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72 Fazer ciéncias em sala de aula Como despertar 0 processo investigativo Vale lembrar que, ao “lazer ciéncias” em sala de aula, as criangas nao memorizam algo Pronto, como sendo a verdade absoluta, mas acabam reelaborando concepgies & se convencendo de determinadas idetas explicagées possiveis, as quais sdo acessadas pela argumentagao. em criangas de seis a oito anos Como muitos professores, vocé j4 deve ter questionado aquela maneira clssica de ensinar ciéncias por meio de ati- vidades priticas, fazendo que as criangas sigam uma série de instrugSes, como se fosse uma receita, para chegar a de- ierminado resultado. Quantas vezes tera se perguntado: ‘Afi- nal, isso deve ou no ser feito?” Uma maneira produtiva de responder a essa questao é a seguinte: antes de tudo, analise se, ao realizar a atividade, os alunos esto tendo reais oportunidades de “fazer ciéncias” em sala de aula, E isso nao depende s6 do fato de eles esta- rem sentados na bancada de um laboratério de ciéncias. Na verdade, a escola nem precisa de um laboratério para que isso ocorra. “Fazer ciéncias” em sala de aula significa proporcionar diversas situagdes nas quais os alunos possam se portar como verdadeiros cientistas. Eles devem adotar procedimen- tos tipicos desses profissionais — como observar, tomar da- dos, fazer anotagdes e registros, analisd-los etc. - e desen- volver “habitos de mente” como a curlosidade, a criatividade, 0 rigor e a disciplina, para assim tentar vislumbrar como o conhecimento cientifico pode ser produzido. Ao longo deste capitulo, apresentaremos algumas situa- g6es didéticas e comentaremos de que modo elas podem ser conduzidas, a fim de permitir que as criangas realmente facam ciéncias em sala de aula. Além disso, vocé vai perce- ber que muitas das orientagdes a seguir podem ser incorpo- radas a vérias das atividades sugeridas nos demais capitu- los deste livro. Desafios para ensinar e aprender Quando vocé assume © compromis- so de fazer ciéncias em sala de aula, segue por um caminho mais associado a dividas do que a certezas. Os co- mentarios a seguir podem ajudar voce areflelir sobre essa questao e a enca- rar 0 desafio com mais tranquilidade. » Quando falamos em fazer ciéncias em sala de aula, estamos nos re- ferindo a um processo que deve ser feito pelas criangas, ou seja, cabe a vocé criar as condigées, desenvolver os recursos € fomen- tar a autonomia para que elas rea- lizem por si mesmas as atividades @ se engajem em processos inves- figativos. Voc8 nao deve realizar esse processo no lugar delas. Seu dosafio é evitar fornecer respostas prontas a todo moment, pois isso tira dos alunos a chance (@ 0 entu- siasmo) de buscé-las. hercincsen sia dele = Lembre-se de que, em ciéncias, existe uma diferenga entre obser- vagao ¢ inferéncia. O que obser vamos 6 algo que esta diretamente acessivel aos nossos sentidos ou por meio de instrumentos. O que inferimos, nao. As inferéncias en- volvem explicagdes, modelos ideias aplicadas sobre aquilo que observamos. Isso deve estar claro ‘em todo trabalho feito em sala de aula. O tempo todo fazemos obser vagées ¢ inferéncias e, muitas ve- zes, vocé constatard que os alunos tenderéio a tomar por observagoes © que s40, na verdade, inferéncias. = Quando fazemos ciéncias em sala de aula, convivemos sempre com @ ideta de que uma explicagdo cienti- fica pode ser concebida como um fruto da mente humana. Ou seja, 0 conhecimento cientifico n&o € algo que reside na natureza. E provisé- rio e pode mudar, pois os seres hu- manos muitas vezes alteram seus pensamentos. Isso certamente ge- ra impactos na nossa forma de en- sinar. Favorece que seja dado valor nao apenas ao conhecimento vi- gente, mas a procedimentos ¢ ha- bitos de mente dos cientisias. Marcolo Min/Arquivs da tora A observacao feita com regularidade e consténcia pode até permitir que vejamos as flores desses feijées! Propostas de atividade 1 Renove 0 trabalho com os pés de feljéio Para muitos Professores, as aulas de ciéncias n&o podem dispensar a atividade de semeadura de feijées, usando como base um pedago de algodao umido, Tradicionalmente, tem- “8 por objetivo apenas que as criancas observem o passo a Passo da germinacao. Mas essa atividade, com alguns pe- Guenos “toques”, pode aproximé-las do que seria, de fato, fazer ciéncias em sala de aula. Assim, convide os alunos a separarem mais de um gréo Para germinar. Sim, porque os cientistas costumam trabalhar nao com “uma?” semente, mas com uma “amostra” de sementes, para terem uma ideia mais exata do Processo que observam. Depois de germinados, os pés de feijao devem ser trans- feridos para vasos com terra ou Jardineiras, para poderem completar o desenvolvimento posterior & germinagaio, Os alu- Nos devem ajudar nessa tarefa importante, pois ela demons- tra uma agao comum entre os cientistas: eles podem alterar as condigdes em que fazem uma investigacao, na medida em que esta avanea, para continuar realizando as observagdes, Em sequida, convide as criancas a fazer observagies pe- riddicas do processo de desenvolvimento do feijao ao lon. 90 de varios dias. A ideia é que fagam como os cientistas: Foverctnetas em sale de aula sejam persistentes, mantenham 0 foco e dediquem mais tempo ao que, antes, se restringia a uma sé fase. Por fim, incentive as criangas a fazer desenhos daquilo que observam. Em outras palavras, esses desenhos funcio- nardo, na verdade, como registros — um tipico procedimento cientifico. Uma conversa pode ajudar os alunos a avaliar melhor a qualidade de um registro. Diga, por exemplo: “Ima- gine alguém de sua casa. Essa pessoa nao esta aqui vendo © que observamos, nem passou perto dos nossos feljdes. Vocé precisa, entao, produzir um bom registro, a ponto de ela conseguir ter uma boa ideia do que vocé observa”. |@ Nao abra a “caixa misteriosa” Outra atividade muito comum nas aulas de ciéncias é a da “caixa misteriosa’. Trata-se de uma caixa fechada, que guar da algo desconhecido em seu interior e tem uma pequena abertura pela qual sé pode ser introduzida uma das maos. Por meio do toque, 0 aluno que estiver manuseando 0 interior da caixa deve adivinhar o que esta ld dentro. Geralmente, depois que todos vivenciam a proposta, a caixa é aberta para que a classe possa saciar a curiosidade e verificar quem acertou 0 palpite. Essa atividade costuma ser explorada em aulas que se dedicam ao ensino-aprendizagem do tema “sentidos”. Vocé pode alterar a forma tradicional de aplicar essa ati- vidade para possibilitar que as criangas se aproximem do “fazer ciéncias” em sala de aula. A orientagao 40 abra a caixa, nem depois de todos ja a terem manipulado. Afinal, os cientistas muitas vezes nao tém acesso direto aquilo que es- tao estudando. Podem fazer observacées indiretas, elaborar alguns palpites e até arriscar testes, mas, no final, t8m de se conformar em apenas inferir algo, com base nas evidéncias que obtiveram. feonenecie eet eee Yeacteeclucre-taelcotit Peres ordie WaterspomeWual lesay leiroslnteerecucuns ony Wire (cue=taireunenetes kon (ean Ger a Rem eWonst coe) PICO eC Nene MIN ate-C ier cree ieee ee! Pode Me deo mec urtecMMues(in Coe Miu Meta! Pelee ecient one acl 25) 76 = @ revcooutisin Ouga um podcast do autor com mais reflexdes: relacionadas ao. “fazer ciéncias” em sala de aula. Por isso é importante tratar os palpites das criangas sobre © que existe dentro da caixa como “hipéteses a serem inves- tigadas”. Ou seja, até que se prove o contrario, um palpite deve ser considerado valido e merece ser investigado mais a fundo. Afinal, 6 assim que pensam e agem os cientistas. 3 Incentive a observagéio do efeito da luz solar na pele Algumas criangas costumam afirmar que nao precisam de protetor solar quando nao esto na praia. Essa afirmagao revela uma concepgdo comum entre elas: na cidade, longe da areia, sem roupa de banho, nao ha perigo de queimar a pele com a luz do sol. Porém, isso nao é compativel com a ideia cientifica a res- peito da questo. Como podemos, entao, convencer os alu- nos do contrario? A resposta mais imediata é: criando opor- tunidades para que eles facam ciéncias em sala de aula. Para comegar, j4 se tem um problema para investigar: “Se aparentemente néo nos queimamos com a luz do sol no dia a dia na cidade, por que o professor nos diz que sempre pre- cisamos de protetor solar?” Agora, vocé deve abordar o problema, o que no é facil para criangas de seis a oito anos. Sozinhas, elas podem no avangar na investigagao. Cabe a vocé orienté-las a dar 0 pré- ximo passo. Uma estratégia investigativa que pode ser suge- rida 6 convida-las a amarrar uma fitinha em um dos pulsos. ‘As criangas devem ficar com ela por cerca de uma semana. Depois, podem retira-las para observar 0 que aconteceu. E comum constatarem que hé uma marca clara no local onde havia a fita. Ou seja, a pele ficou menos queimada no local que estava pro- tegido da incidéncia direta dos raios solares. Sugira que os alunos registrem essa observa- a0 por meio de desenhos. Depois, abra um espago para discussGes: ‘A gente se queima ou n&o com a luz do sol, mesmo longe da praia?” Durante as discussGes, é importante que sejam explicitadas as evidéncias obtidas na investiga- ao e também deixar claro se essas evidéncias corroboram ou nao a ideia inicial dos alunos, ae sobre a dispensa do filtro solar na cidade. Marcelo Min/Aquve da ediora aver ciéncias em sata de aula Ea ‘|W Proponha uma atividade de medigao “Quando algo especifico é medido mais de uma vez (a sua altura, por exemplo, ou o comprimento de sua cama), 0 resulta- do obtido é sempre o mesmo?” Essa é uma pergunta que desa- fia o senso comum das criangas. “E logico”, algumas costumam dizer. “O tamanho nao vai mudar? Mas, em ciéncias, no pensa- mos exatamente assim. Diferentes tomadas de medidas de uma mesma coisa podem nos levar a dados diferentes. Esse 6 um assunto bem apropriado para séries mais avancadas. Porém, com criangas na faixa de seis a oito anos, baseando-se nessa mesma questo, é possivel sugerir algo factivel, que permitiré que elas facam ciéncias em sala de aula. Por exemplo, elas podem cronometrar a leitura de de- terminado texto e verificar se o tempo medido por diferentes colegas 6 sempre 0 mesmo. Parece uma tarefa inusitada, mas é também uma maneira de integrar a aula de ciéncias a de lingua portuguesa, Vocé pode ler em voz alta um texto pré-selecionado. Cada aluno mede o tempo de leitura do texto, seja com o proprio relégio, com um relégio cedido por vocé ou contando os se- gundos mentalmente. E importante que cada um anote em um papel seu nome, o dado obtido e o método utilizado para conseguir a informagao (0 proprio relégio, 0 cedido pelo pro- fessor ou a contagem mental). Sugira a elaboragao coletiva de uma grande tabela, no mu- ral ou na lousa, na qual sero registrados todos os dados ob- tidos. Sera interessante analisar esses dados com as criangas @ constatar que nem sempre serdo iguais, apesar de o fend- meno medido ter sido 0 mesmo. Em seguida, proponha um debate para analisar as diferengas observadas. O fato é que pequenas diferengas nos relégios utilizados, no momento exa- to em que esses reldgios foram ativados e desativados ou no método de tomada do dado (com reldgio ou por contagem mental) podem explicar as discrepancias nas medidas. esi ature Cree VOL Re al caet Norog ele Eo Re Memo antec Mtoe a1 Nesievigne Mone Neto eae Pel eimo ler eer Bea Wor Noes a ins Mere ate leReON uens leitura de diferentes textos, aproveltande pata variar também 0 leitor 77 EEE Ee MME) Fazer ciéncias em sala de aula = Durante a atividade de germinagao do feljdo, as criangas podem vir a constatar diferengas no desenvolvimento das varias plantinhas. Em uma amostra com, digamos, dez grdos, serd possivel observar algumas sementes que talvez nao germinem ou demorem muito a fazé-lo, Além disso, depois de um mesmo periodo, pode variar o tamanho das dife- rentes raizes germinadas, bem como 0 comprimento do caule ea quan- tidade das folhas. Incentive cada grupo de alunos a registrar essas ocorréncias e, em seguida, a compartilhar as informagées com os cole- gas de outros grupos. A sugestéo de nao abrir a caixa misteriosa pode até parecer um pouco antipatica, a principio. Lembre-se, porém, de que uma tatica como essa pode ser muito importante nas aulas, pois ajuda os alunos a realmente “fazer ciéncias”. E uma forma de levé-los a observar de maneira indireta, a fazer aproximagées e inferéncias com base em evidéncias. Pense nis- So ¢ tente aplicar esse mesmo principio a outras atividades no dia a dia. No caso da atividade com a medigao do tempo de leitura de um texto, vocé pode fazer varias perguntas aos alunos para ajudéd-los a analisar os dados. Veja alguns exemplos de perguntas, com base nas anota- 95es @ nos registros feitos pelos prdprios alunos (conforme o modelo de tabela abaixo): “Qual foi o ntimero mais registrado?"; “Quem regis- trou mais do que 31? Entre essas pessoas, alguém usava relégio?”: "O que seré que explica a diferenga entre os dados obtidos pela Ana e pelo Afonso?”; “E o que explica a diferenga entre os dados obtidos pela Ana e pela Beatriz?” Fazer cigncias em sala de aula = Durante o ano letivo, observe se os alunos realizam procedimentos como observar, fazer registros etc. por iniciativa propria e fora das aulas de ciéncias. Se isso ocorre, significa que eles esto comegando a se apropriar de procedimentos relacionados ao ato de “fazer ciéncias”. E um sinal de que aprendizagens esto ocorrendo. Da mesma forma, observe se as criangas comegam a fazer mais per- guntas, se elas se mostram mais curiosas sobre as coisas que acon- tecem durante as atividades. Se isso ocorte, significa que esto se apropriando de “hdbitos de mente” relacionados as ciéncias, tais como a curiosidade. Algum tempo depois de terem realizado a atividade da germinago dos pés de feijéio, proponha aos alunos que acompanhem o desenvolvimen- to de outra planta (pode ser um pé de trigo, de aveia ou de tomate, por exemplo). Repare particularmente se ha uma evolugéio em “habitos de mente” relacionados as ciéncias, tals como rigor e disciplina, os quais serdio necessarios para acompanhar o desenvolvimento dessas plantas durante certo periodo. i 2 5 Q : a: 79

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