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Colecgio MANRESA Auroconhecimento e Discernimento Cristo ‘Domingos Terra, $ J Espiritualidade Inaciana ~ 1 Semana de Estudos de Expritualidade Inaciana AAW Deus © 0 Homem segundo Santo Inécio ~ 2 Semane de E:tudos de Expiritualidade Inaciana AAW, Jesus Cristo na Espiritualidade Inaciana ~ 3+ Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AAW. A Trindade ma Espisitualidade Inaciana ~ 4* Semana de Estudos de Expirituaidade Inaciana AAV, Exercicios Espirituais de Libertagio Pessoal José Alves Martins, S.J. Ordenar a Vida ~ Exercicios Expirisuais de Santo Indcio de Loiole Dirio Pedroso, S. Manual do Peregrino ~ Ceminhando com os Exercicios Espirituais de Indio de Loyola 6nio Vaz Pinto, Si Sio Francisco Xavier ~ 450 Anos da sua morte (1552-2002) — 5 Semana de Exdos de Pxpirieualidade Inaciana AA. WV. Mistério Pascal © Mundo Contemporineo — 6* Semana de Estudos de Eppiriualidede Inaciana AA. WY. Companhia de Jesus: Ontem, Hoje, Amanha ~ 7* Semana de Estudos de Epiritualidade Inaciana AAW. rer na Fronteira: Habitar Novas Fronteiras ~ 8 Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. WY. Vontade de Deus, Caminhos de Felicidade ~ 9.¢ Semana de Extudos de Expritualidade Inaciana AAW, ODiscernimento dos Espiritos ~ Un Guia Inaciano para a Vida Quotidiana Vimothy M. Gallagher, O.MLY. A Oragio do Exame ~ Sabedoria Inaciana para as nowas Vidas no Tempo Presente Timothy M. Gallagher, O.MLY. TIMOTHY M. GALLAGHER, O.M.V. A ORACAO DO EXAME Sabedoria Inaciana para as nossas Vidas no Tempo Presente Com Prefacio de George Aschenbrenner, $.] Capitulo Um Descobrir o Exame De modo que o vi e fui atrds dele; ¢ alcancei-o e desejei-o. Epparece-me que é assim e é tal como deveria ser nesta vida. Juliana de Norwich Uma caminhada de trinta anos Ouvi falar do exame pela primeira vez ja é vio trinta anos, no inicio da minha formagao no scminario. Durante 0 novicia~ do, um ano dedicado em especial & formacio na vida espiricual, estudmos a nossa tradi¢io espiricual ¢ as diversas formas de oragio que nos oferece, tais como a meditagio das Escrituras, 4 oragio litdrgica ¢ a leitura espiritual. Entte estas formas de oragio estava 0 exame Aprendemos que existiam cinco passos na oragio do exame: agradecer a Deus pelas béngios recebidas no dia que terminava, pedira graca de ver e ultrapassar as nossas falhas, revero dia para observar a nossa experiéncia espiritual no decurso da jornada, buscar o perdio de Deus onde fosse necessirio ¢ depois planear espiritualmence para o dia seguinte. Os cineo passos pareciam estar bem ordenados, e conclus que esta oragio fazia sentido. Eu queria aprender a rezar. Desejava uma vida de oragio fiel € que se fosse intensificando. E, por conseguince, estava disposto a rezar o exame como parte da minha vida de oragio, 29 A Onapi do Exame Ainda assim, quando olho para trés, néo me consigo recordar que 0 exame tivesse exercido alguma influéncia notavel em mim naquele tempo. Embora eu 0 aceitasse, outras formas de oragio pareciam ser claramente mais importantes, especialmente a oragio com as Escrituras ¢ a oracio litirgica: a Missa e os Salmos da Li- turgia das Horas. Aceitei 0 exame como um elemento normal de uma vida fel de oragio. Nao considerei que fosse particularmente penoso nem especialmente importante na minha vida espiritual. Durante os anos passados no semindrio, lio famoso artigo do P.George Aschenbrennersobreo exame, o qual, tal como aconteceu muitos outros, me deixou impressionado'. Quando me recordo daqueles tempos, concluo que néo estava entio suficientemente preparado para perceber por completo aquilo que e Mas gostei do que tinha lido. O artigo apresentava uma visio atraente do exame como um auxilio para encontrar a Deus a0 longo do dia. O exame era, tal como afirmou o P. Aschenbrenner, «um intensivo exercicio didrio de discernimento na vida de uma pessoav®, Naqueles anos, o significado real do «discernimento» nha escrito, estava muito para li da minha formacio e experiéncia. Cat subitamente na conta de como o exame é util e mesmo cwencial na vida epiritua. Quatro anos mais tarde, fiz os Exercicios Espirituais inacia- nos. O retiro foi uma experiéncia de grande impacto. Aquelas semanas de oragéo frequente, guiado por um orientador de reti- ros, foram um periodo excepcional para aprender mais acerca da ' GEORGE ASCHENBRENNER, S.J, «Consciousness Examen» in Review for Religious 31 (1972), pp. 14-21. 2 Tbidem, p. 14. 30 Descobrir 0 Exame vida espiritual. © exame foi-me de novo apresentado. A oracio do exame parecia fazer sentido do ponto de vista espiritual. Es- tava disposto a rezéclo ¢ tentei de facto faré-lo. O exame con- tinuava a ser um elemento — mas ainda um elemento marginal = do conjunto da minha vida de oragio. Os meus anos de semindrio chegaram ao fim c iniciei a minha vida apostélica activa, A minha pritica do exame desenvolveu-se segundo um padréo que haveria de se manter durante muitos anos. Durante alguns meses, rezava 0 exame & noite, durante pelo menos alguns minutos. Depois, a certa altura e durante periodos de duragio variada, essa prética comegava a enfraque- cer. Por veres, levantava a questio do exame com 0 meu director spiritual, Por ocasiéo dos retiros, renovava geralmente a minha determinagéo de o rezar. Comegava de novo, ¢ 0 mesmo padrio voltava a repetir-se. Embora pudesse ter desejado uma prética do exame mais frutuosa, a vida era agitada e 0 exame nio cons- titufa uma preocupacdo das mais importantes. Quando fiz aquele primeiro retiro inaciano, apreciei imedia- tamente a riqueza dos Exercicios Espirituais. Durante os meus estudos, procurei aprender tudo o que era possivel acerca deles, assim continuei a fazer mais tarde. Nao muito tempo depois, pediram-me que orientasse retiros inacianos, ¢ os pedidos conti- nnuaram a chegar. Apercebi-me em pouco tempo que néo pode- ria aceitar tais compromissos de modo responsavel sem aprender ‘muito mais do que aquilo que eu sabia acerca do discernimento. Comecei a estudar com seriedade o discernimento inaciano. Al- ‘gum tempo depois, e com certas hesitacées, comecei a falar com 0s retirantes acerca do discernimento. A resposta impressionou-me. Parecia que os retirantes che- gavam 4 conclusio que Indcio explicava as prdprias experiéncias espirituais por que eles passavam ¢ que os seus conselhos prati- cos eram de imenso valor para 0 progresso espiritual. Pela pri- 31 A Onagéo do Exame meita ver, apercebi-me das potencialidades do ensinamento de Indcio acerca do discernimento: identificar, perceber € respon- der as diversas mogées espirituais dos nossos coragoes de uma forma que conduza firmemente para Deus na vida quotidiana. Vi como essas linhas de orientacao davam uma nova esperanga € uma nova liberdade aos retirantes. Encontrava-me com frequén- cia com pessoas que tinha orientado em retiros e que me diziam continuar a receber béngaos ¢ esperanca a partir do ensinamento de Inécio acerca do discernimento. Aconteceu entéo algo que para mim era inesperado quanto ao exame. Se, na realidade, o exame era, tal como o P. Aschenbrenner tinha escrito alguns anos antes, «um intensi- vo exercicio didrio de discernimento na vida de uma pessoa», cai subitamente na conta de como o exame é titil e mesmo essencial na vida espititual; era uma forma de trazer & vida quo- tidiana a energia espiritual do discernimento inaciano, que eu comprovava nas vidas dos retirantes. Pela primeira ver, senti ‘um interesse profundo pelo exame. Comecei a falar do exame nos retiros como a forma de viver 6 discernimento inaciano para lé do retiro, na vida quotidiana, Essas conversas acabaram por resultar em sessoes de formagio para grupos fora do contexto dos retiros. Mas eu nunca me sent completamente & vontade com 0 rumo que as coisas estavam a tomar, Embora eu falasse com convicsao e sinceridade acerca da importincia do exame, a sua pritica pessoal continuava a ser para mim uma luca. Eu desejava agora de verdade rezar 0 exame ¢ ansiava pelos futos que ele parecia prometer ~ uma crescente percepsio didria da presenga de Deus ea comunhao com Ele. E, na realidade, algo estava a mudar, De modo geral, eu dedicava ao exame alguns mi- nutes, por vezes um perfodo mais longo, no final do dia. O que tinha mudado fora a descoberta que eu tinha feito do primeiro 32 Descobrir o Bxame passo do exame: buscar pelos dons do Senhor durante o dia ¢ depois reconhecer-me grato por eles. Descobri que era capaz de 6 fazer, ¢ que isso tinha um resultado positivo. Reconhecer, no final do dia, os dons que Deus me tinha oferecido ao longo do dia, deixava geralmente o meu coragao mais eve. Pouco a pouco, descobri que podia também rezar 0 quinto asso, olhando para o dia seguinte planeando com o Senhor como é que 0 poderia viver. Comecei a julgar que isto me aju- dava, especialmente quando tinha necessidade de estruturar 0 dia que se seguia, © quinto ponto deu-me uma maior clareza em relagio ao que o Senhor parecia querer de mim e ao modo de organizar as minhas prioridades ¢ © meu tempo para que o dia seguinte fosse de encontto a esse desejo. No entanto, evitava frequentemente os trés pontos intermédios: pedir luz € forca, rever o dia e procurar 0 perdao, Havia progresso, mas algo estava ainda a faltar na minha pratica do exame. ‘A fidelidade didria a0 exame continuava a ser um desafio cexigente, ainda que eu ensinasse com entusiasmo a outros acer- cada sua importincia, A certa altura, depois de rever mais uma vex esta situacéo num retiro, pedi ao meu director espiritual se poderiamos falar acerca do exame nos nossos encontros men- sais. Durante aguele ano, ¢ ainda depois, foi o que fizemos. Eu ia progressivamente aprendendo algo mais acerca do exame, algo que julgo agora ser determinante: precisamos de alguém ou de outros que caminhem conosco espiritualmente na ora- cao do exame. Esta era a situagao a que cu tinha chegado com respeito a0 exame: uma compreensio mais profunda da sua riqueza espiri- tual, um desejo real de o praticar, algum progresso em rezé-lo — mas estava ainda confrontado com muitas das mesmas ancigas lucas. Sentia uma distancia entre o que dizia aos outros € aquilo que eu de facto experimentava, 33 A Orapio do Exame Naqueles anos, encontrei um homem que eu sabia estar a rezar 0 exame com fidelidade e com intensidade espiricual. Ele parecia préximo de Deus, ¢ a autenticidade da sua vida de ser- vigo estava para ld de qualquer divi seu exemplo, que me mostrava que uma pritica frutuosa do exa- me era realmente possivel. Ainda assim, ele surgia-me com uma rara excepsio em relacéo as lutas mais comuns travadas com 0 cecame. Para a maioria de nés, julgava eu, era possivel algum pro- sresso com o exame; no entanto, a profunda comunhéo diéria com Deus deste homem por meio da oragao do exame parecia estar fora do alcance. la. Continuava a remoer 0 ‘Mas havia uma outra coi que por vezes acontecia. Em cet tas alturas, quando nio estava & procura dele, era 0 exame que, num certo sentido, «me encontravay. Esses momentos eram ssimplesmente dons da graga de Deus, Uma religiosa que tinha deixado de rezar o exame escreve: «f: interessante que ha alguns anos comecei a cair na conta de que, todas as noites, eu fazia uma revisio informal do dia, revisitando-o com Deus. O exame encontrou-me! E isto diz-me que 0 exame é um elemento inte- gral de crescimento na vida espiritualy. Ela tem razio. Certa noite, fui a uma celebracéo de cinticos ¢ oragées ‘numa capela universitaria. Alguns amigos tinham insistido co- rmigo para que fosse, o que fiz, em parte para Ihes agradar, ¢ em parte por curiosidade. Aquela noite de oracéo veio num ‘momento particularmente sombrio da minha vida. Naquele tempo, desempenhava uma fungio de responsabilidade, e 0 meu trabalho estava a correr bem, Mas comegava a ficar inte- riormente seco. A factura de energias a pagar tinha sido ele- vada, ¢ eu nao sabia como vencer a exaustao, depressio ¢ de- solagéo espiricual que sentia com demasiada frequéncia. Este peso fisico e interior tinha vindo a agravar-se durante varios anos e, mais do que eu me apercebera, encontrava-me & beira 34 Descobrir 0 Bxame do colapso. Contudo, eu tinha consciéncia de estar em graves dificuldades. Tinha tentado todos os meios que conhecia para enfrentar a escuridio fisica, emocional ¢ espiritual - exercicio mais frequente, oracao prolongada, tempos de descanso longe do trabalho ~ e nao conseguira encontrar uma saida, Entrimos na capela da universidade. Estava repleta com seiscentas ou setecentas pessoas, a maioria estudantes, senta- dos, de pé, transbordando por todos os cantos da igreja ¢ até 20 Atrio. A celehragin prolongou-se durante duas horas ¢ meia Senti-me rapidamente tocado pelo testemunho da oragio sin- cera e profunda de muitos dos que se encontravam na igreja. O seu sentido de oragao era contagiante, e nao pude evitar come- ar também a rezar. Duas horas e meia é um longo perfodo quando, subitamen- te, ndo estamos empenhados em dar resposta a um problema utgente, nfo estamos a trabalhar intensamente na tarefa que nos toca, ou a atender uma chamada telefénica, a escrever ao com- putador, envolvidos numa conversa ou a preparar com muita pressio o préximo compromisso, Pela primeira vez em muito tempo, eu tinha simplesmente sido levado a parar. A medida que as horas passavam naquela igreja sobrelotada, néo tinha al- ternativa senao entregar-me & ora¢do que me envolvia. Estava muito apertado no meio de tanta gente que me ro- deava ¢, a0 mesmo tempo, profundamente s6 com 0 Senhor. Pedi ao Senhor que me ajudasse, que me desse luz para que eu pudesse ver e forca para agir. E, durante aquele tempo, vi na realidade, pela primeira vez. e com grande clareza, a naturcza da situagéo em que me encontrava. Eu tinha de enfrentar a minha incapacidade para resolver as minhas lutas. Vi também com nitidez 0s passos que tinha de dar para que se operasse uma mudanga, O ponto mais fundamental era a necessidade que eu tinha de deixar que me ajudassem. Precisava de me 35 A Onaséo do Exame abrir com determinadas pessoas, pessoas competentes e sibias que me conheciam ¢ sabiam aquilo por que eu estava a passar, ¢ permitir que elas me conduzissem. ‘Ao regressar a casa, dirigi- com 0 meu didtio na mio, ¢ escrevi o que tinha percebido du- rante a celebracio. No dia seguinte, comecei a pé-lo em pritica. Aquela noite de graca foi para mim, de muitas formas, um pon- 1¢ A capela, Fiquei ali sentado, to de viragem, ¢ a minha gratidio por isso tem vindo a crescer 4 medida que passam os anos. Julgo agora que aquele dom da graca, € tudo 0 que daf resultou, cocou a razao mais profunda da resisténcia que eu ainda alimentava em relagao ao exame. Creio que 0 exame se torna mais profundamente possivel quando eu aceito a minha prépria incapacidade e a minha necessidade de me deixar conduzit pelo Senhor. Entio, ¢ com muita intensi- dade, eu desejo ver e seguir todos os dias 0 caminho a que sou condurido; entio sei que tenho necessidade de uma oragio didtia do exame que me ajude a ver esse caminho. Aquela noite foi um tempo em que o exame «me encon- trou», Aquelas duas horas ¢ meia corresponderam a uma oracio do exame. Tendo em conta 0 que seri explorado no resto deste livro, vou descrever aquela noite de acordo com os cinco passos do exame inaciano, aqueles passos que eu aprendera tantos anos antes sem captar plenamente a sua riqueza. Enquanto rezava na capela universitéria, pedi ao Senhor que me desse luz ¢ forca (passo dois). Revi em oragio a situagio em que me encontrava naquele momento e as correspondentes mogoes do meu coracio (passo t1és). Planeei com o Senhor os passos a dar no dia seguinte (passo cinco). A gratidao (passo uum) estava jé presente na paz inicial que veio com a clareza. Essa gratidao tem crescido em mim & medida que olho para tris, para aquela noite, agora com a consciéncia das muitas béngios que 36 Descobrir 0 Exame dali resultaram. O quarto passo (perdio) néo se encontrava na minha mente e no meu coragio naquela noite, Talvez fosse ain- da demasiado cedo, Provavelmente, pelo menos em parte, ainda me debatia com a questio de aceitar 0 perdo amoroso de Deus como um abrago cheio de respeito e que nos restaura, em vez deo considerar como mais um fracasso, como muito facilmente poderia acontecer. ‘As experiéncias deste géncro também me ensinam que o cxa- me é um dom de Deus, que é realmente obra da gragae no um mero fruto do esforco humano. Ensinam-me ainda que o exame é autenticamente onagéo, algo que pedimos a Deus que realize, ¢ io uma realizagio humana A medida que 0 tempo passa, vejo com cada ver maior cl reza por que & que Inécio recomenda 0 exame diério com tan- ta insisténcia, O exame é a forma como nos podemos mostrar habitualmente disponiveis para Deus, para que a luz € 0 amor jvinos possam iluminar a nossa escuridao ¢ mostrar 0 para 0 crescimento espiritual. Muito pode mudar quando me encontro pronto a ouvir todos os dias a vor. de Deus por meio deste instrumento. O desejo mais profiundo do coragao humano Apercebo-me também por que € que esta forma especifica de oracio tem tanto valor. E certo que 0 exame nao resulta de modo isolado, enquanto forma de oragio. O desejo do exame brota de um desejo mais profundo. Esse desejo mais funda- mental expressa-se, por exemplo, nas palavras de Juliana de Norwich citadas no inicio deste capitulo e repete-se ao longo das Escrituras: 37 A Oragio do Exame © Deus, Tu és meu Deus! Anseio por Til ‘A minha alma tem sede de Ti. 5163,1° O desejo afectuoso de uma comunhio de vida com 0 Deus ‘que nos ama é 0 desejo que esta na origem. A oracao com as Es- crituras, a oragao livdrgica, a leitura espiricual e as outras formas de oragao alimentam este desejo. Mas a ora¢io do exame é a busca especifica, em: cada dia, para encontrar onde é que o amor de Deus esté activo no dia em questo, ¢ em que direcgto & que Deus me estd hoje a conduzir; para discernir aquilo que dentro de mim pode estar a resist a deixar-se conduzir e para descobrit co crescimento a que Deus me est4 a chamar no dia que se segue, para que este desejo profundo possa ser progressivamente reali- zado, Nao hé nada na vida spiritual que possa substituir uma oragio que busca esta percep¢io do modo como Deus dirige quotidianamente as nossas vidas. Uma mulher revelou-me uma pritica de oragio que tinha iniciado aos cinco anos de idade. Ninguém Ihe ensinou a fa- zé-las ela simplesmente a comecou de sua prépria iniciativa. Deus ¢ o amor de Deus por ela eram algo de muito real. To- das as notes, antes de ir para a cama, ajoelhava-se 4 janela do quarto ¢ rezava um Pai-Nosso. A seguir, escolhia um deter- minado ensinamento, algo que a mie lhe tivesse dito durante o dia — por exemplo, «evita falar mal dos outros». E, entio, perguntava a Deus: «Sera que fiz isso hoje?». Se visse que néo tinha falado mal dos outros naquele dia, ficava contente. Se descobrisse que de facto o tinha feito, ficava triste e pedia a Deus que a perdoasse. Terminava assim 0 dia, com 0 seu cora- * sublinhado foi acrescentado, 38 Desobrir 0 Exame 40 em intima comunhio com Deus, cujo amor ela conhecia com tamanha certeza, Esta mulher recorda-se de certo dia em que tinha ido correr a0 ar livre juntamente com os amigos. Uma rapariga nao conse- guiu acompanhar o ritmo dos outros, que a deixaram para tris. Ela tinha visto como o rosto da moga se enchera de tristeza. E tefere: «Quando rezei& janela naquela noice, Deus disse me que nunca deveriamos usar a nossa forga ¢ os mossos talentos para Magoar os outros, mas sempre para os audar. Nunca veio a esquecer 0 que Deus Ihe disse naquela noite. Ainda hoje, quan- do fala do assunto, a recordagio do cpisédio e o desejo de viver aquela palavra de Deus a emocionam até as Ligrimas. Aquela pritica nocturna de oracéo, afirma, era natural, es- pontanea ¢ genuina. Era um simples conversar com o Senhor. Rezou daquela forma todas as noites da sta vida até aos vinte tal anos. E, jd entrada na casa dos trinta, quando ouviu falar pela primeira vez da espititualidade inaciana e do exame, disse para si prépria: «Senhor, isto é um voltar a casa. Tenho feito isto mesmo durante toda a minha vida, descle que era uma crianga de cinco anos de idade. A palavra “exame” no passa de um 16- tulo para algo que eu sempre tenho feito O exame tinha também «encontrado» esta mulher Julgo que o exame nos encontra porque, sempre que um co- racio clama « Deus, Tu és 0 meu Deus! / Anseio por Ti! / A minha alma tem sede de Tir, este desejo profundo desperta um outro desejo: 0 desejo de escutar a vox. de Deus ao longo do dia ¢ de responder tio plenamente quanto as nossas forcas, almas mentes forem capazes (Me 12, 30). Um coragao assim quer per- manecer em atitude de evigia» (Mr 25, 13), deseja estar sempre atento e alerta (Mc 13, 33) para discernir a vinda do Senhora quem ama, Um coragio assim deseja encontrar 0 Deus que é Emanuel (Mr 1, 23), que esta sempre connosco, hora a hora, 39 = A Onapio do Exame todos os dias das nossas vidas (Mt 28, 20). Um coragio assim anseia pela oragdo que Indcio, na nossa tradigo espiritual, ape- lida de exame. Neste ponto, tal como em muitos outros, Inacio expressa € reveste de uma formulagio pritica um desejo jé presente nos nossos coragées. Embora, por vezes, 0 grito deste desejo se pos- sa encontrar quase soterrado sob 0 peso das ocupagdes € dos encargos, ele permanece sempre vivo no mais profundo de nds mesmos. Quando esse desejo nfo é realizado, os nossos cora- ges sabem que falta algo de muito importante; cles anseiam por algo de mais profundo e por uma comunhao mais intima na vida quotidiana. Em ultima andlise, todos 0s coragées hu- manos clamam: «Anseio por Til / A minha alma tem sede de Tiv. Ao apresentar 0 esbogo da oragéo do exame, Inicio est simplesmente a articular algo que os nossos coragées desejam, algo que, talvez de um modo menos consciente e menos con- sistente, eles ja fazem: a busca, na riqueza, confusio, alegria, ansiedade, esperanga, dor, medo e encanto da vida quoti jana, do Deus que, apenas ele, pode satisfazer plenamente os anseios humanos. O exame inaciano é simplesmente um meio, um ins- trumento de maravilhosa eficécia para realizar esse desejo em cada dia que passa. Aprender acerca do exame Enquanto escrevia este livro, encontrei-me com diversas pes- soas que me descreveram a sua experiéncia pessoal do exame. Ind ‘encontrar essas pessoas nas paginas deste livro. Ha aqui pessoas de todas as vocagbes:leigos, mulheres religiosas, padres ¢ casa Sinto-me profundamente grato a cada uma delas, pois me ensi- naram muito acerca do exame. 40 Descobrir 0 Exame Aptendi com estas pessoas como estava errado a0 pensar gue poucos realmente rezam 0 exame com fidelidade e obten- do resultados * Uma mulher casada contou como tem rezado o exame des- de ha cinquenta anos, * Uma outra, mde de quatro filhos, falou de 0 rezar regular- mente desde que ouviu falar dele pela primeira ver, hi dezas- sete anos. + Um médico relarou os seus esforcos para rezar 0 exame due rante os tiltimos vinte ¢ trés anos. + Um casal descreveu a sua pritica, desde o dia do seu casa- mento, de rezarem juntos o exame todas as noites. + Padres e religisos referem simplesmente os seus muitos anos de oragio fiel do exame Por vezes, as minhas questées relativas a uma tal fidelidade despertavam até uma certa surpresa; esta oracao didria do exame parecia simplesmente ser, para estas pessoas, um dado espititual adquirido na oragéo diéria. Esta prética era considerada como normal ¢ habitual, ¢ estas pessoas nem sequer conseguiam con- ceber a vida sem o exame distio. ‘Aprendi também com estas pessoas figis que eu nfo estava 36 na minha prépria mescla de desejo e de luta com 0 exame. Algumas delas tiveram de se esforcar muito para chegar de todo a rezar 0 exame, Para outras, o exame pareceu set de inicio algo estranho e somente mais tarde vieram a descobrir o seu caminho pessoal com esta oraglo. Pata outras ainda, o exame tocou em 4 A Onagto do Exame feridas muito profundas; s6 quando teve inicio a cura é que a sua prética do exame se encheu de mais esperanga ¢ sc intensi- ficou. Ha quem tenha rezado fielmente 0 exame durante anos desejando fazé-lo com uma maior profundidade, mas sem ter a certeza de como o alcangar. Iremos abordar neste livro essas Jutas: as suas causas,o seu significado na providéncia amorosa de Deus para as nossas vidas ¢ os passos que ajudam a resolvé-las Chego a concluséo de que, quando sou fil a esta prética, entram na minha vida muitas béngaos © exame ainda nao é algo totalmente ficil para mim. Tenho experimentado a necessidade do estimulo de ensinar acerca do exame ¢, mais ainda, de escrever acerca dele, para me obrigar a «render-me» mais plenamente a ele. Com muita frequéncia, quando chega 0 momento do exame, é ainda com dificulda- de que interrompo a minha actividade para rever 0 dia com 0 Senhor. Por vezes, espero demais, ¢ 0 cansago torna a oracéo dificil, De um modo ainda mais profundo, ainda resisto, com demasiada frequéncia, 20 apelo a abandonar 0 conttolo sobre a minha vida e a permitir que o Senhor me conduza. Seré que es- tas lutas iro continuar? Se o pasado oferecer alguma indicagio para o futuro, provavelmente esse serd 0 caso, Mas algo mudou. Por meio da graga de estudas, ensinar ¢ escrever acerca do exame, ¢, acima de tudo, por meio do tes- temunho de outras pessoas que se lhe entregam com tamanha fidelidade, eu agora sei, como néo o sabia ha trinta anos, que 0 exame nio é algo marginal na vida de oracéo. Compreendo agora a Deicobriv 0 Exame melhor a razéo pela qual o proprio Indcio 0 rezava tio fielmente € o considerava mesmo como o principal «exercicio espiritualy. Sei que Inicio tem muito para me ensinar por via da sua experiéncia pessoal e dos seus escritos acerca do exame. Sei que ele me pode ajudar a crescer nesta oragio da atencio espiritual, que, para lé de todas as minhas resisténcias, eu realmente desejo. ‘Chego & conclusio de que, quando sou fiel a esta pritica, entram na minha vida muitas béngios. O paralelo estabelecido por Indcio entre os exercicios fisicos espirituais é real (EE, 1) Quando pratico exercicio de modo regular, passo a desejar este exercicio fisico, e sinto a sua auséncia quando 0 omito. Algo de semelhante sucede com 0 exame. Quanto mais fielmente 0 rezo, tanto mais 0 desejo e mais sinto a sua falta quando estou demasiado «ocupado» ou demasiado «cansado» para o rezar. Quando rezo 0 exame com fidelidade, os tempos desta oragio passam a ser momentos de paz num dia agitado. Eles ligam-se a outros tempos de oragéo «, embora eu esteja tio frequentemente distraido, passa a ser mais ficil estar com o Senhor 20 longo do dia. Por meio da oragéo do exame, torno-me mais desperto para co continuo dar-se do Senhos, de tantas formas, ao longo do dia. Pouco a pouco, os dons recebidos comegam a falar-me de um amor muito real por detris dessa oferta. ‘Comego a dar-me conta de «pequenas» coisas que tém im- portincia, Apercebo-me, por exemplo, que um esforgo por me aproximar de uma determinada pessoa me elevou 0 coragio. En- ho longo dese ivr, oF Hxerccis Exprituais de Inicio so abreviados como EE. A tradugfo das ctagées dos Exerccios Espirituais € do proprio autor (No original em inglés ~ Nota do aduor) 2 partir da verso primitiva espankolsintcalads Aur6grafae publicada com autoridade em Monunnenta Historica Socetats Jv, vol. 100, pp. 140-416. [A nossa versio em portgués dda obra de. Gallagher fa uso da tradugio do aurdgrafo espanhol dos Exe cicies Eipirsuairproposta por Vital Cordeiro Dias Pereira, S.J. (3 ed. Braga, Livraria AL, 1999) ~ Nota do radutor. 4“ A Onaga do Exame quanto me recordo dessa experiéncia e a revejo, descubro, para minha surpresa, que sinto agora menos resisténcia a essa pessoa do que antes acontecia, Tendo chegado a esta conclusio, posso planear fazer 0 mesmo de novo com essa pessoa e com outras, se © Senhor me der coragem. A minha percepgao espit bew algo de novo por via da oracéo do exame. Noto agora mais rapidamente quando me encontro ansioso ou a exigir demasiado de mim mesmo e, a0 partilhié-lo com 0 tual rece- Senhor no exame, peso luz e forca para crescer. Este crescimento nem sempre é fécil... Aprendo ainda acerca da minha vida de oragio em geral, acerca de habitos que me ajudam a rezar e de outros que néo me ajudam. Posso entao procurar fazer ajusta- ‘mentos que sejam espiritualmente saudaveis. Por fim, sei que 0 pouco que aprendi acerca do exame € como aquele primeizo ¢ hesitante passo através de uma porta que se abre para um campo de beleza espiricual que se expande sem fim. Sei que hé outros passos possiveis na direcgio dessa beleza, se eu continuar a permitir que o Senhor me conduza. Sei que Indcio caminhou nessa direcgio. Ele entrou pela por- ta do exame diario, fiel ¢ repetido, ¢ penetrou muito profun- damente nessa beleza espiritual, encontrando a Deus em todas as coisas. E ele, de um modo tinico na nossa tradi¢éo espiritual, descreveu o caminho: a oragéo do exame. Através das paginas deste livro, caminharemos para li com Inicio. Iremos escutar enquanto cle partilha a sua prépria ex- periéncia ¢ depois o seu ensinamento a propésito da oragio do exame. Essa experiéncia ¢ esse ensinamento podem também abrir-nos aquela porta espiritual. O Deus que nés buscamos, ¢ pelo qual 2 nossa lina esté sedenta, chama-nios a atravessar essa porta e espera ai por nds com o dom da percepgio espiritual ¢ 0 abrago do amor divino. 44 Capitulo Dois Um Dia com Inacio Cada manha desperta os meus ouvides, para que ew aprenda como os disciples Tsaias 50, 4 Um crescimento gradual ‘Daremos inicio 4 nossa consideragao do exame acompanhan- do Inacio na sua propria experiéncia quotidiana desta oracao. Caminharemos com ele ao longo das horas de um certo dia, tal como ele o descreve no seu Didrio Expiritual pessoal. O dia que iremos rever, 12 de Margo de 1544, mostra-nos Indcio aos cinquenta ¢ trés anos de idade, hé ja muito tempo entregue a0 servigo fiel do Deus que ele ama. Naquela fase da sua vida, a graca de Deus e os préprios esforgos de Inicio, inspirados pela grasa, desenvolveram nele uma sensibilidade delicadamente sin- imo. Tal como iremos tonizada com as acces de Deus no se ver, Inicio esté vigorosamente consciente, hora a hora, do modo como Deus 0 conduz e da resposta que ele Lhe dé, buscando constantemente segui-Lo de todo o seu corago e com todas as suas forgas (Me 22, 37). ‘Mas Inacio nem sempre agiu assim. A sua profunda sensibili- dade aos impulsos de Deus s6 com o tempo se foi desenvolven- do. Tal como a sua Ausobiografia revela, embora 0 seu coracio se 45

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