paradigma am- biental de conhecimentos; sobretudo se a educagao for con- eebida como um processo de formagao relacionado com are~ organizagio das experiéncias de aplicagao de princip bientais em programas concretos de desenvolvimento e pro- jetos de autogestio comunitiria para o aproveitamento inte- grado de seus recursos. Neste sentido, o processo educacio- nal, vinculado a um processo de pesquisa e produgao de co- nhecimentos, deve ser concebido como um laboratério de jistematizacao ¢ experimentagao de saberes que véo sendo inscritos nos programas de formagio ambiental no proprio processo de sua constituicao. Existe para isso uma abundancia de teorias e de saberes que conformam 0 discurso ambiental te6rico, que giram em torno do questionamento da racionalidade social dominante, de seus paradigmas de conhecimento e de seus instrumentos ecnoldgicos; além disso, existe um ctimulo de saberes priti- ‘¢08, de novas técnicas e conhecimentos cientificos que, devi- Wamente contextualizados, podem incorporar-se aos conteit- dos curriculares dos cursos vigentes ¢ de novos projetos edu- 219 cacionais, sem esperar que se produza um corpo acabado de paradigmas ambientais. Neste processo, a educagiio ambien- tal adquire diferentes graus de intensidade ambiental, que po- dem ser concebidos como niveis de internalizagao do saber ambiental nos conteiidos educacionai ‘Universidade, conhecimento e formacao ambiental A questo ambiental é uma problematica social que trans- cende a incumbéncia das universidades, a reciclagem de pro- fissionais e a refuncionalizagao da educagao superior, para adaptar-se as mudangas globais do nosso tempo. As transfor- mages do conhecimento instigadas pelo saber ambiental vo além da incorporagao de componentes ¢ contetidos eco- I6gicos para adaptar os cursos ttadicionais as exigéncias do desenvolvimento sustentavel. © saber ambiental questiona todas as disciplinas e todos os niveis do sistema educacional. A formacio ambiental discute os métodos tradicionais de en- sino, colocando novos desafios & transmissao do saber, onde existe uma estreita relagao entre pesquisa, docéncia, difustio ¢ extenso do saber. A educagio ambiental exige pois novas atitudes dos professores e alunos, novas relacdes sociais para a produgo do saber ambiental, novas formas de inscric¢do da subjetividade nas priticas pedagégicas (Leff [eoord.], 2000). A universidade desempenha um papel fundamental neste processo de transformagSes do conhecimento e de mudangas sociais. Isto requer um espago de autonomia académica e li- berdade de pensamento, tempos de maturagao de conheci- mentos ¢ elaboragaio de novas teorias, processos de sistemati- zagiio e experimentagao de novos métodos de pesquisa e de formagiio que no podem ser substituidos pela capacitagdo técnica de curta duragao, pela valorizagio mercantilista do saber, ou pelo espontaneismo do ativismo ambientalista, 0 tal nao se forma nem se esgota nos laboratérios 220 aa enas aulas univer \irias. E um saber que se constitui na apli- cago das cigncias aos problemas ambientais, num diélogo entre os conhecimentos académicos e 05 saberes populares. Portanto, as universidades devem abrir-se a um processo de pesquisa em conjunto com as comunidades e populages nas quais existem os problemas ambientais, captando os pro- blemas a partir das bases ¢ devolvendo a elas o saber elabora- do para sua aplicasao ci proyraias & projetos de gesttio am- biental, As universidades devem incorporar temas como 0 resgate de saberes autéctones e populares, 0 amalgama de priticas tradicionais com conhecimentos tecnolégicos mo- demos, assim como a transmissio do saber ambiental e sua assimilagao por parte das comunidades, para potencializar suas forcas produtivas © a capacidade de autogerir seus pro- cessos de desenvolvimento. A formagao ambiental, entendida como a construgio de uma racionalidade produtiva fundada no potencial ambiental de cada regiio para um desenvolvimento descentralizado ¢ sustentavel, induz um proceso de geracio e apropriagiio, por parte das comunidades, dos conhecimentos, habilidades instrumentos que constituem sua capacidade e poder real de autogestio de seus recursos, para o controle interno de seus processos produtivos € 0 usufruto de suas riquezas. A formagao ambiental implica assumir com paixio ¢com- promisso a criagio de novos saberes e recuperar a fungi ri tica, prospectiva e propositiva do conhecimento; gerar um sa- ber eficaz.¢ inventar utopias capazes de levar os processos de mudanga histérica a ideais de igualdade, justiga ¢ democra~ cia; criar novos conhecimentos, métodos e técnicas para construir uma nova racionalidade social, na qual os valores culturais ¢ os potenciais da natureza, desdenhados pelo em- penho produtivista da modermidade, orientem o renascimen- to da humanidade no novo milénio. 221 hee, |

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