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Copyright © 2007 Editora Livraria da Fisica Ja, Edigao RTO MARINHO CRISTINA BONOMI BARUFI RIGUES FIGUEIREDO ROBERTO MALUHY JR & MIKA MITSUI Editor: Jost ROBE! Tradugao: MARIA Revisio: MARIA ANGELA ROD) Projeto grafico e diagramagao: Capa: Arte Ativa Impressao: Gréfica Paym cionais de Catalogacao e Publicacao (CIP) Dados Interna ivro, SP, Brasil) (Camara Brasileira do Li D‘AmorE, Bruno lementos de didética da matematica / Bruno D'Amore: [tradugao Maria Cristina Bonomi] S40 Paulo: Editora Livraria da Fisica, 2007. ‘Titulo original: Elementi di didatica della matematica, Bibliografia. 1. Matemética 2. Matemitica - Estudo e ensino 1. Titulo. CDD-510.7 07-7906 Indice para catdlogo sistemético: 1, Matematica : Estudo e ensino 510.7 ISBN: 978-85-88325-88-3 servados. Nenhuma parte desta Todos os direitos re: is forem obra poderé ser reproduzida sejam qua os meios empregados sem a permisséo da Editora. ‘Aos infratores aplicam-se as sangbes previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Impresso no Brasil foo Editora Livraria da Fisica Telefone 55 11 3816 7599 / Fax 5511 3815 8688 wwwlivrariadafisica.com.br 0 triangulo: professor, aluno, saber. Transposigao didatica. Teoria das situagoes didaticas 7.1 0 triangulo: professor, aluno, saber Occidit miseros crambe repetita magistros (VII, 54).! Giovenale, Sétire, VII, 54, 135 (Sulla condizione degli insegnanti) Em trabalhos de Yves Chevallard, a partir de 1982 (Chevallard & Joshua, 1982), é proposto para reflexdo o seguinte esquema, em forma de triangulo, cuja origem certamente é anterior: professor <————_________——_ aluno NZ saber no qual, por “saber” entende-se aquele oficial, universitario, aquele que Chevallard chama de Savoir Savant e que, no caso Notas ee ' Mais ou menos: continuar a cortar a mesma couve provoca a morte dos pobres professores. (Tradugao do Autor do latim para italiano). 222 Capitulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposi¢ao diddtica, especifico da Matematica, foi chamado até aqui de "saber mateméatico”; trata-se de um saber da pesquisa matemstg, aquele histérico, académico. Na realidade, esse “triangulo” é apresentado em diversa, formas, inclusive diferentes entre si, retomado e discutidg Por muitos autores. Por exemplo, em Cornu e Vergnioux (1992), 5 paginas 42-43, encontra-se: & 6 Enfrentar as questées do ensino e da aprendizagem, em termos de 4 didatica, significa que a transmissao do conhecimento é um fenémeny complexo, que precisa de numerosas mediagées, e que é necessério manter sempre juntos os trés pélos, do professor, do saber e do aluno, mas sem reduzir a andlise a apenas um dos trés. A andlise individual desses p6los nao faz parte, a rigor, da didatica: e osaber, o seu estudo, a sua definicado pertencem ao dominio dos especialistas da disciplina, que estruturam, organizam o saber, a partir do que, quem toma institucionalmente as decisdes define qual é 0 saber a ensinar; e oconhecimento dos alunos pode revelar-se por meio de quatro tipos de abordagens, como sujeitos biolégicos, afetivos, epistémi- cos (psicologia da aprendizagem) ou sociais; e oprofessor pode ele préprio ser estudado como sujeito social, institucional (estatuto, fungdes), pedagdgico (os seus modelos implicitos) e afetivo”. Mas, mais adiante, nas paginas 120-121, os mesmos autores criticam esse esquema do triangulo como um esquema enge- noso, centrando-se especialmente no pélo do saber: O saber nao é de maneira alguma o terceiro pdlo: “onde” se encontra? Se é necessdrio situé-lo, nao € preciso antes localizé-lo? No triangulo didatico, a atividade do verbo “saber” foi como que transformada em “substancia”, dotada de um papel auténomo. Agora, embora esteja materializado em livros ou em maquinas, “o saber” é “objetivado” somente pela “atividade” de troca critica entre os seres humanos. 0 saber nao esta nos livros, é a compreensfio do livro. Considerando os resultados cientificos, admite-se, em geral, que quem os sabe enunciat sem entender o porqué, nao os sabe (...). O saber nado é nem uma substancia, nem um objeto, é uma atividade intelectual humana, feita por sujeitos que se esforcam em dar razao ao que fazem e dizem (por meio da demonstracao, o raciocinio)”. cf 7.1, O triangulo: professor, aluno, saber 223 Suponho, ao contrario, que esse esquema deva ser interpre- tado apenas como uma simples alusdo a trés sujeitos (entes, pdlos, idéias) que entram (as vezes fisicamente, as vezes meta- foricamente) em contato entre si no momento da agao didatica. Parece-me intitil discutir criticamente, visto que 0 esquema parece ter apenas uma fungao alusiva. Procurarei aprofunda-lo um pouco, desse ponto de vista, no decorrer do capitulo todo, seguindo varios autores. E claro que 0 professor encontra-se envolvido em uma série de relagdes extremamente delicadas. Por um lado, deve operar uma transposigéo diddtica do saber (que surge da pesquisa) ao saber ensinado (aquele da pratica em sala de aula) (Chevallard, 1985). Na realidade, a passagem é muito mais complexa por- que vai do saber matemdtico ao saber a ensinar ao saber ensinado: saber matematico > saber a ensinar > saber ensinado Sobre esse tema, deverei, adiante, voltar muito mais explici- tamente. Por outro lado, no entanto, o professor deve considerar 0 sistema didatico e o ambiente social e cultural, isto 6, a noosfera na qual age. Por noosfera pode-se entender o lugar (em sentido abstrato) dos debates de idéias significativas sobre o ensino, por exem- plo: sobre as finalidades da escola, os objetivos da formagao, as expectativas da sociedade no que se refere a escola e 4 cultura (por exemplo, os programas oficiais ou as expectativas de diferentes associagdes, como, por exemplo, a dos industriais). A noosfera é a zona intermediaria entre o sistema escolar (e as escolhas do professor) e o ambiente social mais amplo (externo a escola). Cito as palavras de Chevallard (1988a), pagina 5, a respeito da noosfera: O ponto de partida da nossa anilise (...) pode referir-se ao esquema a seguir. O objeto do discurso submetido a exame é (aqui) o sistema de ensino. O préprio discurso se produz, nao do interior do sistema de ensino, mas de um ponto situado em sua periferia, em uma zona intermedi4ria entre o sistema de ensino e a sociedade, que eu chamo a noosfera (“a esfera na qual se pensa” — entende-se: onde se 224 Capitulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposigao diddtica. pensa sobre o sistema de ensino). # uma rea em que se encontram todos aqueles que “se interessam” pelo sistema de ensino, além do estrito cumprimento do préprio ato de ensino: professores militantes, membros dos IREM, pesquisadores de todos os estilos (entre os quais est&o, naturalmente, os didatas)”.? Nesse artigo de Chevallard, as primeiras paginas sao dedica- das a interacdo social no caso especifico da relagao de ensino, ¢ sao paginas para ler e meditar a fim de compreender a fundoa questio e ter uma introdugao muito detalhada inclusive sobre o conceito de contrato didatico; percebe-se bem como tudo esté estreitamente ligado e conectado, e como é¢ dificil, portanto, conceber um {indice para um livro com um amplo raio de agao, nao especifico, indice esse que, forgosamente, deve ser concebido linearmente, em estdgios sucessivos (0s capitulos), enquanto deveria ser concebido como uma espécie de rede... 1.2 Transposigao didatica Senhores, estais equivocados: eu ensino ao meu aluno uma arte muito longa e dificil, da qual certamente os seus Notas carecem: aquela de ser ignorante; de fato, a ciéncia de quem cré saber apenas 0 que sabe reduz-se a bem pouco. Jean-Jacques Rousseau, Emile ou de l'éducation. O conceito de transposi¢ao diddtica também parece de notavel e definitiva importancia para o futuro. A transposicdo didatica foi, muitas vezes, anteriormente mencionada, de maneira in- tuitiva, sendo compreendida como o trabalho de adaptagio, transformacao do saber em objeto de ensino, em fungao do lugar, do ptiblico e das finalidades didaticas a que se propée. Em geral, lé-se que essa idéia foi introduzida por Yves Chevallard, no inicio dos anos 80; na realidade, ela se propa- gou antes, no IREM de Aix-Marselha, no grupo de pesquisa coordenado precisamente pelo proprio Chevallard (Schneider, 1979; Tonnelle, 1979). 2 Os IREM sao os institutos para a pesquisa em Educacdo Matematica, ativos nas universidades da Franga. 7.2. Transposigao diddtica 225 O conceito de transposigéo diddtica nasce da relatividade do saber no interior do qual se apresenta (Chevallard, 1985a). Mais especificamente, Chevallard refere-se 4 adaptacao do co- nhecimento mateméatico para transform4-lo em “conhecimento para ser ensinado”. Chevallard define, em primeiro lugar, o “sistema didatico” com um objeto pré-existente, b G dotado de uma necessidade prépria, de um determinismo pr6- GG prio (...) objeto tecno-cultural cujo funcionamento se inscreve na historia” (p. 12). Esse objeto caracteriza-se precisamente com base no fato que relaciona um professor, alguns estudantes e um saber; porém, nem todas as passagens, mencionadas de maneira mais ou menos explicita nesse esquema, possuem a mesma forga, a mesma estabilidade; por exemplo, a passagem vista acima sobre saber e saber ensinado quase define sozinha o triangulo; mas 0 professor nao tem a possibilidade de dirigir, orientar, determinar cada passagem da transposigao didatica, a qual parece acontecer além dele: Quando o professor intervém para escrever essa variante local do texto do saber que ele evoca ao longo de suas aulas, a transposicao didatica comegou ha muito tempo” (p. 17). Com efeito, os sistemas didaticos sao sobre-determinados, em sua natureza e em seu funcionamento, por fatores envol- ventes. Em um primeiro circulo, 0 “sistema de ensino” se re- fere ao quadro institucional, aos meios materiais, Aqueles que tomam decisées (0 legislador e seus conselheiros pedagégicos), aos pais do estudante etc. Depois vem mais propriamente a noosfera. A partir dessas consideragdes, Chevallard sugeria que o saber ensinado nao deveria ser nem demasiado préximo nem demasiado distante do saber sécio-familiar (0 nivel de instrugaéo das familias e de suas expectativas com relagdo a escola). Essa observacaéo é fundamental, mas surge entéo a per- gunta: sob que condicdes o ensino é possivel? De fato, se o saber ensinado é muito préximo ao saber matemiatico, & incompreensivel para a competéncia familiar; se é muito dis- Capitulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposigao diddtica. tante, apareceré superado, arcaico. Por outro lado, se o saber ensinado é demasiado préximo do saber familiar, a escola aparece como algo inutil; no entanto, se é muito distante, as aprendizagens, tanto em termos de contetido como de ob- jetivos, nao terao significados claros para os pais que, por isso, tenderdo a rejeitd-los. Cada vez que o equilfbrio entre essas possibilidades nao é suficientemente atingido, a escola encontra dificuldades, crises e deve promover reajustes nos métodos e programas ou recolocar em discussao o proprio exame de suas finalidades. Sobre todas essas questées, os professores se encontram como que impotentes. Entretanto, eles podem modificar o texto do saber; é essa questo que emerge e que constitui a proble- mitica estrita que liga os trés saberes: o saber, aquele a ensinar e oensinado. A transposigao didatica consistiria, portanto, do ponto de vista do professor, em construir suas préprias aulas retirando da fonte os saberes, levando em conta as orientagGes forne- cidas pelas instrugdes e pelos programas (saber a ensinar), para adaptéd-los a propria classe: nivel dos alunos, objetivos buscados. A transposicao didatica consiste em extrair um ele- mento de saber do seu contexto (universitario, social etc.) para recontextualizé-lo no ambiente sempre singular, sempre tinico, da prépria classe. Nesse trabalho, 0 professor nunca é um individuo isolado. De fato, é 0 coletivo, a instituigao de ensino que tem o objetivo e define em sua especificidade o saber escolar, os seus métodos, a sua racionalidade. A transposigao didatica produz entio certo ntimero de efei- tos: simplificagaéo e desdogmatizagao, criacdo de artefatos (Ru- melhard, 1986) ou produgao de objetos totalmente novos. Com efeito, a escola nunca ensinou saberes puros, mas contetidos de ensino, algo que existe apenas no interior da escola e que normalmente ndéo tem uma correspondéncia imediata nem com a esfera da produgao nem com aquela da cultura. A partir do momento em que entram em um programa escolar, um dominio do saber ou um conceito sofrem uma transformagio maciga, sdo desnaturalizados para encontrar outro estatuto, entram em outra l6gica, em outra racionalidade (é notavel 0 7.2. Transposi¢ao diddtica 227 exemplo a respeito das frag6es realizado por Fandifio Pinilla, 2005). Os requisitos de uma pedagogia escolar lhes dao uma nova forma. Poder-se-ia pensar em uma primeira fase, que vai do saber matemdtico ao saber a ensinar (Felix Klein j4 havia evidenciado, no ultimo quarto do século XIX, essa diferenga e essa relacdo, como disse anteriormente). Uma coisa é saber uma no¢do, outra é descrevé-la para outros; ao redor do préprio saber do professor organiza-se um conhecimento especifico, com problemas de economia em seu interior: 0 que, como, porqué, que tipos de escolhas etc. Ocorre uma descontextualizacgaéo do conceito, da nocao, e surge, por exemplo, o notavel problema especifico da dialética entre conceitos matematicos como instrumentos e como obje- tos. A idéia foi langada por Régine Douady (1984): 0 mesmo conceito matematico é tanto um instrumento que encontra a sua fungao nos diversos problemas que permite resolver, quanto um objeto, j4 que é um dado cultural que encontra o seu lugar em um ediffcio mais vasto, o saber matematico. Nas situagdes de aprendizagem, o aluno coloca em acao, como instrumentos, alguns objetos conhecidos: amplia o campo de aplicagao, reconhece sua insuficiéncia, deve recorrer a novos instrumentos. Nesse sentido, foram feitos entéo muitos estu- dos, como, por exemplo, para ver as implicagdes nos dois cam- pos inter-relacionados, do ensino e da aprendizagem. Nessa direcdo é importante, a leitura do artigo de Anna Sfard (1991), ja citado, e sobre o qual voltarei mais adiante. Ocorre também uma des-historizacao, devido a qual o saber matematico se converte em atemporal, fora da histéria; isso leva a inevitdvel impossibilidade de contestagdo das nogdes mateméaticas que aparecem colocadas ali, aos olhos de todos, rigidas. Estéo em jogo apenas pertinéncia e utilidade (todavia, nao se trata de uma utilidade cientffica, mas apenas intrinseca). O processo didatico, naturalmente, nao termina ai. Uma vez realizada a introdugao da nogao, no 4mbito do funcionamento didatico, deve ativar-se um mecanismo com base no qual nos apropriamos de tal nocao para fazer algo. Eis entao que ocorre a recontextualizacao da nogdo, todavia nao mais no interior do saber matemiatico, mas no interior de tal imersao no saber ensi- Capttulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposi¢ao diddtica, nado. E 6bvio que tal recontextualizagao nao devolve a nocio seu modo de existéncia original no interior do saber, nem his- térico, nem de outro tipo (e isso especialmente nos nfveis mais baixos de instrugao; uma situacado um pouco diferente poderia ocorrer nos cursos universitarios finais). Tal recontextualizaco também nao permite reconquistar as fungdes que serviram de base para a nogdo ser originalmente introduzida. O conceito de transposicao didatica foi produzido no pré- prio campo da didatica e resiste 4 prova do tempo. A transpo- sicdo é, todavia, mtltipla: ela participa da transformagio que as disciplinas e os programas provocam ao saber; mas também sofre a interpretagiio e o exemplo (em sentido geral, como ima- gem da disciplina) que os professores dao de uma disciplina em sua pratica cotidiana. Os professores trabalham no nivel de formulacao de um conceito. Se permanecer indispensdvel que os programas transfiram os saberes, cabe aos professores em sua pratica inventar exercicios, colocar em marcha moda- lidades por meio das quais tais saberes tenham um sentido e vigiar a pratica junto aos alunos. A transposi¢éo conduz entéo ao problema da transferibilidade daquilo que foi apreendido, ao enraizamento do que foi apreendido no interior dos saberes ja possuidos, em vista de uma generalizacao, e, portanto, de uma transferibilidade. Bem se vé como existe proximidade entre o conceito de transposigaéo e aquele de transferibilidade, como indice de coeréncia da aprendizagem ocorrida. Isso abre caminho para a idéia de representacao do saber no interior do aluno ea idéia de trama conceitual; devo, no entanto, abandonar aqui tais idéias, que retomarei mais adiante, para nao arriscar perder o caminho tomado. O estudo especifico da teoria da transposigao didatica colo- cou em foco diversos exemplos muito significativos das dife- rencas entre contextualizacao origindria e contextualizagao em ambito didatico; o seu objetivo é encontrar as causas e, even- tualmente, corrigi-las. Isso poderia levar, com o tempo, a mo- dificar certas preparagdes de alguns professores que, apenas orientados ao saber a ensinar, terminam de fato por transmitir significados inadequados dos objetos matematicos [veja-se 0 exemplo muito convincente dado por Chevallard e Johsua (1982) sobre a nocao de distancia]. 7.2. Transposi¢io diddtica 229 Como 0 leitor lembrar4, 0 estudo dos obstdculos epistemo- légicos fornece a possibilidade, entre outras coisas, de ter sob controle quais séo as concepgées epistemolégicas do docente empenhado na transposi¢ao didatica. Assim, hé uma ligacao entre saber matemdtico e saber a ensinar, que gostaria de sintetizar como o seguinte esquema: Concepcées epistemolégicas do professor saber matematico saber a ensinar no sentido que o saber a ensinar é, por assim dizer, fruto de um “filtro” da escolha epistemolégica por parte do professor (mesmo se, muitas vezes, nado ha consciéncia, no sentido que existem professores que consideram “neutras”, no plano epis- temol6égico, as escolhas realizadas por eles préprios em campo matematico) (D’Amore, 1987a, 2001b). Trata-se daquelas “filo- sofias” que Francesco Speranza chama “implicitas”, isto é, nao explicitadas na pratica didatica (Speranza, 1985). De modo mais geral, ha professores que consideram ade- rir, de um ponto de vista epistemolégico, apenas a um su- posto ideal de rigor, como se esse fosse algo objetivo e estavel (D'Amore, Plazzi, 1990b). O pesquisador em didatica pode ajudar o professor comprometido a conhecer os obstdculos epistemolégicos, a reconhecer as concepgGes dos estudantes; portanto, tal colaboragao esté na base da teoria da transposigao didatica: ¢ por um lado, permite uma intervengao didatica que pre- vina, dentro do possivel, a formacao de conceitos inade- quados ou até mesmo errados; © por outro lado, permite ao professor reconhecer as suas proprias concep¢ées implicitas no que se refere 4 Mate- matica. Eis aqui que surge a idéia de engenharia diddtica (Artigue, 1989b). Com essa expressao compreende-se o estudo condu- zido de maneira cientffica (ou pelo menos racional) do fené- meno didatico; a colocagdo em evidéncia de uma realizagao di- 230 i Capttulo 7. O tridngulo: professor, aluno, saber. Transposigao diddtica. datica concreta, como atividade de investigag4o para Verificay as construc6es tedricas. Os conhecimentos em Didatica da Matematica, e em parj. cular as problematicas da transposigao didatica, permitem ay professor criar um curriculo, atividade que pode ser esquema. tizada da seguinte maneira: O professor decide introduzir um dado assunto de Matematica; ele faz referéncia a G conhecimentos de modelos matemiaticos e didaticos G conhecimentos de obstaculos epistemoldgicos sobre aquele determinado assunto G conhecimentos de instrumentos gerais para a construcao de curriculos G chega & construcao de um curriculo adequado e especifico, correto tanto do ponto de vista matematico como do ponto de vista didatico. Um dos problemas didaticos ainda hoje em fase de dis- cusséo é exatamente a passagem da teoria da transposigio didatica 4 construgao rigorosa, de um ponto de vista cientifico, de (segmentos de) curriculos (Fandifio Pinilla, 2002). E necessério, no entanto, estar atento e nao cair em uma armadilha. A concepgéo de Didatica da Matematica que esti emergindo, e que estou aceitando e apresentando, é aquela de teoria fundamental da comunicagéo dos conhecimentos matematicos (Brousseau, 1988). E preciso, entao, considerar separadamente os campos da investigacado em didiatica e 0 das acg6es em favor do ensino (visiveis apenas no sentido do ensino ou do processo inteiro em ambos os sentidos: ensino = aprendizagem e aprendizagem = ensino). A pesquisa em didatica nao tem necessariamente esse obje- tivo, essa tarefa. De outra maneira, corre-se 0 risco de confiar aos professores responsabilidades que estao além de suas reais 7.2. Transposigao diddtica 231 capacidades. O funcionamento, a melhora efetiva, 0 sucesso no processo de ensino-aprendizagem depende de muitos fato- res, por assim dizer, externos 4 pesquisa em didatica, fatores esses que condicionam as eventuais tomadas de deciso ba- seadas nos resultados da investigagdo em didatica (Godino, 1990): diretrizes de programa ou de curriculo, avaliacdo (em seus diferentes significados e aspectos), materiais didaticos a disposicgao?, influéncia da sociedade, as vezes inclusive das autoridades escolares, influenciadas, por sua vez, por fatores externos, como os pais ou as demandas do mercado ete. Juan Godino aconselha uma comunicagao ativa entre os responsé- veis por esses setores e os pesquisadores em didatica e uma potencializacgao da pesquisa em didatica. Isso seria certamente desejavel, ainda que dificil de realizar concretamente. Destaco apenas que seria tolo, inttil e, no final das con- tas, danoso, desejar (como ao contrério muitos ingenuamente fazem) a criagao de situagdes diddticas modelo que o professor deveria imitar; nesse sentido, fago minhas as palavras de Bala- cheff (1990b, p.7): f f E razoavel pensar que o desenvolvimento da pesquisa propord algum conhecimento que tornaré os professores capazes de enfrentar o dificil problema didatico de conduzir a vida dessa sociedade cognitiva original: a classe [durante as aulas] de Matematica”. Acredito que o ponto forte esteja na colaboracao estreita entre a pesquisa académica e aquela feita pelos préprios profes- sores e é por isso que considero a escolha italiana dos Nucleos de Pesquisa em Didatica da Matematica como centros mistos (docentes universitarios e professores de escola de varios ni- veis) uma escolha vitoriosa. Parece-me vencedora a idéia ita- liana de professor — pesquisador, que deveria ser instituciona- lizada de modo definitivo, claro e permanente, especificando finalmente uma definigao dessa nova figura profissional. Nao Notas > Em particular, existe 0 problema dos livros-texto, dos seus contetidos cientificos e didaticos, ¢ indusive de sua estrutura programada para buscar uma Educacao Matematica prefixada e freqtientemente pouco adequada, As vezes até mesmo contrdria, as expectativas dos didatas. 232 Capitulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposigdo diddtica. se trata apenas de obter os frutos “locais” (ou seja, limitados estritamente aos professores que fazem parte dos Nicleos, o que seria muito pouco), mas mais “globais”: o conhecimento filtra, se estende, torna-se ele préprio objeto de estudo, de conhecimento, portanto, de debate. Uma difusao desse tipo, dado que cria discussao e critica, alimenta, por sua vez, a propria investigacao... Voltando ao triangulo inicial, vimos a importancia da epis- temologia (mais ou menos consciente) do professor que influ- encia, por assim dizer, o “lado” que liga o professor e o saber matematico; igualmente importantes sao os outros dois lados que destaco a seguir: ¢ o lado professor - aluno mereceria um espaco préprio, mas 0 sintetizo com a expressdo: relacao pedagégica (assimétrica); e o lado aluno - saber é muito delicado: esta envolvida a imagem de escola, de cultura etc., que o estudante tem; a sua relagado pessoal especifica com a Matematica e, mais em geral, com a institucionalizagao do saber; isso depende muito da idade, das experiéncias prévias, da familia, do tipo de sociedade em que 0 aluno vive etc. Voltarei a esse assunto no Posfacio 1 [também se pode ler a respeito D’Amore (1999)]. Nao querendo e nao podendo adentrar-me nesse tipo de tema, limito-me a fechar esta segio com um novo triangulo um pouco enriquecido; 0 que foi dito aqui servird de base para falar da teoria das situacdes didaticas em 7.3: relacdéo pedagdgica (assimétrica] professor <———___~ aluno epistemologia do concepcées de cultura, professor de escola, de saber saber Voltarei a ocupar-me desse triangulo na proxima se¢ao (para um aprofundamento do tema, veja-se D’Amore, Fandijio Pi- nilla, 2002). 7.3. A teoria das situagoes diddticas 233 [Para um aprofundamento significativo sobre a transposicao didatica, sugiro Cornu e Vergnioux (1992) e Chevallard (1994). Esse ultimo artigo faz parte de um livro dedicado totalmente, exceto pelo capitulo teérico de Chevallard, a exemplos concre- tos de estudos sobre a transposi¢ao didatica. Sobre a evolucao dessa teoria, veja-se Arsac (1992)]. 7.3 A teoria das situagoes didaticas Trata-se sempre de saber qual jogo deve —_ compreenda, é necessdrio, em geral, que jogar o estudante, para que as estratégias _ ele possa imediatamente colocar em ac4o mais eficazes impliquem no uso do saber —_ uma estratégica “de base” que, ainda que que se quer ensinar. O jogo também deve nao o faca vencer, permita-lhe jogar e poder ser explicado a ele e, para que _ esperar vencer. Gf f Guy Brousseau, L’insegnamento di un modello dello spazio (Brousseau, 1995). Nao lhes explico tudo, para nao privd-los do prazer de aprenderem sozinhos. René Descartes Outra linha de pesquisa iniciada com Brousseau (1986) jé deu amplos frutos, por mim evidenciados brevemente em 2.3. Trata- se da teoria das situagées. Servir-me-ei das explicagées do pré- prio Brousseau: O aluno aprende adaptando-se a um ambiente que é fator de contradi- c6es, de dificuldades, de desequilfbrios, um pouco como a sociedade humana. Esse saber, fruto da adaptacao do estudante, manifesta-se com as novas respostas que sao a prova da aprendizagem (...). [O aluno sabe que] (...) 0 problema foi escolhido para que adquira um novo conhecimento, mas deve saber também que esse conhecimento é inteiramente justificado pela légica interna da situagao e que pode construir sem apelar para razGes didaticas”. Uma situacgdo assim é definida como a-diddtica: estio em jogo os estudantes e o objeto do conhecimento, mas nao 0 pro- fessor (nessa ocasiao particular). A situacgdo sugere exigéncias e os alunos respondem a elas. Nao existem obrigagées didaticas e, portanto, aquilo que se faz nao esta ligado a estimulos por 234 G6 Capitulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposi¢ao diddtica. parte do professor. O estudante faz tentativas (sozinho oy em grupo), verifica que elas nao funcionam ou sao ineficazes, que a prova deve ser refeita varias vezes; interagindo com os elementos do ambiente, o estudante modifica 0 seu sistema de conhecimentos por causa das adaptagGes que realiza ao utilizar diferentes estratégias. Sdo os casos em que, por exemplo, ao final de uma atividade ltidica, deve-se efetuar algo pertinente a Matematica, para concluir a atividade (por exemplo, no caso de criangas pequenas, contagens para estabelecer 0 vencedor, comparacéo de valores, comparacéo de medidas, ou outra coisa). A demanda de efetuar aquela atividade matematica nao foi proposta pelo professor, nao seria necessdria do ponto de vista escolar (nao ha interacdéo com o saber a ensinar). Ao contrario, 6 uma necessidade motivada pela atividade. Se tal atividade pertinente 4 Matematica nao tem éxito desde 0 inicio e provoca no estudante ou entre os estudantes uma discussao para chegar a um acordo sobre as modalidades, entao hA pro- ducao de conhecimento, mas nao por demanda do professor, nao institucionalizado. Essa situagéo parece inclusive ser a mais adequada a construcao do conhecimento. Néo-diddtica 6 uma situagéo pedagégica nao especifica de um saber: professor e aluno nao tém uma relacio especifica e tipica com o saber em jogo. Por exemplo, as criangas em classe, na presenga do professor, jogam com as pecas de um jogo matemiatico (como fazer construcées utilizando as pegas dos blocos légicos). As estratégias realizadas, ainda que com ins- trumentos “matematicos”, néo sao especificas para objetivos cognitivos escolares. Nao é dito que o estudante nao aprenda: apenas 0 professor nao construiu um “ambiente didatico” com o objetivo da aprendizagem de alguma noco especifica do saber a ensinar. Resta definir entao, o que seja uma situagdo diddtica; Brous- seau propde como modelo aquele do jogo no qual o professor estimula a (...) fazer com que o aluno devolva uma situacao a-didatica que provoque nele a interagado mais independente e fecunda possivel. Por isso comunica ou se abstém de comunicar, de acordo com 0 caso, informag6es, perguntas, métodos de aprendizagem, heuristicas etc. 7.3. A teoria das situacdes diddticas 235 O professor se encontra, portanto, envolvido, com os problemas que coloca, em um jogo com 0 sistema de interacdes do aluno”. E 0 professor que estruturou 0 ambiente de modo oportuno, com instrumentos oportunos, com 0 objetivo de chegar, ao fi- nal da atividade, a um conhecimento especffico. Tudo acontece, por assim dizer, a luz do sol, em um ambiente declarado: ¢ oaluno sabe que esta aprendendo, que o professor esta ensinando; © o professor é consciente do seu papel e de como a situa- ¢do esta se desenvolvendo. Ha intengdo explicita de ensinar. Sao situagdes de estimulo con- creto para fazer atividades, para resolver problemas, para exe- cutar tarefas. A situacgao é totalmente explicita: o aluno sabe que nesse momento estado se delineando e se desenvolvendo nogGes que fazem parte do saber escolar. Estamos, obviamente, em pleno contrato didatico: tudo é tao explicito que muitas vezes o aluno, chegado 0 momento de ter que dar respostas, nao se coloca perguntas sobre o contetido, mas sobre 0 que o professor espera que ele faca ou responda... Além disso, principalmente nos primeiros niveis escolares, cada fragdo de gesto, cada minimo passo é acompa- nhado pela busca do consenso. De fato, nessa “metdfora do jogo”, encontra-se o contrato didatico que as vezes é regra, as vezes é estratégia. .. Em Sarrazy (1995) encontra-se um exemplo de uma reposta por parte de um estudante, nao sobre o contetido da pergunta feita pelo docente, mas sobre 0 que considera que o professor espera dele. A professora (em pratica de ensino) propde as criancas (de 6-7 anos) colocar em ordem crescente os numerais 38, 24, 49, 46 e 51. Depois que a solucao correta é escrita na lousa, ela pergunta: “Por que foram colocados 46 e 49?” (ela quer dizer: por que “antes” 46 e “depois” 49? E claro que pre- tende estimular a atencao sobre o fato que, apesar da igualdade do numero de dezenas, o nimero de unidades 6 precede 0 9. Mas 0 aluno A responde: “Porque de outra forma seria muito facil se tivessem sido dados apenas os outros nimeros”. A nao 236 Notas Capitulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposigao diddtica. responde a altura, da maneira esperada pela professora, mas procura interpretar a tarefa inicial, colocando-se no lugar da professora: por que inventou aquela situacao? A professora replica: “Nao é isto que te pergunto... [e voltando-se a toda a classe] E entéo?”. Responde B: “Porque 46 é menor que 49”, ao que a professora responde: “Muito bem!”. Situagdes desse tipo sao muito freqiientes na literatura e na pratica escolar: o estudante supera a pergunta direta, cuja resposta considera muito ébvia, e d4 um salto na direcao das intengGes didaticas do professor. Tudo isso pode ser dito a partir de um outro ponto de vista. Voltemos ao triangulo final de 7.2. e, em particular, ao lado que une os dois “vértices”: aluno e saber; vamos examiné-lo do ponto de vista da epistemologia da aprendizagem. Supo- nhamos aceitar a hipdtese de Piaget: todo conhecimento se constréi por meio de uma interagdo constante entre 0 sujeito que aprende e o objeto; os contetidos em jogo constituem a base a partir da qual se desenvolve a hierarquia das estruturas mentais. Mas, além disso, 0 didata coloca 0 foco no estudo das condigées nas quais se constitui o saber, para chegar a imple- mentacao da sua melhoria, do seu controle e da reproducao.4 O ambito que mais interessa é a situacao escolar, a aula. Entao é bvia a extrema importancia que assume a situacao e, em par- ticular, pelas modalidades com as quais o professor pode gerir tal situagao. Nos tltimos anos, os pesquisadores em Didatica da Matematica tém dado uma grande importancia aos estudos de Psicologia da Educagao sobre temas como: situacGes, gestéo das situagdes, contexto, cultura, comportamentos cognitivos dos alunos (Balacheff, 1990a). Trata-se de uma, digamos assim, dimensao social que serve de pano de fundo a qualquer estudo sobre os processos de ensino. em 8 4 Este também é um grande problema, sobre o qual néo vou me deter. Limito-me a dizer que Michéle Artigue caracterizou tais situagdes de reprodutibilidade, fornecendo caracterfsticas para as quais remeto a Artigue (1986b). Af também sao fornecidos instrumentos para a verificagao ea andlise com instrumentos estatfsticos. 7.3. A teoria das situacdes diddticas 237 A teoria das situacgdes didaticas de Brousseau é vista por alguns autores inclusive como uma iniciativa que vai nessa diregdo (Godino, 1991): f f Uma situacao didatica é um conjunto de relagdes explicitamente e/ou implicitamente estabelecidas entre um aluno ou um grupo de alunos, algum elemento do entorno (inclusive instrumentos ou materiais) e 0 professor, com a finalidade de permitir aos estudantes aprender — isto é, reconstruir — algum conhecimento. As situagGes sao especificas de tais conhecimentos”. E aqui voltamos a Brousseau: pode-se dizer que o aluno constréi o conhecimento somente se ele se interessa pessoal- mente pelo problema da resolucao do que lhe foi proposto por meio da situacao didatica: em tal caso, costuma-se dizer que se atingiu a devolucao por parte do aluno. Aqui surge a interessante metdfora do jogo de estratégia: existem varias estratégias, mas assim como no jogo, somente algumas delas conduzem 4 vit6ria, apenas algumas conduzem a descoberta da solucao do problema e, portanto, a construcao do conhecimento por parte do estudante. Assim como no jogo ha apostas que se quer ganhar, na situacao a aposta é 0 conhecimento. A aprendizagem se produz por meio da solugao de pro- blemas; é por isso que muitas vezes se diz que a teoria das situagdes é de cunho construtivista. Obviamente é crucial o papel do solucionador-jogador. Esse tipo de teoria, nao esquecamos, tem a Matematica como referéncia e, portanto, quando se fala de conhecimento, sempre esté subentendido que se trata de conhecimento ma- tematico; agora, o conhecimento matematico, como caracterfs- tica prépria, inclui conceitos, mas também sistemas de repre- sentacdo simbélica, processos de desenvolvimento e validacao de novas idéias. Eis porque se faz referéncia ndo a uma situagdo genérica, mas a varios tipos delas: e situacdes de acto e situacées de formulacio G6 G6 a Ee= G6 Capitulo 7. O triangulo: professor, aluno, saber. Transposi¢io diddtica. e situacées de validacao e situacées de institucionalizagao ja mencionadas em 2.3. Mas, na fase de devolucdo, na relacdo do ensino, cria-se um paradoxo que inclui os aspectos relativos ao contrato didatico, Se o professor diz aquilo que quer, néo pode obté-lo; (...) se [o aluno] aceita que, segundo o contrato, o professor lhe ensine os resultados, nao os estabelece ele préprio e, portanto, néo aprende a Matematica, nao se apropria dela. Se, ao contrario, recusa toda informagao por parte do professor, entdo a relacdo didatica 6 rompida. Aprender implica, para ele, aceitar a relagdo didatica considerando-a, porém, proviséria e esforcando-se em rejeité-la”. [(Brousseau, 1986) na traducdo de (Ferreri, Spagnolo, 1994)] Ou entao: Mais 0 professor (...) revela o que deseja, mais diz ao aluno precisa- mente o que deve fazer e mais arrisca perder as possibilidades de obter e constatar objetivamente a aprendizagem a qual, na realidade, deve mirar”. (Brousseau, Thése d’Etat, p.315, cit. por Sarrazy (1995)) Esse “paradoxo” da devolucfio faz par com o “paradoxo” da crenca: Creiam em mim, mas ndo creiam, aprendam a saber o que € saber (...) tenham confianga em mim para nao dever mais ter confianga em mim, mas na sua razao . (Clanché, 1994, p.224) Escreve Sarrazy: Esse sistema de paradoxos parece funcionar como uma armadilha na qual cairiam alguns estudantes — aqueles que, como por exemplo Gaél (veja 3.1), duvidam da pertinéncia de usar aqui e agora seu préprio entendimento. Assim também, para aprender, 0 aluno deve sublimar o mal-estar das incertezas ligadas as lacunas do seu saber, aceitando arriscar-se na busca dos meios titeis para esse dominio. Esse risco 6, ao mesmo tempo, o fundamento e a condi¢éo do funcionamento do processo de ensino-aprendizagem”. (Sarrazy, 1995) G6 7.3. A teoria das situagdes diddticas 239 Essa idéia de aprendizagem como risco pessoal, como com- promisso, como implicagao direta do aluno na aprendizagem é um pouco o fundamento em torno do qual gira toda a prepa- ragao que estou tentando descrever, e que se manifesta com a ruptura (desejada) do contrato. “A necessidade dessa ruptura poderia ser resumida com o seguinte aforismo: Acredite em mim, diz o professor ao aluno, ouse usar o seu proprio saber e vocé aprenderd” (Sarrazy, 1995). Como dizia, essas idéias que nascem da teoria das situacdes e da devolucao constituem motivo de grande interesse, nado apenas na Franga (Bessot, 1994), mas no mundo todo. Para aprofundar, sugiro a leitura de Brun e Conne (1990), especialmente as pAginas 262-269 (sao interessantes os exem- plos concretos); de Grenier (1996), a III parte, onde se faz uma anialise concreta de uma situacdo didatica especifica e de Perrin-Glorian (1994), principalmente pelo fato de que ai se traca uma verdadeira e prépria hist6ria da teoria, seu nasci- mento, desenvolvimento e perspectivas. Sera um pouco banal, mas ao final deste capitulo, lembro algumas frases relativas ao oficio do professor: Um professor, que deve ensinar durante cinco ou seis horas por dia, tem pouco tempo para refletir, para preparar material didatico, para experimentar abordagens alternativas ou para trabalhar com os colegas no projeto e na renovagéo de um programa coerente. Nao se pode pretender que seja um “profissional reflexivo” um professor ao qual falta um espaco para trabalhar, uma infra-estrutura adequada, dinheiro para comprar materiais e tempo a disposicao para trabalhar com os colegas e os estudantes. E importante que os administradores e os pesquisadores prestem mais atencao as motivagdes que conduzem os professores a se fecharem em si mesmos, a nao se aventurar em novas experiéncias e, portanto, a renunciar em dar outras explicacées, exercicios etc. Até que ponto os professores hoje sao sensiveis as dificuldades técnicas que sao verificadas ao se trabalhar em classes heterogéneas, pela falta de uma preparagaéo matematica suficiente, pela énfase, hoje colocada, sobre os objetivos estimaveis obtidos pelos alunos, pelo medo de serem considerados responsaveis pelo fracasso dos estudantes e assim por diante?”. (Howson, 1995)

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