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Jan Kott Shakespeare nosso contemporaneo tradugao Paulo Neves apresentacao Luis Fernando Ramos Cosac & Naify Rei Lear ou Fim de partida fel Lear» Tu mechames de bobo, roport obo» Abandonaste tees os teus outros tus, ras ese, nasceste com ee [Re Lea. 4] otcemes todos loucos.tiguns perrranecemn assim. Esperance Gore.) 1 ‘Aatitude du ustica moderne em relagdo a Rei Lear & ambigua © um tanto constrangida. Indiscutivelmente, essa pega continua sendo considerada uma obra-prima,o dpicediante do qual mesmo Macbeth e Hamlet parecem timi- dos vulgares. Costuma-se comparar Rei Lear & Missa em si menor de J. Bach, a Quinta oud Noma de Beethoven, ao Porsifal de Wagner, a0 Jutzo Final de Michelangelo, 20 Purgatorio e 20 Inferno de Dante. Mas, a0 mesma tempo que Rei Lear dé a impressao de uma alta montanha que todos admiram, nia guém parece muito interessaclo em escali-la, E como se esse drama tivesse perdido o poder de contaminar a literatura ¢ 0 teatro. Como se nao conviesse ‘nossa época e,em iodo caso, nao tivesse seu lugar no teatro contemporaniee, ‘Mas de qual teatro contemporéneo se est falando? Toda a questo € essa, © apogen teatral de Ref Lear foi indiscutivelmente a época roméntica. De se integrava perfeitemente ao ‘eatro dessa epoca; claro tratava-se de um Rei 5 190 Lear compreendido como um melodrama, replete deatrocidades emaldigivs ‘que nos contava a historia de um rei trigice, privedo de sua coroa,contra 0 ‘qual se coligaram ¢ terra eo céu,a noturezae a humanidade, Chaeles Lamb! podia pe-feitamente,no inicio do século xrx,zombar desse espetéiculy em uc ‘um velho redhrido a indigéncia vagueia pelo paleo, com a cabeca descobeerta um baso na mao, enquanto sopra a tempestade ¢ cai uma chuva,ambas co: ‘mandades pelos contra-regras, No entanto, 0 teatro rapidamente chegacia iusto completa. Os dioramas, as mudangas bertas de cenério.os praticiveis méveis permitiam a transformecdo stibita, quase milagrosa, de um castelo go: tico em panorama de montana, ou de um por-do-sol flamejante em uma noite de ‘empestade. A imeginagio romantica reconhecia facilmente em Rei Lear sva paisagem favorita: castelos liigubres, choupenas, desestos, Ingares Imisteriosos e assustadores, rochedos ameagadores ¢ brancos ao luar.Rei Lear convinhe também ao estilo romntico: permitia 0 gesto largo, as cenas de atrocidaces € 05 mondlogos recitados, ou mahor, bradados com pzixao, com ‘0s quais se deleitavam Kean ¢ toda 2 sta escola? O ator podie mostrar os tra- 508 maissombrios da alma humana. Os destinos de Lear e de Glicester de- viam prozocar assomibro e piedade, Deviam assustar as espectadores. 0 con- seguiam. Os infortinios puriticavam Lear & restituiam-tne uma grandeza trdgica, Rei Lear de Shakespeare eta o “teatro noir” do romantismo. Depo veiv a epuca do Shakespeare histsrico, realista, transformado em pega de muscu. Cendgrafos eram enviasos a Roma a fim de desenharos cend- rigs de [fio César no proprio local, no Forum, Umra multidao de figurantes em roupas de época enchia o paleo, Copiavam-seos adereyos medievais, os gorros de orethado Renascimento, 03 méveis elisabetanos. Os cenirios tornavam-se cada ver mais macigos ¢ suntudsos, 0 palco parccia uma grande expenigao de acess6rios histbricos. O balcio era um verdadeiro baledo: 0 pakicio,um palicios ‘ara ui» ra, Uma verdadsira floresta substitu o simples “ugar desert” Nessa épaca tentou-se igualmente situar Rei Lear em seu tempe. Com 0 auxilio de arcuedlogos, montaram-se no palzo cemitérios de menires ¢ dol- ‘mens. A naquinaria teatral aperfeigoava-se, ¢a tempestade, a chuva eo vento ‘cobriam demaneira sempre mais eficaz ¢ vozdos atores. Nessa estranha asso~ slagao deuma técnica teatral cada vez mais sentuosa com una reconstituigao ‘irqueoldgica de ur tdrmulo celta, do Rei Lear de Shakespeere Somente perms- recta a intr ikespeares ele m0 sera fealimente ef © inicio do séeulo xx marca uma virade na in Pela primeira vez, coffiega-se a decifré-locom 0 auxilio 1 pro teatro, Tod uma geraio de pesquisadoresreconstitul pacientementeo, ms = gporaclisabetana.Gran- atro nao havia mais lugar pace § pretacdo de Shakespeare, do que havia sido seu jpalco,a mancira derepresentaras tradigisteatraisda Ville-Barker, em seus oélebrés Prefaces to Shakespeare; mostra — ou pelo menos procura mostrar — o que eraa represents de Re Lea” Ho teatro The Globe, {sso marcou o inicin do chamado retorncao“Shakespeat® auténtice”-A partir de entio,a tempestade deveriasoprarno pio de Lear ¢ de Glicester no sobre o'palco, O problema é que esse velho louco, que atranca¥ 6 fies de sua longa barba,sornava-se de repente ridfculo. Ele devia ser tigic®/™9S N20 0 era mals, Quase todas as exposigdies de Shakespeare tém uma &xtraordinria instan- tancidade em sua maneira de esborar es conflitos, de #Presentar o tom da peya.A exposigio de Rei Lear paréce absurd para quem Bostaria de nels en- contrar nem que fosse um dtomo de verosimilhanga p5iColOgicak 0 sobereno todo-poderoso abre um concurso de elogiéncia sobre 0 amor filial entre suas trés filhas, de cujo resultado faz dependera partilha de Set reino. Ele nao re cebe nem compreende nade: no entanto.a hipocrisia de Regane ¢ de Goneril salta 20s olhos. Lear, se devernos considei-o coma ur PeFeonagem, 1m ca rten éridiculo, ingenuo & estipido, Quando enlouquece» Pode suscitat apenas a.compaixao, jamais jamento e terror. Gloceste, guaknente,¢ ingénuo e ridculo, Nas prirs¥eF4s-cenas, € um per~ sonagem de comécia de costumes. Robertspeaight com Pare-o 2 um gentleman deidéias um tantoretrégrades que, de chipéo-coco ¢ g Uarda-chuva no bravo, ppasscia 00 domingo pela Saint Jamee’s St. Nada ametncia nele oancido tk ico cujos olhos serdo arrancados. E verde que Pola sive Hamlet, am- bem uma figura decomédia e depois mor apunhelaéo- Mas amorte de Pot rio € grotesca, Lea: e Glécester terio de ercorrero cariinho dos torments. Nenhum direter de teatro conseguia esolver as pre7blemas colocados pels intriga de Rei Lear.Sea tratasse de forma ealista, Lear e Glseester se revelariamy demasiado ridicules para ser ners tags Se tratasse ¢°*POSiGHO come fibula ou uma lenda,a erueldade do mundo shakespeatiano se tornaria igual: mente fbulosa ou legencliria, Ora, essa crueldade era a dey mundo elisabetano, continivou send asian. Mas & uma cruel nem teatro romantica nem «teatro naturalista soube contemporineo de Rei Lear, loséics, q {rar Somenieo novo teatro &capaz de fazé-lo, Neste, nto hé mi Oo tndgico fo: expulso pelo grotesco, Grotesco quese revelou mais crue. ‘A exposigao de Rei Lear € tao absurda eindispensivel quanto achegada a Gallen da multimiltondria Clara Zachanassian e todo o seu corte'o.incluindo ‘seu noo marido,seus eunuices, ui grande sarestago e um tigre enjaulado.” A ‘exposigio ce Rei Lear mostra um mundo que sera destruido, Desde ofinal do século x ‘quanto Shacespeare sobre a dramaturgia européia. Mas esta modeou 0s tea {10s nos quais eram representadas as pegasdele, Shakespeare influenciava ‘medida em que a dramaturgia contemporinea, através da qual seas dramas ‘eram irterpretados, possufa vida ela propria, Se as representagdes de Shakes peare sio vulgares ¢ enfadonhas,entao naoapenss 0 teatro, mas 2 dramatur ‘giada epoca estio mortos. E nisso,entre outras coisas, que reside o cardter su pra-his‘6rico e universal de Shakespeare. Anda nao foi escrta uma obra com o titulo: “Shakespeare e @ nora drama- ‘turgid’ Talvezseje ainda demasiado cedo paca faré-lo, Mase significativo quea ppalavra‘shalceoperiano” seje pronuncieds com tanta fieqdéncia quad ve fat de Brecht, de Dérrenmatt ou d= Beckett. Claw que para esses trésdramaturgos, 4queao mesmo tempo representam irésvisbesdistntas do teatro, palavra*sha- kespeariano” significa algo diferente: para Dirrenmatt é 0 aspecto sanguinério, virulento,sem coesio, ea mistura dos géneros; para Brecht, o cardterépicos para Beckett,0 now Theatrum Mundi Mas essastrés dramaturgias e visdes do tea luo so mais semelhantes a Shakespeare e asmoralidades medievais do que ae drama do seculo 11%, seja ele romaintico ou naturalista, Nesse senvido,e nesse sentido apenas, 0 novo teatro pode ser qualificado de antiteatro. O que nele impressiona é seu aspecto grotesco, Apesar das apartncias em ‘ontrario,esse novo grotesco de modo ntenfum substicui o antigo diame oua ‘comida de costumes. Ble se ocupa dos problemas, conflitos ¢ temascla trage- diasa condicdo humana, o sentido da vida, « lberdade e a necessidade, ac 1, ninguém exerceu uma influéncéa to brutal Aiudigao enite 0 abyoito en fraglidade in orden hamana.O grotesco €a an {hyn Lragedia eseritade novo, "A auséncia detragédia nu ws aporente, © grotesco esta it -inko grotesca do mud sae compostas, poderiamos dizer. dos mesmos el outro tom. © paraddoxo de Maurice Reynault munch tnigico et origem ao comics” —é ape Jo num mundo trégico. visio teigiea ea mentos. Quer este mundo seja trigicw ou grotesco, as situagdes: ompulsdrias, necessirias. A liherdade de escolha ede decisio é condicionad por las. Nu ‘e0 Aio perdedores no combate com oabsoluto. 0 fracasso do herd trig eonfirmagao ¢ 0 reconhecimento do absolute; o fracasso do ator grotesco éo. bsoluto dessacralizado e ridicalarizado, sua transformagao num mecanismo ‘beg, numa espécie de automato. Nao apenas 0 cartasco ¢ visio com dertisio, ‘mas também a vitima que acreditou na justica do carrasco, que fez dele um ab- yoluto, que o inventou jé que ea propria se revonecia como vitimna, Em tiltima instancia,a tragédia é um julgamento sobre a condigao huma- (20 imposta, tanto 6 ator txigico quanto o ator grotes- fio, uma medida de absolute; © grotesco & a critica do absolute em nome da ‘¢xperiéncia humana frdgil, Por isso a tragédia conduz a catarse, enquanto 0 rotesco nao oferece nenhum conselo, Gérgias de Leéncio® escrevia:“A trags- diyé urn embuste no qual aquele que ongana é mais juste queo quedo enga- ma,eaquele queé erga i's inteligente que o quenio éenganad”. Pode Ae parodiar essa frase: grotesco & um embuiste no quel aquele que éenginado mais justo que o que engana, e aquele que engana mais inteligente que o.cue @enganado, Clara Zachanassian, em A visita da velha senkora, € mais inteli- _ente que Anton Schill, mas ele € mais justo que ela. A morte de Schill égrotes- fet, como a de FolOnio em Hauler. Schill nao € um herdi teigivo, como tan- /pouco os habitantes da cidade de Gillen, A velha seahora, com dentadura e svios postigos, nao ¢ uma deus alids,ela mal existe, por pouco no é ursailu 8 ugar para 6 trfgica,em que s6 hd lugar para o grotesce, "Sendo cémico in tuigio do absurd” escreve lonesco em Expérience di theatre, “cle me parece Inais desesperador que o trigicn.O cdmico nio oferece saida O mundo trigico & o mundo grotesco sio fechadlos, nao se pode escapar les. No mundo iragico, essa sittagao era imposta sucessivamente pelos deu- Schill ¢ 0s habitantes de Giillen acham-se numa situagao em que nao hd wo ‘eh antigos, pelo Destino, pelo Deus cristio, pela Natureza, pela Histéria doti dda derazto.e de nceessidlade. Do lado opostoestava sempre o home, Se ese ubsoluto fosse a Natureza, 0 ho Talo abscluto era a em MAO ERA natural; se © homem fosse nat raga sem a qual ioe pode justificar 0 fracasso por meio de Jo ha salvagio, Num mundo greescn, respontubilidade da derrota, O absoluto nao é dotado de quaisquc ra 20ers simplesmente 0 mais forte. O absoluto & absurdo, Talver isso 0 groxescoatilize com freqiénciaa imagem deum meca {que nto +e pode deter. Diversos tipos de mecanismos impessoais ¢ hosts substituem Deus, a Natureza ov a Histéria ds antiga tragSdia. Essa noo Mecanismo adsurdo é certamente 0 iiltimo conceito metafisico a subsistir ainda no grotesco contemporaneo, Mas nao s2 trata de um mecanismo trans cenvdente em relagio ao homem, e menos ainéaem relacdo 2 espécie hum uma emboscaca que o proprio homem armou e na qual civ, A tragédia desenrolava-se geralmente nun paisagem natural As frgascle sencadeacas da natureza testemunhavam o fracasso do homem ou entio 1m Rei Lear, paticipavam stivamente da agi. J4o teatro grotesco mos) costuma ter porena.aci lizagao parasa natureza esté quasc totalmente ausen tedele. O homer esté encerrado numa pega, acossado por coisas ¢ objeios. Ma s desempenham atualmente’o mesmo papel de simbolos da condigivs hhumanaedla s'turgao do homem quea floresta a tempestade ou oeclipse deo Sl erm Shakespeare. Até mesmo o inferno de Sartre é um imenso hotel, noquial hi somente quartose corredores, novos corredores ¢ novos quartos. Esseinfer ny “entre quatro paredes” nao tem necessidade dos servicos da metafisica O infemo de ‘onesco esté organizado da mesma forma. Um novo loeatari’ nnuuda-se para um apartamento vazio, Trazem os mévels, em quantidade Ver maior © loaatirio esté cercadlo de méveis por todos os ladles. Fito ent quatro armérios. Nao se vé mais 0 locatiri to inaniimades. Tornou-se coisa, Em Fin de partida, cle Beckett, «quarto cortém uma cadeirs de rods ¢ dois ‘estos de 1x0, Hum quadro pendurado com a fierte voltada para a pavede. hi também um banguinho, um bindculo & um apito. Da natureza no restam se Foi rebaixado ao nivel dos obje nloaareie nos csstos de lixo,tuma palga eo que nohomem énatureza: 9 corp. Brn > rtarea vos exces Bor» Nici mei Harm » Nao bd m Gloy > Nos arredores. Pan» Mas respira, mudamer! Perdemos nots abelos nostos dente! ture! Estée Nose fiescor! Nossos ide: Coy » Eotioel nos esqueceu. {geil mostrar a maneira pela qual as situagbes trigicas, no novo teatro, lam-se grotescas, Uma situacao desse genero, cléssica por exceléncia, é a ssidade de escolher entre valores contradit6rios, Antigona € condenada a her entre a ordemhumanaes divina,entre asex:géncias de Creonte € 08 yperativos do absohuto,© principio mesmo de uma escolha em que um dos vyalores deve ser desteuido ¢ trdgico em si.A crucldade do absoluto &exi {al escolha,em quetum dos termos da alternativa &a morte, O-absoluto ¢ Hlevirador,cle exige tudo: a morte do herdi &sua confirmagao. A situago trigica ransforma-se em grotesca quando os dois termos da al- Aornitiva, da escolha forgada, sio sbsurdos, inadequados eu comprometedores eri deve jogar, mesmo se nfo existe jogo. Qualquersolugdo é ruim, masele Aiko pode desistirdo jogo, poisisso seria igualmente uma sufda, ums saida rum, E asituacao de Romulo na pera de Durrenmatt He ¢o ultimo César do Imnpério em decadencia, Incapaz de modificar a historia. A hist6ria 0 fez de hobo. Ele pode ou morrer com garbo ou permanecer deitado, esperando que Yenham degols-lo; pode render-se, preparar discursos ou sui sua situagio de ltinw imperador de Roma, cada uma dessas solugdes € Somprometedora ¢ ricicula, A historia fez de Rérmolo um palhago, mas exi pe que ele aleve a séri, Romulo tem apenas uma bea solugio: pode cons- slentemente aceitar 0 papel de palhage e desempenhé-loatéo fim, Pode ilinhas. Entao, é4 necessidade histsrica que aparecerd como boba. O abso- Nite ser rik Antigona a tragédba da escelha, Edipo,a da “culpa imerecida” eda predes- Jinacdo. Os deusesadvertem lealmente o herdi que o faitin designou-theo pa- [pel de parricida e de esposo da pripria mae. © heri écompletamente livre, idat-se. Em avizedo, 31 re para decidir agir. Os dewses nfo Intervdm, apenas observa que ele ormeta a falta para enti puni-lo.Osd HHipor uncrime que cle: Lsperam 8 880 justo, puns 0 he tadeiramente cometeu, Mase i {ero crime: Edipo queria enganar a sorte, Mas nao escapou do fatumndo po clia escayas. Caiu na emboseada, cometeu a falta, matou 0 pai e Cesposou .O que deve acontecer acomtece. Cortamente é possivel apresentar a tragédia de £dipo como um proble «dh (eoria dos jogos. 0 jogo ¢ just, iso significa: a0 momento em que cone {94,08 dois parceitos devem ter as mesmas chances de gankar ou de perder, ¢ ‘ambos devem jogar segundo as mesmas regras. © fatun, em seu jogo com Filipo, nao recorrea ajuda dos deuses, nio modifica as eis naturais.0 fatten vvence Edipo sem a intervensao do milagre, ma (jogo deve ser justo, mas deve ao mesmo tempo ser construido de tal forma que seja sempre um tinico e mesmo parceiro que ganhe. Que percasempre. Imaginemos um eérebro eletrOnico que jogue xadrez eque calculeum nti ‘mero arbitrério ou ilimitado de lances antecipadamente. O homem deve gar xadrez com o eérebro eletrOnico, nao pode abandonar nem iaterramper 0 jogo, ¢ dere obrigetoriamente perdsr. Ferdle honestamente, pois perde segun do as regras; perde porque cometeu um erro, Mas cle nao podtia ganhar. Ohorrem que perde no xadrez contra umeérebro eletrénico que ele prc prio programouanteriormente,a quem “ensinow!” a jogar,jé nao é meisum he ‘i de tragidia. Se ioga assim xacres,do nascimento até a morte,e sedeve per det, ele poste no maximo ser um hei tragigrotesco. O que subsistecomando Inigico € asituacao de“culpa imerecid”,a partide inelutavelmente perdida ¢ 9 et10 inelatavel, Mas 0 absoluto deixou de existir. Foi substituido pelo absar- do da situagio humana, Esse absurdo nao consiste no fato de os mecenismos criados pelo homem serem, em certas condigoes, mais fortes e mesmo mais inteligentes que cle,e sim no fate de esses mecanismos criarem situagoes de coergao, de o forgarem « jogar uma partida em que a probsbilidade deperder totalmente naa cessade aumentar. 9 fim do mundo dos cristéos, com seu Jairo Final e sua divisdo en Ire justos ei sjustos, ¢ patético, Um fim do mundo provocado por ums enor Ayomba pode iguaimente impressionar, mas ¢ groleseo, Tal fim clo mundo, jo para os cristaosquanto para os marxistas, €intelectualmente inadmiss! yl. Seria um fim do saundo ridiculo, A comparagéo entrea partida jogada entre o fatune Edipo e uma partida Audiez com wm céreBro eletebnico nao é suficieniemente precisa. 0 autd- Ilo quejoga xadrez, mesmo se sabe caleular antecipadamente o mimero de Ignces que quisermos, nao deve obrigatoriamente garhar. Fle simplesmente anhard com mais freqiéncia do que perderd. Mas, etre os automatos que “txlstem efetivamente, pode-se achar um exemplo bem melhor, Ha um que jog uma espécie de“tara ou coroa’. Coloco uma moeda sobrea mesa, do je 10 que quiser, face cara ow face coroa. O automats nzo vé essa moeda, mas dove adivinhar comoa coloquei. Se adivinhar, ele ganha. Informe ao.automa- o se cle adivinhou corretamente, Coloco a moeda uma segunda ver ete. Ae ‘cabo de certo tempo,o aut6ma'o comega a ganhar. Com freqiéncia cada ver ‘maios adivinhe com exatiddo, Ele memorizou meu sist2ma, aprendeu-o, deci fhou-me. Prevé que,apés ter colocado trés vezes seguides “cara”, colocarei duas -yones seguidas “coro2”. Mado e sistema, jogo segundo um outro método: 0 uutdmato cego 0 aprende e mais uma ver comega a garhar. Tenho meu livre- rbitrio e toda a liberdade de decidir. Posso colocara moeda com a face cara ‘13 face caroa. Mas no final, como Edipo,devo perder nesse jogo. tExiste uma saida para que eu nao perca, Ngo ponho mats amoeda subrea ‘mesa, ndo escolho mais. Lanco-2, simplesmente, Renunciet 2o sistema, Entre- {uei-me 20 acaso, Eniao ambos temos chances gual, o auidmato € €u.A pro- ‘pubilidace de ganhar ou de perder, @ probabilidade de saic cara ou coroayéa mesma; éexatamente de um contra um, O automato queria que cu o levasse a sétio, que jogasse racionalment: com ele, por meio de um sistema, de um mé todo. Mas eu nio quero, Eu & que decifrei, desta vez, 0 principio do automat. © autdmato ¢ um fatum que age em virtude do principio do cileulo de probabilidades. Para que minhas chances sejam igueis &s do destino, devo também fazer-me destino, entregar-me A sorte, 20 acaso, Agit com uma pro- tbabilidade de um contra um, O homem que, ao jogar contra o autémato, re- runcia ao livre-arbitrio ea liberdade de deciséo, acota frente ao destino uma atitude muito semelhante & que o Romulo de Darrenmatt adotou em relagao is A necessilade hintdrica, Em vex de colocat'cam vezes seyuidas a moeda com a {ace cara ou aternadamente fice cars e face coroa, ow entio doz veree kegul ddas cara depois das vezes coroa, ele prefere simple “Tal homem rio éseguramente um herdi trig ‘como Rémula, uma stitude de palhaco, Na trigédia moderna, destino, os deuse: ea natureza foram substituidos pela histcria. A histéria 60 nico sisteme de referénciaya - Sle adotou frente ao destino, ia instancia que onfirmaou recusaa atividade hurtana. la éinelutivel, cumpreas cares que fstdo de acordo com seus fins, 2 “raza” objotva eo “progresso” objetivo Nessa ‘oncepeao, a histeria & um teatro que mio tem espectadores ¢ comport apenns lores, Niaguém olhaa representagio do exterior, todos participam, O rotciro sesseespetdculo monumental éestzbelecido de antemio.e comporta un epito fo necessirio que explica tudo, Mas esse roteio, como na commedia dell'art nlo & redisidox 09 atores improvisam e somente uma parte deles prevé correta ‘mentee queacontecers a seguir. Nesse teatro muito especial, a cena modifica-se 0 mesmotempo que os atores; estes edificam ea demolem sem parat. Osatores enganam-se, mas os erros so previstos de antemao pelo roteiro; pader-se-ia mesmo dizer que constituem o principio dele, que € grecas a eles que a acdose desenrola. A hist6ria encerra o passado ¢o futuro. A acao prin «pal mistaram-se a toda instante stores das cenas precedentes que repetem velhos corflites, que querer desempenhar paps hi muito represeatados, Hes protongam inutiimente a representacao; € preciso expulsé-los de cena, ‘Chegaram demasiado tarde. Outros atores chegarsm demasiado ceda. Colo ‘um jas questdes do ato seguinte,néo véer cue 6 paleo ainda nao est pre parado para eles. Querem apressar a representscao, mas isso ¢ impossive!, to ‘dos os ator devem ser representados cada um por vez. Os que chegaram demasiado cedo so igualmente expulsos de cera, ‘Tiis sio 0s papéis que foram consieratos irdgicos pela filosoia ¢ pela li- {eratura doséculo xrx. Segundo Hegel, os herds trdgicos da historia eram os ‘te chegarem demasiado tarde. Suas razdes so nobres, mas unilaterais, Etam Justas na etapa precedente, no ato precedente. S insistem em defendé-hs, de- vem ser esragedos pela historia. Para Hegel, « Vendéia era um exemplo do Lngico da histocia, Or que cheparam demasiado cedo, que.em vaio quiseram aceterar a histo so iqualmiente herdis trgicos, As razoes deles sto também unilaterals; $9 io justas na etapa seguinte, no ato seguinte. Eles neo compreenderam que Hiberclale nao ¢ outea coisa sendo u tomada de eonssieneia da nevessidade, Fi foram esmagados per essa necessidade histérica que resolve apenas os pro- _ blemas que admitem solugao. A Comuna de Paris ¢ um exemplo desse aspec- Jo trdgicn do historia, ; 0 grotesco ridiculariza 0 absoluto da histéria assim como ridiculerizou 0 Absolute dos deuses, da naturez e da predestinagio, Realiza essa operacao com do chamedy "tone! do risa”, O“tonel do ris” uma dasatragées mais popitlares de todo parque de diversdes. Um grupo de pessoas procura manter- se¢em pé enquanto ¢ tonel ose: a0 red de seu eixo. $6 & possivel maater 0 equilibrio desiocanco-se sobre a base em sentido inverso do movimento € gama velocidad, o que nao nada ill. Os que sedesiocam muito depressa ou muito devagar sto inalivelmente derrubadlos,O tonel os levanta e depois os leva para baixo, enquanto eles se agarram convulsivamente ao soalho mével. Quanto mais bruscos seus gests e mais desesperades suas tentativas de fixar-se {As paredes, maior ¢dificuldads de levantarem-se. E mais ridiculos parecem. ‘O tonel éacionado por um motor situedo noutra parte transeenden‘e. No ntanto, seria facil imaginar um tonal que fosse movido por seus clientes, pe- las pessoas que neleestivessem Palos que se mantém em equilidyio e pelos que $30 deerubades. Tel tonel sera manente F 6bvio que seu movimento seria vo- tiavelele oscilaria ora num sentido, ora noutro. Mas seria infnitamente mais dificil manter o equilfbrio nele:o tempo todo seria preciso mudar 0 passo,a- dar para a frente, pera tras, ora mais clepressa, ore mais devagar. Num tonel imanente como esse, muito mais pessoas perderiam o equilibrio. Contudo, nem os que o perdetiam porque vio muito depress, nem os que © perderiam pongue ro muito devagar, seam hers tigicos Seria apenas grote. 0 seriam mesino se ‘osse impossivel stir desse tonel imanente, © mecanismo social tal como 6 mostrado ne maioria das pegas de Adamov lembra muito esse"tonel do iso”. ‘© mando da tragédia e o do grotesco tém portanto uma estrutura seme- thante. 0 grotescoadota os esquemas dramsticos da tragédia e calocaas mes- Have ‘MAN questes fundamentals, Nessu querela sobre interpretagdo trig rotesea di cordigio huma tual confhito ate vou Js ecncontramos tum rellexo do eterno & ximpre stilos de vida, @ antagonismo entire k Kolakowski qualificou de artagonis ‘mo ineurvel entre padtes e pathagos. Entre a tagédia eo grotesco li 0 mo conllite.sfvorda escatologia ou contra coucontea dk das filosofias eo ‘its alihides Lindamentais, que Lest a favor da erenga ne aksoluto favor daesperanga mmasot (rea order do;valorese a orden: dé agio on dos padres. 0 gotesco,o teatro des palhagos. Esse conflite das duas flosoffiase dos dois textros torna-ce particulasme {e brutal nas épocas de grandes mudancas. Quando a orclem dos valores & re hivida a cinzase ago se pode mals recorrer a Deus,a Natureza ow i Historian ‘contra‘as tortusas do mundo cruel”, o personagem central do teatro toma-se Opalhaco, lowo, Eleacompanha entio,em sua ertinciaattor, fin definitiva da contradigio en. ‘contra ela. A tragédia & oteatior 0 soberano.o Nobree seu filly, expulsos na noite negre que se abateu sobre 0 muncoe que "ho fen fir E Gs “noite fra” que, no Rei Lecr de Shakespeare, “fara de todos Palhagese uces” Glicester, depois que the arrancaram os olhos, cuerlangar-se a6 mar do alto ths falésias de Bover. Seu proprio ftho, que finge ser louco, 0 guia. Ambos Atingiram o funco da miséria humans, ou, se preterirem, 0 topo dessa“pirimi- ded infelicidack”, como Juliuse Slowacki qualiticave Rei Lear, Mas,em cena, so apenas dais cores, um que representa uim cego,0 outro que represents tm homem que ing? serlouco. Eles caminham juntes, Glocester Quando chegarersos ac alto de tal ealiva? Hilgar> Mis ves a estas subindo agore Obs rien tanec Glocester > Temoantes a impressio de. ‘ a queo chio sea plano. Fdgar> Herrivimente mgreme, Esculi! Estais ourind 6 rugido de mar? (CMécester > Parcdizet a verdade, nao estou ouvinde, [Rei Lear, wv, 6] Hi fill imaginar essa cena. O texto, aqui, é também didascilia, instragio stores. Eagar sustenta Glécester; ele ergue 0 pé, finge subir. Glécester yalmente Levanta Alto, mas seu pé encontra apenase ar. Essa cena inteiraéescrita para um géne- fo bern determinade cle r@taro. B pantomima. E essa pantomina s6 tem senti- lose for representadla num palco plano, nivelado, lgar finge ser louco, mas para isso deve adotar os gestos upropriados im sun expressao teatral, trata-se de uma cena em que um lowes guia um homem cujos olhos haviam sido arrarccados e procura convencé-lo da ¢ existent, Dentro em breve, a palsagem sent esboga- perma, como se esperasse que o passo seguinte fosse mais tenela de uma colin da, Muito scguidamerne Shakespeare cria a paisagem num palvo vazio; em seu Teatro Globe, como ausilio de tes palavras ele transforma as lazes di as esuaves da tarde er anoitecer ou aurora, Mas nenhuma das paisagens de edetalhada quanto esta Como num quadro Shakespeare é tao esata preci de Bruegel, pululam rela personagens, acontecimentos e objetos. Um ho- menzinho colhe funcho, empoleiradc 8 meia altura da falésias ao longo da praia hi pescadores tan pequenos como camundongos, 0 navio ao longe pa- rece um bote, a chalupa flutua como uma boia. Esse abismo realista criado pela imeginagio de Shakespeare, Slowacki quis que sea her6i Kordian 0 contemplasse: ‘Ver Aqui, no alio,nzm uma palavra, nem um geste. ertigem se apossaré defi se agares um olhur sosabismesque se abrem a teus pés As gralhas que voam er meio ao abistno mio paccem maiores que moscas. Ell adiante,3 meia altura, ves aguele homer empoleinade? Esti colhendo funcho...O ride existincia! Daqui o ‘vemos tio pequene como uma cabesa humana. E es pescadores queandam pela praia seassemelhama formigas. Contudo, essa paisagem verista, desenhada em perspectiva, criada num paleo vazio, nao é um cenario e nao substitu um cenirio inexistente, Sowac- kkicompreendeu maravilhosamente bem a dramaturgia dessa cena: “Shakes- peare! espirito criadot! Edificaste uma montana mais alta que as que Deus fez, Fizeste compreender 0 abismo a um cego..", 7 A painagem ¢ agora apenas un partiturs para a pantomim agar acdbum de chegar 20 topo. A paisagemests abaixo dele Mdcester Daai-mre vossa mao, Estas agora a wm pe da ta do precipfeio, Por tudo quant existe cebu ch lua, nao salearia dau, [Red Lear, 1,6 Osatores de Shakespeare fingiam certai Ke avangar um pene varie, ne beira do palco protegido de uma pequena balaustrada, acima dos especta ores em péns plitéia, como se tivessem med do precipicio. Mas nit se ta de maneira nenhuma, aqui, de reconstituir 6 espeticulo clisabetar til omo foi..0 importante é unicamente a presenga, e mais,a nocessidade mex ‘ma da pantomima. Shakespeare € cbstinada. Glicester acaba de saltar precipicio. Os dois atores estao agora ao pé de uma falésia que nio exis Ppaisagem acha-se agora acima deles;a mesma, porém no alto. panto continua, Glécester» Mas eat ou nio cai? Pidgar > Do alto espantoso desta borda caleérex, Olhal para cima; & cotoria tie) pode ser vista ou ouvida de do longa distincia, Mas olhai Tbidem, 1,6] ia 0 espace ci ‘A pantemima “alto ¢abase da coline,o precipici, Shakespeare recorreu a todosos meios do teatro antiilusionista para criar uma ‘as paisagens mais realistas e concretas. Paisagem que éapenas a ilusiode un ‘vega. Ela cemporta perspectiva e luz, homens ¢ objetos, até mesmo sons cbs fodlos, Do ato rao se ouve 0 mar mas fala-se de seu marulho; da base nao se uve a cotoviay mas fla-se de seu canto. Nessa paisagem, os ruides esto pre ‘entes em sua p-dpria auséncia.O silencio é preenchido por ees, Assim com ‘paleo vazio & preenchido pela colina A-cena do suicidio é igualmente pantomima. Glécester ajoelha-se par {uma iltima prece; depois, em conformidade com a tradiqao do teatro inglés, (al paraa Frente, Fi-lo embaixca, Mas nio havia cume. O cumeera uma iki. Glocester ajpelhou-se num paleo vasio, caiu para a frente ¢ Ievantou-se. & momento em que intervém a desilasia? i colina inexistente nao ¢ apenas uma maneira de enganaro Cex, Dut Jum breve instante, nds mesmos aereditamos nessa paisagem € nessa lomima, Trata-se de uma pardbols cujo sentido,« despeito das aparéncias, Wsimples. Mas ura parabola como essa €inimaginavel fora do teatro, ou Jor, fora de certo tipo de teatro, Numa narrativa em prosa, Edgar teria po- evidentemente sonduzir Gldcester copo Bs falésias de Dover, fazé-Lo sal ile wna peda do um metro de altura e convenct-lo de que saltou de uma me ou em prosa, a escelha s6 pode ser feita entre um salto na a, Bm Jv partir de wma pedra que existe, ou um salto no mar, igualmente real, do ie uma falésia gredosa. Nao se pode transpor para um filme 0 suicidio de ieester, a menos que seja teatro filmado, No teatto raturalista, ou mesmo i teatro estilizado,em que o precipicio ¢ pintado ou projetado numa tela,a bola de Shakespeare sera completamente destruida. (0 palco deve estar vazio. E, nesse palco vaio, ¢ encenado o suicidio, ou ‘nelhor,o signo do suicidio. A pantamima consiste ea encenar signos, Em Wueur sans gages (Matador sem garantias},0 arquiteto, que € a0 mesmo tempo omissério de policia, guia Béranger na Cidade Radiosa. Béranger respira flores inexistentes mam palco vazio e bate com o dedo em monumentes inexis. Wenles. A Cidade Rediosa existe ¢ no existe. Ou melhor, existe sempre ¢ em “toda parte, por isso ¢ assustadora. Do mesmo modo, 0 precipicio de Dover ‘existe enio existe. O precipicio no qual se pode saltzr esta em toda parte. Mediante mas poucas réplicas, Shakespeare freqilentemente transforma- ‘uum estrado, o proscénio ou uma galeria em rua ce Londres, floresta, pali- “Glo, navio ou patio de castelo. Mas eram sempre as lugares verdadeicos da ‘ned. Os burgueses reaniam-se diante da ‘Torre de Londres,0os amantes vaga- ‘yam pela loresta, Bruto assassinava César no Forum, O precipicio braneo de Dover tem uma outra fungao, Glécester nao salta nem do alto de uma falésia, nem do alto de uma pedra, Somente uma ver,e sso em Rei Lear, Shakespeare thos mostra o paradoxo do teatro puro. lonesco recorreu ao mesmo paradoxo fem Tueur sans gages. No teatro naturalista, pode-se representar uma cena deassassinatoe uma cena de intimidacao.0 tiro pode ser disparado de um revélver de verdade ou. de bringvedo, Mas.na pantomima.ndo hé diferenga entre um e outro; é mui- 139 {simples nto hi nem tevélver, nem petardo, A morte é apenas teatro si no, pariboa Ao cal sobre as tbuas lis nuas do ‘cena das noralidades meiievais, He nito mais o dignitério da coroa farrancarem os olhos porque maniestara piedade pelo fei banide. A age nao se paisa ais na Inglaterra elisabetana ou cética. Glécester éo Everyman, & o paleo torna-se 0 Theatrum Mundi medieval. Nas pecas da Wade Média, 0 paleo iguilmente era vazio, mas no fundo erguiaa-se quatro"casas”,quatie Portas que representavam a Terra, o Purgatirio,o Céu e 0 Inferro, No Rei Lar de Shakespeare, paleo esi vazi kscester rep do comeso ao fim, nada existe,a nao Seta terre cruel. Eaf que o homem vagueia em sua jornada do bece9 20 tt ‘mulo.0 tema de Rei Lear é uma interrogagie sobre o sentido dessa jornada, sobre a existéncia ow a inexisténcia do Céu e do Inferno, Apart da metade do segundo ato atéo fal do quarto, Shakespeare tet ‘nwt em Re’ Lear os temas biblicos. Mas esse novo Livro de J esse now infer tno de Dante foram escritos no declinio do Renascimento, Em Rei Lear, nio & so Céucistao que nio existe mais; tampouice existe 0 céu que haviam anun- siado ¢ no qua’ acreditavam os humanistas. Re Lear transforma em crvel der- ‘isto toda scatologia, o eéu que nos prometen na terra e 9 Céu que nos pro- ‘metem depois da morte,a teodictia cristae @ wodiceia leiga, a cosmogoniaea histéria racional, os deuses,« natureea benevolemeeo homein criado"a ima: gemea semelbanga de..”, Em Rei Lear, as duas ordens de valor desmoronam: ‘da Idade Média ea do Renascirsento. Quand termina essa gigantesea pan- {omima, zo restasenao a terra ensanglientada e vezia. Ness terra,apés uma tempestade que deixou somente pedras, 0 rei, 0 bufio, o cego ¢ 0 demente prosseguem seu éspero dialogo, Ferman no teatro medieval e pré-enascentista inglés. as pecas, quase toss de fun to seligics,artcularam-seem torno de person es das inflaencias extras que atuaram sobre © homen, por exeinpto,a cobica, a bondad, © amor ete A figura do Fveryman, nome que licialmente poderia ser traduzido como Qualquer Um, € per- 80 de humoniddade em abstis sei 10s} ou nuances psicoligica indivi- ida € irigico. Gib est igual © exo Gkicesterealu num paleo vazio. Seu salto de: ger chegou ao fundo da miséria humana.NNo fundo dessa mise ‘mente se filo, que fine ser‘Tom,o demente, fim de salvar pal. Masa pan- fomima que 0 atores nos mestraram no paleo € grotesea, Tem um lado iteense, Glécester, o c€go, que subiu uma colina inexistente ¢ caiu sobre té- aque foi representada, A mesina hus lisas, é um efowea, & uma farsa floss ‘jie eencontramos no teatro contem>orinee. Assobio,bastidor exquento Ble nfo se mexe. ‘Oha suas maos, procara com os olhos a tesoura, localiza-a estende a mio pant eqi-la, comega a cortar as unhas, para, reflete, passa o dedo sobre a lamina da ‘esoutra,enxuga-o com o leneo, depesita a tesoura eo lengo dentro do peqeno ‘cubo,vira-se de lado, desabotoa @ colarinho,livra o pescogo eo apalpa, ‘Opequuenc eubo torna asubiredesapareceno alto do pslen, levanelo Lago tesou- raclengo. He vita-se para pegara tesours,constatao que aconteces,senta-se sobre o gram de eubo, (© grand cubo sacode-se jogando-o na chio, tara «subir e desaparecene alt do paleo, le fica estendido al ado, com a face voltada para patéia.o olhar xo, ‘Ato sem palavras serve de fecho a Fim de partida de Beckett, e € como que sua interpretacdo definitiva, Os vestigins remanescentes de caracteres, deagaoe de situagio sio al reduzidos ainda mais, Nao resta sendo uma Unica situagio que 64 parabola universal da condigao humana, Uma situagio total. homer € precipitado mum paleo vazio. Tenta fugir para os bastidores¢ & projetado no ‘vamente para palco.Do alte desce uma pequena drvore com um reduzido tufo de palmas, uma garrafa de agua, uma tesoura ¢ cubos.homem tenta colocar se 4 sombra das palras,mas as palmes se fecham sobre o tronco; tenta pegara sgireala,a garrafatocmn a subir, Hi a seguir uma tentativade suicidio. [sso igual- ‘mente ¢ impossivel“o ramio se fecha zo longo do tronce’”.O homem senta-se e reflete. A garrafa ea drvore tornam a aparecer.Q homem nao se mexe mais. ul Nesse fim de Fim de partida, oqpie esté mis alge do hon mh — os ete, 6 destin, 0 mundo — ndo ¢ indiferente, mas é zombeteiro e malcose. Esse ta 0 homeny sem parar, que estt mais akém dele € mais forte que perde obrigatoriamente endo pode escapar a situayoque Ihe impost Nao mais continuarjoganclo cabra-cega. So mente essa possibilidade de recuse pode torné-lo mais f mais além dele, E fle perceber o quanto essa parsbola ébiblica, mesmo em suai m ras: « palmeira, sua sombra, a égua. O que es mais além ¢ acima do homem espantosamemte semelhante ao Deus do Antigo Testamento. Trata-se igual mente de um Livro de J, mas sem conclustootimista Podeapenas ren te que © que esti Esse aeve Livro de Jé € mostrado num tom bufo, numa pantomima cle citco, Ate sera palavras érepresentado por umn clown, Essa parabola filosoti a pode ser cecifrada segundo o modo trigico ou grotesco, mas sus expres slo artistica & unicamente grotesca. O suiciéio de Glécester cegoyigualmen te,¢ umacambalhota de circo num paleo vario. A situagio de Glécester e de Edgar ¢ trégica, mas é mostrada numa pantomima que é uma farsa ci EE freqiiente vermos em Shakespezre bufées imitando os gestos dos reise dos herdis; mas apenas em Rei Lear as grandes cenas trigicas sio mostradas pels Intervengao da farsa, ‘A partorsima do sulctdio nav € # unicaa ser grotesca, © ditlozo que Acompanha esté igualmente repleto de crueldade e derrisio, Glocester cego ajoelha-see reza: © poderosos deuves! Renuncioa este mundo edebsino de vossos ots ex me des ojo resigrado, de minha grande afigio;sea puidesse sportar durante mais ein 0. ae me colecara contra vossavantade onivetente edeinaia que sconsuis Se até «fim este miserivel pavio de minha exisiéne bendizi-o Ret Lear v, 6] ‘Se Edgar estiver vivo, oh! (O suicidio de Glicesters6 tem sentida se ¢s deusesexistem. E-um protesto ‘contra um sofrimento imerecide e contra a injustiga do mundo. Esse protesto i} temumalvo bem definido, Eleapek uma escatolegia. Mesmo sendo crutis. os nex deve levar 0 suickdio em consideragao. Pste pesars noacerto decontas Ainitivo entreosdeuses eos homens,es6 tem valor por referéncia ao absolute. ‘Mau se nem os deuses nem a orclem ética existem, 0 suicidio de Glicester Wo altera nem resolve nada. E apenas uma cambalhota mam palco vazio. usdrio e malsucedia@,e nio-zpenas em seu desencolerefetivo. Grotesca en- {ho é4 pantominta, mas grotesca também toda a situacéa, Do comego eo fim. esperar Godot que nao chega. Eatragon > se nes enforcéssemos? Vladimir > Com o quet Esgragon > Nao tensum pedago decorda? Viadimis > Nao. Bstragon > Extao aio podem, Vladimir > Varsos embora. atragon > Expera, hi © meu cinto. Vidor > Bmmaito curto, Estragon > Tu paxaisminhaspernas. Vladimir > B quem card as minhas? Estragon> E verdad, Vladimir > Mostra-me assim mesmo. (Estragon desomarna o cordao que prende suas calgas. estas, demasiado targa, eaer-the sobre os ormazel.Eles ull & e0r~ cdo.) rigor, posers funcionar. Mas ¢ bastante fore? Esrragon > Vannos ve, Segura. (Eles pegar, cada tn, umna pore do conde e pusar.0 condao se rompe. Elesqua secaem.) Viadinir> Ele nao vale nada, Sarma! Beckett, Fxperande Godot, 1] Giécester,do mesmo modo, sain élevantou-se. Passou pela prova do sich ioe nio-abalou 0 mundo, Nada acontecen. 0 comentario de Edgar € irdnico: “Se ele estivesse ond: julgava estar, seu pensamento jé teria escapado neste momento” [Rei Lear; v,6]. ‘Se nao existem deuses, 0 sticidio nao tem sentide. Queira-se ou nao, a morte existe, O suicitio nao pode muder a condigao humana, pode apenas i) celery ile cleixa de ser um protesto,torna se ep lagi, Aceitagto da por cexyeldad do mundor a morte. Ghieestes nde Diaquipars dant, suportare desgrag tale mora. [Ibidem, 19,6) aie que cla mesons excl nais uma ver, no tim aio:"Nabo saireidaqui,senhor. Um homem pode perfeitamente apodrecer neste ingar”libidem, ¥, 2]. Depo's de seu suicidio grotesco, Glécester de othos arrancadas fala com lonquecido. Estragon e Vladimir tem uma conversa muito parecida, in teriompila polos gritos desesperados do ego Pozzo que caiu e mio cotsegine levantar-se, Pozzo ¢ Glécesterteriam se compreendico mui o facilmente: Lum di Fique cego, um dia Rearemos surdos,um dia nascemos, um dia morrete mos. .Plas sarem comas pernas esarranchadis sobre uns timo, o dia brill por tum instante, depois é noite outra wer. [Esperanto Godot, t} Shakespeare diza mesma coisa, porém mais brevement Os horiens devem sair deste mundo como entrarams estarem preparadas.eis tudo, [Ber taan v2) Mas Ionesco tem uma frmula ainda mais breve em Tieur sans gages: “Morrerenos todos, essa € tinica alienagao série” (O tema de Rei Lear éa decomposicdo ¢ 6 decinia do mundo. A pegacomeca «da mesmne manetra que as cronicas: pela partiha éo reino € pela abdicacio do soberano,e termina igualmente como elas: pda proclamagao de wm novo rei, Lnireo pidlogo eo epilogo, desenrola-se a guerra civil, Mas, contrariamente ‘oxdiames hist6ricose as tragédias, o mundonao volta a se recompor Em Ret wumir'o tron oa Law nares, Nem um frie Otdvio, quesse tornard o imperador Aug 0 ha um joven Rortimbras destemido pan bre Malcolni que ajsisis crimes de Macbeth, irsrestituiro alimento a nosis case das vas © Sone.a nossas noites” | Mac! naps 1,6]. No epilogo das crdni 1.0 novo sedan langava convites para sia coroagio, Emm Rei Laur gar nfo tem mais a quem eonvidar. Todos foram as- sassinados ou mortos. O vaticinio de Glécester cumprit-ses“L..] esse vasto luniverso se reduyird a nada” [ei Lear, 1v, 6]. Os que sobreviveram, Edgar, shigue de \ibany e Kent, ndo sio sendo,como Leat,"fagmento arruinado da futuireza” [ididem, 1¥, 6}. D lade de bons. hhuma pega de moralidade. Mas é uma pega de moralidadeem que todos serio 8 © 05 perseguidores, os tortura- durar enquanto houver alguém em doze principais personagens, metade € Justa, outra injusta Uma me= a metade de maus. A divisdo € tie Kigica ¢ abstrata quanto Aniguilados: os nobres.e 08 vis,0s persegui lores ¢ os torturads.A vivissee ena, Pasa decompesigso ¢ esse declinio serio mostrados em dois planos,em Uma delas pode ser chamada cena a dus cenas diferentes, por assim Macbeth, outra,cena a 16. Accena & Macbeth é a do crime. Comega como uma historia para crian- (us. sobreas trésfilhas, duas mase uma boa. Esta morrerd enforcada em sua pristo, Aquelas morrerao igual clas terd inclusive matado © marido ¢ enve ay antes tera sido adatlteras, uma enado & irmma, Todos os vineu= Jos se rompen ¢ tito o que ¢ chamado direito divino, natural ow humane. serd violado. Tode aordem social sera desmanteladao reino ¢ a familia. Nio hi mais nem rei, nem stiditos, nem pais, nem filhos, nem maridos, nem espe: 49. P14 somente as grandes feras do Renasciments que se devoram umas’s utras “como os monstros nas cavernas”. Tudo éexagerado, tragado em li- ndlicados. A hist6ria do mundo s Inhas grossas,os caracteres mal ve Lim de psicologia ede retérica. F agdo para, Essts seqiténcias violentas sio, apenas ilustracao eexemplo, ¢ funcionam como um contraponto realista € ‘vombrio para as cenas a6. Poisascenas a Jo constituem o essencial. E nesse plano que sera represen {acla'a moralidade siredstica e bufa sobre a condigio humana. Antes, todos os, Perwonagens levorto serarrancadox ce seu lugas ce sun stuagbo soc be pre: pitados abaivo, até a degradagdo final. Pls dever chegar ao fund do pose, queda nioéapenas uma paribobs filosética,como o salte do cego Gkivester ‘no precipicio,fsse tema da quedla Gobstinadamerte desenvolvide por Shakes peare ¢ repetido pelo menos quatro vezes. A queda & 40 mesino tempo fii ‘spiritual, corporal esocial, No inti havia um we luma corte, ministros; depois, nag ha send quateo smeniliges,etrando pelasesteadas sob a tormentaea chuya.A queda €lenia ow ‘brutal: no iniio, Lear tem uma comaitiva composta de cem cavaleiros, depois, decingient,finalmente, de um sé. Kent foi barido por um simples gesto de tive do rei, Mas 0 processo da degradagao é sempre o mesmo. Desaparece udoo que distirgue: as honrarias,a situagio sovial,o préprio nome. Os no. Ios ndlo sio mais necessérios. Cada um nio é mais quea sombra desi mesmo. ‘Apenas um Fomem, ‘Rei Lear? Alguém aqui me conhece? Estero & Lea! Learanda assim? Fake ssi? {] Quemsera que poders dizer quem sou ex? ‘obo ) A sombra de Lear Ibider, 1, $1 Dis aqui ais uma vez, a mesma questio ea mesma resposta. Kent, o bani- dlo,retorna dafaryado para junto de sere Rei Lear> | Que he Quer é tu Kemi» Umborcem, senhor,{Ibidem, 1.4] Um homem nu nao tem nome. Antes que comece a moralidade, todos de ‘Yon estar nus, Nes como vermes, [intdo [6 lerantou-se, rasgou seu manto eraspousta cateca: depois, jogindo-se a0, cho, prostzrnou-se e disse: mu said seio de minhs mae,e nu retornarei ao cio da (ere. [Livre de 6 1,20-21} Neste nov Livro de J6,s imagens bfblicas nio se devem ao acaso, Edgar lin" jas do ‘ctu [Rei Lear, 53). isse tema retorag constantemente, com uma reguleridade obstinada: “Na tempestade desta noite,vialguém semelhante que me ee pensar que o homer ‘ala mais é do.que um erme”(ibidem,1v, 1]. ‘A queda é sofrimento ¢ tortura, tortura pode ser fisica ou moral, ou fi sica e moral 2omesmo tempo. Lear perde a razo; Kent serd preso eacorren- taco; Glacester teri os olhos arrancadose tentaré snicidar-se. Para que 0 ho- mem fique inteiramente nu, ou melhor, para que seja apenas um homem, no basta retirar-the o nome, situacao social e o carater. E preciso ainda Inutild-lo ¢ massacri-Io, moral e fisicamente, transformar o rei Lear num “fragmento arruinaco da natureza” e perguntar-lhe,somente entao, quem é. Pois 0 novo J6 do Renascimenco deve julgar 0 que se passa na outra cena, ena a Macbeth. Um eritico polonés, Andize) Falkiewicz, observoua mancira pela qual niio ‘em Shakespeare mas na literatura € no teatro contemporineos, o homem & inessacrado e mutilado, Comparou isso a0 ato de descascar uma cebola, Pri- tneiro rtira-sea casca, depoisas camadas sucessivas. Onde termina a cebolne ‘6 que hd no meio? Um cego é um homem, um loucs é um homens, um velho toloé um homem. Um homem enada mais. Um “nada” quesofre,tenta dar um “sentido ouumta dignidade a seu sotrimento, que se reyolta contra cle ou oacel- tae que deve morte 1] apresentando minha nadez,afrontarci os yentose as ine © densest Quem pode dizer: posso estar ainda pior. © pior 6 dura o instante preciso para dizer-sei Into €0 ‘Souo por’? Estou ainda pior do gue estava |. E lor”. {tbidem, ay, :1 0 didlogo de Vladimir e de Estragon é muito semelhante. Ele falam ataba Thoadamente, mas nessa confusio hd restos dessa mesma escatologia. Vladinir » Nao cotremos mais rseo de pensar. Estragon > Entio,do que nos queixamost Vladimir > Persar sao &0 pict. “7 Bstragos > Claro, lava, mand € inte Vioalin' Rstnagos » Bisto,cotocam nos qe Vadis O que queres diver ji gst? Hstragon > isto a0 menos, Viaatiow > Pvidemtermente, stnagor » Bento? Se nos consilerisiemos elves? Vladine > que ete Wel € ter pensielo, [Espenando Gado | Poizo ¢soberbe € orgulhoso quando, na primeira parte de Esperendo Ga dot, conclu por uma corda o esfomeado Lucky Sie ainda 6 patrao e 9 empre fuido, exploradoreo explorado, No segundoato,quando reaparecem, Por ‘aicos cexo — c Lucky mudo. A mesma cords os une, mas agora sdo apenas homens."E a praga destes tempos cue os cegos sejam guiedos pelos loucos” [Rei tear. w,11 EPulgar que cond Glicester cogo em diresao a0 precipicio de Dover. al € precisamente o tema de Fon de partda; Beckett foi o primero a descobyio io Rei Leura desembaracé-lo de toda agao, detudo a que € exterione a repe tisdo em sua plena nudez, lov € incase de sentar: Jamm, 0 cego, nao consegue levantar-se sesloca-seapenes cm cadeira de s0das, Urina com 0 auxillo de um cateter. Nelle Nagg perderam suas pernas e mal respiram em seus cestos de fix. Mas Hamm cortinua a ser o patra, sua cadeira de rodas lembra um trono. Na producto londrina de Rober Blin, cle vestia-se de parpura desbotado een: suygava oresto num lego manchado de sangue. Como o rei Lear, era umn ti rano decade e impotente,“um fragmento arruinado da natureza’” Era o sei Lear do quarto ato, quando encontra Glécester cego e ordena, depois de um grande morlego ensandecido, que rétirem abota que the aperta. E igual- ‘mente um ealgado que um dos clowns Esperande Godot retiea no inicio da primeira cena, yecisamente isso, d scar uma cebola, em Shakespeare ou em noss cruel eiristrin; descasci-laatéo fim, até esse “nad” que softe.£ pre- ‘coumenteiso,o tema da queda, © conceit de Fomem foireduzido e a situ Jevadas « uma condigdo humana tinica euitima, total eque contém todas, “A pergunta de Vladimir: © que ha dentro da valise®, © cego Pozzo respond “Arela’', Clov,em Finde partida,levarta a tampa do cesto de lixo para ver o que feito de Nagy, “Ele hors, constata.“Logo, ests vivo", responde Hamm, Ele chora; logo, estéVivo, Os criticos ingleses viram nisso a réplica de Bec- Jot frmuta cartesiana do homem, queera iguslmente uma redugao.No en- unto, Becket apenas repete depois de Shakespeare: [.Jeheqamos chotando aqui.) Quando nascemos,choramos por termos vindo para este grande palco de loucos. Libidem, 7,61 (0 mundo € real eo sapato realmente aperta. © softimento, igualmente, ¢ ‘eal. Mas 0 gesto pelo qual ume ruta de homem exige que Ihe retirem 0 cal- \yado que lheaperta éridiculo. Assim como a cambalhoia de Glécester cego no polco vazio, (© J6 da Biblie é também uma rufaa de humanidade, Mas-esse resto de ho- ‘mem conversa sem parar com Deus. Injuria, maldiz,blasfema, mas acaba dan- do Fazio a Deus. Be justificou seus sofrimentos, conferiu-Ihe uma dignidade. Integrou-os na orden metafisica e absoluta. O Livro de Jé €0 teatro dos pa- des. Nos dois Firs de partida,em Shakespeare e em Beckett, 0 Livro de Jo sera fepresentado por palhagos, Mas também af os deuses serao invocados, ¢ por todos os personagens: Lear, Glécester, Kent, mesmo pelo duque de Aloany. Desde 0 inicio, desde as primeiras cenas: “Ret Lear — Por Jupiter, juro que nao./ Kent — Por Juno, juro que sin” [ibidem, 14 4. Deinicio,os deus tém nomes gregos. Depois,sio apenas deuses, grandes « tercives juizes,1é no alto, que cedo ou tarde deverio intervir. Mas eles se e1- lam, nio intervém, Progressivamente, 0 tom vai fcando sarcistico. Essa -uina humana que invoea Deus torna-se cada ver mais ridicula, as cenas, cada vez mais crugis, mas simultaneamente mais bufas:“Pelos deuses benévolos,é um ato por demais igndbil arcancar-me a barba’ [ibidem, 11,7]. Os fracassos, os sofrimentos, as atrocidades tém um sentido mesmo se os deuses sio cruéis, Scbretudo entao. Tal é a tltima chance teol6gica de justifi- Ha9 aro sofeinente, © Jéda Biblia © sabia, quandy bradavaw Deuss"Se vo menos 6 Mlageto prodluzisse de repente o morte!» Mas ele se ri das provagdes do ino: ‘ete [151% 23]. 4 partir de um Deus justo, pode-se sempreapelare um Deus injsto. il «ester, depois que the arrancaram os olhos, “Nes, seres humanos, somo para os deises como as moscas para asicriangis travessas: matamy-nospara se divertirer’ [Rei Lear vat. Contarto que os deuses existam, pois entiotude ainda pode ser sako:"lis uta ito, J, para e considera as maravithas deDeus!” [f6, xxx, 4) sat passagem soa como 0 seguinte didlogo em Fim de partida, de Beckett ‘lov »Liseran-mesE aqui olugaspra,erguea cabeya.econtemplaesseesp ‘or corde Daseran-me: Vamos, no és un an mal. pensa nesas coiase ve ris come tudo storm car. simples! Disseran-me:Toxls esses ftidos de mor te. com que eudado to tratdos. Harn» Basta ov Dgoamim mesmo —as vere, Clov,é preciso que aprendas a sofre=mais que iso. sequsees que secansimn dee pni— um Ga Dig «min mesmo — is exes, ‘Gl, épreciso que sejas melhor que ise, se quiseres que tedeixem partir —am dia Clow ¢ um clowi, mits ele € mais infeiz. que Flamm, Os balbucios ce Clov to ainda escatologicos, assim como as divagagoes de Lucky em Esperando Godot, Nesie didlogo entre runas humanas, somente Hamm compreendeu a Joucurs de ode sofrimento. Fle em uma resposta a escatologia: “Nao tio alto uanto.o ev”. Os dois pares: Pozzo, que ficou cego,e Lucky, que ficou mudo — Hamm, que nto consegue levantar-se,¢ Clov, que ni consegue sentar-se, si0 titados do Yim de partids” do Rei Lear Rei Lear: 18, Gil6cestery Deque maneira? Coma cavidade dosolhas? fol Ro Lear » Que ¢ sso? Estds loucot Um homem ver sem olhos qual sejaa siuagio ‘do mundo Otha com tuas orethas [Ret Lear, 1,6) A pirdbolas sao biblieas: Os eegos sto clarividentes, os loucos dizem « rsa, Lm tiltima instincia, tados sto loueas: "Nao menos que quatro low ‘9 escreve Camus,“um por ptofisido, outro por vontade, 05 dois tims por Jornento: quatro corpos desordenados, quatro rostos indiziveis de uma mes- Jn sondigao”." © Bod loues por profissie — fa compankia a Lear. que nnicha na noite fria da Joucura, Edgar guia o cego Glécester para seu suicidio jioesco. A invocagiodos deuses por Lear respondem os gracejos escatologi- cos:to obo; as preces de Glécester.a demonologia bua de Edgar: Frateretto me chame para dizer-me que Neto pesca com linha no lago das trevas. Reta, inocente, toma culdado com © demdnio imparo ..] O demOnio impure re morde as costat[..] Brar!O gato € cinzent.[Thidem, 16] Masa demonologia de Edgaré apenas parédia, deturpagao das chaves dos somos egipciose dos livros de fetigaria, uma zombaria enorme brutal. Ui ‘vonburia dirigida contra ele mesmo, contra essa cena & J6, contra J6 conver ssando com Deus, pois, em Rei Lear,acima da cena 8 J6,existeapenasa cena Macbeth, na qual homens assassinam, degolam, torturam, cometem adultério ¢ fornicagio, dividem os reinos, Contemplada com os olhos de um J6 que pa~ roude conversar com Deus, essa é uma cena de butbes..De palhagos que ain- axa saben que sao pallayos. ei Lear» (..} Vasnos, vaunos, sau rel, meus serhores, ji sabieis isto? Gentil-Homens > Vossa pessoa é real, ens ves obedecemos. Rei Lear > Entio, ada existe vida, Sim, ese v6s a apanhardes, vai ser preciso que ‘ortsisateés dela, Assim, assim, assim! [Ibidem, 1V,6) A hora zero chegou. Lear finalmente compreendeu. Assim como 0 cego Harm compreendeu,preso a seu trono com rodinhas. = como compreendeu Pozzo, 20 ficar cego.e ao tropecarem suas Valises cheias de areia: P0220) Um belo cia, acordel cego como odestino. |. Vladionir > Quando it isso? is ‘ozae 7 Nao ae |] Quer parade envenenatsme com naa hiss. tempor io fa endo! [Expevandy Gat] © rei Lear termina assim sua ilkima tirada demente:"Sem socortotCo ©0 joguete natural da sorte” [Rei Leu 1,6 Dentro de um instante, saltitendo, ele desaparecerd de cena, Mas antes teri ordenado que lhe retirer a hota que lhe aperts. A partie do que comprendeu que é um palhago, ele pode permitir-se isso, Nessa cena f6, uma Yella farsamedieval sobre decomposicio eo decliaio do mundo fei veprese {ud por quatre loucos. Mas nesses dois Fins de partida, ode Shakespeare eoclc Heckett,¢¢ mundo contemporaneo que desabou:0 do Renascimento ¢ nosso, Prisioncito? Sou verdadeiramen © primeirc louco ¢Arlequim. Ele tem algo de um animal, de um fauno e de lumi diabo; por isso usa tuma mascara negrs. Parece nao estar submetideas leis hhabinuais do espage e do tempo, Muda de aspecto numa fragao de segundo, tem 0 dom a ubiqiidade; éo deménio do movimento. Em Arlequiry,servidor de dois arts, de Goldoni, representado pelo Piccolo Teatro de Milao,Arlequim Nentava-se na borda de um estrado de madeirs, arrancava um fio de cabeloy ‘autmentava-o e diminuta-o de tamanho, fazia-o entrar por uma orelhe ¢ sir pola outra, u mantinha-o esticado em equilttwio sobre o nariz. Arlequim lum prestiigitador. um servidor que, em realidade, nao serve ninguém een- sna odo mundo, Zomba dos negociantes e dos enamorados, das marquesas ‘eddos soldados, Ridiculariza o amor ea ambicae, o poder o dinheirc. F mais {nteligente que seus mestres, embore parega apenas mais astuto.E indepe dente, pois compreendea que o mundo ésimplesmente um disparate Puck em Sonho de wma noitede vero, €o duende das tends inglesas, uma ‘espécie de Fobim Bom Camarads. Mas 6 também o Arlequim da commedia dullartedo Renascimento.F um ilasionista, um prestidigitador e o direwor da ‘omédia de eros, Ele mistura os cassis de amantes¢, sea bela Titénia acaricia lumna caberade asno, ¢ ele o culpado. Em suma,ridicularize todos: Titinia e om, Hérmia ¢ Lisandro, Helena e Demétrio, Mostra que o amor é uma Ihétia, Fle é0.acaso,0 destino, 0 acidente. Acidenteds vezes irdnico, mas que ota ser acidente. Pack prega 2egas-e nio sabe o que fer. Por isso pode dar eunibathotas no paleo, egmo Arlequim. Representar 0 bobo da corte ¢ao mesmo tempo uma filosofia eum oficio, ‘Touchstone e Feste ja sto dois protissionais." Aparecem em trajes de bafio, es- {oa servigo ce um deque. Sao ainda arlequins ¢ nae desprevam a pantomima ‘Maj nto dirigem imaiso espeticulo, nem sequer tomam parte nele, Contentam- -4e em comenté-lo. Por isso s20 zombetciros ¢ amargos. A situago do bufio é nbigua ¢ interiormente contraditéria. £ uma contradigeo entre a profissio ea Mllosofia. A profissio do bobo, como a do intelectual, consiste em distrait, en qiianto sua filosofia consiste em dizer « verdade,em desmistificar. Em Rei Lear, 6 Dulfio nao tem sequer preneme, é somente um bufie,o Zouco em estado pao. ‘Mas ele é também o primeiro louse a terconsciéncia da situacio do louco, Bobo > |. Por faver, tio, artanja um professor para ensinar teu bobo a mentir. Gostaria bem de aprender a mentir! ei Lear? Se mentires, patie, nds te mandaremos goiter. Bobo » Nao posso compreender come tue tuasfibas possam ter parentesco: elas ‘me mandariam chicotear,se euclssesse a verdade, tu me nsandariaschicotea se eu ‘mentissec, 49 veces 204 agoitade quando fico sllenciosa. Preveria ser qualquer eoi- sa menos bobo apesar disto,nio queria estarem tua pee, tio. Tu aparaste teu es+ Pite de anibosos edos sem nada dexar-ne mci. [ide 4) (0 bobo que se reconheces ele prdprio como bobo, que aceitou ser apenas lum bobo a servigo de am principe, detva ce ser um hobo. Fle deveadmitiren- 140 que 0 mundo se divide em buses e nao-butdes.eque o principe nio éum bufao. Mas na base da ilosofia do bobo esté 0 principio de que todos so bo- bos,e que o pior bobo— ou louco — é quem nao sabe cue o ou seja, 0 pro- prio principe. Bis por que @ bobo deve tomar os outros como bobos. Caso le €vitima da alienaeao por ser bobo, mas a0 contratio,ele nao sesia o bobo. mesmo tempo nao pole aceitar 2 alienagdo, ele toma censciéncia dela ea re~ jeita. © bobo encontra-se na situseao social do bastardo, tal come Sartre a des 33 4 revet: muitas veves, O bastardo ébastardo enquanto aceitar seu destino de bastardlo,enqaanto considerar isso como inevitavel, O bastarelo delxa de ser ‘um bastando cuando ele proprio ndo se reconece mais convo tal enti destri ledeve lstingdo entre bastardosefilhos kegitimos, erguendo se con {ra 08 principios da ordem social ou pelo menos desmistificando-us. Os on ttosqueram que o butte atenha-sea seu papelde bufia,querem o tempo todo ttiquets-t> de bute, mas cle nao sccita & ele que pac a etiqueta nos outros: ei Lear » "Tu me chamasde bobo, paz? Bobo » Abandonaste todosos teus outros titles, masesse, miseste com dle Kent» Nao 6180 louco assim, meu senhor. Bobo » Néo, por minha f& ossenbares os geandes homens ni me permitiian se eu tiresse © monopolio da loucura, desejariam ter parte nela;€as dams, tam bem, nto deisariam que desfrutase sorinho teda a loucura: elas me arrebatariam ‘doitlive [Ibidem, r 4] Assimeomey. representegio feita pelos bufdes na cena &Jé. Em sua pri meira entrada, o Bobo oferece seu boné de bobo a Lear. Poisa bufonaria nao é somente filosofia; éigualmente teatro. E esse aspecto do teatro que,em Rei Lear, nos ¢ mais contemporaneo. Besta decifra: a peca, vé-layarrancar todos 0 seus acessSrios romanticos ou naturalists, desembaragé-la da épera edo me- lodrama sobre o velho expulso pelas filhas, que vaguela na tempestade com a cabeca descoberta ea quem os sofrimentos enlouqueceram. Nessa loucura hi ‘um métoco,como havia para Hamlet. A loucura,em Kei Lear,é ume filosofia, 4 passagen deliberaca as atitudes de pathaco. Esc-eve Leszek Kolakowski:"“O bbuftio € aguete que freqdenta a boa sociedade, mas que nao faz. parte dela e langa-the mpertinncias; aquele que poe em duivida o que ¢ tido por eviden {6\ le nio poderie faz2-lo se pertencesse realmente boa sociedade; poderia entao,no mnéximo, ser um eritico de saldo queame o escindalo. O bulio deve permanecer fora da boa sociedade, observéca de no-evidéncia de suas evidéncias eo nio-definitivo de seus julgumentos defi centudo, deve freqiientar essa boa sociedade a fim de conhecer 0s ta bbuse ter aocasito de dirigir-the impertinéncas.|..] 4 filosofia dos bufées é ‘juela que; em 0 intangivel, fa irroniperas.contradigoes do que parece Sbyio e incontes MWvel, expec ao riso publicw aé evidéncias do bom senso, encontra suas ra- es nos absurdas?. la epoca, desmascara como duvidoso o que parece ser 0 o> D-me wm ovo, tio, quete drei dass coroas. Rei Lear > Que duas coroas seriam esas? oko Bem, partido o ovo em duas metedes e comida sudstdncia,as das coroas do proprio avo. Quando partisie tua coroa ae meio edesteambas a partes carte sae tew burro nascestasatravésdo lamagal |. Agora, nao passs de um rer0 sem ‘oulracifr Estou mehor agora do que tu Sou bobo e neds &,[Ibidem, 1,4] Ricardo 11, depois que the arranceram « coro da cabera, pedi que Ihe lesser um espelho; olhou-se nele © 0 quebrou. Tinha visto a imagem de um Velho todo trémulo, No entanto, aquele era seu rosto,o mesmo de quando era fei. Em Rei Lear, a degradacio do soberano efetua-seans poncos, passo a pas- so; Lear dividiu o reino ¢ demitiu-se do poder, mas queria permanecer rei. Acteditava que um reindo pode deixar de ser rei, assim como 0 sol néo pace deixar de brithar. Acreditava na majestade pura, na idéia de rei. Nos dramas historicos,a dessacralizacao da majestade ¢ obra de uma punhalada ou deum esto que arranca bualmente a coro de eabeya do soberano vive, Em Rel Lear, a dessactalizagic da majestade € obra do Bobo. Leare Glécester esido em busca dos fins tltimos,afirmam obstinadamente 1 existéncia do absoluto. Eles invacam os deusescréem ma justiga, referem-se Asleis da natureza. Form expulscs da cena & Macbeth, mes continuam sendo prisioneiros dele. Somente 0 Bebo esté fora, tanto da cena d Macbeth, quanto dda.cena a J6, Eleolhs co exterior enioé um idedlogo Rejeita todas as aparén- cias — do direito, da justiga, da ordem dos valores. Véa violéncia ntia.a cruel~ dale e desajo nus. Nio tem ilusSese 20 busca consolo na existéncia de uma orem natural ou sobrenatural em que o mal seria punido e o bem tecompen- ‘ado, Paraele,0 rei Leer, que se obstina em salvaguarcar flogao de sua majes- tade,éridiculo, Tanto mais rdiculo por set incapaz de ver que 0 é.No entanto, 0 Bobo nao abandona seu rei risivel, rebaixado; acompanha-o pela estrada que 55 conduz Aloucure, O Bobo sabe que w nica verdadeira loucura ¢ considerar este mundo come racional.A ordem feudal &absurdae somente pode ser den «rita convas categorias do absurdo. O mundoesta de pernas para o ur Quanco os usuririos contarem a oure em pleno campo, Baleow Jase prostitutas construe Fntdio reine de Albion Cairiem grande confusio, Vira, ext#0,0 tempo, quem viver veri, Em que, paraandar,os pésserdo usados. (Ibidem, 1,2) Hamlet ndo buscou uni reftigio na loucureapenas para derrotar 0s espioes eenganar Cldudio. A loucua era igualmente para ele uma flosofia, uma crit 4 da razao pura, um irénico acerto de contas com um mundo saido de sua 6 bita. 0 Bebo edota a linguagem empregada por Hamlet nes cenas cm que cate simulwva 1 loucura. Nele no hé mais resto da retérica geoga ou latina & qual recortia com freqiténcia 0 Renascimento, nema fra e digna indiferenca de um Seneca frente a um destino inelutével, Lear, GlScester, Kent, o duque de Al bany, mesmo Edmundo, sao ainds retsricos. A linguagem do Bobo & out std replesa de mascaradas biblicase de paribolas medievais invertidas. Com- porta belceas de umn surteatismo barroco, saltos stibitos da imaginacao, ex- pressdes censas ou lapidares, brutalidades, vuigaridades, comparaccesescato~ legicas. Scus versos sao epigramas. O Bobo recorre ao gracejo abaurdo, a dialética «ao paradoxo, Sua linguagem é a do humor negro contemporaaeo que torna patente o absurdo da evidéncia ¢ o absurdo do absoluto, por uma {grande e universal redusao a0 absurdo, Rei Lear Ai de mim! Meu coragao, me coragio se levantal Pera baixe! Bobo» Srta-the,io,0 que covinteira gritavapara as enguias, quande ascoloce va vivas no pastel. Dava-Ihes uma pancada na cabecy e diziathes:“Abaisa ordind- ‘as, abuiyo!: Era o irmao da mesnca que, simplesmerte por bondade pelo cavalo, punha-the manteiga no feno.(Ibidem, 1,4], Bobo apareccem cena quando comega a decadtncia de Lear. ike despa Jor volta do finaldo terceiro ato."K eu, ou para cima ao meio dia" [ibi 1 6. iy novessiio, O rei Lear pasion pela escela de filosofia dos locas. Quando \nitrar pela iltima vé2 Glécester, fears a mesma linguagem do Bobo e fark i observacao sobre esta cena Macbeth como o 3obo a teria feito: Disse- jane que eu era tudo, £ mentira! Nao esiou a prova de febre intermitente! lems 1V.6). 10 suas ttimas palavras. Fle nio reapareceré mais. Robo nao & 47

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