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JAAN VALSINER FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA CULTURAL MUANDOS DA MENTE MUADOS DA VIDA ‘Tradugao, consultoria e supervisao desta edigio: ‘Ana Cecilia de Sousa Bastos Professora Associada (aposentada) do Instituto de Psicologia da UFBa. Professora da UCSAL. Pesquisadora I-D do CNPq, Participa dos Programas de Pos-Graduagio em Psicologia, em Satide Coletiva (UFBa) e em Familia e Sociedade Contemporanea (UCSAL). 2012 Ke Senhor, o que significa a palavra “cultu. ra"? Cultivar? B: E baseada em “cultivar”, Cultivar ¢ “fazer crescer”. Portanto, de- signamos como cultura aquilo que cres- t, aquilo que € capaz de crescimento. Que beneficios traz a cultura? Ciéncia, arte, musica, literatura e tecno- Jogi, Cada cultura tem uma determinada tecnologia com a qual aborda a realidade determinados métodos tém sido desen volvidos para viver, para fazer com que as coisas eres "am, para fabricar coisas. O pensamento criou a cultura? Sim, na turalmente. B: Algumas culturas parecem ser necessi- rias para o homem sobreviver Fico imaginando se isso € mesmo neces. sitio, Talver ndo seja; mas, pelo menos, parece ser, (Krishnamurti e Bohm, 1999, p. 85) Ouso do termo cultura tem sido dificil ao longo da histéria das sociedades humanas, to no discurso cotidiano como no cien tifico, Be. Natural das coisas, No que se refere 8 aspectos ou As propriedades dos obje- NO processo de seu desenvolvimento, sejam tais ob- 408 plantas, animais domésticos ou crian- APROXIMAGOES A CULTU BASES SEMIOTICAS DA. Nut ¢as. 0 mundo total dos seres humanos é um mundo cultivado, no qual os recursos naturais ~ nossos, ou de nosso ambiente — sio transformados no mundo significativo dos objetos. Alguns desses objetos passam a ser trocados como servigos; outros alcan- am o status de pertences personalizados ¢ sagrados, nao permutavels (GGG. Por exemplo: carros perdem va- lor & medida que transcorre o tempo, até que, transcorridos uns trinta anosspassem a pertencer & categoria de “carros antigos’ tendo seu valor acrescido entio ano a ano (Kopytoff, 1986, p. 80). O mesmo se aplica ao mobilidrio ¢ a outros-objetos domésticos de cardter duravel' ~ mas em uma outra es- cala de tempo. Atribuigdes similares de valor so fre- quentemente aplicadas a seres humanos e se tornam simbolos capazes de regular os rela- cionamentos sociais de outras pessoas. Em. paralelo assungao de novos papéis sociais, A medida que avangam em idade — processo que ocorre de modo diverso em diferentes regides do mundo ~as pessoas podem adqui- rir maior valor social, na condigio de “pes- soas sbias", ¢ podem merecer maior erédito quanto se trata de tomar decisoes complexas, ‘Tal modelo cultural valoriza a acumulagdo de experiéncia ao longo da vida das pessoas, Se ‘esse foo indo € considerado relevante, agdes sociais podem privilegiar © valor dos mais jovens inexperientes, em detrimento das pessoas mais velhas. Em diversas institui- (ges sociais, as pessoas mais velhas podem sser obrigadas a se aposentar, tornando seu valor social restrito aos circules familiares: & © caso, por exemplo, dos aves amorosos. Por ‘veres, 0 valor dé seres humanos se expressa em termos monetérios. Os montantes pagos a escravos, executivos, atlelas profissionai advogados, doutores ou intelectuais, quan- do publicamente conhecidos, s30 exemplos da criagio coletiva de valor para o cultivo de imagens ligadas a0 papel social? Em sintese, 0 cultivo tem varias linhas temporais e areas sobre as quais recai seu fo00. Todos os papéis humanos socialmente diferenciados s40 cultivados. De que modos {al cultivo tem lugar nas relagées huma- nas? Note-se que 0 substantivo ‘cultura’ no carrega as fungies que suas extensdes ver- ais ~ ‘cultivar’ ou ‘cultuar’* — podem ter. “Adkenouy crucial no discurso psicol6Rico so- bye cultura reside entre trati-la como uma entidacle existente (p, ex: “cultura é X") ou como um processo de vir a ser (p. ex.: “cul- dGuvameonduaeanKs Ao longo de todo este livro, a —__] # prooessual do dentro de-sistemas sicologicos humanos ~~ (QUEERS (sentir, pensar, agir), quamipamiemessoaigy consiuta em relagdo antoutmossarestummancs). VALORES E. CULTURA. Bm seu usp mais camum, cultura tem sido um terme imbuide de valor. 0 contraste en- *R. de T) “To cultivate” ou “to culture” no original corm ngs. | tre tribos “ac, : ulturadas” ¢ = Pandiu no discurse ie Semi > : | RoFmas socias contempoee EGue gee | cel | | nsurd-lo, Além disso, ge cultura elevada e “poucy ot Mite uilizades para indicar extra Bg entro de uma unidade socy yi ca com oapelo da “cultura elevady tng frequentemente, a enfatiza terdera fagos com pessoas que ndy on 8 Pt “cultas”, discriminando Ae Totulamns & as quais podemos mostrar algum tipo de atitude denreaaene ‘ a sob a mascara da igualdade soci A nogio de cultura te t6 eet ta longa Gria No pensamento social (ver ~ ensiva revisio elaborada por ‘hoist Na psicologia, no presente estado ey € usada em varies sentides, Em um prime Fo sentido, para designar algum gro d Pessoas que esto reunidas gragas a alguny caracteristicas partilhadas. Assim, os Notus ueses “estiio reunidos” porque se supie qu partilham uma linguagem comum, acon tecendo também serem cidaddos Uo meine pais. Os galeses “esto reunidos” porque, tilham a heranga comum da linguagany » masica € a regido das [has Britinicas one vivem. Os Bascos ou Curdos “esto juntor devido a sua linguagem e a seus costumes partilhados, mas nao quando se toms fo base os territdrios nos quais vive (om nga; € Traque, Turqula, Sra é nha ou Franga; € fraque, ee . : A fndia apres fra, respectivamente). a quebra-cabegas mais critco qvando #1) delinear “a cultura indiana’, dads» Jinguagens faladas dentro de sui ae como estado (Chaudhary, 2004), d is o pais (al a alt mes 0 lente Mem quenos reinos nos am sua historia pré-colOne’ iy ast ysequer mencionar 2 egret como ‘Aquilo que se poderia ae" cultura indiana” permanece: ristério. Em nossa conversaedo cotidiana, faturalmente, 0 uso de rdtulos gerais como vq cultura de tal pais” fornece aos falantes uma certa economia cognitiva, emboraa uti- jidade analitica de tais rotulos possa ser legi- timamente questionada. pessoa e cultura: trés formas de relacoes Nos exemplos citados, pessoas individuais spertencem a” cultura, Essa forma de fa- rer sentido de pessoa e cultura ~ RESSOR — denota simulta- neamente a comunalidade de tal pertenci- mento (0 papel descritivo ou classificatério do uso do termo) e algum sistema causal, usualmente nao especificado, que garante a relativa similaridade de todas as pessoas que ‘pertencem a” uma dada cultura, Este sig- nificado prevalece no ambito da psicologia transcultural ‘Acullura tem sido também tratada como um organizador inerente, sistémico, dos sis- temas psicolégicos de pessoas individuais. yun, APCULPURA PERTENCE:A:PESSOA, ‘Forramentas’culturais’sao trazidas:para:os, uBeulturalmente guiadas:-Nesse sentido; a> cultura “pertence a” cada pessoa individual- mente (Boesch, 1991, 2000, 2002a, 2002b; 2005 ~ver Capitulo 5) di a qual grupo étnico ou a qual pafs a pessoa “pertence”, uma vez que a cultura esta fun- cionando no interior dos #istemmasmimtrap- TTA, As ferramentas cullurais desenyolyidas no pais de origem ~ 5 significados e suas nuances no ambito da linguagem, as normas sociais, as crengas re- ‘igiosas ~nao param de funcionar nos mun- das subjetivos profundos de um visitante ou imigrante em outro pals, Uma terceira fon relacao_propoe que FUNDAMENTOS DAPSICOLOGIA CULTURAL 23. NEN ae DA PESSOA COM OAMBIENTE. Aqui, a cultura passa a ser exemplificada pelos di- ferentes processos pelos quais as pessoas se relacionam com seus mundos. Se a pessoa ¢ ‘0 ambiente so considerados inclusivamen- te separados, a cultura € considerada um pracesso de internalizagao e externalizacao, pessoa e mundo social constituindo-se mu- tuamente (Shweder, 1990). Se 0 pesquisa dor decide introduzir uma fronteira entre a pessoa e o mundo social (ver Rogoff, 1990: 2003; Wertsch, 1998), 0 processo da cultura se torna elaborado em termos de apropria- 40, participacao orientada, ou dominio de competéncias*, Cultura “é”, aqui, mais do que uma entidade, esse conjunto de proces- sos posicionados. ‘Oestudo da cultura tal como se expressa na psicologiaexiste ao longo de duas difere, -testraietorias: a da psicologia transculturab e, mais recentemente, a da pSi@Glowiaremitanah A despeito do fato de ambas essas disciplinas utilizarem o termo cultura e estudarem seres humanos, seus modos de criar conhecimen- to so completamente diferentes. Cultura na tradigao da psicologia transcultural A psicologia transcultural é um ramo da psicologia tradicional de @ommpaxagéesnen- (@@IgEUAOS Os grupos comparados em seu Ambito sao étnica e geograficamente dife- rentes, ou sio grupos unidos do ponto de vista administrativo e rotulados como “cul- turas”. A psicologia transcultural utiliza sobretudo o primeiro dos modelos acima (PESSOAS PERTENCEM A CULTURA). AS~ sim, na psicologia transcultural, “culturas” tem, em decorréncia desse modelo, algu- ‘mas propriedades: #N, de Tz "Mastery" no original: 24 NASER Assume-se e todo e qualquer membro da Pan ane pessoa que “pertence” a esta Cur nti partilha com todo e qualquer outro membro 0 mesmo conjunto de caracte- risticas culturais. Pode haver diferengas individuais no aspecto quantitativo de tal partilha (alguns partilham mais do que outros determinada caracteristica). Mes- mo assim, todos eles partilham as mes- mas caracteristicas. eerabnidadertemparal. Assume-se que 0 conjunto de caracteristicas culturais (par- tilhadas pelas pessoas que sio “membros da cultura") é 0 mesmo ao longo do tem- po, embora a condieao do pertencimento. das pessoas em uma cultura possa modifi- car-se de geragio para geragao, Ainda que mudangas histéricas ocorram em uma dada sociedade, espera-se que a cultura seja caracterizada por estabilidade, Por conseguinte, nao se assume que as guilho- tinas da Revolugdo Francesa, ou os homi- cldlos politicos da Russia estalinista ou do Cambodia de Pol Pot tenham modificado dramaticamente as culturas envolvidas, Tus pressupostos convergem para aque- les que sio encontrados nos axiomas nao desenvohimentais sobre grupos de pessoas a “cultura italiana”, represens. Seas Ue eeEan en rapes lermo. i Na Figura 1.1, temos estrutury bi la generalizacao do conhecimenty Sobre tara no que se refere a auestdes pcg Iniciemos a partir de uma estrutyss auica das sociedades, admitidaments ¢ ficada, que envolve pessoas individuals instituigdes sociais, as proprias Societe” em seu apice, uma nogao Supergenerliys de ‘espécie humana”. © quadeo é simign do, pois ignora um ndmero de nes ners didrios existentes dentro da hierarquia: a les que incluem grupos sociaistempimae (entre individuos e instituigdes), burocracas do governo (as quais, como instituigdes elas Préprias, introduzem sub-hicrarquia nae». nexdo entre os niveis das instituigdes eda, ciedade). Apesar disso, 0 quadro simplifady ilustra a complexidade da hierarquia sociale 0s modos pelos quais a psicologia transculty ral constréi seu conhecimento, A hierarquia apresentada na Figura LL envolve, pois, conexdes muiltiplas, A mesma Pessoa pode ser, individualmente, participate em mais de uma instituigdo social (p. ex, it dividuos X, Y, V); algumas pessoas pademall Mesmo pertencer a instituigdes de diferentes sociedades (Z), Os lagos especificos entre ins * tituiges especiticas podem mudar ao longo th Curso de vida da pessoa. Um politico atuando No Zoverno (instituigao S) da sociedade A pole ser simultaneamente um membro da agen Central de inteligéncia (instituigdo 7) dom B. Criancas que viveram por um periada Um pais e passaram por seu sistema form! de educacao podem migrar para outre st dade e encontrar um ambiente escolar ml® diferente. Como resultado, as criancas PA desenvolver sistemas de self uiferente™™ adaptados para ambas as sociedades. T Urns ic 2 hier Niveis de Organizacao SOCIEDADE PARTICULAR A INSTITUIGOES socIAs dentro da sociedade AMOSTRA DE A ESPECIE HUMANA FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA CULTURAL 25 — SPA PSICOLOGIA CULT ‘SOCIEDADE PARTICULAR B INSTITUICOES SociaIs dentro da sociedad AMOSTRA DE B_ RS bdobobdoddddadhoamn PESSOAS INDIVIDUAIS Figura 1.1 © uso da nogao de cultura na psicologia transcultural Ao gerar conhecimento sobre cultura, a Psicologia transcultural utiliza a estratégia Uadicional de comparagao entre grupos, So- Ciedades particulares (A, B, na Figura 1.1) Passam a ser renomeadas como cultura A © cultura B, Pessoas na base da hierarquia social tornam-se membros da cultura (A 6u B). Apés tal mudanga semantic, torna- “Se significativo, no ambito da psicologia transcultural, gerar conhecimento sobre a cultura A e a cultura B comparando as duas com base em dados psicolégicos derivados de seus membros, Uma vez que o conjunto de membros em A (assim como em B) 6 considerado qualita- tivamente homogéneo, é possivel, do ponte de vista da psicologia transcultural, pensar em termos de amostragem rand6mica a par- tir do conjunto total de membros da cultura, na tentativa de que os dados amostrais repre- sentem esta abstragio chamada populacao, O que @ a populagao e 0 que podemos aprender das comparagées entre amostras? Populagio éa representagdo abstrata comple- tae todos os membros de uma dada cultura. Espera-se que os dados que caracterizam a populagao (tal como so tomados a partir da amostra) possam caracterizar a cultura ("po- DO = eailtara A): B por essa Taze0 que trans- ambito da psicologia tran sentido, n0 am! ¢ * Bie) fazer comparagdes entre popula {cculturas) Ae B, do seguinte ipo dena A-6é (ounao é) diferente de-B pulagao’ Esse tipo de conhecimento 60 resulta- «io final de generalizagoes indutivas feitas na psicologia transcultural. Diferencas psico- logicas entre diferentes grupos de pessoas, rotuladas como membros da cultura € con- sideradas um conjunto homogéneo podem ser, aqui, empiricamente mapeadas. A partir da realidade empirica da comparagao entre amostras, generalizagies alcangam instan- taneamente o nivel de proposi¢des abstratas sobre diferengas culturais (ver Figura 1.1). Acstratégia de generalizacao amostras- -para-populacao tem seus limites. Na Figu- ra 1.1, € possivel observar que a estratégia de construgao do conhecimento transcul- tural negligencia a organizagao hierarquica da vida social humana, Oipapelorganizadar (CSUsCOFbinaydes) no élevadoemconta MENtENOHOLEAER, Diferen iri cas empirica- mente descobertas pela Psicologia transcul- ae NAO So explicaveis dentro do sistema eorico da psicologia transcultural, exceto que italianos 580 italianos poraue g da Itdlia @ americanos sio americas aue sao da América, Seria absinde “indiani-dade”, tomando a enorme hat ® geneidade social, econdmicae lings da India como uma entidade cual gera toda a riqueza de algumas Pessoas sim como a pobreza de muitas outras Pe equivalente a construir um rétulo en. t6rio espsrio de tipo similar ao phigyins na fisica pré-cientifica, a E ébvio que 0 uso do termo Cultura ng. psicologia transcultural restringe-se gy um rotulo supergeneralizado. Se alin evidéncia permite tratar fendmenos pany culares (tais como os encontrado nn, amostra) como se representassem uma unj- dade coletiva mais ampla (rotulada eomy cultura — um. determinado grupo étnico oy de linguagem, ou uma unidade police -administrativa, ou um pais), entio esse déncia, assim obtida, torna-se generalizaia para todos os “membros da cultura’, Iso ¢ Possivel somente admitindo-se o supasto da homogeneidade qualitativa (como descr acima). Tal assuncao, além de ndo merece crédito, conduz a fabricagio de comparasits que mais obscurecem do que revelamos{e- némenos subjacentes. A fatureza universal do limite para inferéncia na psicologia transcultural Os limites da geragdo empirica na psicole Sia transcultural sio os mesmos que S® locam para todas as investigacdes baseal® Mm comparagao entre grupos, na psical 8ia como um todo, Toda a psicologia-™ apenas na vertente transcultural -en!"e™ dificuldades diante do problema de et sentido das comparagdes entre s1U?®® Solugao usual para explicar diferens2 “” tre grupos € a transformagao de asp descritivos do grupo em esséncias aust! 28 JAANVALSINER Bowe a psicologia transcul- psicologia cultural ne- Em contraste com tural, diferentes versoes da ultu de cultura que $0 ! operam com nogoes : rentemente sistemicas- Na psicologia cultu: ral, ha continuidade com 5 tradigdes sisté- micas da folk psychology, &™ suas diferentes vertentes (isto é nas tradicoes de Wilhelm yon Humboldt e de Wilhelm Wundt), e com as tradigdes da etnologia europe! eda antro- pologia social e cultural. Nos anos de 1990, 0 cendrio psicolégico experimentou um renas~ cimento da nogao de cultura. Esse renasci- mento das velhas tradiaes da Vilkerpsycho- logic’, sob a forma as diferentes versOes da psicologia cultural, constitui outra tentativa para fazer sentido de fendmenos psicol6gicos complexos. Todos esses esforgos se unificam na medida em que tratam cultura como uma parte do sistema psicoldgico da pessoa. Aqui, cultura “pertence ao” sistema psicolégico in- dividual e desempenha algum papel funcional dentro dele, Naturalmente a pessoa pertence a um ou a outro pais, a um grupo linguistic ou nico, ou a um sistema de crencas religiosas. Essa participagio social, indubitavelmente, fornece material para o sistema psicolégico dentro do qual a cultura esta situada, Por- tanto, ilisigvatem gue ajpessoa utiliza para “interagirdentro de sua sociedade ¢ uma'ferra- ‘menta:semidticano'sistema intrapsicolégico da’pessoa & orienta os modos pelos quais ela Como resultado, os modos de construgao do conhecimento na psicologia cultuyal dife- tem primariamente daqueles da psicolodi la psicologi transcultural (ver Figura 1.2), os aes individualmente junto ¢ sua par icipagao em instituigdes soci ; E socials (p. ex,, V Figura 1.2.) Bas oe -2,). Baseado na anilise sistémi f stem individuo-em-contexto social, um modelg = neralizado do funcionamento cultural d ce la pes festevempirict base em outro individuo selecionado (p, ex., 7, que pertence a duas sociedades), o qual leva a modificagéo do modelo sistémico. O modelp modificado é entao testado em um novo casy individual selecionado, assim por diante, Junto a esse processo hermenéutico de cons- trugao do conhecimento sobre a pessoa como sistema funcionando culturalmente, 0 modelo generalizado torna-se aplicdvel idealmente a seres humanos em seu estado genérico. Taig, ereniasilt terindividuais . A psicolagia cultural é a parte da ciéncia psicolégica que esti orientada para a descoberta de principios fundamentais basicos. Rontantomanpsicolosie cultural ¢ parte da psicologia geral como.uniay Pann Psicologia cultural: diferentes versdes e suas especificidades Ha duas diregoes basicas dentro da psicologia cultural. & possivel distinguir as orientagoes semidtica (mediada por'signos) ¢ daativtde- denowuso da cultura. Cultura como mediagao semidtica O termo cultura pode referir-se a media¢a° semiética (por signos), que € parte do siste- ma das funces psicolégicas organizadas. Es sas fungdes poder ser #MEFapEssOaS (isto & 0 funcionamento de processos intrapsicologt cos de uma pessoa quanto ao envolvimento em sua experiéncia do mundo: sentinanensal ‘mleroriaaTesqeeeeRpIARE|aRwtc.). Portar- 6, uma pessoa que, ao observar uma pintur diz a si mesma (em sua mente): “gosto dis- $0”, est envolvida em um ato de regulaga? Semidtica intrapsicolégica de seus sentimen” 30 JAAN VALSINER, submetida § armadilha no estado pretendido tanto tempo quanto a pessoa que apresenta a armadilha decidir. Considere um exemplo no qual uma relagao de amizade de uma jovem mulher se deteriora: Tenho uma amiga que fez uma cirurgia plds tica no nariz trés dias antes de meu retorno @ universidade. Ela tem um filho de quem cuido regularmente quando estou em casa Pediu-me para ficar com ele durante toda a noite, na véspera de sua cirurgia, e para levie -lo 8 escola pela manha, e para passar por sua casa apds sua cirurgia, caso eu tivesse tempo. No dia seguinte, passei la duas vezes, antes e depois de ir trabalhar. Embora eu es- tivesse Ia para Ihe fazer companhia, ela nao quis que Ihe perguntasse nada, nem falasse, nem me movesse. Era desconfortavel sentar-me em silén- cio e ser repreendida aos gritos quando falava algo. Eu nunca havia tido a experiéncia de uma cirurgia plastica nem ajudado alguém que tivesse tido. Tentei falar sobre como era passar pela anestesia, uma vez que eu tinha passado por maus momentos com essa ex- periéncia quando meu dente do siso foi ex- traido, de Jorma que eu pudesse tentar me relacionar. Eu tinha muitas coisas para fazer no dia seguinte, ¢ entao retornei para a fa- culdade nesse dia. J que ela estava tao mal- -humorada, pensei que ela talvez quisesse que eu passasse por ld no sabado depois de resolver alguns assuntos domésticos. Como falar era dificil para ela, em vez de passar Id, enviei uma mensagem, Sua reagao foi bastan- te inesperada para mim. Ela estava furiosa porque eu estava ocu- pada com coisas de casa em vez de cuidar dela e também porque nao me ofereei para cuidar de seu filho na sexta-fetra, nas duas horas liyres que tive no trabalho. Em suas recriminages, eu estava sendo considera- ta uma md amiga, egoista, mal-agradecida sor tudo que ela tinka feito por mim. Ela ne disse: “Como vocé pdde comparar uma virurgia de nariz com uma extragdo do den- — te de sis0? B como se vo0d esting, gue quebrel ume nha”, Comy i essa teagHo foi muito inesperns olorosa. Depois disso, ela me mensagens no da seaunte ao mey A faculdade, com alegagtes simian o™® Dressando seu extremo desgest em rye a mim, Néo nos falamos novament ut pik, comunicagao pessoal, 25 de Fevereiro z 2006, énfases minhas), deen, € ats, bastante As intengdes da empatica ajudante jo. ram desconsideradas pelo efeito avassalador da dramatizagao de uma simples compara. sho feita entre dois procedimentos médicos nao letais: “como vocé pédel!!” Uma ver que a decisao quanto ao tipo de material utiliza do na armadilha est nas maos (na mente) de quem pée a armadilha, sua vitima tem possibilidades limitadas para prever o pri meiro (ou o seguinte) dos episédios nessa sequéncia de eventos. pende sempre das estratégias metacomu- nicativas que estabelecem os modelos pelos quais signos sao utilizados para propdsitos particulares (ver também o Exemplo 44, AliCapitulorsy” MediigacyseMiOtiGa € também uma fer- ramenta utilizada pelas instituigdes sociais no Ambito das acdes orientadas por metas, na tentativa de regular as fungdes psicolé- gicas, tanto inter quanto intrapessoais. As instituigdes estabelecem regras sociais para interagao, monitoram sua manutencao & colocam expectativas para que a atividade © interacdo situadas conduzam & transforma- ¢40 intrapsicolégica dos sistemas culturais Pessoais, Gemi6tIA. Instituicdes sociais, pels seus propdsitos particulares, sao const" toras ativas de SS Cultura e cognigao Uma das formas de mediacao semiética é 0 uso de modelos populares (folk models na terminologia antropoldgica) ou de repre- sentagoes sociais (nos termos da psicologia social). Essas duas direcdes levam em conta, para compreender cultura, dois credos opos- tos na psicologia do século XX; a psicandlise eo behaviorismo (Jahoda, 2002). sonorgaondey modelos populares €, em determinados sen- tidos, uma sintese de ideias selecionadas de ambos os sistemas tedricos: sao considerados aprendidos por meio da experiéncia (isto é, ajustam-se ao sistema behaviorista de cren- as), € a0 mesmo tempo operam como signos complexos para guiar os processos intrap- sicolégicos ligados a satisfagdes deslocadas Na antropologia cognitiva contempora- nea, a nocao de modelos populares ~ repre- sentagdes sociais aceitas pelas pessoas, mas estabelecidas mediante construcao social — tem conquistado espaco. AWOEAOUeMTOUElOS ‘populares'resultardeum acordo:de-cavalhei- Do ponto de vista da antropologia cogni- tiva, existem trés principais tipos de visao de cultura na antropologia (elaborados segundo D'Andrade, 1984, pp. 115-116): LA cultura é vista como conhecimento disponivel: 6 a acumulagao de informa- co — independentemente da extensao em que essa informagao é partilhada entre pessoas que pertencem ao grupo que tem acesso A informagio. Aqui, 0 foco € posto sobre o saber fazer socialmente partilha- do e sobre as operacoes cognitivas pelas quais esse saber fazer pode ser manejado. 2. A cultura é vista como estruturas con- ceituais centrais existentes, as quais for- necem bases para a representacdo parti- Ihada de forma intersubjetiva do mundo FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA CULTURAL 31. no qual as pessoas vivern. Essa perspecti- va nao enfatiza o momento da acumula- Go da informagao, mas é, sobretudo, um conjunto de regras que possibilita as pes- soas alcangarem compreensdes partilha- das. A nogao de representagies coletivas e sociais (ver Capitulo 7) situa-se aqui. 3. A cultura é a construcdo de estruturas conceituais mediante atividades de pes- soas. Essa perspectiva requer um exame de olhar sobre como os mecanismos: cognitivos acontecem — na ontogenia e na historia cultural. Cultura e acéo Um enfoque paralelo que focaliza euhtunan comonmediagaorsemiotica existe na psicolo- gia cultural corrente no dominio das perspec- tivas ligadas atteoriandaratividade Essas pers- pectivas crescem a partir do foco posto por Alexey N. S86HtW(e por Pierre Janet) sobre a atividade humana e sua organizacao estru- tural-dindmica e bebe da HOSORenprageTa ficardewohneDewey. 0 foco sobre a totalidade unificada da existéncia cultural humana pode ser resumido nos seguintes termos: Os humanos se desenvolvem mediante sua variada participacao nas atividades so- scioculturais de suas comunidades, as quais também se modificam (Rogoff, 2003, p. 11). Essa perspectiva geral precisa ser qualifi- cada com base em cinco suposicoes: 1, Cultura nao é apenas o que as pessoas fa- zem — mas também o que as pessoas ob- servam nas diversas atividades de outros seres humanos, que assumem diferentes papéis sociais. 2. Compreender a heranga cultural (a pro- pria ou a de outros) requer o delinea- mento de contrastes entre comunidades, de modo a superar as “cegueiras” dos pressupostos implicitos existentes. 32 JAAN VALSINER, 3. Praticas culturais sao mutuamente in- terdependentes, Elas formam uma Ges- talt dinamica: nao € possivel explicar diferengas entre comunidades por uma Unica, ou por algumas poucas atribui- Ges causais. 4, Comunidades culturais se modifica, tal como ocorre com individuos. Individuos modificam as comunidades, modifican- do, assim, a si mesmos. 5. Aprender com outras comunidades nao implica a perda de valores da comuni- dade de origem, mas é, sobretudo, um modo de transformé-la. Agindo e refletindo: cultura como um: dispositivo de distancia psicologica Precisamente por sua capacidade e propen- sao a criar e utilizar recursos semiétics, se- res humanos sio capazes de se distanciar em relag3o a seus contextos de vida imediatos. SIPRRCOERICOND sirqulkaneameieadiiaiay Essa dualidade € relevante por transcender as demandas adaptativas do contexto no aqui- -e-agora, guiando o desenvolyimento em di- regao a uma crescente autonomia.@BmKu009 I, DRAAGAMTEATSPSICOISBICO inclui sem- pre o contexto no qual a pessoa esta e em relagéo a qual contexto o distanciamen- to acontece. A pessoa nao “desaparece” do contexto ~ isto seria tao impossivel quanto permanecer vivo caso o fornecimento de oxigénio cessasse. A pessoa cria uma distan- cia, por meio da mediacao semi6tica, em re- lacdo ao contexto no aqui-e-agora. Esse pro- cesso toma a forma de: “Reflito sobre este contexto do qual sou parte”. Essa reflexao, que € cognitiva e afetiva ao mesmo tempo, permite que o sistema psicol6gico considere contextos do passado, imagine contextos no futuro e assuma a perspectiva de outras pes- soas (sob a forma de empatia). Sem distan- » ciamento, nao seria possivel a uma pessoa considerar outro contexto que nao o dispo- nivel aqui-e-agora. Cultura como substancia dinamica para a vida humana Como uma parte da organizagao psicolégica de toda pessoa, a cultura € a ferramenta pri- maria para o viver humano. A personalidade: humana € um sistema integrado de media- dores semiéticos em varios niveis (Valsiner, 1998), Seres*humanos‘criaramenumerosas terramentasiculturaisiparaiconstrugae (fabri- cando tecnologias e materiais, alimento para uma vida saudavel e fértil, medicamentos para prevenir ou curar doengas); destruigao (tecnologias militares para tanques e bombas nucleares ~ e recursos simb6licos para j ficar 0 seu uso); administragao de incerteza (mitos e ideologi u {#SfAGAW (arte, musica, teatro, i atores e sistemas de significados li leza.e ao discurso artistic), Em sintese, é possivel ver ou um dispositivo de atribuigac ‘a mirfade de padroes de agdo, § pensamento que as pessoas de! | jiversos paises (ou sociedades e culturas). A tra ~ tratar @ulturamconomumarpantesine- utihiadanaepsicologiacultusal. Neste livro, sso foco coincide com a segunda visio {intrinseca) da cultura dentro de processos psicol6gicos. ‘(A QUESTAO DA TRANSFERENCIA DE, CULTURA ernest Coftoretpossivelitransterinide:umal pessoa para outra um sistema cultural criado? Con- forme mostrado acima, cultura pode ser vista mais como um proceso do que como uma entidade, Como € possivel transferir, de pais para filhos, os dispositivos culturais media- dores construidos pela primeira geracdo? Essa transmissao intergeneracional ¢ extre- mamente importante para a continuidade da sociedade, Simultaneamente, porém, essa transmissao tem que garantir a constante adaptacao das pessoas, por meio de sua cul- O modelo unidirecional de transferéncia cultural A sopggyUAIGREsIONIal considera a pessoa em desenvolvimento — o recipiente da trans- _missao cultural ou das agoes socializadoras — comonpassivawemmesuanaceitagdes (ou na _ “falha” dela, na “perda” ou “erro” da “trans- _Missdo") das mensagens culturais. O papel lo recipiente € meramente aceitar as men= ns dirigidas a ele, ou talvez falhar em lo — mas, em qualquer dos casos, nao espera que os recipientes reorganizem a ¢nsagem recebida. ___ Asmensagens sao vistas de facto como en- des fixas, Elas sao, ou aceitas pelo receptor mo dadas, ou, no caso de sua aceita¢ao in- mpleta, aceitas com um “erro de transmis- FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA CULTURAL_33- sao”. A aplicagao concreta mais comum desse modelo unidirecional acorre nos sistemas téc- nicos. O papel do recipiente dessas mensagem. € 0 de mero aceitador de todas as influéncias, mais do que o de um modificador construtivo, (embora limitado) das mesmas. 0 modelo unidirecional esta profunda- mente enraizado em nosso senso comum e corresponde a natureza dos sistemas tecno- légicos, em que a informacio a ser transmi- tida ¢ fixa e nao permite desenvolvimento. Nesse modelo, a transmissao de uma dada mensagem teria a natureza de c6pia exata, sendo este 0 objetivo desejado. N6s dependemos cada vez mais dos es- cravos modernos: os aparatos tecnol6gicos. Esperamos que esses aparatos transmitam mensagens sem erros. Ninguém fica feliz com modificagdes em arquivos de computa- dor ou obtendo fotocépias de ma qualidade. Em ambos 0s casos, a qualidade da trans- missao desejada é de uma réplica 100% igual ao original, e qualquer produto abaixo disso pode ser um grave erro ou falha. Em ambos 0s casos, naturalmente, nao esperamos que fotocépias desenvolvam qualquer nova pro- priedade em relagao ao original. Um caso similar ocorre com o modelo unidirecional da transferéncia cultural. Es- pera-se que cada nova geragao assuma 0 sa- ber fazer cultural de seus pais tal como esse Ihe € transmitido. Esse modelo estd deserito na Figura 1.3. Como representado na Figura 1.3., 0 iniciador da transferéncia cultural (pessoa AA) estabelece alguns objetivos comunicati- vos (estimando o estado psicolégico atual do recipiente) e constréi uma mensagem (X') a ser captada pelo o recipiente. De acordo com esse modelo, a mensagem X' € captada intac- ta (X=xX’) pelo recipiente (pessoa B). Enquan- toa pessoa A cria uma mensagem baseada na estrutura interna de conhecimento (X) de al- 34 JAAN VALSINER guém e, considerando 0s objetivos comuni- cativos, assume-se que o recipiente (B) aceita a mensagem comunicada exatamente como foi transmitida para ele ou para ela. O modelo unidirecional de transmissao0, € amplamente difundido e atravessa nossos significados linguisticos comuns. E 0 prefe- rido pelas institui¢des que tentam regular a vida das pessoas. Assim, tem sua contraparte na linguagem da psicologia e da educagio, que frequentemente assumem serem as fun- Ges psicolégicas das criangas “formadas” u “moldadas” por seus pais, professores ou amigos. O conhecimento € visto como algo dado, e que deve ser aprendido (oposto a re- ctiado), © discurso na educagao, na antro- pologia e na psicologia infantil tradicionais aceita habitualmente as implicagdes da visio unidirecional da transferéncia. Isto foi pos- sibilitado pela falta de compreensio dos pro- cessos basicos do desenvolvimento. O modelo bidirecional de transferéncia: coconstrugao ativa Em qualquer tipo ou nivel (biolégico, psico- J6gico, sociolégico), 0 desenvolvimento é um fendmeno sistémico aberto no qual a novida- de estd constantemente em proceso de ser eriada. Por essa razio, 0 modelo unidirecio- nal nao se adéqua a nenhum dos processos sistémicos abertos. & 0 segundo modelo — 0 PESSOA A Figura 1 modelo de transferéncia bidirecional ~ que corresponde a natureza dos sistemas abertos (ver Figura 1.4,). A Figura 1.4 € similar a Figura 1.3; modificacao importante, aqui, € que o papel do recipiente (B) é descrito como um ana- lista ativo dos componentes da mensagem sugerida (X’), cuja sintese resulta em uma nova forma internalizada da mensagem (X”). Nesse processo, algumas partes da mensa- gem inicial sdo eliminadas e outras sao ainda acrescentadas Osmodelorbidirécional éibaseadomnacpre.. missa de que, na transmissao cultural do conhecimento, todos os participantes estao transformando ativamente as mensagens culturais. De fato, esse modelo poderia ser chamado, de forma mais adequada, de mul- tidirecional, uma vez que o papel ativo de todos os participantes conduz a miiltiplos A geracao pais, professores, criancas mais velhas meios de comunicagao ~ reine mensagens de uma,determinada forma, prépria a cada uma dessas instancias, as quais pretendem canalizar 0 desenyolvimento das pessoas mais jovens. Entretanto, essas pessoas mais Jovens analisam ativamente as mensagens & reelaboram a “informagao cultural” recebi- da sob formas pessoalmente novas. @abe.3s, PESSOA B 3 Esquema do modelo unidirecional de transteréncia de cultura. FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA CULTURAL _ 39 PESSOA 8 Figura 1.4 Esquema do modelo bidirecional (mutuamente construtivo) de transteréncia de cultura. dar 0 processo de trocas na relacao entre as pessoas e seu ambiente cultural, focalizando aanalise/sintese de mensagens. Normalmen- te hd expectativas dedgjowidades nas sinteses — dojomaypessoa (mesmo que se assemielhem 1 fendmenos socialmente conhecidos; p. ex., a primeira sintese de uma crianga do signi- ficado de uma palavra que € nova para €ssa crianca, ainda que a palavra seja hem defini- da em uma determinada linguagem) assim como de maneiras especificas de assuntos gerais (p. ex., novas invengoes em tecnologia, arte e ciéncias). @ssaivisaomdastransmissao‘cultural-im pli¢amconstrugaondey novidade, .tantomna dodificagaomeomo navdecodificacao das, mensagens culturais. Em certo sentido, a mensagem como tal nunca existe sob de- terminada forma, na medida em que é sem- pre reconstrufda pelo codificador (que pode inicid-la com um determinado objetivo em mente, mas modificé-la no curso de sua PrOpria criagao) e, de maneira similar, pelo decodificador. Assim como os papéis de co- dificador e decodificador estao constante- mente se revezando, a transmissao cultural envolve a transformacao da cultura em tem- ‘oowealpnosdiseeS0S0cial; nor seus partici linguagem (Bihler, 1990), assim como na consideragao filosofica da intersubjetividade (Rommetveit, 1992) AMensaBenisipransteridas (pélOS@ARAIS UElCOTIUMICAgao sao necessaria- mente ambiguas porque, comumente, as orientacdes dos comunicadores e recipientes em direcdo a metas nao coincidem. Proces- sos metacomunicativos (Branco e Valsiner, 2005) sao estabelecidos para regular ~ mas nao para eliminar, ja que é impossivel ~ essa Normas sociais como ferramentas culturais De que modo a estabilidade temporaria das formas culturais emerge dos proces- sos bidirecionais de transferéncia cultural? Conforme enfatizado acima, 0 processo bi- direcional implica constante decomposi¢ao © recomposicao de mensagens comunicati- vas, Mesmo assim, alguns significados rela~ tivamente estaveis, bem como suas formas condutoras, emergem, de certa forma, desse proceso. Uma resposta razodvel a essa questao foi dada por Muzafer Sherif nos anos de 1930. O cldssico trabalho de Sherif, The psychology of social norms (Sherif, 1936), e seu enge- 36 JAANVALSINER _ nhoso estudo experimental do movimento autocinético so bem conhecidos na psicolo- «ia social, Contudo, as bases desenvolvimen- taise culturais que conduziram Sherif a suas inteligentes demonstragoes experimentais sio frequentemente ignoradas. Muzafer Sherif foi um psicélogo turco que se moveu sucessivamente entre posi¢oes académicas na Turquia e nos Estados Unidos. Nessa condicao, ele teve uma visio interna desses dois mundos, tao diversas, e pOde ver claramente as imensas dificuldades intelec- tuais que a psicologia, de modo geral, enfren- ta. Em suas préprias palavras, Quando, em seus estudas, um psicélogo ou socidlogo impde as normas de sua prépria_ comunidade (community-centrism) sobre as de outros povos, o resultado é uma confusao impossivel. (Sherif, 1936, p. 16) Esse veredicto ajusta-se as psicolo- gias cultural e transcultural nos anos de 1990, assim como A psicologia na década de 1930, Sherif viu a necessidade de o cientis- ta erguer-se acima de seus préprios valores e crengas culturalmente construidos, assim como sobre aqueles das pessoas sob estudo Normas socials como construgdes culturais Avisio de Sherif sobre a emergéncia e trans- formagio das normas sociais foi explicita- mente desenvolvimental Normas sociais nao sio absolutas Elas se desenvolvem no curso d Yeais entre individuos, sua formagio, dire os relacionamentos las pressupdem, para nagBo, 0 contato entre individuos em, 0 8 salisfacao de suas necessidades e a Yealizagdo daquilo que eles consideram “Br ou "Ns" o altima indieando o grupo 4 © qual o “Eu se identifica, Por conseai tl as n ode! ermas podem modificar-se e, eventual mente, gerar alterages que se alinham com ‘mudangas importantes na estrutura da si. tuacdo que deu origem inicialmente aquelas normas (Sherif, 1936, p. 17). Para Sherif, era importante levar em conta, integralmente, a histéria cultural de diferentes sociedades. ‘AURistorialleulttral gOesisociais: — especialmente aquelas que, ao longo de muitas geragoes, orientaram os individuos para a K@Consteugaorinternalizase dandosasistemasmemalon como se pode ver quando:seadereadeterminadas»praticasiemm contextos:especificosideratividadejourquan- doisetevitatestastmesmasipraticas. A historia dos sistemas clilturais de crengas implica re- plicagao construtiva — por vezes envolvendo atenuaco, outras, amplificagao do signifi- cado especifico de complexos de agoes pelas Uma crenga par- ticular, religiosa ou politica, historicamente sustentada em dada sociedade, pode ser re- construfda pelos jovens de forma exagerada, como um recurso para negociar seus papeis dentro de uma sociedade em transformagao. Esse processo de negociagao encontra um paralelo no plano das organizacées sociais. ‘Dentro de uma organizagao social mais am- pla (estado/nagao), novos cultos religiosos emergem e podem proliferar ou desaparecer. No terceiro e quarto séculos de nossa era, 0 cristianismo foi perseguido e estigmatizado. Sua sobrevivencia e proliferacao até tornar- ~s¢ um sistema religioso de alcance mundial € um produto histérico, 0 qual, no presente, constitui-se em um eixo de oposigao, tam- bém em ambito mundial, a outro culto que NO Passado, era restrito a um pequeno nuime- TO de seguidores —o Isla. O exemplo de Sherif também revela uma have para explicar a emergencia de se8re8 ao interpessoal e intergrupal. A pessoa que considera repugnante comer a carne do por- co (como resultado de sua prépria internali- zacio pessoal de valores) reconstri também como repugnante o outro que come porco, ‘Aqui, a generalizagao ocorre do ato (de co- mer) para a pessoa (que come) e daf, entao, para uma suposta classe de pessoas similares Demonstragao experimental da construgdo da norma social Q movimento autocinético ocorre se em uma sala completamente escura, um simples pon- to de luz, localizado a alguma distancia dos sujeitos, € perceptualmente visto como se movendo, uma vez que nao ha qualquer refe- réncia em relagao ao local onde pudesse estar subjetivamente fixado, Se uma pessoa é solf- citada a relatar a extensdo do movimento, os relatos diferem entre si. Entretanto, se uma pessoa € solicitada a expor sua estimativa do movimento, ela estabelece subjetivamente uma amplitude e um ponto arbitrario, rela- tivamente ao qual o ponto estatico é subjeti- vamente percebido camo se movendo (devido 0 préprio movimento dos olhos de quem ve) Quando diferentes pessoas veem 0 mes- ‘mo ponto luminoso, elas constroem normas pessoais, mas sob formas publicamente aces- siveis, Quando tais normas sao discutidas em grupo, os sistemas pessoais de normas tor- nam-se coletivamente coordenados. Uma nor- ™a grupal relativa a como perceber 0 ponto estacionario “em movimento” torna-se, por- tanto, estahelecida. Os experimentos desSH® ‘ifSob¥e'S Movimentorautocinético demons: traram claramente como os seresahumanos ‘Si iiaasmmeieptmm (° caso, referentes a experiéncias de ilusao perceptu- al, tais como 0 movimento percebido de um onto de luz que ndo se move). Demonstra- ram como eles homogenefzam essas normas FUNDAMENTOS DA PsicoLociAacuLTURAL 37 interpessoalmente para criar normas grupals , além disso, que, estando tais normas gru- pais estabelecidas, os membros do grupo po- dem transformé-las em seus proprios padrdes internos de avaliagao. Consenso grupal pode criar iluses sociais (baseadas em ilusGes per- ceptuais) que vém a regular o proprio sistema |b» psicolégico da pessoa, assim como suas expec- Normas sociais coconstruidas dentro de um grupo ‘A construgao social de normas grupais, in- clusive sua resiliéncia, evidencia-se constan- temente nos varios tipos de faccdes religiosas que estabelecem seus préprios padroes sobre como viver e como avaliar 0 modo como os outros vivem suas prdprias vidas. Uma descrigao classica de tal culto é dada por Festinger, Riecken e Schachter (1956). Um grupo de pessoas se une a par- tir do chamado feito por seu lider, visando a “estar preparados para 0 fim do mundo”. 0 evento esperado — 0 colapso do mundo intei- ro ~ era fortalecido pelo “milagre da revela~ gio de Deus” ao lider do grupo. Tal evento constitui-se uma “versao simbélica” do expe- rimento autocinético de Sherif. Um evento” esperado para o futuro, mas preparado para hoje, € indeterminado e, portanto, aberto para a construgio de normas grupais pelas ‘pessoas orientadas para aquele resultado. 0 grupo, orientado para uma meta, estabelece suas préprias normas interas, a distingdo ingroup/outgroup (“nds somos 0 povo espe- cial” versus “os outros”). A unica dificulda- de que pode surgir é a possibilidade do dia previsto para o jufzo final acontecer sem que 0 evento esperado ocorra. Sob condigdes de racionalidade, isso poderia falsear o sistema de normas e crengas grupais. Mesmo assim, sob as circunstancias proprias de seitas re- 38 sAANVALSINER ligiosas, a ndo confirmacao pode fortificar as normas. Porlanto, uma dada norma (ou crenga) social, quando desafiada, pode se de- senvolver sob trés diferentes maneiras (ver Figura 1.5). “Aquestao (crucial da psicologia cultural € como entender os mecanismos que operam naquele pono de bifurcagao (né da direcio- nalidade). Sob quais condigoes a norma seria fortalecida, e sob quais outras se tornaria ex- tinta? A realidade de tal bifurcacao se faz pos- sivel pela nogao bidirecional de transferéncia cultural ~ mas nado pela nocdo de transferén- cia unidirecional. A ccentralidade da pessoa na construgao cultural A intengao construfda pela pessoa para manter a norma social corrente pode variar entre duas trajetérias que possivelmente se seguem a sua ndo confirmagao. As duas condigdes podem ser analisadas da seguinte maneira: PRE-HISTORIA DA. Breas eel “5 NOAM NORMA TAL QUAI" ESTABELECIDA Soe chew ‘Nao cont Extingao: X €anorma corrente Evidéncia rejeita X “Eu ndo me importo Fortalecimento: X éanorma corrente Bvidéncia reeita x “Bu quero acreditar com X” em xX” Xse extingue X passa a ser defendido e fortalecido Oretorno a desacreditada nocao d arbitrio pessoal’ é um elo inevitavel entre a pessoa e 0 mundo social. Entretanto, vamos atribuir um diferente significado a essa no- 50. O livre arbitrio pessoal pode se referir aqui ds ferramentas que fornecem orienta- So genérica do self em direcao ao futuro, sublinhando seletivamente alguns aspectos do presente. Quando considerada sob esse Angulo, a cultura, como sistema de opera- dores semidticos, garante que qualquer pes- soa esteja pronta para resistir ¢ contra-atuar em relagao a sugestdes sociais ~ e & rejeigio de crencas — vindas do ambiente, A’cultura torna as pessoas livres das demandas dosam- _ bientes sociais imediatos. NAO CONFIRMAGAQ CONFIRMACAO Figura 1.5 Translormacao de normas socials TEMPO BASES SEMIOTICAS PARA ACULTURA) O LEGADO DE ‘Semidticn én efOnncia dos pianos 2 seu» 1180 Fol construlda @ partir da inlepingiio filo. séficn ¢ matemélien dis jdeias de Charles Sanders Peirce, Instituclonalmenty nig folevado, Pelee foi um dos mals importan tes Intolectunls norteamerieanas do Hiya do soculo XIX, Seu Wabalho yen se Lornande proeminente na psieologia eulluyil de jose époes (Rosa, 2006), Um siano, de acordo com Pairee, "un objeto que ests para d mente (On ho’ olhios) de alguéin em lugar de outra eolsa (Peiree, J873/1086, enfise do autor), Sigman 90 tae bricados por mentes ¢ mentes operons por melo de signos, Consequentemente, signos sho instrumentos eultivados pra nosiay 1 Jagous interiovas, mediante i Viagio earn on Indo aldm, Pelree espeetticn a relagiio riddica signo <> Interpretante <» hawer od alo que esti para alguemn mn lugar de ‘outya eolsa, sob niguns aspuetos » eapacld des, Dirigesse a ulgudm, Isto 4, erta na mente desea pesson urn signin dauivalunity, ou tava wn ain mis desunvolvide, Howe syne qin éerlido eu chon » dnlerpretanta do priinel yo sino, O siuno esti no lugar de oulea cals, seit objeto, file est no lugar Henge alyfete, Hh em relagho a tido, saw vom referbneia a aa ‘ypdcie de dela, qu por vores chanel a hase (Peives, 1908, po), Tids tipos de slgnoe ‘Ain signo dum feone, in (ridige ou ain afte bole, Histo tino, para Palen, era nn objeto *Nascido em 10 de geternba de WAM « flee 0 Wide able WA, punmennion on eA IDERA, WD convencionshinenie pishlr wate AprOMeree® algun quitn Leia WY, 0h, Be apterehe Ge terminade lenbmand (od ARO ed we shwtrita), Comude, a nosh de sepiehe ye tar, adicionnlmanhs, 0 SAP Mane x We HeaA short ldo syyienhs) pata Grvetias WHEF prokaytnea Inhullvar, Tab Qeiais 26 yGae des \horpretaliiad de hte wal) HATES: 0 siytie leno Nosaw capacidade para ver 0 mnie Be 16 dos dierentus don yslin deans redo embora anslonn & ae = Nem pernene cons Aruir shynioe quue wep inners damien yn. Na eluboragiio de Veiree, mn leone 6 mn siren seas teria 9 Exeter Sie ‘ofan, sisificanite, InVeInO Wee 006 PBAD 98 tenhn webdenciy, corre nica Bila esha Niphe yiss veprenagite ns Ninrhen peanabAticce, Webren, V0, BI) Na condigan da inate be wn ipo wsteja este Mine presente (Ms sib = hte nw 6 umn don duis lock de eenenabrcle de sie nos, feu poder etd em sua sdenitaridade ern rolagho A seu objeto, tanto enn sxe Sonrma quanto na extension de sia cobertiara (00 signe representa turika classes mnbriienes Be: wre in objeto singular ~ 01s mea Chasse de muitos objehos), de um process de linac, abgienes aopeclas de seus objetos sto entatizados, Signos iebnicas emergem dos lente nob ~ visuals, actistiens ou promenientes de: outro sistema sensorial ~, equate apre- sentaghes deneralizadas do cbjeto, O feone 60 lacus para a emnergincia de abstragao, & qual, cubsequentemunte, deta de transenitir a senneagio de sur abstrata, Leones se torneam sihuynita — veins ho objedo que opresuptann, 0 pler = represen: : yous Niperenriquécidos da vealidade, que so 40 SWAN YALOINER tomadas por outras realidades (ou irrealida- des). Como Mieczyslaw Wallis explicou, Schemala aparecem nos pictogramas de muitos povos, nos sinais de transite, nos diagramas dos trabalhos cientificos, nos de- senhos infantis, nos trabalhos de alguns pin- tores modernos tais como Klee ou Dubuffet. Pleromata sio encontrados na pintura holan- desa do século XV, e também do século XVII, nas pinturas dos naturalistas do século XIV ou dos surrealistas do século XX, ¢ em muitas folografias e filmes (Wallis, 1973, p. 487). A percepcao imediata de umn objeto pode tornar-se, assim, ao gerar um {cone, ou me- nos rica (esquematizagso), ou mais rica (ple- romatizacio) em detalhes, que seu objeto original. Os signos icdnicos pleromatizados apresentam um conceito generalizado daqui- lo que é figurado, pela possibilidade de trans- cender o objeto particular que € retratado pelo signo. Uma pintura realista nao parece abstrata’, e contudo é um signo iconico ple- romatizado que opera como um campo sig- nico (ver Capitulo 7), O universo semistico pleromatizado que habitamos é compativel 4 nossa prontidao 4 generalizagao abdutiva (ver Magarifios de Morentin, 2005) e opera €m um nivel nao verbal (ver Capitulo 7), Um processo similar de abstracio invi- sivel acontece no caso dds signos icénicos esquematizado: diagrama geometrico (digamos, um triangu- lo) € um icone de alto nivel de abstracao a partir do mundo real - embora seja um que Pau parece abstrato, ‘Um diagrama ... desde que possua uma signi- ficagio geral, nio € um icone puro; mas, em, 0880s raciocinios comuns, esquecemos, em Grande medida, dessa dimensio abstrata, ¢ 6 diasrama ¢ para nés a propria coisa. Assim, 80 contemplar um quadro, hé um momento fm que perdemos a conscitnela de que aquilo nko €acoisa, a distingdo entre 0 rea ea cage, desaparece, ¢ isto €, naquele moments, tm sonho puro ~ na qualquer existencia pert, cular ~ ¢ ainda assim nao geral. Nesse mg mento n6s estamos contemplando um feone (Peirce, 1873/1986, p. 163). O simbolo A iconicidade permite que 0s processos de abstracao/generalizacao se mavam suaye- mente entre 0 objeto real ¢ sua apresentacay signica. 0 estabelecimento de um limite den- tro desse continuum dinamico cria um outry tipo de signo, 0 simbolo, O simbolo é do fato de ser compreendidd coma indy a? Siege leis, 1902, p. 527). O Indice 0 terceiro tipo de signo, CAC No que obriga passa atencio 2 se Sago SMNGDIE, Ele apenas “diz ‘Ali!™ (Peirce, 1885/1993, p. 163). Pronomes demonstrativos € relativos esto préximos de serem indices PEPER TTS TO oenesee om {GEFPFEARFEPO ‘iltimo se torna um novo sign? que denota tanto o ato de indicar quanto 0.05 Jeto (isto €, 0 objeto tal como indicado): Assim €, por exemplo, uma escultura em 8S? com um buraco de bala nele como um sino $® um tiro; pois sem o tiro nao teria havido um buraco; mas hi um buraco ls, independene mente de alguém ter a impressao de atribu™ no um tiro ae mesmo. (Peirce, 1902, p- 52) FUNDAMENTOS DAPsicoLoGiAcuLTURAL 41. Essa explicagao mostra que um indice é visto, conyencionalmente, como um signo criado pelo impacto do objeto. Assim, uma pegada é um signo do tipo indice, indicador, para o animal que deixou essas marcas, e um signo icdnico da pata ou pé daquela espécie animal em particular. © nome da espécie, detectado pela unidade entre as descrigées jcOnica e indicadora, é um simbolo. Anatureza hibrida dos signos Todas as classificagdes sio artefatos, e assim 0 € 0 esquema peirciano de trés tipos de sig- nos’, {cones baseados em convengao podem. se tornar simbolos se sua iconicidade for eli- minada, seja por esquematizacao ou por ple- romatizacao. A propriedade indicadora esta proxima da criago de um signo icénico (mas € um fndice se tomada como criagdo de uma imagem de algo). Da mesma forma, qualquer designagao de um objeto para apresentar um outro se torna um simbolo, Considere um memorial em um parque (ver Figura 1.6.), Marcar uma arvore em um pargue com uma placa em meméria de uma mulher assassinada é um hibrido de lingua- gens simbélica (duas diferentes linguas e a cruz) e indicadora (a localizagao do evento assim dada). O que esti faltando € uma foto uma pintura da mulher (signo icdnico) Dinamica da semiose Todos os signos sao vistos por Peirce como dinamicamente transformadores e transfor- Méveis, Peirce enfatizou a natureza dinamica dos signos: Simbolos se desenvolvem. Hles chegam a existir pelo desenyolvimento de outros sig- Nos, particularmente de fcones, de signos Mistos partilhando a natureza tanto de fco- ‘es como de simholos, Nos pensamos somen- te por meio de signos. Esses signos mentais sho de natureza mista; suas porgdes simbé- licas sao chamadas conceitos. Dessa forma, €4 partir de simbolos que um novo simbolo pode se desenvolver, (Peirce, 1955, p. 115) Para Peirce, a criacdo e 0 uso de signos permeiam a existéncia humana, tanto no do- experiéncias Por exemplo, na Figura 1,6., memorial para uma mulher morta em um determinado ponto em um parque urbano é um simbolo que afeta 0 am- biente pacifico do parque como um todo. Da mesma forma, a estrutura arquiteténica das casas (Salmin, 1998) e dos templos (Rajan, 1974) esta cheia da codificagao semidtica da hist6ria cultural, promovendo, no presente, a regulagao de demandas sociais e pessoais. Do passado pessoal e social em diregao ao futuro Diferentes experiéncias de vida no passado, sobretudo do passado mais recente, insistem em referenciar 0 modo por meio do qual a pessoa constréi um sentido do presente. Ao mesmo tempo, as imagens dosfuturo possi- vel, do mais imediato ao mais distante, em contraste, “empurram” em diregao ao senti- do do presente Bjopresentetqueafetavorfutusy ..0 sentimento que ainda nao emerdiu na conseiéncia imediata ja é tanto afetavel como afetado. De fato, isso ¢ hdbito, em virtude do qual uma ideia ¢ trazida 4 conscincia pre- sente por um elo que jé tinha sido estabeleci- do entre essa idejge uma outra ideia situada ainda no futuro 42 JAANVALSINER IN LOVING *| MISS WENDY MURDERED HERE IN JUNE OF i772 Figura 1.6 Memorial em um parque: marcando simbolicamente o entomo -~a idefa afetada ¢ ligada, como um predi- cado logico, a idea afetante, sujeito. ASSIA quando um sentimento emerge na conscién- cla imediata, ele aparece sempre coma uma ‘moditicagao de um objeto mais oui menns ge- ral:quejarestavaidentyordalmenté) A palavra sugestdo adapta-se bem para expressar essa Yelacao, OafIFS € Suderide pelo passeds, ow ‘TRIHOFFeTAENeRO POF upestaes Co pasea. MOP (Peirce, 1935, p, 104-105 (6.141 e 6,142) Oxiluxostemporal:garanteva novidady, constantemente ativa, dos processos semic- ticos. Portanto, para Peirce, 0 signo pode nao ser algo repetitive —a cada vez é que retoma- dojelevapaveceemumimovelatolde semiose, Exemplo 1.1: Uma igreja que se tormou um signo Em plena Berlin Ocidental, ha uma igreja em ruinas — Gedichtniskirche, Foi devasta- da durante a Segunda Guerra Mundial, per- ‘manecendo entio como um testemunho da destruicao provocada pela guerra, no meio da grande cidade que foi reconstruida, Por- que presentifica a histéria da devastay Geddchtniskirche age como um signo indi- cador generalizado, remetendo a devastacio da guerra em geral, e nao meramente como um signo denotando as bombas que demoli- ram metade daquela igreja especifica. Como ruinas" de uma igreja, permanece como um signo icénico representando todas as igrejas € acrescentando a essa ideia a nogao de dan. Em sua iconicidade, € um exemplo de umsi- no pleromatizado. oa: Aqui, as rufnas de uma igreja né0 s#° meramente rufnas: resultam da ce intencional no curso de uma guetta oe fungao indicadora denuncia a De horrores do impacto das bombas que dest" ram 0 edificio simbélico ha tanto oe Guido, a igreja, Em contraste, ori ue aéreo destruiu prédios prosimo’ igreja, os quais foram demolidos © : nas para construir em seu lugar novos edi- ficios. Do mesmo modo, outros edificios simbélicos, tais como 0 Castelo de Berlin, igualmente danificados na guerra, nao foram transformados em um memorial de guerra (signo simbdlico), pela unidade de sua iconi- cidade (“castelidade”, dada por sua arquitetu- ra) e indexicalidade (indicando o impacto das bombas). 0 C: e no mesmo recinto foi construido o prédio do Parlamento da ex-Republica Democratica ntretanto, 0 uso semidtico da igreja nao se encerra em sua apresentacao genera- lizada dos horrores do passado ou das pro- messas celestiais do objeto arquitetonico particular. Sua centralidade na vida publica da cidade o torna um lugar para apresentar os prazeres futuros, sob a forma de enormes antincios afixados na parede lateral da igreja (ver Figura 1,7). Esse antincio de cosméticos. em si mesmo uma combinagao de fungoes ic6nica (retrato de uma mulher), indicadora (o impacto dos cosméticos sobre sua pele) € simbélica do novo signo vinculado ao signo arquitetonico. A fusdo de aspectos de um novo complexo simbélico sobre uma forma arquitetnica prévia implica o controle sim- bolico do sistema de mediagao semistica. O hibrido do simbolismo bizantino e islamico no centro de Istambul ~ na Basilica de Santa Sofia, conhecida como Hagia Sofia — € um testemunho da conquista do mundo simbo- lico por meio de iconicidade e indexicalidade, Representagao de signos simbdlicos ~ nds e campos A codificagao da experiéncia humana (dura- 40) em diferentes tipos de signos tem que apresentar aqueles aspectos dos fendmenos: ue so relevantes para os fendmenos. Consi- dere as codificagdes na Figura 1.8. FuNoaMenros oa psicovoaia cutrural. 43 Exatamente a mesma experiéncia, du- ragao (durée nos termos de Henri Bergson) pode ser apresentada mediante diferentes ti- pos de signos, como mostra a Figura 1.8. 0 que 0 apresentador pode fazer com esses di- ferentes tipos de signos varia. Por exemplo, constructos baseados em signos numéricos sao utilizados amplamente nas ciéncias para permitir andlises quantitativas adicionais. Por essa razao, muitas das ciéncias sociais transformam fendmenos psicolégicos com- plexos em signos numéricos — por exemplo, com 0 uso de escalas de mensuragao (Wago- ner e Valsiner, 2005). Nao se pode precisar 0 que significa uma avaliagao numérica parti- cular, como marcar um “3” numa escala de 1 a5. Ainda assim, essa medida é aberta a novas manipulagdes dos nmeros como se seu sig- nificado original estivesse claro dentro dos pardmetros nos quais se define o significado da escala (dados pelos dois pontos extremos). Signos podem ser de diferente estrutura —nés ou campos, regulares ou irregulares. Na Figura 1,9, podem ser vistas diferentes possibilidades de descrigao de signos. A expe- riéncia pessoal, intra e interpsicolégica, bor- rosa, sempre flutuante, pode ser codificada sob a categoria de descricao de campo (cam- po regular ou irregular). Qualquer esforco para inquirir individuos em termos tipo pon- to conduz a uma selecdo do campo da reali- dade (todas as nossas questes sao complexos semidticos que sugerem um determinado tipo de resposta), DETOUssirnnainesuseray de uma narrativa conduz-a‘uma‘codificagao de signos"tiporeampomPodese"eonsiderar quendesoriqoesartistieaewamealidadencriam, “Um tino irregular de signo, envolvenda are _presenitacan srafica da experiencia. Esses dois tipos de signos nao se opdem exclusivamente. Ao se examinarem as rela- oes entre representagoes de n6 e de campo, fica claro que um né é um campo minimo e OL) mun a BANC G0 4d JAANVALSINER Figura 1.7 Gedlichinistirc! combinacao total de meios campo € um né maximizado, que é interna- mente indiferenciado (Fig. 1.10), 0 beneficio i ra heterogénea do campo, Wn jo de es iotica por me -he em Berlin: unidade da apresentagao semidti ic6nicos, indexicais e simbdlicos. da: Ambiguidade epiesaiiag & simbol? combinando icone, indic col ftulo, 2 Como pode ser visto neste ee ums trugao humana de siguiente ot li cheia de ambiguidades, att Experiéncia {todo 0 tumulto pelo qual passei quando minha cidade fo| devastada por um terremoto} TB siane-campoireguan:miona expressao de meus sentimentos sobre 0 tumulto dentro de mim) —_FUNDAVENTOS DAPSIGoLoaIACULTURAL 4 Signo “HORROR" (signo tipo ponto, uma Palavra) 7” (signo tipo numérico, uma avaliagao na escala Richter) (Signo irregular tipo campo: minha expressao de meus sentimentos Sobre o tumutto dentro de mim) Figura 1.8 Diferentes tipos de signos apresentando um evento. mites de tempo, classes sociais e distingaes n6s” <> “eles”. Os proprios signos que sao utilizados nessa fronteira sao representativos de tais ambiguidades vindas dos lados opos- tos da realidade cotidiana, em que terremo- tos podem ocorrer em meio a festividades, ou quando 6 préximo grupo de visitantes a uma aldeia tanto pode trazer o socorro longamen- te esperado, ou ser genocida, 0 puzzle de lados opostos mutuamente aninhados dentro de um signo é bem captu- rado por René Magritte nas muiltiplas versoes de seu desenho “o cachimbo-que-nao-é-um- DESCRICAO EM TERMOS ABSTRATOS, DESCRIGAO FORMAS FLUIDAS DOS FENOMENOS: ORIGINAIS NODAL (PONTO) wa -cachimbo” ~ criadas entre 1926 e 1966, da- tando deste dltimo ano a tiltima vez em que © tema aparece no trabalho de Magritte. Ha uma contradigao na direeao da interpretacaio de signos no desenho, o que ensejou esforcos Para interpretar as mensagens mutuamente ali presentes: a negacdo simbolica (verbal) da presenga icdnica (pictérica) do cachimbo (Foucault, 1983). Utilizamos aqui uma versao das muitas figuras “este ndo é um cachimbo” que Ma- Sritte criou (justamente a de 1966, 40 anos apés a primeira vez que o tema apareceu em DESCRICAO DE CAMPO regular itregular @ | La 4 f id Figura 1.9 Termos te6ricos - tipo ponto ou tipo campo — utilizados para representar a fluidez dos fendmenos na dureé (em Valsiner e Diriwachter, 2005), ae 5G i WLSNER CAMPO INTERNAMENTE DIFERENCIADO (ESTRUTURANTE) Figura 1.10 Relacdes entre nés e campos. ss ck Figura 441 Construcag wemztiarerto, 0 foco aqui € na confluéncia Jo—em uma moldura. 0 emolduramento do signo que cram uma _ signo primério complexo - um icone (dese- z dentro do signo complexo. _nho do cachimbo) e um indice (0 impacto do a combinacio de cachimbo, isto é, a fumaca) —, sendo enqua- drado por um simbolo que o nega (“isto nao é o aD € Um signo multinivel: o-cachimbo-que-nao-é-um-cachimbo ° um cachinbo", embora a fumaga sala do ca chimbo), © proprio emolduramento ¢ ambf quo, uma vex que a fumagh parece futuar so: bre o quadro e para fora dele, Ise complexo conjunto ¢ seu enquadramento simbélico ¢ ainda enquadrado (um metaenquadramento) ci jue delimita o desenho Aqui, © enquadramento pode aysumir multiplos niveis de autorreflexividade (Lefe byre, 2000), como pela moldurat idicam as outras vernbes de Magritte para esta figura, Ao crlar ambigul Jade nas apresentagbes do signo por meio de miltiplos niveis de a ragho, o6 seres huma nos criam uma ampla aplicabilidade das ferra mentas culturais que eles proprios geram, A pintura de Magritte é um sino complexo #1 tuado no outro extremo do exemplo encontra rolio; “Se Deus me pedisse, eu faria tatuagens em todo o meu corpo” (ver Capitulo 4), Enquanto o ditimo ¢ fixado em um estado, estével por melo de um signo requlatorio ("a vontade de Deus’), 0 signo “o-cachimbo-que: Nio-¢-um-cachimbo" é um signo de malti plos nivels, em aberto, de reflexividade, Ainda sim, ele é muito similar, em sua abertura, w campos de significado hipergeneralizado “vontade de Deus” (ou do “amor”, ou da “Justiga”), na medida em que permite contex {ualizagio em uma varledade de situagbes. dona 47 FUNDAMENTO® DA PEICOLOGIA CULTURAL A riquezs dos varios tipos de signos, todos entrelagados em um complexe, possl hilita ¢ exemplo acima, considere 4 Migura 1,12, que se uso Varlado, Em contraste com 0 stapoe duas mensagens simbdlicas opostas itil assinalar 0 aspecto das contradi gOes inerentes dentro da mensagem: ainda agio requladora imediata no favo nalor riqueza no seu uso; pode ser vega urna um equivoco 4 margem da estrada, pode ser quente, mas nio urn signo regulador dos complexos sistemas pessoais- culturais de sentimentos, A maior parte dos objetos em nosso ambiente sao signos com binados, nos quais a aparente arbitrariedade do signo pode ser sustentada por meios ied nicos ou indexicais, Esses signos combinados ativam processos de construgao de significa dos dentro do mundo semidtico posstvel (Ma- garifios de Morentin, 2005) - interpretagées que orientam a conduta humana sem neces sarlamente envolver o nivel verbal de media- gio (ver Capitulo 7), A ruptura abdutiva na emergencia do significado (Lotman, 2002a; ntaella, 2005) ¢ 0 Aha-Erlebnis" descrito por Karl Buhler no infeio do século XX sao exemplos da transformagio do campo semié- tico possivel em uma real compreensio. uma plada incon NTXe) yt AQUI Figura 1.12 Um signo inorentemonte contradiério: uma forma simbélioa de oncontro a uma verbal, 48. JAANVALSINER Afabricacao de signos hipergeneralizados tipo campo fora das atividades cotidianas 0 uso da nogio de signos tipo campo nos permite considerar a complexidade das expe- riéncias na vida real como signos complexos. Pao ou milho (no México - ver Sandstrom, 1990), vinho (para as 4reas mediterraneas), cerveja (para os alemaes) arroz (para os ja- poneses, Ohnuki-Tierney, 1993) séo cultua- dos na medida em que sao simbolicamente ligados a pessoas ou divindades. Esses obje- tos cruciais de existéncia cotidiana — comida ~ desempenham o papel de transferir esses valores dentro de um dado campo de signi- ficados. Tal transferéncia ocorre por genera- lizagéo simbélica. O objeto - por exemplo, arroz, para os japoneses — pode, mediante sua generalizacao simbélica, ligar a pessoa, a unidade de pessoas, ao mundo indefinido (mas importante) dos valores e seres sobre- naturais. Uma equivaléncia simbélica pode ser estabelecida do seguinte modo: ARROZ = ALMA = DIVINDADE = NIG/TAMA (poder positivo e pacificador da divindade) Além disso, a ligacao da pessoa com a unidade social imediata (a “unidade-nés”) Pode ocorrer por esta comida (“nosso ar- ro2", “nosso po”, “nosso hambirguer”). 0 Processo de generalizacao do valor simbé- lico permite que tais ligacées sejam feitas, Por meio do que se conheceu na Psicologia da Gestalt" como transferéncia vertical, em contraste com sua contrapartida “horizon- tal". A nogao de transferéncia vertical en- volve abstracao de aspectos selecionados de um fendmeno sob a forma de um todo eral superordenado. A Gestalt de ordem mais ele- culo para Teorganizar uma outra modo que a transferéncia de co- 0 de uma situagio para outra pro. situagao, d nheciment cede por um terceiro nivel mediador, hier quicamente superior (ver Capitulo 7), A experiéncia cotidiana do ambiente dy vida, como totalidade, pode dar origem 4 complexos signos tipo campo. Para os fn. landeses, a nogio do “siléncio das noites de vera , ou a nogdo de “saudade”® para og brasileiros ¢ portugueses (Lourenco, 1999), embora possam ser facilmente comunica- das no plano interpessoal, sao basicamente nao traduziveis para outras linguagem. Para transmitir a riqueza total do siléncio de uma noite de verao, seriam requeridas efusivas explanagbes das dife- rentes estagdes finlandesas, da luz do verio nérdico, da suavidade do verde e, especial- mente, do estado mental do qual emerge 0 significado dessa expressao ou imagem, Na verdade, 0 siléncio de uma noite de verso no € composto de mero siléncio; em vez disso, € um estado mental repleto de indimeros sig- nificados e sensagdes da natureza. E também: uma ilusdo que representa um conceito ideal da realidade (Vainomaki, 2004, p. 349). Além disso, a totalidade da experiéncia envolve a codificacao dessas experiéncias com: plexas em signos mais complexos — uma si? fonia (isto é, um sistema musical, uma versdo sobre o nao siléncio) sobre o tema do silencio de uma noite de verao. Ou o convite de Pau! Simon e Art Garfunkel a seus ouvintes pare escutar 0 som do siléncio. Assim como x? riéncia vivida, a experiéncia de construgo signo cria formas semioticas paradoxals- Ambiguidade de signos ‘Aambiguidade:das:construgoesshumanss” m Abbeye2006). A ambiguidade dos te aberto, torna possjvel reduzir @ amb sgn de do viver, e estas conduzem a novos - um cachimbo”, embora a fumaca saia do ca- chimbo). O préprio emolduramento é ambi- guo, uma vez que a fumaca parece flutuar so- bre o quadro e para fora dele. Esse complexo conjunto ¢ seu enquadramento simbélico é ainda enquadrado (um metaenguadramento) pela moldura branca que delimita 0 desenho. Aqui, 0 enquadramento pode assumir mtiltiplos niveis de autorreflexividade (Lefe- bvre, 2000), como indicam as outras versbes de Magritte para esta figura. Ao criar ambigui- dade nas apresentagoes do signo por meio de miiltiplos niveis de abstragao, os seres huma- nos criam uma ampla aplicabilidade das ferra- mentas culturais que eles préprios geram. A pintura de Magritte é um signo complexo si- tuado no outro extremo do exemplo encontra- do na assergio: “Se Deus me pedisse, eu faria tatuagens em todo o meu corpo” (ver Capitulo 3). Enquanto o ultimo ¢ fixado em um estado estavel par meio de um signo regulatério (“a vontade de Deus”), 0 signo “o-cachimbo-que- -nao-€-um-cachimbo” é um signo de malti- plos niveis, em aberto, de reflexividade. Ainda assim, ele é muito similar, em sua abertura, aos campos de significado hipergeneralizado da “vontade de Deus” (ou do “amor”, ou da “justiga”), na medida em que permite contex- tualizagdo em uma variedade de situacdes. FUNDAMENTOS DA PsicoLoaia cuLTURAL 47 A riqueza dos varios tipos de signos, todos entrelagados em um complexo, possi- bilita esse uso variado. Em contraste com 0 exemplo acima, considere a Figura 1.12, que justap6e duas mensagens simbdlicas opos E Gtil assinalar o aspecto das contradi- Ges inerentes dentro da mensagem: ainda que sua ago reguladora imediata nao favo- reca uma maior riqueza no seu uso; pode ser um equfvoco @ margem da estrada, pode ser uma piada inconsequente, mas nao um signo regulador dos complexos sistemas pessoais- -culturais de sentimentos. A maior parte dos objetos em nosso ambiente sao signos com- binados, nos quais a aparente arbitrariedade do signo pode ser sustentada por meios icé- nicos ou indexicais. Esses signos combinados ativam processos de construcao de significa- dos dentro do mundo semistico possivel (Ma- garifios de Morentin, 2005) — interpretagoes que orientam a conduta humana sem neces- sariamente envolver o nivel verbal de media- cdo (ver Capitulo 7). A ruptura abdutiva na emergéncia do significado (Lotman, 2002a; Santaella, 2005) e 0 Aha-Erlebnis™ descrito por Karl Buhler no infcio do século XX sao exemplos da transformacao do campo semié- tico possivel em uma real compreensao. NAO y=] = AQUI Figura 1.12 Um signo inerentemente contraditério: uma forma sim! verbal bdlica de encontro a uma 48 JAANVALSINER A fabricacao de signos hipergeneralizados tipo campo fora das atividades cotidianas 0 uso da nogao de signos tipo campo nos permite considerar a complexidade das expe- rigncias na vida real como signos complexos. Pao ou milho (no México ~ ver Sandstrom, 1990), vinho (para as dreas mediterranea), cerveja (para os alemaes) arroz (para os ja- poneses, Ohnuki-Tierney, 1993) sao cultua- dos na medida em que sao simbolicamente ligados a pessoas ou divindades. Esses obje- tos cruciais de existéncia cotidiana — comida = desempenham o papel de transferir esses valores dentro de um dado campo de signi- ficados. Tal transferéncia ocorre por genera- lizagao simbélica. O objeto — por exemplo, arroz, para os japoneses — pode, mediante sua generalizacao simbélica, ligar a pessoa, a unidade de pessoas, ao mundo indefinido (mas importante) dos valores e seres sobre- naturais. Uma equivaléncia simbolica pode ser estabelecida do seguinte modo: ARROZ = ALMA = DIVINDADE = NIGITAMA (poder positivo e pacificador da divindade) Além disso, a ligacdo da pessoa com a unidade social imediata (a “unidade-nds”) pode ocorrer por esta comida (“nosso ar- roz”, “nosso pao”, “nosso hamburguer”), O proceso de generalizagao do valor simbé lico permite que tais ligacdes sejam feitas, por meio do que se conheceu na Psicologia da Gestalt” como transferéncia vertical, em contraste com sua contrapartida “horizon- tal”. A nogao de transferéncia vertical en- volve abstragao de aspectos selecionados de um fenémeno sob a forma de um todo geral superordenado, A Gestalt de ordem mais ele- vada é 0 vefculo para reorganizar uma outra situagdo, de modo que a transferéncia de co- nhecimento de uma situagao para outra pro- cede por um terceiro quicamente superior (y A experiéncia cotidi vida, como totalidade, pode a complexos signos tipo campo, ° i landeses, a nocio do “silencio dag ss verao”, ou a nocao de “saudageri® aS brasileiros e portugueses (Lourengo i embora possam ser facilmente ie das no plano interpessoal, sao basicamarn nao traduaiveis para outraslinguagem poe transmitir a riqueza total do siléncio de ume noite de verao, seriam (Vel mediad lor, ‘er Capitulo 7) Near. lente dy rigem 3 --requeridas efusivas explanagbes das dife rentes estagoes finlandesas, da luz do verdo nérdico, da suavidade do verde e, especial mente, do estado mental do qual emerge 9 significado dessa expressio ou imagem. Na verdade, o siléncio de uma noite de verso io € composto de mero silencio; em vez diss, € um estado mental repleto de intmeros sig nificados e sensacoes da natureza. E também tuma ilusio que representa um conceito ideal da realidade (Vainomaki, 2004, p. 343). Além disso, a totalidade da experiéncia enyolve a codificagao dessas experiéncias com: plexas em signos mais complexos = umasiit fonia (isto é, um sistema musical, uma versi0 sobre o nao silencio) sobre o tema do silencio de uma noite de verdo. Ou o convite de Paul Simon e Art Garfunkel a seus ouvintes Pe escutar 0 som do silencio. Assim coma ae riéncia vivida, a experiéncia de constus® signo cria formas semioticas paradoxais. Ambiguidade de signos ‘A ambiguidade das constru miéticas € tao importante aunt das ambiguidades da propria VCO 45, Abbey, 2006). A ambiguidade saan aberto, torna possivel reduzir @ ‘008 de do viver, e estas con jes humanas S* duzem a ne — abstraidos, também de natureza ambigua. Ha uum paralelo entre a ambiguidade do viver e a prépria construgio da ambiguidade ~ sendo nibos ferramentas representacionais (Dars- ellung) € pré-presentacionais (Vorstellung), signos sio necessarlamente ambiguos. Se cultura deve ser explicada pela semiose, a nogao de ambiguidade esta necessariamente, por conseguinte, no centro de todos os noses constructos tedricos, do mesmo modo que de- sempenha um papel central em nossas expe- a. Assim, por exemplo, rigncias de a ambiguidade ¢ intrinseca aos conceitos hindus do sagrado e (,..), assim como 0 sa- grado, a ambiguidade nao esté confinada a uma pequena pega do mundo Hindu; atra- vessa tudo, da fala & sexualidade, do sonho ao sangue. Se é absolutamente legitimo pensar ra “cultura Indiana” como um todo orginico, como um sistema que pode ser representa- do e descrito como tal, entao a ambiguidade deve ser um componente chave deste todo, como um aspecto chave do sistema comu- nicativo por meio do qual essa totalidade & mantida. (Trawick, 1992, p.41) Se 0 signo mais geral ~ este do sagrado ~ é inerentemente ambiguo dentro de uma dada unidade coletiva, ele sera infinitamente ambiguo na multiplicidade de construgbes pessoais que dele se utilizam. Com sua ajuda, pessoas enfrentam novas ambiguldades na vida ~ fabricando novos signos de tal forma ‘que apresentam as ambiguidades do viver pe- Jos (diferentes) tipos de ambiguidades tam- bém encontradas em signos. Hé algumas regras basicas para a emer @encia de signos complexos na intersecgao da iconicidade, indexicalidade e formagao de simbolo, Ao passa que o lado simbélico da fabricacao do signo pode operar com ampla liberdade de tentatiyas simbélicas (Werner € Kaplan, 1963), os signos ie6nicos ¢ indi- cadores permanecem ligados as qualidades FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA CULTURA! visuais, actisticas, olfativas ou pereeptuai Lateis — do objeto de apresentagio. O PROCESSO DE PRODUGAO E TRANSEORMAGAQ,DO.SIGNOn Como pessoas criam signos? 0 esforgo de Fre- derick Bartlett para enfatizar 0 processo de semiogénese concentrou-se em como os di- ferentes sistemas de “tendéncias de reagao”, no Ambito da totalidade psicolégica humana, podem entrar em relagéo uns com os outros, de modos especificas, fazendo uma dessas ten- déncias produzir simbolos para outras. Bartlett formulou um mecanismo geral de emergéncia de simbolos na esfera dos processos mentais: ‘Um determinado material suscita uma dada tendéncia, que se expressa e € posta em re~ Jago a outro material para auxiliar na for~ magdo de um sistema mental particular. No mesmo tempo, uma diferente tendéncia entra em jogo e, a partir disso, 0 mesmo material assume diferentes relagdes e um lugar em um, sistema mental diferente. StSCCaSteremtais, contudo, AGIA, normalmente, (alates, Eles estilo ligados entre'si, primeno;;porque -partilham: materiais:comuns:ey)secundarian ‘mente; porque; entre:todasias:tendéncias que _tomam parte em:sua formagao; uma,ouiduss ‘sGosemprewdominantes. ‘\s tendéncias domi- nantes configuram a migragao dos sistemas, por assim dizer, e a palavra de ordem para 0 crescimento dos simbolos na vida mental in- dividual é 0 ‘contato dos sistemas mentais’. (Bartlett, 1924, p. 281, énfases adicionadas) Na realidade, o esforgo de Bartlett para fornecer uma explicagao dos processos psico- ldgicos envolvidos na semingemes@s bastante contemporaneo, Envolve énputs provenientes de algum evento (A) experimentado, incidin- do simultaneamente sobre duas (ou mais) partes de um sistema psicolégico hierarquica- 50 JAANVALSINER mente organizado ("‘tendéncias’, que “nao sdo hormalmente isoladas”), Terfamos, assim: X = = 55 ==Y (onde > > indica a relagao prévia de dominancia no sistema holistico). Ja que A se relaciona com Y, torna-se também relacio- nado aX e integrado dentro dessa estrutura hierdrquica, permitindo que X seja transfor- mado (similarmente a nogao piagetiana de assimilagao/acomodagao). A questao que se coloca, entao, é: de que modo o novo material (A) passa a ser visto como se representasse a tendéncia dominante? Qualquer objeto pon- tudo (A), assim, poderia ser visto, no campo psicanalitico de construgdo de significados, como uma representacao simbdlica do pénis (Y), devido a tendéncia dominante do comple- x0 da sexualidade (X) jé associada a nogdo de pénis. Como o proprio Bartlett ressaltou, ‘Se nds estamos considerando o crescimento dos simbolos na vida individual, a pista mais importante para 0 processo como um todo seré encontrada no fato de que, no caso de qualquer individuo, ha sempre determinadas tendéncias, ou grupos de tendéncias, que as- sumem o lugar de condutoras e dominam as demas... As tendéncias dominantes de um individuo sempre determinam qual se alinhao crescimer simbolismo, Pode ser dito pane eS de tendéncias, com mais r0s, pen f maneceram como elle dominantes na vida de um indiyi- ee Sa 0 Brupo religioso ¢ o Brupo sexual, im esuladn disso € que dificilmente have. ‘Salguma coisa com a qual a direcdo com nto de seu proprio que, em geral, no COMO simbolo re- ligioso ou sexual, (Bartlett, 1924, p, 281) chegam para m udar 0 proceso ae Podem conduzir a seu d e, do ™esmo ‘ indono do Signo pelos D ae Eles conduziram a sua emergéncia Permite a cons. truco pessoal de ferramentas culturais libe- radas para outras aplicagoes. Bsss aplicagiy adicionais (construgao pessoal de regula alguns provessos em outro contexto temp envolye signos que operam como dispostys circunscritores. -Nosso.sentire pensar diantedoifitlira. De mediador a regulador: o significado superdetermina O movimento de um signo em direcio a um papel de regulador cria o caso minimo de um sistema dinamico hierarquico de reguladores, Tentarei explicar o caso minimo aqui, mesmo admitindo que se trata de um exerefcio arti: cial. Na vida real, 0 que podemos encontrar é ocrescimento sempre-crescente e sempre-ge- neralizante do sistema semiético regulatorio. Nesse aspecto, a conduta humana é s0- bredeterminada pelo significado (Boesch, 2000, Capitulo 1; 2002a, 2002b — ver também Capitulo 5). O préprio objetivo de orientacao Para uma meta, que pode ser uma diata ou recorrente na vida, tal como (e despir-se), ou preparar e i Mento (@ seus processos de elit © educar filhos, disputar p cio ("Minha sogra, por cities, me fez come- ter um erro”); em outro ainda uma de nivel mais alto ("A vontade de Deus me fara come- ter este erro”). Todos esses nfveis sao perfeita- mente legitimados dentro do campo coletivo- -cultural de significados, e coincidem dentro dele, Ainda assim, é da pessoa a liberdade quanto a qual nivel de simbolizagao adotar — dentro das fronteiras do campo de significa- dos em dado periodo histérico. Eu acrescenta- ria aqui que esta sobredeterminagao ¢ flexivel, sendo estimulada em alguns momentos e em outras limitada a apenas um nivel de sig- no (ou nada disponivel, como, por exemplo, acontece quanto a algumas agdes humanas automatizadas que em seu desenvolvimento se tornaram livre do controle semistico). Nao vou examinar aqui o proceso de generalizagao dentro dessas hierarquias. Li- mito minha cobertura as relacoes entre dois nfveis adjacentes da hierarquia de controle de signo (SIGNO e METASSIGNO), e a sua relagdo com o alvo da regula¢do, assim como sua autorregulagao. Signos construfdos criam, simultanea- mente, a unidade de estabilidade e flexibili dade, 0 signo situado como regulador em um) metanivel define as fronteiras de estabilidade do signo. Ao definir tais fronteiras, ele necessa- Signo x Signo Y FUNDAMENTOS 04 psicoLociacuLTURAL 5 riamente define os dominios de instabilidade, ou as possibilidades para transpor essas fron- teiras (de acordo com a légica cogenética — ver Capitulo 3; e também Herbst, 1995). Aqui se apresenta o principio universal da idetermi- nagdo delimitada (Valsiner, 1997) operando no mundo cotidiano: cada muro construido em uma cidade para separé-la em duas meta- des, ou cada restricao feita pelos pais quanto & hora estabelecida — ou “toque de recolher” — para os adolescentes voltarem para casa, criam_ duas novas possibilidades — sustentar a regra de separacao (ou seguir as regras da casa), ou transgredi-las. A criacao de tal ponto de bifur- cacao — 0 momento da deciso quanto a agir de um modo ou de outro —é um processo psi- colégico cheio de ambivaléncia. Pode haver a tensio da propria tentacao de transgredir, que temperada pela ferramenta cultural autorre- gulatoria (significado), que bloqueia o desejo de transgredir. As regras sociais sii mantidas ~ efortificadas ~ por esse ato autorregulatério, O que acontece se diferentes nfveis de signos se tornam unidos em uma curva de controle mituo prospectivo que opera pela légica da intransitividade? Considere o exem- plo no qual uma pessoa cria sua propria “di- vindade pessoal", seja ela uma figura de um deus, o espirito de um ancestral, ou algum OO Signo X como metassigno em relagao a Y — Signo Y Fi : aura 113A relacao com a dindmica da mediacao do signo pelo metassigno 52 JAAN VALSINER outro poderoso “outro social” intrapsicol6gi- co, Tal divindade é configurada como a fonte de poder a quem recorrer para ajuda, embora esta fonte seja configurada pela propria pes- soa, Assim, o sistema de mediacio semidtica da pessoa inchii duas camaadas hierdrquicas: NIVEL SUPERIOR: “Su (pessoa) governo VOCE (divindade) — pois vocé € uma construgao minha” NIVEL INFERIOR: “Como divindade podero- sa, VOCE deveria gover- nara MIM" Esse exemplo indica a flexibilidade da me- diago semiética intrapsicolégica — um siste- ma tal como a descrito é um exemplo de “hie- rarquia clclica” (onde PESSOA > DIVINDADE > PESSOA > DIVINDADE >.... se movem em um ciclo). Essas hierarquias cfclicas prevale- cem em sistemas sociais flexiveis nas ocasides em que estes necessitam enfrentar diversas demandas de sobrevivéncia. Sentimentos e Pensamentos humanos, em sua realidade — que € ambfgua e cheia de ambivaléncia (Abbey, 2006; Buller, 2006) — sio regulados por hierar- quias cfclicas de signos que seguem a légica da intransitividade. Alguns signos so fabricados, ena ‘ou em um formato quase- -estdvel, para re i i pr ours, ao ts tico no enfrentamento de ne scene ee cesiades futuras dels de unseen: z se as cireuns- Para isso, a fungi nda oe : 680 promotora d neeralizados é de c aici aed "ucial relevancia, oO Principio do Controle tedundante Redundancia é a cobertu; Por mais de um sistema ra da mesma fungao de controle, Ela ga- rante a seguranga do desenvolvimento Por causa das possibilidades compenst6ras que sio construfdas dentro do sistema. Conside. re os dois sistemas de controle apresentados na Figura 1.14, onde “A” € um exemplo de um mecanismo singular atuando sobre um processo hipotético. Se esse controle se tor- na disfuncional, a fungao nao pode conti- nuar, Em contraste, a fungao permanece em caso de controle redundante (“B” na Figura 1.14.), em que o papel do controle que se tornou disfuncional (A) é assumido por um outro (B) e pode também ser atendido por €. Mediante uma superproducao desses sis- temas de controle redundante, os sistemas psicolégicos humanos podem operar com uma estabilidade relativamente alta dentro de condigoes ambientais que mudam cons- tantemente. Como um exemplo, considere como 0 valor cultural ‘respeifo pelos outros’ pode ser estabelecido no mundo de uma pessoa em desenvolvimento. O conjunto de agentes potenciais af envolvidos difere: pode incluir, primeiro, os pais ou os irmaas mais velhos, depois, os professores e em seguila os colegas de escola. As arenas paraa promo ¢40 desse valor sdo também variaveis — des de campos de atividade do bebé e do toddler até salas de aula em uma escola e shoppings frequentados por adolescentes. Do mes? modo, situagdes experimentadas por pes? em desenvolvimento sao também varidvels indo dos exemplos positivos (p. ex. uma P® Soa jovem mostrando respeito por sigue” mais velho) aos negativos (uma gangue lescente espancando um adulto, € © trav de observar isto acontecendo). £ se U © Ses agentes ou arenas esté ausente (OU a funcional para a promogao do valor em 0°” ‘outros assumem seu papel. were a FUNDAMENTOS Da psicoLociacuLTuRAL 53 A. Mecanismo de controle nao redundante fo a MECANISMO DE CONTROLE PROCESSOS CONTROLADOS SS B. Mecanismo de controle redundante MECANISMO A MECANISMO B MECANISMO C = PROCESSOS CONTROLADOS Figura 1.14 O principio do controle redundante. REGULANDO O FUTURO SUBJETIVO: O SIGNO PROMOTOR, Aexisténcia humana situa-se dentro de uma extensao temporal que ¢ orientada para o futuro, Essa extensao se efetiva pelo estabe- lecimento de signos especificos abstratos 0 suficiente para funcionar como guias de toda @ gama de construgdes possiveis no futuro. Esses signas — ou partes de signos — operam como signos promotores (Valsiner, 2004; 2006b). Devido a sua generalidade, eles sao mais adequadamente descritos por represen- tages graficas do tipo campo. Fenomenolo- Sicamente, esses signos promotores sao pro- fundamente internalizados operam como Orientagdes pessoais baseada em valores, Todo operador semistico pode funcio- nar como um signo promotor, orientando a amplitude de variabilidade na construgao de significado possivel no futuro (em analogia com as sequéncias da organizagao genética humana que promovem a expressiio de ou- tras partes do gene). Cada significado — signo — que esta em uso durante a janela de tempo infinitamente pequena que nés, convenien- temente, chamamos “o presente”, é um dis- positivo de mediagao semiotica que se esten- de do passado em diregao ao possivel futuro —antecipado, ainda que desconhecido, O pa- pel promotor desses signos define-se como. uma fun¢So prospectiva (feed-forward): os signos estabelecem a gama de fronteiras de significado possiveis para as experiéncias fu- turas no mundo, que sao imprevisiveis, ainda 54 _JAANVALSINER que antecipadas, Quando necessério, a pes- soa estd constantemente criando significado adiante de seu tempo, orientando-se em di- rego a uma ou a outra vertente da experién- cia antecipada e, dessa forma, preparando-se para esse futuro. Operando em outras fronteiras de possibilidades Os signos sao, no presente, promotores de um leque de significados possiveis de serem fabricados no futuro, mas nao de significados especificos. Essa variedade inclui cada um: dos pontos dentro dos circunscritores que especificam a fronteira do campo de signifi- cacao. Consequentemente, cada um dos sig- nificados possiveis esta incluido nesse leque que € fornecido pelos signos promotores. Uma vez estabelecido em uma versao ge- neralizada, um signo se torna um signo pro- motor quando canaliza ages futuras e, so- bretudo, quando se torna internalizado sob a forma de sentiments. Considere a descricao de um sentimento profundamente enraizado de uma pessoa em relagao a papéis: Seja escrito ou nao, impresso OU nao, eu sin- to respeito por todo tipo de papel para escre- ver. Nao suporto beiras dos cadernos dobra- das, ou pilhas de papel fora de ordem, Apds ler 0jornal, nao consigo deixd-lo assim como fica, todo desarrumado, com péiginas fora do lugar, Por exemplo, se vejo alguém sentado & minha frente em um transporte pablico, desculdadamente abrindo as péiginas de ums revista ou livro com sua unha ou com um pente, fi ico logo chateado, (Nesin, 1990, p, 42) Nesse exemplo, o sj » Signo generali: i on ‘alizado tipo MPO que nomeamos sinteticamente “res- de eventos simbélicos repetiti IVOS na it ‘, (quatro décadas antes): infincia quando eu era crianea, todo turn ey de ler ou escrever, viesse ele de alias ae Cidades grandes, pegaria imediatamente due coisas do chao e as poria em um lugar de deg. aque numa parede, poste, em um galho de Arvore ou outro lugar bem acima do chi, Uma dessas coisas era pao; a outra, pape im. resso. Essas duas coisas ndo eram para ser pisadas. Pao era um “dom de Deus" ea pégj ‘na impressa era sagrada. Ao pegar 0 pao, y Pessoa, primeiro, o beijavae tocava a prépria, testa com ele, pondo-o entdo nesse lugarally onde nao poderia ser pisado. E pessoa algu- ‘ma pensaria, jamais, que algo mau poderia ser impresso no papel” (ibid,). A nogdo generalizada de respeito sagrado era promovida pela unidade entre proibigio de ages, rituais e significados na infancia. Uma vez colocada, essa unidade preparava 0 palco para o sentimento relacionado aencon- tros que viessem a se dar com materiais im- Pressos, esvaziando-o previamente de outros contetidos. Todos os encontros concretos com papel (significado A na Fig. 1.15)seriam subsumidos por tal sentiment generalizado (significado B na Figura 1.15), por uma am pla variedade de circunstancias. E este oP" cesso de generalizagao abstrativa de signos: estabelecer o sentimento dirigido dam cia a ser estabelecida, que ¢ construilo uma proposigao seres humanos.

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