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4 Espontaneidade e Criatividade 1. Primazia da espontaneidade Estruturar 0 pensamento antropolégico de um autor é buscar sua explicagao do proprio homem e, quando esse autor € terapeuta, € buscar também sua explicacio da doenca e da satide psiquica do individuo. Embora a dissecagéo da conduta do individual nao seja possivel, metodologicamente nos vemos obrigados a manter um jogo entre conceitos que se implicam nao se sucedem ¢ que devem set expostos progressivamente. Dois eixos polarizam a teoria de Moreno relativa a pessoa huma- na: a espontanetdade em sua dimensio individual, e 0 fator tele em sua projecdo social. Ambos se conjugam no ew tangivel, 0 que fundamenta sua teoria do papel. eed O conceito de espontaneidade € de tamanha projecio tedrica € terapéutica na psicologia moreniana, que nos sentimos induzidos a aceita-lo como sendo o nicleo de sua antropologia, muito embora, com essa atitude, corramos o risco de nos tornarmos unilaterais; a nocao de tele, a teoria de grupo € a técnica psicodramatica também reclamam compattilhar dessa primazia. Apesar do tisco, continuamos pensando na espontaneidade como niicleo central da antropologia de Moreno. As provas de nossa justificada insisténcia, indo das mais extetnas as mais fundamentais, comegariam pela freqiiéncia material desse conceito em todas as suas obras e em quase todas as suas paginas. A leitura da obra de Moreno tornar-se-ia impossivel, se ignorissemos a importancia da espontancidade, ¢ suas idéias se tornam claras € nitidas quando a aceitamos. Inclusive, Moreno as vezes Ihe concede a Ptimazia, nas ciéncias: A espontaneidade tornou-se_um valor biologico tanto quanto social. Hoje, ela é um marco de referéncia para o homem de ciéncia, assim 119 eee como para o politico, para o artista ¢ para 0 educador. Se assim for também sera marco de referéncia para o tedlogo. Uma teologia dg Divindade nao pode iniciar-se sem o conceito de espontaneidade como primeiro principio! Ressalvando nossa _responsabilidade, poderiamos_multiplicar indefinidamente as palavras de Moreno, afirmando que a espontane, dade € a lei ultima, nio sono ambito psicolégico, mas também no cosmologico: possui os atributos de_um pequeno deus residente em ada psiquismo humano, pois € a primeira a existir?. Sem que elg exista, nada cresce na terta fecunda do humano®. Seu concurso é inerente a toda e qualquer acao: A espontaneidade e sua liberagio atuam em todos os planos das relacées humanas, quer seja comer, passear, dormir, ter relagdes sexuais, ou rela. cionar-se socialmente; manifestam-se na ctiacdo artistica, na vida reli- giosa ¢ no ascetismo*, A psicoterapia grupal o é, se os seus membros dela participam livres de entraves; o importante € a livre participagdo’. A sociometria sé merece f€ quando os eleitores manifestam espontaneamente suas pre- feréncias®. E torna-se supérfluo provar a necessidade da espontaneidade no psicodrama, se nos lembramos que este nasceu do ‘‘teatro da espon- taneidade’”’. A importancia da espontaneidade nas técnicas terapéuticas deter- mina que em todas elas sejam usadas, inicialmente, exercicios fisicos Jou mentais para desencadear 0 que, por enquanto, chamaremos de ui esta “forca’’, Esses exercicios ttm por finalidade mover a pessoa a agit Hf" espontancamente sem pr onceitos nem amarras. Se Moreno lhe con- @) cede tal valor terapéutico, preciso demonstrat que a doenga tem suas faizes na falta de espontaneidade e que a funcdo da terapia é devol _[2a0 paciente. Cumpridos estes tequisitos, ficaremos plenamente con- vencidos de que nossa afirmacao de valor absoluto da espontaneidade nao € uma afirmacao gratuita, porém solidamente fundamentada. Que a enfermidade psiquica esta ligada 4 falta de espontaneidade, 0 confirmam palavras como estas: ‘‘Uma grande parte da s6cio ¢ da psico- « Patologia humana pode ser atribuida a um desenvolvimento insuti- ciente da espontaneidade,’’* E encontrada a causa do adoecimento, surgem duas possibili- dades de tratamento terapéutico; uma, corretiva, se a doenga ja apare- ceu € para que Moreno criou técnicas terapéuticas, todas elas vincu- ladas 4 manifestacdo ¢ ao desencadeamento da espontaneidade, A outra possibilidade € a medicina pfeventiva, que justifica a infinidade de"paginas que Moreno dedica 4 educ; ontaneidade. Conceito, limites e contetido Este conceito basico ¢ até 0 momento indefinido quanto ao seu contetido ¢ limites, tem par: : a Moreno, uma dupla dimensio: césmica ou filosofica ¢ operativa psicoterapéutica, No sentido cosmolopico. a espontaneidade se opde a energia fisica que se conserva: no sentido psicol6gico, desenvolve no homem um estado de perpénia-cripinall dade ¢ de adequagio pessoal, vital ¢ existencial a d compete-viver. Se em sua_dimensao fil explicagéo da Constante t tincia que the s6fica a espontaneidade € a D n ctiatividade no mundo, na dimensio indivi- dual cla pressupde uma concepcao do homem como génio em poten- cial._A_dimensio cosmalégica encontra-se-subjacente a todo julga- mento posterior: Sao dois métodos pelos quais se pode demonstrat a existéncia do fator e, O método regativo, que por anilise légica ou intuitiva, demonstra que leis da natureza nio sio absolutas, mas produto da evolugio; conclui- se, por inferéncia, que deve existir um fator como a espontancidade, nao limitado por estas leis’ Esta afirmagdo nos oferece 0 contexto exigido pela definicdo cosmolégica da espontaneidade. Se o mundo esta em constante evo- /ugao e nao simplesmente em transformagao, deve existit, digamos, uma forca que explique esta evolucao. teres evolucio do mundo, como de um fato consumado e para ele vel, dispensan- do qualquer dem E um axioma muito discutivel, embora straga como axioma, seja um juizo de verdade ou de falsidade de uma dou- trina. Possivelmente a sua convicgao provém da assimilagao do é/an vital bergsoniano. De fato, aqui se apdiam os seus comentaristas para atribuirem a Bergson a ascendéncia imediata das suas teofias. Sem davida, pelo que sabemos sobre Moreno, nao setia necessatio recorrer a Betgson para encontrar as raizes deste pensamento. Mais proxima ¢_ mais personalizada é a teoria hassidista da constant ratividade divi- *O universo € uma ctiatividade infinita’’"”. ‘ E contradit6rio admitir a criacao infinita no mundo € aceitar ao mesmo tempo que este mundo seja regido pela lei da conservacao da energia, o que significa um mundo fechado, determinista, onde pode haver transformacdo, porém onde nao ha lugar para a criacao. Para salvar esta contradico, Moreno assim configura a esponta- neidade: Mas, o que €a espontaneid se a idéia de espontancidad nao esteja submetida a /et 4 Bassas i, Este € mais um dos muitos extos cometidos por Freud. Quase afirmavamos que um dos motivos que Ievaram Moreno a nepar a espon. taneidade como encipia conservivel, foi continuar a oporse decichde mente a Freud, Porem, achamos que nele, 0 aspecto positive, € mae importante, 01 sca, € mais importante defender um mundo cade A concepaao previa de um mundo abero € condigio para que exint 4 capontaneidgde “Um universo em que continuamente possivet rege OF oF, grit: de novidade — ¢ € este, aparentemente, 0 tipo de univers oe gue surgiu a consciéncia humana — € condisio favoravel para que ayn. reca.c se desenvolva 0 fator e"*. Mas, se for assim, podemos imediatamente objetar: 0 munds w esta ai, esta feito ¢ se a forca que o causou foi a espontaneidade, ¢ conservou-se no que o mundo é, como objeto, diante de nés. Logo, apesar do que diga Moreno, a espontaneidade deve ser entendida como energia que se conserva € que se transforma. E esta objecao, nao s6 podemos deduzi-la logicamente das afirmagSes anteriores de More- no como podemos capta-la em suas préprias obras. Deveria ter 0 cuidado de nao produzir menos que a quantia precisa de espontancidade necessaria, pois se isto acontecesse seria necessatio um “reservatério"’ do qual extrai-la; igualmente deverd cuidar-se de nio produzir mais do que a situacio requer, pois o excedente poderia indu. ilo a armazend-la, a estabelecer_ um depésito, conservando-a para futuras tarefas como se fora energia'*, ic Nao € dificil deduzir que a espontaneidade se acumula, posto ~~ que constitui um depésito; este depésito sao as conservas culturais, 0 imigo da espontaneidade; estas conservas culturais se onigt- “< nam precisamente_da_propria espontaneidade: € a energia transfor- “mada em conserva oo Realmente, entrevemos uma conttadigdo neste conceito tio fundamental. Se a espontaneidade certamente se deposita, se fica acumulada como uma metcadoria e se converte em algo que perma- rece, 0 que sera a espontaneidade senao a energia com todas as quali- dades que lhe foram anteriormente negadas? E por indicacio do ptéprio Moreno, vamos compara-la também a libido freudiana. Nosso autor se opée a libido, enquanto mundo fechado em que a nica dinimica possivel € a sublimacio, dando a parecer que se produz algo de novo. Opoe-se decididamente 3 subli- Magéo € apesar disso, de que outro modo podemos chamar esta criagi0 das consetvas, originada pela espontaneicae? Quando Moreno trata da criagao das obras de arte — plisticas, dramaticas ou musicais — as attibui a um ato ctiador que é mais subli- me do que a obra terminada, porque a pestagdo surge de um momento de espontaneidade. Porém, desta espontaneidade gestante, nao brota 122 a obra de arte terminada? E nao € a isto que Freud chama de sublima- 640, no mesmo setor da ctiacio artistica? Nosso espanto aumenta diante de novas contradicdes aparentes, por exemplo, quando Moreno diz que nem todos os individuos tém a mesma quantidade de espontaneidade. Entao a espontaneidade € to quantificavel quanto a energia?”” Chegamos a mesma conclusao quan- do analisamos suas palavras, dizendo que h4 mais ou menos esponta- neidade no decorrer da vida; parece-nos uma energia que se vai gastan- do a medida que passam os anos, assim como se gasta a forca de um motor ao passar o tempo de seus servicos. A contradicao aparece e, ndo obstante, temos que pensar que o nosso autor dedicou muitas horas de sua vida reflexio sobre a espon- taneidade, que_em todos os tratados sobre a. mesma ele mantém estas _afirmagdes_aparentemente_contraditérias ¢ que, tendo_consciéncia, dessas contradigées, nao foi ‘apaz de erradica-las. Inclusive, s4o estas_ apatentes_contradicgdes que o obrigam a caractefizat_o conceito de eSpontaneidade como energia nao conservavel. Para Moreno,-existern-duas-classes de energia ou de espontanei- dade: a que se conserva ¢ a que no permanece, que se gasta e desa- parece no momento de existir Fiz a pergunta: o que € a espontaneidade? Reduz-se a enérgia? Se se reduz a enetgia, esta ji ndo obedece ao principio de-conservagao, visto que, se o obedecesse, a noco de espontaneidade perderia toda consis-— téncia, Somos obrigados a distinguir duas classes de energia, uma regida pelo principio de conservacao e outra que o escapa. A primeira forma de energia se conserva de diferentes maneiras: existem moldes congelados “‘conservas culturais’’, que se podem reter mas que também podem gastar-se a vontade... Mas hé outra forma de energia que, apesar de sua quantidade poder set medida, nao pode ser conservada, deslocada ou transformada, porém que emerge € se gasta de uma vez; deve emergir ara ser gasta ¢ deve ser gasta para dar lugar a outro impulso de energia. ‘como a vida desses animais_que nascem_e mortem no_mesmo dia, Unicamente para perpetuat-se's. Se 0 aceitamos, temos que desprezar suas outras palavras, trans- critas anteriormente, em que afitmava que as conservas culturais se originam da espontaneidade, do excesso de espontaneidade. E despre- zaremos também sua explicacgdo sobre as obras de arte terminadas. Apesar de seus esforcos, Moreno nao chega a esclarecer esta aporia. Ajustando os termos, nos obrigamos a admitir que o fato da esponta- neidade se transformar em energia, s6 indica uma coisa: que se trans- forma. De modo algum podemos deduzir que seja limitada, que nao possa ofiginar-se nova espontaneidade que, por sua vez, se transforme, ou se conserve. Se o interessa a Moreno, em definitivo, € deixar uma porta aberta ao novo ¢ 3 ctiatividade, isto ficara perfeitamenté 123 u salv 10, admitamos ou NAO a transformag&o ou a conservagio da esponta. “Je O importante € mantet um mundo aberto, es intengio € Comprecnsivel € © preocupou durante toda sua vidas e preciso evitar a ctiagao dle excessivas conservas culturais, que wfocam a espontaneidade ¢ a capacidade criadora do homem. Por que empenhar-se em ter a vida resolvida, tendo, de antemio, para cada problema, a solugio buscada? Esta postura nfo aniquila 0 enftenta Prento pessoal ¢ original com a tealidade? As conservas transformam 9 homem em robo previamente programado, As conservas surgem da ansiedade do homem, querendo ter assegurada a sua resposta diante do desconhecido, Talvez esse esforgo que Moreno exige do homem, constitua um excessivo risco, porém ele sera sempre mais pessoal, por set exclusivamente de si propria, aqui ¢ agora, ¢ nio uma apropriagio alheia. ar Voltemos sobre nossos passos ¢ retomemos a idéia de salvar o mundo e o homem criador. Moreno dizia que 0 excesso-de-esponta- neidade produz as conservas, s6 evitéveis se, em cada situagao con- cieta, 0 homem desencadear apenas a quantidade de energia neces- “Saria—As conservas sufocam a espontaneidade e este esgotamento da espontaneidade produz a doenga psiquica. Por outra parte — tratamos de desenredar aparéncias — a quan- tificagao da espontaneidade s6 € possivel se, como veremos em segui- da, referir-se a uma simples disposigfo. Nao ha inconvenientes em admitir que se possa medi-la, assim como se pode medir a disposigéo teceptiva de um vaso, o que nao implica que o vaso esteja sempre cheio ou vazio, ou, menos cheio de um ou outro contetido. O contetido dependera daquilo para que se 0 utilize, no momento presente em que € utilizado. Logo, o fato de set mensurivel nao implica que se trate de uma quantidade acumulada ou conservada. Agora torna-se aceita- vél'a negacao de que 6 homem possua uma quantidade de energia: O individuo nao possui um depésito de espontaneidade se por isto entendemos uma quantidade ou um dado volume. A espontancidade apresenta toda uma série de graus, indo de zero a um maximo, segundo 0s quais pode estar mais ou menos rapidamente disponivel para o indivi- duo em quem atua como catalisador!”, + ei ae eure) eee que a espontaneidade se gasta ao longo da ae bos a tem a ver diretamente com a nogao de esponta- ae ae fe eee Pois como vimos anteriormente que, s¢ Bee ‘ace, nao pode gastar-se. E ainda que se converta em ', SC a espontaneidade nao existir no mundo nem no individuo como quantidade fixa 2 circunstancia, nunca p sada, cngendravel a cada instante ¢ pate cada COU. fre Guy. memoria, a ctianga aprende modos de conduta estandartizados ¢ aprende a manejar as conservas culturais; assim 0 mundo deixa de parecer-Ihe uma novidade — condicdo indispensavel para a criacio da re espontaneidade no homem — e por isso utilizaré menos sua esponta- qe neidade. A espontancidade nao diminui com a idade, mas acontece que a freqiiéncia ais aumenta. A esponta feidade em si ¢ inesgativel pelo fato de ctiar-se no instante, paracada “cy? ‘Ancia. E funcao da terapia, tal como a concebe Moreno, evitar oy conservas culturais sufoquem a espontaneidade. oil 0 fazer da espontaneidade o eixo de sua teoria ede sua terapia, 17 nosso autor pressupunha que o mundo deve estat aberto a criatividade constante € que o homem deve set um criador, um génio. Todo aquele que se oponha a esses dois principios, sera anatema parao judeu Jacob Lévy Moreno. Feitos estes esclarecimentos, necessarios por dois motiyos’: — porque delimita i i imitam a defini¢io de espontaneidade coma nio energia € para no fazer Moreno dizer o que cle realmente ndo disse, livrando-o _, de objecdes que partem de uma falsa concepcio do tema —~ se impe um posicionamento interrogativo: se a espontaneidade nao € uma energia, a semelhanga da libido freudiana, o que sera entao? Moreno faz uma observacdo 4 margem desse conceito, salientando sua aparicio no momento necessario e seu emprego nesse proprio ato, para nao impedir que em outro momento, se produza um novo ato espontaneo. J" E cle se autoquestiona: por que toda energia deve produzir algo? c, & vee principalmente: porque a energia psiquica tem que ser compreendida “ yoy amaneira da energia fisica? Se sao distintas, 0 fato dea energia fisica (u:4// conservar-se_ndo_implica a conservacao_da_energia psiquica nem sua_ “transformagao por um proceso de sublimacio. ; ~~ Em novas abordagens Moreno explica-a espontaneidade como ¥ um catalisador que age como intermediario ¢ desencadeia a ctiativi- Gade Ge por sha Vee~ prod a5 consenas cltursis. Consideramos 2“*Moreno a explicacao definitiva do que ele entende por espontanei- \»“dade. Um catalisador atua acelerando as reacd imicas, sem perder inuigd ri pa intepri ce -se do produto ou teagio | tesultantes. E claro que, como toda comparacao entre fisico € Pe uICOE Ves pode ser total: o catalisador € uma pene cogent s espontaneidade se da no momento presente € sper Se ae comparacdo é valida apenas com telagdo a sua fungao 5 Moteno reforca a validez da imagem: A espontaneidade € 0 catalis compreensiao especifica, 0 X que se reco! em aco, necessita de um cata Of Bela Adormecida precisou A manifestagao operacional da interaclo entre a espontaneidade ¢ 4 criatividade € 0 processo de warming up, de liberacdo da espontanes dade. Pelo que sibemos, os Gnicos produtos destas interagbes sao og modelos cristalizados da cultura'® Num proceso inverso, concluiriamos: 0 que observamen € novo produto acabado, resultante de uma capacidade ctiadors impulsiona a evolucao ¢ constante transformacdo que se d4 no munde Esta forca criadora € ativada pela espontancidade, que por sua vez o dem em movimento pelo pré-aquecimento ou warming up. Portan a espontaneidade esate um simples desencadéante, usp intermediario ou catalisador, que explica 0 produto acabado porém que nao se transforma absolutamente nele. A postura de Moreno ao desdobrar a energia, € conciliadora Necessita supor uma energia que se gasta a cada ato criadot € nao pode ignorar a existéncia de conservas culturais, que justifica como excesso de espontaneidade. Todos esses termos, sem esgotar seu contetido, se mantém no limiar de um equilibrio harménico, de expressar ¢ nao expressar 0 que filosoficamente contém. As vezes, quando as palavras nao conseguem delimitar, a sinopse grafica torna-se expressiva ¢ sem risco. A guisa de sintese ¢ de esforco para esclarecer 0 interjogo, More- no apresenta, graficamente sua idéia dinamica da espontaneidade em sua dimens’o cosmolégica. 120 ESPONTANEIDADE — CRIATIVIDADE — MODELO FIXO”” CAMPO DAS OPERAGOES CIRCULARES QUE SE DESENVOLVEM ENTRE A ESPONTANEIDADE, A CRIATIVIDADE EO MODELO CULTURAL (S — C — CC) S; Espontaneidade; C: Criatividade; CC: modelo fixo (Cultural ou outro) por exemplo, de “tipo” biolégico — quer dizer, um organismo animal —, ou ‘'modelo” cultural: um livro, um filme ou uma maqui- nna, por exemplo: maquina de calcular; W: warming up ou liberacio, € a expresso ‘‘operacional”” da criatividade. O circulo representa 0 campo de operagées entre $,C ¢ CC. Operago I: A espontaneidade desperta a ctiatividade § — C. Operacao Il: A ctiatividade responde a espontaneidade $ = C. Operacao III: Desta interagdo nasce 0 ‘modelo cultural” $ — C+. Operacao IV: Os modelos fixos (CC) sio acumulados assim, indefinidamente, congelados como em uma gela- deira; pata teencontrar sua eficécia, necessitam revitalizar-se mediante catalisador espontanei- dade CC + + Se > = CC. S: no opera no vazio; se encaminha para a criatividade ou entao para os modelos consagrados. A dimensio cosmolégica da espontaneidade € muito importante para Moreno embora ele nfo seja filésofo, nem seja filos6fica a inten- 127 gio principal de sua obra, A importincia d la nogho filos6fica esta em fungio de sua aplicagio “uma teora antropologica, Ao defender o concelto metafisico de espontancidade, Moreno buscava salvar a cons. tante eriatividade do mundo, Da mesma forma, ao conceder-lhe tanta importincia na terapia, procura salvar o homem ctiador Todo terapeuta induzido a esta idéia messianic a, pacientes que vao buscar, no médico, sua s: rentes da psicologia profunda est © a0 Messianismo pelos proprios alvagdo, Dai as gtandes cor- arem to ligadas ao problema teligioso Em Moreno, transborda este sentido messianico Sempte tive a idéia de que 0 mundo em que nascemos, carregado de destinos, necessita uma terapia mundial (todos os meus livros giram em torno disso) ¢ de que, com a minha propria pessoa hei de contribuir para criar esta terapia ¢ divulpa-la” As intengdes messianicas de Moreno sao percebidas por Didier Anzieu, Depois de expor a contraposigao entre Freud ¢ Moreno, vista por Bachelard, que atribui suas divergéncias as suas diferentes origens sociais ¢ experiéncias vividas na infancia e nos anos de formagao, Anzicu diz que Moreno, por haver tratado sempre com gente desetdada, criou uma consciéncia salvifica da humanidade: ‘‘Dali derivam, em More- no, a apologia do Eu, a identificagéo com Deus, 0 otimismo com rela- 640 as possibilidades humanas, 0 messianismo ut6pico de uma repti- blica, de uma harmonia e de uma paz universais”’. Esta postura salvifica universal, basica para Moreno, é sob todos os pontos de vista ut6pica — € até parandide —, mais influiu no con- ceito de espontaneidade ¢ nas fortes conseqiiéncias terapéuticas entao decorrentes. Neste sentido Anzieu chega a uma engenhosa conclusao: “As vezes alguém sente a tentacao de dizer-se que, a este homem, faltou psicanalisar-se. Sem divida, a experiéncia psicoanalitica o teria liberado da sindrome de Deus’’.”* Moreno nfo ficava alheio a estas criticas e, como bom megalé- mano do tipo messiénico, argumentava que o cristianismo, em seu comeco, nao prometia a influéncia que posteriormente teve; 0 mesmo aconteceria com suas teorias € técnicas: Naturalmente se pode set cético ¢ perguntar: Pode 0 mundo em crise esperar que a psicoterapia de grupo alcance o volume necessirio para realizar semelhante tarefa? Ao que se poderia responder: poderia alguem imaginar, a cem anos atras, que o comunismo alcangaria a influéncia que tem agora?” E 0 argumento ad hominem do pace au nos deixa sem ici ici de fundo. contestacao explicita ¢ com o nosso ceticismo de func De qualquer maneira, ao tratarmos do messianismo de Borcne: nosso propésito nao € outro senao chegar a avaliar a nocao np 128 tancia da espontaneidade como postura terapeutica, embora est viegho salvifica mereca uma abordagem mais compleva, Pans Move mundo esti enfermo de ctiatividade, Os bacilos dos produtns deter tivos 0 estdo invadindo ¢ terminarto por deixi-lo define afetado, senao definitivamente motto: “A coletividade dee anne rada dos excessos patol6gicos de sua propria cules nas one ot libe- essas influéncias culturais devem ser controladas.’"" Pe” EROS O perigo esta nos robés culturais que aniquilam a criatividade d homem, e sabemos que esta criatividade é impulsionada pela es a lo neidade; logicamente, toda a responsabilidade salvifica e toda a espe. ranga da humanidade reside na espontaneidade criadora, em saa fungao salvifica universal: é O homem possui um recurso inerente a seu proprio organismo e a orga- nizacao da sociedade humana e do qual, até o presente, nao fez sendo uso precitio: sua espontaneidade. Poderia ser que nela se encontrasse a solucio do problema e, para leva-la a seu pleno desenvolvimento, € necessirio utilizar todos os meios: tecnol6gicos, psicolégicos ¢ cugenis- ticos?>, Reduziriamos em grande parte a fungao terapéutica da espon- taneidade se concluissemos com esta tevolucao salvifico-criadora da humanidade. Na base da esperanca criadora esta a concepcio do homem como génio, um dos pilares de f€ e de operacoes do pensamento de J.L. Moreno. Muitos génios em potencial no desenvolvem a energia criadora, durante todo o seu existir... Os génios consagrados da huma- nidade sao o testemunho dos génios ocultos e irrealizados: A espontaneidade pode ser despertada no individuo dotado de poder criador e incita-lo 4 acao. Nasceu uma multidio de Miguel Angelo, porém s6 um pintou suas obras mestras; houve muitos Beethoven, porém s6 um compés suas sinfonias; houve muitos Cristos, entretanto sO um chegou a ser Jesus de Nazaré. O que tinham em comum era a criativi- dade das idéias novas; o que os distinguiu foi a espontancidade que, nos casos felizes, transformou em agio as aptidoes virtuais*. Costuma acontecer que certas capacidades e atitudes bisicas latentes nao se desenvolvem € s6 um pequeno numero delas se atua- liza, semelhante ao s6 mantermos em atividade uma pequena quanti- dade do sem ntimero de neurdnios que existem em nosso cérebro, impedindo assim a realizacao total de nossa personalidade. O que impede o desenyolvimento do génio presente em todos nés? A respos- ta incide no substancial ¢ Gnico mal: as conservas culturais transmitidas pela educagdo € pelo ambiente. O homem se sente mais seguro utili- zando-as que vivendo no desconhecido e 4 mercé da improvisagao. Porém isto lhe custa sua tealizacao pessoal. Busca uma seguranca que 0 empobrece humanamente. E, quase axiomaticamente, Moreno con clui: se a conserva aborta 0 génio, a espontancidade o realiza Embora quiséssemos admitir a universalizacio do pressuposto de que o homem € um génio em potencial, a experiéncia empitica ¢ os estudos psicométricos das populagdes demonstram a existéncia de diversos graus de imbecilidade. S6 uma espontancidade milagrosa transformaria os imbecis em génios. Porém, novamente tropecamos nessa ambigitidade ou vacilacao terminol6gica — freqiiente em More- no — que diz ¢ no diz ou nao quer dizer. Ante semelhante objecio, ele se escora € retrocede; pelo menos assim interpretamos suas nao dogmaticas ¢ nao conclusivas palavras: © que a educagio da espontaneidade faz por elas, uma vez que nao altera sua inteligéncia formal, € pelo menos leva-las a atuar © parecer melhor orientadas pata a vida, mais inspiradas, mais reais, mais sbias E, embora menos instrufdos, certamente mais inteligentes que alguns alunos da escola formal, que t¢m um quociente intelectual semelhante” Pensavamos que 0 axioma universal do homem génio climinaria a possibilidade de débeis mentais. Porém, quando esperavamos uma defesa explicativa de sua t4o reafirmada crenca em demiutgos ¢ génios, encontramos uma paliativa e meramente didatica justificacio desses nao participes da genialidade universal. Esquecendo os frageis extremismos freqiientes em Moreno ¢ suavizando generalizagées, aceitaremos sua missio salvifica dos mais ou menos génios criadores. Sua terapia espontanea pretende que o homem individuo, e a humanidade sociedade, se enfrentem com a vida e a historia de maneira original e pessoal, como se cada momento fosse inédito ¢ pedisse uma tesposta improvisada. Como se as solucdes prontas ¢ pré-fabricadas obstruissem o progtesso social e a realizacao dos individuos. Esta possibilidade de um comportamento espontineo tesponde a nogdo operacional da espontaneidade, que consideravamos mais pragmitica ¢ mais fundamentada que sua nocao césmica ou filo- s6fica. Sendo uma definicao opetacional deve cingir-se 4 observacao de suas manifestagdes externas ¢ ser diretamente inferida da conduta humana, como qualquer outra manifestacio psiquica: ‘A espontanei- dade, como a inteligéncia ou a meméria, pertencem a uma ciéncia do comportamento ¢ somente ai podem ser observadas e medidas direta- mente,’'* _, Em suas obras Moreno repete definigdes operativas da esponta- neidade, porém nunca tao concisas ¢ tao completas como esta: ‘‘Espon- taneidade (do latim, sua sponte: desde dentro) € a resposta adequada a uma situacdo nova ou a nova fesposta a uma situagao antiga.’’? __, Sendo concisa, nada pode ser eliminado: sendo completa, tudo inclui. E certamente, adequagao e novidade sto : ; se no excludentes do estas 130 A novidade da conduta nao é, de fato, uma prova de espontaneidade assim como a adequacao da conduta nao a testemunha. A novidade, no comportamento psic6tico, por exemplo, pode atingir um grau total de incoeréncia, ficando © protagonista incapaz de resolver um problema concreto, como seja, cortar um pedaco de pao. Em tais casos falamos de espontaneidade patologica. Por outra parte a adequacdo da conduta pode a tal ponto carecer de elementos novos que o comportamento do Paciente se torna rigido € automatico, convertendo-se em conserva cul- tural’? Ea conjuncao da novo como adequado, o que integra o conceito” de espontaneidade. Talvez a luta contra a conserva nos haja induzido falsamente a pensar numa total originalidade, alheia a toda manifes- tacao cultural. Este limite € to falso como o da servil dependéncia da cultura, Seria, além de inadequado, absurdo e traumatizante, tentar- mos o desenraizamento absoluto do ambiente s6cio-cultural a que pertencemos. Nem Moreno, em sua tendéncia_aos extremos, havia intuido um comportamento sponta mente etradicado ¢ abso- Spine ate Gove. B-Tucs cates a a a ey der a liberdade de pensar e de agir, mas nunca ao de anular a vincu- Tagao com a cultura. ~~Seo homemgénio nao aproveitasse as criagdes culturais como base de sua criagao espontanea individual, nunca passaria do nani- quismo, pois teria sempre que partir do zero e a vida € pouca para superar a média individual alcangada. Se, apoiando-se nos resultados dos outros,-d4um_passo a mais, esse passo € uma atuacéo espontinea ctiadora. Moreno aproveitou 0 drama, inclusive a revoluco dramética de Stanislavski, como base pata o seu teatro espontaneo e depois, pata o seu teatro terapéutico. O drama, sendo uma conserva cultural, nao chegou a escravizar a novidade do seu psicodrama, que foi uma ‘‘res- posta nova a uma situacao antiga’. ; Insistimos que no interjogo adequacdo-criacdo fundamenta-se 0 conceito de espontaneidade e a climinagao das conservas. Uma socie- dade criadora nao é uma sociedade pré-civilizada ou troglodita, que foi criadora em seu momento ¢ que Ao 0 seria hoje’!. O importante nao € a materialidade da situacdo primitiva, porém o confronto antigo ou atual com situagGes novas que Tequeiram solugdes também novas. Nao se trata pois de imitar mas de atualizar 0 modo, a resposta cria- dora, para sobreviver. 7 Extremismo igualmente vicioso ¢ falso seria interpretar a espon- tancidade como instinto sem freio, como atuac4o sem norma e sem lei ou como anarquismo psicolégico. A espontaneidade assim concebida nao €, em absoluto, moreniana, mas uma deformacio cultural conde- navel e patolégica. Contra esta definicao instintiva que manifesta 131 pntrolada, Moreno recorte 3 definicao nominal ontrolada. . da esponta, ponte, que supoe a presenga do ato volunt atuagao inc : 8N10 que do. neidade, 544 5 la o instintivo™ mina E neste sentido, ougamos A.A Schiitzenberger: Espontaneidade nao é fazer qualquer oe Gy feels Momento, em qualquer lugar, de qualquer maneita ¢ com qualquer pessoa, oque sen dima espontaneidade patol6gica. Em psicodrama, ser expontinea ¢ jan 0 oportuno no momento necessério, E a resposta boa a uma situagag geralmente nova, ¢ por isto mesmo dificil. Deve set uma tesposta ne, soal, integrada, ¢ n3o uma fepeticao ou uma citacao inerte, separada de sua origem ¢ de seu contexto”® Pela mesma razao que Moreno nega a identificagdo do instinto com a espontaneidade, nega também sua identificagao com o mero acaso: Porém a nao repetigao dos fatos em si, isto €, a continua novidade dos acontecimentos, nao € uma prova estrita de que a espontaneidade ests operando. O carater de permanente mudanga dos acontecimentos pode ser 0 resultado do simples acaso™. Porquea espontancidade é fundamentalmente adequacdo auma ordem _estabele f_suby do_automatica_imitativ. Moreno chega a afirmar, inclusive que a espontaneidade esta ligada ao desempenho de papéis, que séo normas transmitidas mas que exigem ser criativamente apropriados pelo individuo. A contradicdo surge novamente, ao tentarmos conjugar a fobia moreniana com telacio as conservas culturais com a adequacio como elemento integrante da espontaneidade € com 0 acercamento terapéutico do paciente a reali- dade (adequacio social, enfim). A divida gerada pela indefinigao de atitude de Moreno nao é nossa; Nehnevajsa chega a transforma-la em objecao a espontaneidade: Confio que Moreno aprofundaré ainda mais este ponto ¢ esclareceré em que medida isto promove, de preferéncia, a espontaneidade € no @ adaptasio as normas; em que medida mais prepara o advento do mundo sal como queremos que seja, do que consolida 0 mundo tal como €. Se adaptacio € desejavel, nio 0 € a espontaneidade. E se o descjavel € @ éspontaneidade (€ creio que € este 0 caso), a liberdade do homem, @ Sibjcldade de imaginacdo e a criatividade terdo preferencia com relacio A adaptacio%s E nao ha davida de blema, pois nao existe adaptacao © espontanei: original da ordi que Moreno nfo precisa deter-se neste pfo- ‘ontradigo real entre norma, ordem social, forma-lo, fazendo-o passar de como € a como desejariamos que fosse, ele faz bem em ter essa personalissima opiniao, porém, nao faz tao bem em projeti-la como critica objetiva a espontaneidade segundo Moreno Na hora da verdade, Moreno € muito mais objetivo e realista que outras utopias perfeccionistas que citculam pelo mundo, Porém, nao cai no contormismo: defende a novidade, a originalidade como essén- cia do génio criador, Criar € improvisar sobre o nada ou sobre situaces j& existentes, Num Jo ha pressupostos basicos; no outro, € dada uma 2 a0 ja criado. Com sua definigio operacional de espon- taneidade, Moreno deixa possibilidade para que a improvisacao genial surja pelos dois caminhos: dando uma resposta nova a uma situacdo nova ou dando uma resposta nova a situagao circundante em que vive. Moreno tem consciéncia da aparente incongruéncia entre espon- taneidade ¢ adaptacio: 10 No" A espontaneidade ¢ a conserva cultural sio fendmenos tangiveis ¢ obser- waveis na experiéncia humana. Sao conceitos correlacionados: um ¢ _ fungio_do outro. Nao se pode. i nem a conserva abSoluta’®. A.A, Schiitzenberger também assim compreendeu a espontanei- dade: ‘“é a melhor adaptacdo a uma realidade que se aprende a perce- ber de maneira mais completa, diz Moreno. Essa definicao abrange, de fato a da inteligéncia ¢ a da adaptacao’’”. E a isto que em Moreno, chamamos de tendéncia a0 equilibrio, ¢ que no momento nos confor- mamos assinalando-a como tendéncia terapéutica. Pelo confronto com alguns conceitos paralelos, feito pelo proprio Moreno, talvez fique esclarecido o sentido operacional da espontanei- dade. Paralela ¢ proxima seria a nogao de liberdade e, por isso mesmo proxima, a nogao de nao delimitago. Porém Moreno é bem explicito, afirmando que a espontaneidade nao é a liberdade € que o fator ¢ € condigao prévia para que o homem possa ser livre. E facil de entender que, se o homem em vez de agir guiado pela espontaneidade © fosse pelo instinto, pelo acaso ou pelo determinismo, nao poderia jamais realizar um ato livre. E nao poderia realizar esse ato livre nem segundo a definicao tomista de liberdade, no sentido de eleicao, de escolha, nem no sentido escotista, devendo entdo conciliar ato necessatio € liberdade A espontancidade € uma disposigao do sujetto a responder tal como € fequerido, E uma condigio — um condicionamento — do sujeito, uma preparacao do sujeito para uma agao livre, Donde nao se pode aleangar a liberdade mediante um ato de vontade, = vamente mais livre das conservas — passadas ou futuras — do que era antes; isto demonstra o valor biolégico da espontaneidade, assim como seu valor social™ E nos ocorre a distingao feita por Erich Fromm entre liberdade de ¢ liberdade para. O menos importante € a liberdade de travas, de nor. mas, de costumes ou de habitos individuais ou culturais. A liberdadk que realmente importa desenvolver, segundo esse autor neopsicana- lista, € a liberdade para, a liberdade construtiva que ajuda a teformar ° mundo, coopetando socialmente com os outros seres humanos, Quem pense que a espontaneidade, para Moreno, é equivalente ao que Fromm define como liberdade de (conservas culturais), esquece a citcunstancia ambiental que levou nosso autor ao encontto com a espontaneidade. O encontro moreniano € a sociattia ou salvacdo do mundo ¢ o possibilitar, no homem, a atualizacdo de sua criatividade. Estar esquecendo também a origem de toda a teoria terapéutica more- niana: o hassidismo, que defende a continua evolucao do mundo. Esquece ainda que a espontaneidade esta inseparavelmente unida ao conceito de criatividade. Diriamos, esta esquecendo a esséncia de Moreno. Sua concepcao da espontaneidade € basicamente positiva e ndo se limita ao libertar-se de conservas culturais, embora esta libertacgao seja previamente requerida para uma realizacdo construtiva. Também a espontaneidade nao € emocio, sentimento ou acdo, embora que do contraste comparativo com estes conceitos, 0 conceito da espontanei- dade resulte mais expressamente demarcado: Totna-se clato_pois que 0 ator (espontaneidade) que permite ab sujeito aquecer-se para tais estados, néo €, em si mesmo, um sentimento ou uma emogo, um pensamento ou um ato que se associa a uma cadeia de improvisagdes na medida em que transcorre o processo de aquecimento A espontaneidade € uma disposicéo do sujeito a responder tal como € requerido. E uma condigio — um condicionamento — do sujeito, uma preparacao do sujeito para a acao livre}, A aproximacao, em Moreno, € sempre privativa: nio € emogio, nem ato, nem pensamento, nem memoria, nem inteligéncia, nem gene, nem libido, E algo anterior a tudo isso € que predispde. E More- no nos dé uma definigaio parecida a da matéria-prima aristotélica, porém no campo psicolégico. Assim como neahuma forma pode exis- ur se nao informando uma matéria-prima, assim também nada de psiquico pode existir se previamente ndo existe a espontaneidade. Voltamos pois, as mesmas frases ¢ idéias que exptinhamos ao tratarmos da nogao de espontaneidade sob 0 ponto de vista filos6fico; € condicio- nante, desencadeante ou catalisador. 134 Existe um conceito que em certo momento, Moreno chega a identificar com o da e i i i i “Improvisacio (inprom, aqui se os utilizam inter Stegreifibeate feicoa ¢ matiza pols a citcunstancia e a realidade nao se equivalem. Aceitamos que a improvisagao_seja condicao para a espontaneidade operacional — 0 poder nao fecorrer, < momento, a solucGes ‘‘j4 estabelecidas” — orem _Nao € a espontaneidade_em : porém nao € a es simesma, Talvez, ao final desta exposi¢do em que tentamos analisar a nogao de espontancidade, fique a impressio de que a espontaneidade se esfuma e, enfim, nao é nada. Setia uma impressio falsa ¢ voltamos 4 comparacao com a nocao de matéria-prima. O conceito moreniano de espontancidade, embora delimitado Por negacSes, tem uma consis- téncia basica ¢ nuclear. Talvez substancialmente, seja inexeqiiivel, porém, operacionalmente, justifica ¢ gera O progresso no mundo e a atuagao livre e criadora do homem. Certamente, com o conceito de ¢spontaneidade Moreno trouxe ao campo da psicologia uma definitiva contribuigao. Formas de espontaneidade Na manifestacao da espontaneidade através da conduta humana cabe, ¢ de fato se da, uma variedade de atitudes ou formas. Pelo expos- to na definic&o operacional j4 se podem inferir algumas delas. Pela quantificacao individual do conceito, sabemos que existem diferentes formas quantitativas de espontaneidade. Moreno fala sobre ‘‘alta’’ € “baixa freqéncia de e""". ; | Outras formas ou critérios diferenciadores da espontaneidade, setiam a normal e a patolégica. A espontaneidade normal proporciona tespostas adequadas em oposi¢ao a inadequac: io patolégica que pode dar respostas inesperadas porém nio acomodaveis a realidade**. Esta diferenciagao entre patolégico ¢ adequado vitia levantar um problema mais profundo, questionando a prépria esséncia positiva ¢ criadora da espontaneidade ao aceitar a destrutividade do patolégico, 135 pém como espontancidade. Assim compreendida, a vivéncia espon. tame jividual nao € positiva nem ctiadora, podendo inclusive levay tanea indivi undo € do individuo, exatamente antagdnica erie Eaeicaiant Num sistema social comum, estas manifestacdes paologcas sto condenadas e punidas com a prisdo com o mang. mio, medidas rigidas que impedem a esses individuos o livre exercicio de sua espontaneidade. : Moreno, consciente de suas afirmagdes de que a espontaneidade € essencialmente positiva e boa ¢ que no final conduzira a adequacio a tealidade, nao aceita inicialmente estas medidas ¢ prope, inclusive nestes casos, a terapia espontanea. No nivel de grupo, cia a sociome- tria, para que, cada sujeito guiado por sua escolha espontanea, elejao grupo de convivéncia, de trabalho etc. em que se sinta integrado, em que possa encontrar uma convivéncia construtiva € ctiadora ¢ liberar-se das manifestagdes da espontaneidade patolégica. No nivel do indi- viduo ctia o psicodrama, onde a manifestacao espontinea de seus conflitos possa leva-lo a uma conduta também adequada 4 realidade. E Moreno se nega firmemente a proibir as manifestagdes espontaneas, Para ele, se a espontaneidade € essencialmente construtiva, terminara dando seus frutos de adaptacao e chegara a encontrar 0 equilibrio que The € pr6prio: Diante desta dificuldade nos recusamos a import tegras imperativas, decidimos aferrar-nos, por todos os meios, ao principio da espontanei- dade ¢ salvaguardé-la nas pessoas que patticipam dos treinamentos de grupo... nossa maior preocupasdo era salvaguardar o principio de liber- dade, tanto para 0 individuo como pata a coletividade e preservé-lo de toda coagdo ¢ de toda censura’?, Outra vez 0 Moreno ut6pico? ou volta a aparente contradigao por no se definir? Possivelmente seja uma reincidéncia em seu modo ambiguo de manifestar-se. Teoricamente suas afirmagdes so extre- mosas, porém em sua vida pratica, no carcere de Sing-Sing por exem- plo, nao sabemos que pretendesse soltar Os presos. Pretendeu, com cetteza, ctiat uma terapia da realidade. Branham, no Congresso de Filadélfia, referindo-se : i cexatamente a experiéncia moreniana em Sing- Sing, diz: O plano elaborado pelo Ds a Fl .. 5 dees difeten Pelo Dr. Moreno é, na minha opiniao, a culminagéo Paquetes esforcos, posto que une o individual 20 biol6gico, 20 Priel ttico ¢ a0 sociol6gico, e que surgiu da aspiracao de transformat a ma comunidade cocrente, integrada e socializada‘*. Moreno é . i individuo cate também muitas vezes acusado de que, ao deixar 0 Bue & atuacdo espontanea patol6gica, provoca, por 136 reforgo, a aprendizagem, dessa conduta erronea. Aceita que essa atua- cdo instintiva cria “‘consetvas"’ em vez de espontaneidade € pot isso em suas terapias, emprega, controles que fazem o cliente dar-se conta de que se esta desajustando, com relagio a uma postura equilibrada Objetamos que este perigo da ea é prendizagem por refo é cor rence em todas as terapias! na psieandlise © pacicnte nao setorca seu trauma infantil, ao recorda-lo? $6 uma terapia de condicionamento pelo sistema de prémios e castigos, afasta tal reforgo, Porém como objeta Moreno, assim privamos 0 homem da liberdade e o converte. mos em animal doméstico. Os riscos das psicoterapias nao impedem resultados clinicos satisfatérios. Schiitzenberger, sempre acompanhando seu mestre, resume outras formas de espontaneidade propostas por ele: Moreno distingue quatro classes de espontaneidade. Primeito, 0 impul- 50; depois a aquisi¢ao cultural (a espontaneidade ctia novos organismos, novas formas de arte € novos tipos de ambiente). Em continuacao, ha um tipo de espontaneidade que € a criagdo de livre expressdo da espon- taneidade. Finalmente ha um tipo de espontaneidade que € a expressao da resposta adequada a novas situagdes. Quer dizer, a possibilidade de adaptacao e integrac3o a uma situagao nova‘. Citacdo que € a repeti¢ao literal de algumas frases do Psicodrama: Baseados no estudo experimental, podemos considerar quatro expres- sbes catacteristicas da espontaneidade, como formas relativamente inde- pendentes de um fator e geral. Analisamos estas formas da espontanei- dade da seguinte maneira: a) a espontaneidade que se dirige a ativagio das conservas culturais € esteredtipos sociais; b) a que se dirige 3 criacio de novos organismos, novas formas de arte ¢ novas estruturas ambien- tais; c) a espontaneidade que se dirige a formagio de livres expressdes da personalidade e d) a que se dirige 3 formacio de respostas adequadas a situagdes novas*®. A exposigdo destas novas formas de espontaneidade segue uma ordem ascendente: desde a que Moreno considera como manifestagio minima de espontaneidade, até seu maximo grau. No grau infimo, situou a espontaneidade que se manifesta na apropriagio pessoal de um papel ou em realizagdes tao vulgares como 0 andar, o falar, o comer etc, Externamente esses atos podem ser realizados da mesma maneita, por duas pessoas, a ponto de um observador extemo do tipo Bales ou behaviorista chegar a qualificd-las com as mesmas caracteristicas, SEM davida, as situagdes vivenciais destas pessoas podem ser bem diferen- tes, conforme estas atividades sejam ou nio reali adas espontanea- mente. Dirfamos que a espontaneidade lhes confere a qualidade de pessoais ou nao pessoais. Por isso Moreno diz que essa forma de espon- 137 taneidade ‘‘tem aparentemente uma grande importancia Pratica ao jonificar e unificar 0 eu, na medida em que 0 individuo € capss 2 sehaalar ao eu unidades de experiéncia conservadas e fechadas'’ © Poderfamos buscar alguma semelhanca entre estas formas de espontaneidade ¢ a introjecao freudiana das normas sociais, De fato, Moreno diz que este po de espontancidade se da Perfeitamente na infancia, quando a crianca vai descobrindo os papéis sociais. ‘A segunda forma, Moreno a denomina cnatividade. O termo ja expressa 0 seu contetido: dar a luz a alguma coisa que anteriormente nio existia. E a capacidade do génio inventor. Nela, distingue: a) a espontaneidade que se ditige ao dar a luz e @ ctiagdo de um novo individuo; b) a que se dirige 3 criacdo de novas obras de atte, de novas invengdes tecnologicas € sociais: c) a espontaneidade que se ditige 4 ctiagdo de novos contextos sociais**. A terceira forma, a ontginalidade, é definida pelas suas diferen- gas com relacdo as duas anteriores. Nao se identifica com a expresso dramatica porque acrescenta alguma coisa 4 ‘‘conserva’’ porém nao chega a ser totalmente criativ ao produz uma esséncia nova, sendo apenas uma maneifa original de tratatr 0 mundo citcundante-~ E o livre fluxo de expressdo que, submetido a anilise, nao revela nenhu- ma contribuicao suficientemente significativa para chamat-se cfiativi- dade, mas que 20 mesmo tempo, em sua forma de producio, constitui uma ampliacdo ou variacio impar da conserva cultural tomada como modelo. Isto é, freqiientemente ilustrado pelos desenhos espontineos de criancas e pela poesia dos adolescentes, que actescentam algo a forma original sem alterar sua esséncia®?, Finalmente, a forma maxima de espontaneidade € @ resposta adequada a novas situacdes. Moreno classifica as reacdes diante dessa Nova situaco, em trés tipos: o primeiro, a nao reacdo, € a atitude do animal que num momento de maximo Perigo permanece paralisado. Outro tipo seria apropriar uma resposta dada em outra circunstancia ¢ acomoda-la 4 situacdo nova; Moreno propde como modelo de tais re*postas, o trabalho dos engenheiros, O terceiro tipo de reagao, pro- Priamente espontanea, €a tesposta adequada: da avaliacao da citcuns- ae S€ apresenta surge uma solucdo também nova € apro- intuit oadequarie cede, set80 de oportunidade, imaginasto part Sie sn © € originalidade de iniciativa diante de Ce plistion Ae Ponsabilidade de uma fungao e especial. E uma apt " tornam indispence2, UMA mobilidade e flexibilidade do eu auc num ambi CIs 40 organismo que se desenvolve com rapidez iente de mudangas rapidas’’. 138 Sao muitos os autores Neopsicanalistas, entre os quais Fromm ¢ Horney, que se tem empenhado intensamente em considerar a subs- tancial debilidade do mundo modetno a que o homem precisa cons- tantemente acomodat-se, como causa das neuroses coletivas. E sem duvida nao encontearam meios satisfat6ries para solucionar estes pro- blemas. Moreno se thes adiantou ao responder sua pergunta: Quem sobrevivera? Assim antevemos a importincia que terto os sistemas morenia- nos de ensino da espontaneidade. Provas da existéncia da espontaneidade e sua verificagao A forma moreniana de argumentar sobre a existéncia da espon- taneidade € esclarecedora. Sua argumentacio € triplice: filos6fica, vivencial ¢ experimental. A primeira se referitia a indugdo; € neces- sitio encontrar um fator que explique o movimento de tudo quanto progride no mundo. Vivencial, seria a confissio dos que acteditam haver experimentado a ‘chispa’’ da espontancidade. E finalmente estariam as provas que recotrem a experimentacio cientifica, aos name- tos ¢ As estatisticas. As provas de tipo filos6fico respondem a um modo probatério de inferéncia, mais ou menos fixo: existe uma evolugdo no mundo e em alguns seres, concretamente nos viventes, pata que precisamos buscar uma explicagdo causal. O elemento desencadeante desta evolucéo perfectiva € a espontancidade. Ha uma gradacio neste tipo filos6fico de prova. Moreno comeca pela afirmacao geral, j4 exposta, relativa ao mundo, prossegue através dos viventes € termina no homem. Em todos esses graus da existéncia, segundo ele, encontramos manifestagdes ctiativas ou adaptativas que s6 podem ser explicadas se admitirmos a existéncia do fator esponta- neidade. Deixando o cosmos em geral, sigamos com o vivente ou o biolégico: Um fator que denominamos espontaneidade, assim como contribuiu para sua formacao, pode contribuir também para sua reorganizacdo ¢ deve operar, até certo ponto, independentemente delas. Por conse- guinte, deve-se considerar a espontaneidade como sendo o mais impor- tante vitalizador da estrutura vivente?!. Moreno transpée a mesma forma de atgumentagio pata a vida humana, a comecar pela crianca: 139 If Fem que exist um favor con o qual a Naniteza proven penietony Wg recemnascid, © que 6 posits devembatea vie rule pelo menos provisoriamente, num universe dewonhevidy, Bryan Sato Que Ihe permite i mais afm de st px6pee, cat ey maya re come seconsurne 0 omganino, estat rarity nae Grgios, para modificar suas extras de mo que py ents hovas responsabilidades. A este fator chamamos espontanenkehor Depois da argumentagao probativa da cxisténcia da espontane). dade no mundo, no campo biol6gico € na crianga, Moreno a estende a toda manifestag4o psiquica: A espontancidade € 0 fator que fax todos 05 fendmenos psiquivos pare. cerem novos, frescos ¢ flexiveis. 0 fator que thes outorga a qualia, de momentancidade, As estruturas psiquicas estercotipadas estdo conn truidas, em Gltima instancia, com unidades de ¢, substituindo-as ¢ reduzindo-as. Porém nao se pode impedir o ressurgimento de e. Flui de vez em quando. As mudangas de situagdo cxigem a adaptacao plastica do individuo. Os fatotes ¢ fomentam e inspiram esta reorientayao® Outras provas da espontaneidade funcional, buscadas no campo da experiéncia — empirica ou experimental — respondem a alguns Pressupostos fixados por Moreno, referentes a possibilidade de se expe- timentar a realidade psiquica. Nosso autor propoe que 0 fator e seja estudado nas manifestac6es da conduta, assim como se estuda a intel géncia ou a meméria. Completando seu pensamento anterior, diz que um fendmeno interno s6 pode ser experimentado através de suas ma- nifestagdes de conduta, em seus atos. Contra uma postura ortodoxa- mente behaviorista, Moreno considera que 0s atos externos pressupoem a existéncia de algo interno que os causa, Se Quando se empreendem investigacées sobre a liberagao da espontanei- dade de uma pessoa, € importante acompanhar o processo, de dentro para fora: antes de tudo existe 0 ator, depois o organismo e depois, finalmente, 0 ato. Nao se pode produzir o ato sem que haja previa- mente © organismo € s6 se pode fazer atuar esse organismo, se se 0 torna ator’4, Baseado nesses _pressupostos, comprova a espontaneidade em suas diversas formas, Primeito, a dramatica: carecendo externamente de manifestacdes especiais, 0 Gnico tipo de prova que se pode oferecer Ea confissdo da pessoa que experimenta esta forma de espontaneidade. a vivéncia do momento espontaneo”, is A espontaneidade ctiadora, responsavel pelas obras geniais, reac cvidentemente, pela simples admissdo de que essas obras inovadoras existem. Por em Moreno apela para a experiéncia do génio enquanto gesta sua obra: a . 140 ise cent € uma aoe Psicofisiol6gica caracteristica, ¢ pode ser ee Pat ae ‘©, como a condi¢Zo em que se encontra um poeta que sente o impulso para escrever, ou um homem de negécios quando uma grande Id€ia se apodera dele: € 0 m 103 fC da Imaginaso, da Adoragto, da Chinas n° Amen da Invensto, A manifestacao da espontaneidade original, em que o individuo acrescenta sua vis4o propria ou uma combinacio original ao ja existente — nao 0 cria, mas também o deixa tal como estava —, se pode demons- trar pondo divetsos atores diante de um mesmo papel, ¢ oferecendo- thes a possibilidade de representa-lo tal como est escrito, ou de modi- fica-lo 4 sua maneira. As versdes responderao ‘‘aos graus de liberdade do executante, que podem ser atribuidos 4 operagdo de um fator e’”””, Finalmente, o grau supremo de espontaneidade € a capacidade de dar respostas adequadas a circunstancias ordindrias da vida, porém apresentadas de surpresa. Para provar a existéncia dessa espontanei- dade em seus diferentes gratis, em diferentes pessoas, Moreno criou 0 que se chama teste de espontaneidadg; elaborou um método experi- mental, que satisfaz a todas as condicées da experimentacao de uma hip6tese em laboratério, Para medir o fator e, num individuo posto diante de circunstan- cias ordinarias porém inesperadas, utiliza um tipo de teste, empre- gando outro tipo, mais ligado a sociometria, para medir 0 nivel de adaptacao-dos individuos entre si. No primeito tipo de teste, a hipétese de trabalho se _baseia na adaptacao-a-circunstancias novas. Se€ realmente (hipdtese) a esponta- néidade se deve manifestar assim, vamos escolher uma situacéo de_ surpresa e diante dela colocar diferentes sujeitos: O teste de espontaneidade coloca o individuo numa situasio tipica da vida corrente, capaz de suscitar reagdes emocionais fundamentais ¢ precisas, chamadas “‘estados de impromptu’’, tais como o medo, a cble- ta ete, Repistra-se 2 gama das expresses mimicas e verbais desencadea- das pelo teste: fornece indicagoes caracteristicas sobre a estrutura da espontaneidade do sujeito em ago, sobre sua participacdo na situacao vivida e sobre suas relagdes com a pessoa ou com as pessoas que, com cle, participam da situagio™. Uma vez estabelecida a hipotese dever-se-ia isolar a varidvel, assegurando que sefa medida a espontancidade € nao outra faculdade psicolégica ou um conjunto de faculdades. Moreno, consciente disto, dedica varias paginas 4 demonstracao de que o teste mede a esponta- neidade pura, nao confu -manifestacao psiquica Uma vez colocada desenvolvimento da exp l42 foram utilizados mats de trezentos sujeitos, com 9 quocien te mostra’ ° Arelectual entre 75 ne ‘cairo, com todos os “nn, “jo experimental : seman Sirnae i oes improvisacas Pat as Fepresentasses: telefone i elas. situacdes i i radio, mesa ctc livros, aro sujcito, de uma maneira geral jeve-se prepara jeito, Beral, Instruces: ¢ Para ha" (warming up) a atuar como s€ 0 que The Eingiese as instry. acontece +0 ladrae Proptiadg ve rcispon a ene € qu os supe fora teal vor como um enunciado de fatos e como algo que ee io ooarcjere se 0 dietor diz: "Um ladro entrou na casa” Saal € 0 sujeito tem que responder, & siruagio, & maneira a Pessoas que intervém na experimentagao: além dos Sujettos da exper. mentacao ¢ do diretor que lhes dé as indicagoes, € necessétio um j@n de tés pessoas para anotar tudo © que acontece € € dito na cena (o que poderia ser evitado com o auxilio de uma ita sonora), outras pessoas devem intervit como “‘egos-auxiliates"’, na representacdo das situagtes improvisadas a que 0 sujeito deve responder adequadamente. Material auxiliar requerido: além do material utilizado no cenatio, ¢ necessario papel e lapis para anotar o que acontece, um cronémetro para medi os tempos de atuaci0 ¢, talvez, um diagrama do cenatio para melhor assinalar os movimentos realizados pelo sujeito. Instrugoes de surpresa: devem set as mesmas e na mesma ordem para todos os sujeitos, a fim de que a situagdo experimental se mantenha sem vatiagoes. Moreno reproduz lentamente varias situagdes de surpresa que evitamos transcrever aqui, ¢ que guardam sempre uma ordem progressiva, Vio desde situagdes indquas at€ situagbes limite, que devem ser progtessiva- mente superadas. Desde “‘limpe o escrit6rio, a escova est4 na cozinha”’, até ‘‘a sala de jantar esté pegando fogo... préximo ao quarto das crian- Sas... sua mde esta entrando num lugar de perigo... seu pai, doente do corac4o, pede auxilio... vocé esté entrando numa nuvem de fumaga, deve saltar a janela ou enfrentar-se com muito perigo”” etc. etc. Devem ser anotadas todas as palavras e movimentos do sujeito que serio cotadas posteriormente, segundo certos critérios de avaliagdo: 0 temo (semelhante 20 tempo de teacdo do teste de Rorschach), maximo ¢ tminimo, dentro do qual ser4 dada a resposta & situacd0. Se o proces de aquecimento € muito le aos Nto, a acdo resultante pode chegar tatde: se é apido, cada ato pode nao ser totalmente executado ¢ 0 resultado Aptova,€ feito ‘0 critétio de avaliagao € 0 espago. Anteriormente bomtos de referencia onde ae on seat as distinias entte os ss tUdados os cama ONdE se vai movimentar o sujeito; também Ee cee nos ms Curtos para cada resposta adequada. Segun- Mibiel cose, oc) © para cada ato, uma amplitude de desvio pe Hinalmen, 8 FOLas nals cuctas S€ 4 tesposta dada pels oetaMte, € estabelever-se um critério pata jules OW BHO a mais adedrea iets Prescindindo do espago € do tempor é situacao submetidaly 4. Moreno explica a avaliagdo desse aspecto: Na dor, 0 de Mac-filhg ¢OV4s €stavam em conflito trés papéis: o de salva “© © de proprietatio. Trés valores estavam em con sera a incoeréncia. Outr € fixad lagdo a com flito: a vida ‘das criangas’’ o status (uma mae que tem que salvar seus filhos © seus pais) € a propriedade (casa, dinheito, livros). Salvar a pr6- pria vida e escapar pareceu o menos ermissivel; . priedade: P 1; depois, salvar a pro: dade; o nivel mais elevado pareceu o de salvador (salvar a vida de alguém) € em seguida, o de pai ou mae (salvar a vida devido ao paren- tesco). Dentro de um quadro de papéis permissiveis foram postas alter- nativas de respostas apropriadas para cada papel. Embora vatios sujeitos se sentissem movidos pelo mesmo fim — salvat primeito ¢ sem demora as criancas — suas agdes diferiram quanto a adequacdo. Um tirou-os de casa, levando-os para 0 vizinho, outro levou-os a0 quarto mais préximo, porém dentro da zona de perigo; o terceito saltou pela janela levando 28 duas criangas nos bragos, correndo um risco desnecessario® Terminado o primeiro tipo de teste de espontaneidade, Moreno nao oferece ntimeros nem dados estatisticos, mas simplesmente escla- fece que se estdo elaborando e que prometem ser interessantes. Deixemos de lado as varias criticas possiveis como, por exemplo, que a prova parte de um preconceito: a definigao de que a espontanei- dade se da em situagdes de surpresa. Se 0 que se trata de verificar com © teste € se a espontancidade sera definida pela adequacao de uma resposta a uma situacgao de surpresa, nos consideramos num circulo vicioso: 0 individuo colocado numa situacao diferente, daria resposta de outro tipo. Finalmente se vem cair na critica ja feita 4 teoria fatorial da inteligéncia, no sentido de que ‘‘nao podemos esperar que a analise fatorial faca surgir outras dimensoes da personalidade ou da motivagao além das introduzidas com 0 material com que se trabalha®". Deixando de lado estas criticas surgem os valores: a exposi¢ao do teste manifesta engenho e criatividade; ajuda a compreender a defi- nicdo de espontaneidade enquanto adequacio, ¢ finalmente, como 0 proprio Moreno sugere, pode ser um método til na selecao de pes- soal?, De fato, técnicas semelhantes € fundamentadas em Moreno, estio sendo empregadas pata este fim. E também utilizavel como técnica projetiva de personalidade, pois, embora resulte excessiva- mente complicada como técnica de “‘acz0 total’’, € mais completa ¢ objetiva, para diagnéstico ¢ como terapia, que as provas de lapis ¢ Papel. . ; Existiria outro tipo de prova experimental da espontaneidade: a que resulta da representagao psicodramatica, quando na terapia de uma maneira forcada, procufa-s¢ expandir 0 estado momentaneo da espontaneidade, mais além da duraca0 do momento. Percebe-se entao um decaimento ¢ o cliente volta aos seus conflitos da vida real. Este desalento seria uma demonstracao experimental da existéncia da espon- taneidade justo ao acabar-se 0 ato espontaneo. Em_expressio orte- guiana, dirfamos que nestes casos, a espontaneidade “‘brilha pela sua auséncia’’. 143 Outta prova da existéncia da espomtaneidl excitantes fisicos ¢ mentais, Estes exit ou vice-versa provocando a espontar chamou de warming up porque existe: lade, baseia-se nos seus antes pode neidade, a E se a espontaneid m ir do corpo a mente este _processo Moreno ade pode ser provocada é Portanto, 0 processo de a¢ © mensurivel de que est medigao do proceso de senga © 0 raio de acao d Mento, concluimos neidade® quccimento € uma indicacac 40 opcrando fatores ¢, fa aquecimento que podemos lestes fatores. Se nao existem que ha uma auséncia ou uma »concteta, tan| partit da analise & determinar a pre n sinais de aquect perda de exponta Os sinais mensuraveis de MItMo respitatorio e cardi: incontrolados ete aquecimento seriam a alteracao do aco, sudacio, movimentos freqiientemente Evolugao Embora, em nenhum momento, no decorrer da sua vida, More- no haja formulado uma exposicao sistematica da evolugio da esponta- neidade sio muitas as suas afirmacoes dispetsas que nos podem dar uma idéia de seu pensamento a esse tespeito. Essas afirmacées que se referem principalmente 4 Presenca da espontaneidade na infancia a sua deterioragao posterior, pois o homem, através da Fea a memiria, vai criando conservas culturais que o impedirao de cnfren- taf-se com as diversas situagdes do cotidiano, de uma forma nova. A freqiiéncia em que aparece o fatot e esti disttibuida muito desigual mente 20 longo de nossa vida, uma vez que a ctianca durante se se meiros anos se vé frente a novas experiéncias € novas situagdes gu hs incitam continuamente a responder, ‘um grau que nao tem ee ° com outros periodos da vida. Nossa hipétese € que, quanco mato a nGmero de situagdes novas, maior sera a probabilidade de q . novas viduo elabore um némero comparativamente mais amplo de Tespostas™, . “no é valido para dar O esquema evolutivo apontado por Moreno é val iM frestagio Cocréncia as nossas idéias sobre esse tema: “A primeira mai ee : : tea aye agest basica da espontaneidade € 0 aquecimento da crianga diante ambiente." . F e F 6 pode A partir do Nascimento, tudo € novo pata a crianga que sO Pp sobrevi . “pe 7 we i viven- ver se utilizar a espontaneidade que a incita a continuar 144 do, O mundo lhe é totalmente desconhecido, cada tesposta € desacos- tumada ¢ cada uma de suas atuacées, Necessariamente esponta cartegada de originalidade: ‘*€ bem sabido que a ctianca,S peeeut ara alto grau de espontancidade’™ ea E claro que Ihe falta o fator complementar da situacdo nov: adequa' » em que a ajudam os “egos auxiliares’’: rn ees parteira ao nascer, ¢ a mac, definitivamente, durante sua infanca” Moreno acha que esta ajuda destréi o Precioso valor da es} “5 tancidade. Estes “egos auxiliates’’, imbuidos do instinto de eat dade social ou até, do instinto de perpetuacao biolégica, impéem seus esquemas sociais a crianga, que sera guiada por normas ¢ Papéis j4 exis- tentes ¢ nao pelos que ela prépria teria criado. Assim, até certa idade, todos os conhecimentos das criangas sao adqui- tidos de modo espontaneo. Subitamente porém, 0 adulto comeca 2 interferir no mundo infantil através de ‘‘contetidos’’ nao relacionados com as necessidades da crianga. A partir dai, a pequena vitima no apren- der ligdes, poemas, fatos, cangées etc. sofre a pressio de muitas sofis- mages adultas que permanecem como substancias estranhas em seu organismo... Ja tao cedo na vida do set humano civilizado aparece a tendéncia a maltratar e desviar o crescimento natural. O erro se perpetua durante toda a vida; o individuo vive cada vez menos a partir de si proprio, torna-se cada vez menos consciente do cu enquanto centro ativo, ao mesmo tempo que mecanismos de toda espécie — filmes, radio — e todas as culturas herdadas, Ihe impdem suas normas ¢ exigén- cias, Falando de modo geral, o progenitor (e particularmente a mae) perde a suprema oportunidade de estimular a funcio criadora"*. Desenvolvidas a inteligéncia e a meméria, o homem, por si, chegara a construir suas pfOprias conservas, que secam ¢ enfraquecem a fonte da espontaneidade. Assim deve ter ocorrido na historia da huma- nidade pois, hipoteticamente temos que supor um dado momento em que nao existiam as conservas culturais. Omitimos aqui, por sua exten- so, 0 quadro evolutivo da espontaneidade, desde o nascimento até & submissao aos esteredtipos sociais”. Ensino e aprendizagem cidade na antropologia moreniana, umanidade sofre pela tecnificagio, a possibilidade de uma apren- A importincia da espontan ao lado da séria ameaga que a h justificam que nosso autor se dizagem de espontanet Anteira: O exercicio da espontancidade €, portanto, uma importante disciplina que deveria ser promovida por todos 0s cducadores ¢ terapeutas em Nossas instituigoes, Sua tarefa € despertar ¢ aumentar a espontancidade €m seus discipulos ¢ clientes” Se nio se estimula a espontancidade, vamos diretamente a enfer- midade psiquica ¢ sociolégica, porque a ansicdade provém e se acen- tua pela sua falta. Estas consideragdes justificam um S.O.S. categorico. Sem davida 0 homem possui um recurso inerente ao seu préprio orga- nismo ¢ a organizagio da sociedade humana ¢ do qual, até o presente, nao tem feito sendo uso precario: sua espontancidade. Talvez ai esteja uma solucio para o problema. E a fim de lev4-la a seu pleno desenvolvi- mento, € necessirio utilizar todos os meios: tecnolégicos, psicologicos ¢ cugenésicos”! Ja conhecemos muitas causas que impedem o desenvolvimento da espontaneidade, porém Moreno, referindo-se a aprendizagem, diz que o homem tem medo da espontaneidade pelo risco € pelo cons- tante esforgo que cla lhe exige. E responsabiliza este medo como sendo a causa Ultima de uma sociedade tecnificada, na qual todo problema est previsto, como esta prevista também sua solugao adequada: Porém, se a espontaneidade € tao importante para o mundo humano, por que se desenvolveu tao pouco? Ao que se pode responder: 0 homem tem medo da espontancidade exatamente como 0 seu antepassado da selva tinha medo do fogo: teve medo até quando aprendeu a acendé-lo. Do mesmo modo 0 homem temera a espontaneidade até que aprenda a exerciti-la ea utilizé-la”? E claro que toda essa esperanca salvifica pressupde a possibili- dade de uma aprendizagem do espontaneo. Da contradicao de termos, aprendizagem — espontanea, surge, necessariamente, a objecao: a aprendizagem supoe a acumulacao de algo que sera utilizado poste- riormente: pode acumular-se 0 momento ctiador? Moreno o nega explicitamente: — ‘‘Nao é possivel aprovisionar-se de espontanei- dade,’'” __ Ha uma aparente contradi¢ao entre 0 que entendemos por apren- dizagem e€ 0 que entendemos por espontaneidade. Se se aprende a solucionar um problema da vida quotidiana de maneira adequada, j4 ndo se improvisa a resposta. A aprendizagem consiste precisamente em adquirir um habito, para realizar um tipo de conduta e repeti-la. Improvisacao ¢ aprendizagem sao conceitos opostos. Inclusive, Moreno © aceita: ‘A i parece conter um . digdo em. 146 Esta objegto provém do imobilismo da nogio de aprendizagem, que © preciso remover, unindo-a mais A propria vida que aos conteG- dos, diz Moreno, E rechaga as teorias tradicionais da aprendizagem em sua critica ao associacionismo ea gestalt, por entenderem a aprendi- zagem como ‘‘conéeddo"’ ¢ no. camo disposicao vital, A teoria-more- a repetigao de conteados ¢ pede a apren- adquire pela experiéncia, Opondo a aprendi- tetidos X de agdes, Moreno acaba pot dizer que, na cortex cerebral existem dois centros perceptores, distintos, pata cada uma destas formas de aprendizagem: na da aprendiz zagem de ¢¢ os tem sido de muita utilidade o ctitério de que a meméria dos indi- viduos € constituida por dois centros: um centro de ado e um centro de contetido que, no geral se mantém como duas estruturas distintas, sem nenhuma relagio” Naturalmente ele se decide pela aprendizagem através da acao, com raizes na vida real. O que se aprende tem um sentido vital e se evocara sempre que a vida 0 exija: Se pode presumir que as experiéncias vividas associadas a impulsos que provocam intensos estados afetivos, estabelecem determinadas € espe- Giais associagdes. Nos foi possivel observar que os contetidos dirigidos a mente em conexio com estados afetivos intensos, voltam mais facil- mente quando o individuo se encontra em estado andlogo, do que quando se encontra num estado neutro’®, Este tipo de aprendizagem € o que Allport denomina aprendi- zagem biografica’’. E, se aprofundarmos um pouco, concluiremos que em nada diferem das teorias da aprendizagem por associagio, como por exemplo, da classica lei do efeito de Thorndike”*. i Que Moreno personalize a aprendizagem pela acao, com a-parti~ cipagao da espontaneidade, € perfeitamente aceitavel, porque estas aprendizagens biograficas freqiientemente estio unidas a um momen- to-de-surpresa € de intensa emocéo. Também nos parece légico que incentive o tipo de aprendizagem pela aco, que melhor se encaixa no scontexto de sua teoria, de preferéncia 4 aprendizagem de contetidos. Esta idéia de aprendizagem na vida real, j4 vem de seu tempo de tra- lho com as criangas vienenses nos jatdins de Augarte”, anos em que ejeita a escola ativa, pois seu método de aprendizagem cria conservas ulturais. espontinea. a a atitude espontinea, posta adequada e pessoal la ni vista da espontancidade, 0 velho perfeccionismo precisa ewe detsar livre caminho 20 ingénuo impenfeciona estado de impetteigio €, no entanto, em sua signi? uma vivéncia mais completa do momento assure Do ponto de sactificado € St da pessoa, este dade e nudez, também nao se deve desenvolver habitos de conduta determi jos: ‘Assim o problema da aprendizagem nao consiste em provocar nados: manter habitos, porém em formar a espontancidade, desen, nem em tho homem, o habito da espontaneidade.**! ser volvend odo sofre uma continua mudanga que exige a adaptacao do homem pata evitar, como dissemos antes, as neuroses coletivas preconizadas por K. Horney. Em Moreno, a formulagio positiva da aprendizagem, esta quase resumida nestas palavras: Conseqiientemente devera ser preparado, tendo em vista gualguer situagao possivel ¢ nao sé algumas situacGes especificas. Mas esta mu- danca de perspectiva implica nada menos que uma transformacio radi. cal da filosofia e da técnica da aprendizagem. Deve-se entio exercitar a espontaneidade... em vez de treina-lo para reagit mediante atos precisos frente a tal ou qual situacao*. Também Moreno nao ignora o grande problema com que se defronta qualquer teoria da aprendizagem, ao passar de um processo ou de um contetido a outro: a generalizacao. A transferéncia de uma determinada aprendizagem pata outra seri tanto mais dificil de realizar, quanto menos se haja petmitido o desen- volvimento da plasticidade entre os seus diversos setores. A primeira tarefa que se impée a quem deseje educat sua espontaneidade, consiste em exercitar-se para uma transferéncia facil ¢ ao mesmo tempo, apren- der a integré-la adequadamente numa acio disciplinada®. Depois de demonstrar teoricamente a importancia da aprendi- zagem da espontaneidade, Moreno oferece métodos didaticos concre- loge m geral esses métodos, como acontece freqiientemente em psico- » S40 da mesma natureza dos utilizados na exploracao. Nosso autor sugere confto; aia . id a ntar os indivi da vida quotidiana: dividuos com situagdes chocantes Ate improvis neidade cag Foviagao €0 caminho real para a educacao da esponta- Gue cle nunca viveu mares eecieMte €M Papéis, situagbes € mundos em mente, gnc ee ents €M0s quais tem que produzir, instantanea- MENIO € 0 desenvohanhnt zt frente ao novo enquadre. E o adestra- Muito diferente de eimem'© de uma nova personalidade que pode set '@ que foi trazida ao tratamento®, 148 E propde o método, em detalhe 0 sujeito € analisado, situando- se de onde vem o seu problema e, a partir dai, se o faz improvisat situagdes psiquicas ou circunstancias externas, que procuram corrigi-lo. Nao se trata de aprender um fato ou um ato concreto, porém uma atitude que o habilite a resolver adequadamente, as diversas situagdes que se podem apresentar na vida real, no desempenho de seu oficio™.. Inclusive, com o treinamento da espontaneidade, Moreno pre- tende predizer o futuro comportamento da pessoa em determinada situacdo. Tal predigio seria de fundamental alcance em sua aplicagao na vida: selecao de pessoal, ajustamento de futuros casamentos etc. Conservas culturats O estudo da espontaneidade que merece ser desenvolvido até suas Gltimas implicagdes, ficaria incompleto se nao encarassemos, explicitamente, dois temas que na obra de Jacob Lévy Moreno ¢ em nossa exposigao, surgem constantemente ao seu redor. Um deles lhe € antagénico: ‘a conserva cultural’ ou ‘‘o conteddo”’ ou *‘o j4 pronto’’ ou ‘'o rob6"’ ou “‘a zootecnia’’. O outro é seu aliado, seu despertador: © warming up moreniano, traduzido por “aquecimento’’ ou ‘‘pré- aquecimento’’. A conserva cultural j4 foi cercada em seus diversos aspectos atra- vés do estudo do ato espontineo. A “‘conserya’’ levantou o dilema da propria esséncia da espontancidade como energia ou como catalisa- dor. E sua existéncia se recolocou diante da adequagao da tesposta nova a forma cultural antiga. Terminamos concluindo que robé ¢ espontaneidade sao pélos de uma mesma doutrina dialégica. Nos varios momentos em que Moreno tenta definir 0 que entende por conserva cultural, recorre as palavras de Webster: Conservar — diz Webster — significa manter num estado seguro ou sio; preservar. Deriva do latim conservare, que significa guardar, Utili- zamos 0 termo “‘conserva’’ como substantivo, seguido do adjetivo ‘“‘cul- tural’’, A espontaneidade ¢ a conserva cultural s4o fendmenos tangiveis, observaveis na experiéncia humana®. Moreno distingue claramente entre a conserva tecnificada ¢ aquelas que ndo podem existir sendo no psiquismo ¢ na conduta hu- mana. A maquina ou 0 livro, frente aos costumes, 4s normas ou a0 papel”. Também as qualifica n prejuizo que poden espontancidade, ao homem o 4 de estimulo ao homem, outras so claramente destrutivas: xi Sinda as funcionalmente Greis, ou impr6ptias, conforme o qare™ delas se faca que O primeito tipo € o que podemos denominar tobs doméstico: fom a esta catepotia: 0 atado, a lapiseita, a méquina de eserege = tipo € 0 robd inimigo, ou seja: 0 canhio, 0 torpedo, a bomba atomic existe ainda uma forma intermediéria como a faca, 0 fe = fia a vapor, 0 automével, 0 avido, que podem servit ao homens tt que também podem destrui-lo. Com efeito, visto que 0 tobs nto aes pada de humano, sua utilidade pode transformat-se em petigo- o ame mével pode transformar-se em tanque, a faca que serve pata o trabalho pode servi também para matar, 0 fogo que aquece pode prowocar umm incéndio’ Para compreender a origem da ‘‘conserva’’ € necessario fazer um paralelo entre sua génese ¢ a da espontaneidade. Se a espontaneidade se justifica na evolucao criativa permanente que se da no mundo, estri- bada num deus permanentemente criador, a conserva deriva do seu oposto: do deus do sabado, do deus que deu sua obra por terminada, contemplou-a ¢ descansou. O homem imitativamente cria obras que permanecem e lhe dao a sensacdo de perfeicgao. Criando essas conservas culturais, se realiza como demiurgo ¢ despreza o desejo de criagio constante, cultivando a vontade de poder: O homem criou um mundo de coisas — as conservas cultutais —, fabri- cando para si proprio uma imagem de Deus. Quando o homem desco- briu seu fracasso no esforco para a maxima criatividade, separou de sua vontade de criar a vontade de poder, utilizando-a como meio indirew para conseguir, apenas com ela, os objetivos de um deus. Com 0 empe- nho de uma 4guia ferida que nao pode voar com suas préprias asas, © homem aferrou-se as oportunidades que lhe ofereceram as conservas culturais ¢ as maquinas, com a deificag3o das muletas como resultado. porém como no possui a verdadeira universalidade de um deus, vs obrigado a substituir a onipresenga no espaco pelo poder no espax® derivado de maquinas, ¢ a onipresenca em todo momento do temP% pelo poder no tempo, derivado das conservas culturais™. Mais uma vez, na histéria do pensamento, 0 homem pecou Por seerer mo Deus |, ¢ uma vex mais se fex sua cariarum. faxes mais Li Seen es 2 jicam a aparigao . libera o hor ee ‘aah © homem da it cer ee em errs phic, dane das les aturera, Quis preven o ae Conservando aquelas respostas que Ihe haviam Alem de superar o estado de inseguranga ¢ de medo, que certa- mente a espontancidade gera, o homem, através das conservas, preen- che uma aspiragio de imortalidade, de perpetuidade. A imortalidade unamuniana das préprias obras. As conservas culturais, primordial- mente os liveos, disse Moreno em Die Gotth it als Autor, pretendem dae ao homem imortalidade ¢ continuidade, ‘As conservas culturais cumpcitam duas finalidades: ajudaram em situagées ameagadoras € assegutatim a continuidade da heranga cultural." Moreno da outras razdes, igualmente fundamentadas na psico- logia humana, pata explicar o nascimento e perpetuacao das conservas. A existéncia de duas faculdades que, em seu exercicio, resolvem pro- blemas ¢ recordam solugdes: a inteligéncia ¢ a meméria. Porém, de modo definitivo, intrapsiquicamente, sua tazdo Giltima esta na imper- 10 do homem, Volta a colocar-se 0 antigo problema filoséfico da” atuagio. O homem atua, respondiam os filésofos da “‘forma’” (nao tanto os platénicos do onum est difusivum sui), potque € imperfeito € tenta buscat a perfeicao por meio da acao. Igual solucao se insinua nesta pergunta moreniana: ‘‘O destino da matriz criadora espontanea, sera sempre terminar como conserva cultural por causa da falibilidade da natureza humana?’’' Em sua tentativa de explicar historicamente a apaticao das conservas, Moreno imagina uma sociedade primitiva, em que nada estava, acabado: ‘‘O homem anterior a todo produto conservavel, o homem do primeiro universo nao dispunha de... simbolos alfabéticos com que projetar, pela escrita, suas palavras seus pensamentos’”””. E da humanidade passa a0 homem. A crianga chega a adquirir as conservas culturais e seus significados por imposigéo dos adultos e por identificag%o com seus papéis. Dois fatos, na vida do homem, o indu- zem a fazé-lo: o ego-auxiliat, a mae, nao s6 enquanto lhe impée suas normas, mas ainda porque estando fora dele e a seu servico, 0 habitua a exercitar sua vontade de poder, que esta justamente na base do nasci- mento das conservas; outro fato € a saturacdo dos brinquedos mec nicos: Neste jogo adquite 0 gosto pelo robé, a que pode desttuir de acordo com seus caprichos, ou provocar ¢ fazer atuar segundo sua decisio pes- soal... Em outro trabalho mostrei de que maneita o continuo interesse da crianga em brincar com seus bonecos, a anima a cratar os animais € os seres humanos como robés?, Razoes filosdficas, psicolégicas ¢ didaticas, explicam o nasci- mento das conservas culturais, Existem outras que, intencionalmente, deixamos pata o final: as razGes conflitivas. Nos referimos as muitas vezes em que Moreno afirma serem as conservas originadas pela espon- taneidade: 6 Med b wrs OE We WES Yoyerw 151 idence que a matriz €a etapa inicial de toda conserva culty Eevi jente ama forma de religiio, uma obra de arte ou uma se nal6gica é um processo criador espontaneo™*, tec . ral, quer invengig Problema mais intrigante que a delimitagao das conservas & o de aucitacao na psicologia de Jacob Lévy Moreno. O definidor dg sua ace neidade pretende que voltemos ao estado primitivo da socie. espontan ao estado infantil do nosso desenvolvimento? A aporia surge fauencemente na obra de Moreno. Por um ae afirma a oposicig ue as conservas culturais oferecem ao desenvo vimento da esponta- neidade, e por outro, as considera inseparaveis. O tema € fartamente conhecido € tratado nesse estudo. Porém, 0 summum da aceitagao da conserva e, a0 mesmo tempo, da incongruéncia moreniana, se expressa em sua orgulhosa afirmacao de ser o primeiro a utilizar os progressos técnicos = como o cinema ea televisio — a setvico da psicoterapia e em seu vaticinio de maridagem feliz entre a espontancidade e a técnica: Numa época tecnolégica como a nossa, 0 futuro ¢ o destino do principio de espontaneidade, como norma principal de cultura ¢ de vida, pode depender do éxito que se alcance no concernente a sua vinculacio com as invengdes tecnol6gicas”®. O que € certo e justo reconhecer, € que Moreno, entusiasmado na defesa da espontaneidade criadora, carregou as tintas da oposicio que Ihe oferece o ‘ja feito” e dai, ao falar da cultura, quase sempre o faz em sentido pejorativo. Mas, em momentos de reflexdo equilibrada, precisa seu pensamento dando oportunidades tanto 4 conserva como 3 espontaneidade, sempre que a conserva nao impeca a criatividade espontanea. Ditiamos que, dominado pelo seu afa de originalidade, Moreno nao da importancia ao que a humanidade j4 conseguiu e diri- ge 0 seu olhar para os possiveis caminhos ainda nao petcortidos. E nesta luta, pretende embarcar_os individuos e a humanidade inteira, incitando-nos quase ao vandalismo: Re comeso deste processo industrial, 0 homem tratou de fazer-lhe Fente, através de acdes agressivas. Relembre-se a destruicao da biblio- teca de Alexandria Narre, Senrudtit € a condenagio da rigidez da letra, por Jesus de do problenn cae ‘@, Se vai passando muito por alto sobre um aspecto pode lutar nae ay uma maneira simples ¢ clara, pela qual 0 homem social, mas come an Tan da destrui Jo nem como parte da maquinatia res... Seana teen a lo ¢ criador ‘ou como uma associagao de criado- na concepcao ¢ esen an ésimos da cnergia que a humanidade gastou Para a promogio de no wimento de artificios mecinicos fora utilizada mento de ctiagdo, ¢ hee? “aPacidade cultural durante 0 proprio mo- » @ humanidade entratia numa nova época de cultura, 152 um tipo de cultura que nao precisaria temer nenhum possivel aumento de maquinatia nem as racas tobd do futuro. O homem teria escapado, sem nada abandonar do que haja produzido a civilizagao da maquina, 20 jardim do Eden” Vaticinios e profecias futuriveis do sempre existencialista her6ico € ut6pico Jacob Lévy Moreno. Warming up O complemento prévio, nao condicionante, da espontaneidade o warming up. A ele muitas vezes nos.seferimos.9 longo do nosso estudo, ligado ao conceito de catalisador espontaneo como pré-aqu cimento que desencadeia a forca criadora. Por aquecimento entende- mos © exato contetido do termo em linguagem desportiva. Mas, se quisermos recotter a exemplos tomados da psicologia experimental, nada melhor que os experimentos realizados por Zeigarnik sobre retencdo das tarefas terminadas ou das inconclusas. Ele chega a de- monstrar que na vida, para realizar cada tarefa, desencadeamos uma certa quantidade de energia. Esse ato de desencadeamento seria 0 warming moreniano. ‘Na verdade, Moreno nfo acrescenta muito a esse processo de pré- aquecimento, apesar de 0 termo aparecer freqiientemente em suas obras em contextos de espontaneidade ¢ de preparacao do sujeito, no inicio de sessdes psicoterapéuticas. Insiste mais sobre os sistemas que yao produzir este pré-aquecimento que en m sua_defini: Para definir 0 warming up, com palavras de Moreno, vamos \F recorrer a trés idéias:-€um-desencadeante dos estados afetivos que acompanham a espontaneidade”. E um intermediirio entre a espon- ‘aneidade ea criatividade™. E, seguindo a idéia de operacionalidade, € a manifestagao ou o sinal extetfio pelo qual sabemos se a espontanei- dade-comecow Aira. Quando abordamos as provas experimentais da espontaneidade, vimos que 0 propésito de Moreno era medir a ade- quacao da resposta, mas nem sequer se questionava em que momento a espontaneidade havia comecado a atuar. Agora, ao contrario, ao tratar do warming up ¢ sua manifestacao operacional, procura desco- brit quando a espontaneidade j4 esta a ponto de dar uma resposta adequada: O processo de liberagao é a manifestagao operacional da_espontanei- dade. Assim como a eletticidade se mede por seus efeitos, a espontanei- dade se mede pela dinamica do proceso de liberacao”. 153 Como estas manifestacdes sao externas, essencialmente fisiol6. gicar e podem ser medidas, Moreno tentou fica alguns indices de libe. racdo afetiva, Tratase de medir as teagoes ase fespiracio, ritmo cardiaco, Manspitaydo etc, que pcan aa d eterminado aoe do. psiquico (muitos testes projeuivos de ais ¢ papel, como a prafo. Jogia ou o miocinético, (em aqui seu fundamento) Para desencadeat 0 warming 1eMos 0 Corpo que atua sobre a mente ¢ a mente que atua sobre 0 Compe Aqui termina ou comeca (epende do ponto de partida) todo o processo psicol6gico da exponra. neidade Pode set produzido por: iniciadores fisicos (um processo fisico complex em que contracées musculares desempenham o papel principal); inicia. dores mentais (sentimentos ¢ imagens freqiientemente sugeridos por outras pessoas) € iniciadores psicoquimicos (estimulagdo artificial me diante 0 Alcool, por exemplo)!®. Inclusive, Moreno também atribui valor aos iniciadores econd- micos: A enorme produgio dos grandes mestres do Renascimento nao se deve tanto a uma produtividade maior que a de muitos artistas modernos, quanto ao fato de que, certos nobres daquele periodo Ihes atribuiam uma determinada tarefa a ser cumprida em tempo estabelecido, isto . faziam um contrato de trabalho!*!, Entre as técnicas psicoterapéuticas de Moreno e na exposicao de suas est6rias clinicas, encontra-se outto tipo de aquecimento que mere- ce ser destacado: numa discusséo de grupo se pode chegar a tal intensi dade que, em dado momento, um dos patticipantes sinta necessidade © atuar ou fepresentar seus sentimentos. Através da palavra, este Paruicipante sentiu-se aquecido pata 4 aco espontanea: ‘‘os membros do grupo aproveitam toda oportunidade que se Ihes apresenta paca it mais além da comunicacao verbal e manifesta sua fome de agio cionande orgs cxemplos se pudessem acumular, terminamos men- ee wae aeeluccedar do filme. O Moreno Lnstinute de aie acne esposigzo los psicodramatistas, uma serie de filmes finalidude didivicn °s prdticos de psicodrama, Sua projegdo, além, da & como pre-aques emcee desencadeante da espontaneidade, isto Para sessdes psicodramaucas, Pre-aquecimento o favor que desencadeia a espontanei- pode uueidade © eixo das técnicas psicoterapéuticas Alar sua grande importincia para o éxito da Sendo o dade € sendo motenianas, terapia: 154

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