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BRUTALIDADE eee E COMPLEXIDADE NA ECONOMIA GLOBAL | | Angélica Freitas Vedigio Paz 8cTerra, | Rio de Janeiro | Séo Paulo 2016 Copyright ©2014 by the President and Fellows of Harval College Publicado medante acordo com a Harvard Univerey Press (Copyright da tradugio © Paz e Tera, 2016 “Tul iin: Exlns: ratty and Complete lal anon Design de capa: COPA (Rodrigo Moreen e Steffi Paol) [imagem de cap: Foe doo Doce plu pel lama com restos de mini da bareagem da ‘Stra de Maana/MG, Foto reiiads em Linhares/ BS po Remando MadeeaJornal A (Gazas, em noverbeo de 2015 Dies de ego da obra em lingua portaguess no Bras adgudos pela xoromd 7422 eRRA, “Teds os dros reservados, Nenhura parte desta cra pode ser propia eetoada em skeemade banca de aoe os proceso mar, em qualquer forma ou mel, ja leténico, de foxocpla, revi ee sem a permsso do detent do copyright. airs Pa Terr ad Rua do Prato, 19,10 anda, conju 101 ~Parlso So Paulo, SP 0205400 Ie! orotrecorcombe Sep um etorpeforendll Record, (Cadet see rca informagter bre nosns langaments e nossaspromogies. Ateneo e vends drt 20 letor: smdiero@recod.com br ou 21) 25852002 “Tex revisdo segindo onow Acordo Ortogrlfio a Lingua Peragues SL CATALOGAGAONATONTE 'SNDICATO NACIONAL DOS EOITORESDBLIVROS. Susen, sada susie Explsben braid ecomplesidade nt economia bal Saks Ser aurso [Angie Fras. 1*ed~ Ripe ano! ‘SioPrlo: Pare Tera, 2016 Spepi23 em ‘Tadago de Bapubions 1 Sodolog 2 Beonomi 3.Glbalzae | Talo, copss0s Impreso no Beal Para Richard centro visivel.E apesar disso ha lugares em que tudo se retine, onde co poder se torna concreto e pode ser desafiado, ¢ onde os oprimidos si parte da infraestrutura social pelo poder. As cidades globais sio sum desses lugares. ssas sio as dindmicas contradit6rias que examino neste livro. artes dele aparecem na bibliografia geral sobre assuntos contem- porfineos, mas nunca foram narrados como uma dinamica geral que nos leva a uma nova fase de um certo tipo de capitalismo global. ‘que procuro fazer é contribuir com uma teorizagio que comece com 0s fatos “ao nivel do chao”, livres da intermediacdo de instiruig6es familiares, e que nos leve ao outro lado das diferenciag6es geopoli- ticas, econdmicas e culturais tradicionais, 120 | Sasma Sassen 1 ECONOMIAS EM CONTRACGAO, EXPULSOES EM EXPANSAO O objetivo deste capftulo é dar corpo a ideia de que talvez tenhamos ‘entrado em uma nova fase do capitalismo avancado na década de 1980, perfoilo que reinventou os mecanismos de acumulacio primi- tiva, Hoje a acumulagio primitiva 6 executada por meio de opera- es complexas e de muita inovacZo especializada, que vai desde a logistica das terceirizagGes até os algoritmos das financas. Depois de ‘trinta anos desse tipo de desenvolvimento, testemunhamos em boa parte do mundo economias em contragio, a escalada de destruigao dabiosfera no mundo inteiro e o ressurgimento de formas extremas de pobreza e de brutalizac&o onde achévamos que ja tinham sido eliminadas ou estavam em vias de desaparecer. (© que se costuma chamar de desenvolvimento econémico de- pendeu, por muito tempo, da extraco de materiais de uma parte do mundo e de seu transporte até outra. Nas tiltimas décadas essa ‘geografia da extraclo se expandiu rapidamente por meio de novas tecnologias complexas e agora se caracteriza por desequilibrios ainda ‘aiores em sua relagGo com os recursos naturaise sua utilizaco. A. combinagio de inovagdes que aumenta nossa capacidade de extracio ‘agora ameaca componentes essenciais da biosfera, deixando-nos com extensGes cada vez maiores de terras e Aguas mortas. Parte dessa hist6ria jé € antiga. O crescimento econémico nunca foi benigno. Mas as escaladas das iltimas trés décadas assinalam ‘uma nova época, pois ameacam um miimero cada vez maior de pes- soas e de lugares em todo o mundo. Esse crescimento ainda adota formas e contetidos diferentes no conjunto de paises diversamente desenvolvidos que chamamos de Norte global, em compara¢io com ‘grupo de paises menos desenvolvidos, ou diversamente desenvolvi- dos, a que nos referimos como Sul global. HA muito tempo as elites predat6rias, por exemplo, tém sido associadas a pafses pobres com abundantes recursos naturais, nlo a paises desenvolvidos. Contudo, cada vez mais verificamos um pouco disso também nestes titimos, porém de formas muito mais intermediadas. Minha tese é a de que estamos assistindo & constituicio nfo tanto de elites predatérias, mas de “formacées” predatérias, uma combinacio de elites e de capacidades sistémicas na qual o mercado financeiro €um facilitador fundamental, que empurra na diregio de ‘uma concentraco aguda. A concentragao no topo nao é nada nova. (© que me preocupa sio as formas extremas que ela hoje assume, ‘em uma quantidade cada vez maior de dominios em grande parte do mundo, Vejo a capacidade de gerar concentracio extrema nas seguintes tendéncias, para mencionar apenas algumas: 1) A riqueza daquele 1% de pessoas mais ricas do mundo aumentou 60% nos tl- timos vinte anos. No topo desse 1%, os mais ricos “cem bilionarios acrescentaram USS 240 bilh6es as suas fortunas em 2012-0 suficiente para acabar com a pobreza mundial quatro vezes”.?2) Os ativos ban- ccrios cresceram 160% entre 2002 ~ muito antes da crise plena ~ € 2011, quando a recuperacio financeira jé havia comecado: foram de ‘uss 40 trilhes para USS 105 trilhGes, mais de uma vez e meia o valor do pie global.’ 3) Em 2010, ainda no periodo da crise, os lucros das 5,8 milh6es de empresas nos Estados Unidos aumentaram 53% em relago a 2009, mas apesar desses lucros gigantescos os impostos que pagaram ao pais diminufram em Us$ 1,9 bilhio, ou 2,6%. Individuos ricos e empresas multinacionais, sozinhos, nfo conse- ‘guiriam chegar a concentragGes tio extremas da riqueza mundial. Precisaram do que poderiamos chamar de uma ajuda sistmica: ‘uma interacio complexa desses atores com sistemas reorientados aa | Saou Sassen 1 possibilitar a concentrago extrema, Essas capacidades sistémicas so uma combinacio varivel de inovagdes técnicas, de mercado e finangas, mais a permissio governamental. Constituem uma con- digo que é, em parte, mundial, embora geralmente funcionem de acordo com as caracteristicas dos pafses, suas economias politicas, leis e governos.* Blas contém enormes capacidades de intermediagio que agem como uma espécie de névoa, reduzindo nossa capacidade de enxergar 0 que esté acontecendo. Contudo, a diferenga de um século atrés, nessa névoa néo veriamos magnatas fumando charu- tos. Hoje, as estruturas através das quais essa concentragio ocorre so um agrupamento de miltiplos elementos, em vez dos feudos de alguns bardes gatunos. Parte do meu argumento é cue um sistema com a capacidade de concentrar riqueza nessa escala é peculiar. & diferente, por exemplo, de um sistema com capacidade de gerar a expansio de classes trabalhadoras ¢ médias prosperas, como ocorreu durante a maior parte do século xx no Norte global, em boa parte da América Latina e em varios paises africanos, em especial na Somalia. Esse sistema anterior estava longe de ser perfeito: havia desigualdade, concentracao de riqueza, pobreza, racismo etc. Porém, era um sistema com uma capacidade de gerar um setor médio crescente que continuou se expandindo por virias geracdes, € os filhos, em sua maioria, viviam em melhores condig6es do que seus pais. Além disso, esses resultados distributivos nfo eram simplesmente uma fungio das pessoas envolvidas. Foram necessarias capacidades sisté- micas especificas. Mas na década de 1980 essas capacidades prévias jé haviam se enfraquecido, e vimos 0 surgimento de outras, que impulsionam a concentra¢o no topo, em vez do desenvolvimento de um centro amplo. Assim, porexemplo, o fato de que os 10% no ‘topo nos Estados Unidos obtiveram 90% do crescimento da renda na década de.2000 indica algo mais do que capacidade individual: foi possibilitada por aquela mistura complexa que concebo como formacio predatéria. Exuisoss | 23 Na primeira sego deste capitulo, explicarei em mais detalhes como 0 crescimento econémico pode ser constituido de diferentes ‘maneiras, com efeitos distributivos distintos. Entendo que em nossa modernidade global vemos um aumento repentino do que se cos- ‘tama definir como formas primitivas de acumulagio, geralmente associadas a economias anteriores. O formato nfo é mais semelhan- te A colocagio de cercas nas terras dos criadores de ovelhas para a producto de Ia, como se fazia na Inglaterra, no intuito de satisfazer as demandas dos fabricantes de téxteis durante a Revolucfo Indus- tial. Hoje so necessérias enormes complexidades técnicas e legais para executar o que slo, basicamente, extragdes elementares, Para citar apenas alguns casos, trata-se da colocacio de cercas, por parte de empresas financeiras, ao redor dos recursos de um pais e dos impostos de seus cidadaos, do reposicionamento de porcdes cada vvez maiores do mundo como locais de extracao de recursos, e do redirecionamento dos orcamentos governamentais nas democracias berais, afastando-os das necessidades da sociedade e dos trabalha- ores. Retomarei esses assuntos na terceira seco. Na segunda seco, examino a desigualdade global através desta lente critica. Se a desigualdade continuar crescendo, em algum mo- ‘mento poderé ser descrita, mais precisamente, como uma forma de cexpulso, Para aqueles que esto na parte mais baixa da escala, ou ‘em sua metade pobre, isso significa a expulsdo de um espaco de vida. Para os que esto no topo, parece ter significado o firm das tesponsa- bilidades como membros da sociedade por meio da autosseparacio, a extrema concentracao de riqueza disponivel numa sociedade e a falta de inclinagio a redistribuir essa riqueza. Para aprofundar a discussio dos casos extremos de desigualdade, a terceira seco concentra-se em situag6es familiares que, quando levadas ao extremo, se tornam desconhecidas: 0 outro lado da curva. Para tornar visivel a atual ccapacidade sistémica acelerada de tornar extremo o que é familiar, concentro-me no mundo desenvolvido. A Grécia e a Espanha, em particular, ingressaram numa fase de contracio ativa de suas eco- 24 | Sasa Sasson nomias a um ponto que nfo pensévamos ser possivel no mundo desenvolvido hé alguns anos. Astrés primeiras secdes do capitulo destacam a velocidade coma ‘qual o que se experimentava comomais ou menos normal pode evo- Iuire se transformar:no posto. Asduas sedes finais concentram-se nos tipos agudos de expuls6es que devem se tornar mais frequentes em determinadas regides do mundo, Uma delas € 0 crescimento da populacio deslocada, sobretudo no Sul global, nas duas décadas passadas, e a outra é o rapido aumento da populaco encarcerada ‘num niimero crescente de paises no Norte global. Essas e muitas outras condigées antigas, mas em mutacio, apontam para uma transformacio sistémica em miiltiplos lugares. No Sul global, tanto as diferentes causas do deslocamento quanto o futuro daqueles que foram deslocados questionam as classificacées formais das Nagdes Unidas sobre 0 que so pessoas deslocadas, porque a maioria delas jamais voltaré para casa: a casa agora fica em uma zona de guerra, fazenda, operacio de mineracdo oa em terra morta. Uma mudanca, equivalente é visivel no Norte global, onde o que até pouco tempo atrés era encarceramento como resposta a.um crime (quer tenha sido ele cometido ou nic), agora esté se convertendo no armazenamento de pessoas, o que, além do mais, ¢ feito cada vez mais com fins Iu- ccrativos ~ com os Estados Unidos sozinhos na vanguarda, CONTRADICOES INSUSTENTAVEIS? DA INCORPORACAO A EXPULSAO ‘As formas como 0 crescimento econémico ocorre tém importan- cia, Determinada taxa de crescimento pode descrever economias diferentes, desde uma economia com pouca desigualdade e uma classe média préspera até outra com extrema desigualdade concentracao da maior parte do crescimento em uma pequena camada superior. Essas diferencas existem entre os paises e tam- Bere | 25 bém dentro deles. Alemanha e Angola tiveram a mesma taxa de ccrescimento do Pr no ano 2000, mas € evidente que apresentavam economias muito distintas ¢ experimentaram efeitos distributivos também muito diversos. Embora a Alemanha esteja diminuindo isso, o pais ainda dedica boa parte dos recursos a infraestrutura nacional e oferece uma ampla variedade de servigos a populagio, desde assisténcia médica até transporte piblico. O governo de ‘Angola nio faz nada disso: escolheu apoiar uma pequens elite, ‘que por sua vez procura satisfazer seus proprios desejos, entre cles iméveis de luxo na capital, Luanda, hoje considerada a cidade ‘mais cara do mundo, Bssas diferencas também podem ser vistas ‘em um tinico pais ao longo do tempo, como os Estados Unidos nos titimos cinquenta anos. Nas décadas apés a Segunda Guerra Mundial, o crescimento estava amplamente distribuido e formou ‘uma classe média forte. Jé a década de 2000 viu 0 surgimento de ‘uma classe média empobrecida, com 80% do crescimento indo para aquele 1% no topo. ‘Na era pés-Segunda Guerra Mundial, os componentes essenciais das economias de mercado no Ocidente eram aintensidade do capi- tal fixo, a producio padronizada e a construgéo de novas unidades de habitacio nas cidades, nos subirbios e em novas localidades. Esses padres eram evidentes em varios paises nas Américas do Norte e do Sul, na Buropa, na Africa e Asia, sobretudo no Japao ‘enas economias dos chamados Tigres Asiéticos. Bssas formas de crescimento econémico contribufram para uma vasta expansio da classe média. Nao eliminaram a desigualdade, a discriminacao ‘ouoracismo, mas reduziram tendéncias sistémicas a desigualdade extrema ao constituir um regime econémico com foco na producao eno consumo em massa, com sindicatos fortes em alguns setores ¢ diversos apoios governamentais. Outras maneiras de deter a desigualdade foram as formas culturais que acompanharam esses processos, particularmente pelo modo como ajudaram a moldar as estruturas da vida cotidiana. Por exemplo, a cultura da grande 26 | Sasa Sassen classe média suburbana, evidente nos Estados Unidos e no Japio, contribuin para o consumo em massa e, portanto, para a padroni- zacio da producio, o que por sue vez facilitou o sindicalismo na ‘manufatura e na distribuicio’ Em conjunto com politicas governamentais, a indistria desem- penhou um papel particularmente importante nessa conjungio de tendéncias. Como setor principal nas economias com base no mer- cado durante boa parte do século xx, a manufatura em massa criow as condigBes econdmicas para a expansio da classe média porque (1) facilitou a organizacio dos trabalhadores, sendo o sindicalismo seu formato mais comum; (2) era baseada em grande parte no consumo doméstico, e por isso os niveis salariais eram importantes, porque criavam uma demanda efetiva em economias que eram, namaioria, relativamente fechadas;e 3) os niveis salariais relativamente altos € os beneficios sociais tipicos dos setores industriais mais importantes tornaram-se um modelo para setores mais amplos da economia, ‘mesmo aqueles que nao eram sindicalizados ou industriais, Amanu- fatura também desempenhou esse papel em economias industriais que no eram de estilo ocidental, principalmente em Taiwan ena Coreia do Sul, e, de forma propria, em partes da Unido Soviética. "Também teve papel significativo no crescimento de uma classe média na China desde a década de 1990, embora nio tao relevante como no Ocidente no século xx. ‘Nos anos 1990, essas histérias e geografias econdmicas jé tinham sido parcialmente destruidas. O fim da Guerra Fria desencadeou ‘uma das fases econdimicas mais brutais da era moderna. Levou a ‘uma reorganizacio radical do capitalismo, com o efeito de abrir terreno global para modos novos ou muito ampliados de extragao de lucros mesmo em dominios improvaveis, como as hipotecas subprime de casas modestas, ou por meio de instrumentos impro- -vaveis, como os credit defult swaps (permutas de descumprimento crediticio), que foram um elemento-chave do sistema bancério paralelo. Vejo o répido crescimento industrial da China como parte Bxwvisbes | 27 dessa nova fase do capitalismo global iniciada na década de 1980.6 Isso também ajuda a explicar por que esse crescimento nfo levoua ‘uma grande expansio das présperas classes média e trabalhadora nna China. Essa diferenga também caracteriza um crescimento da mannfatura em outros paises que passaram a fazer parte do mapa de terceirizagdes no Ocidente. Duas légicas atravessam essa reestruturagio, Uma é sistémica € std inserida nas politicas econémicas e de (des)regulamentagio da ‘maiotia dos paises, das quais as mais importantes sao a privatizacioe aeliminagio de tarifas sobre importagSes. Nas economias captalistas isso se manifesta na alteracio € no desaparecimento de fronteiras 1nos arranjos fiscais e monetérios existentes, embora com graus de intensidade variados em diferentes paises. A segunda légica € a transformagio de reas cada vez maiores do mundo em zonas extremas para esses modos novos ou muito maiores de extracio de lucros. As mais conhecidas sio as cidades globais e os espacos para o trabalho terceirizado, Cada um deles ‘uma espécie de denso cencrio local que contém as diversas condigdes de que as firmas globais necessitam, embora cada uma o faca em ‘etapas muito diferentes do processo econémico global: computado- res para o alto mercado financeiro, por exemplo, e a fabricagao de ‘componentes para esses computadores. Outros cenérios locais na ‘economia global atual sio as fazendas e os ambientes para extracao de recursos, todos produzindo principalmente para a exporta¢o. A cidade global é um espago para a produgdo de alguns dos insumos ‘mais avancados de que as firmas globais necessitam. Jéa terceiriza- ‘do diz respeito a espacos para a producio padronizada de compo- nentes, imimeros call centers, trabalho administrativo padronizado, outros, todos de forma macica e padronizada, Esses dois tipos de ‘espagos esto entre os fatores mais estratégicos na construcao da economia global de hoje, além de setores intermediarios, como 0 dos transportes. Concentram os diversos mercados de trabalho, infraestruturas especificas e ambientes construidos essenciais para 28 | Sasua Sassen a economia global. E esses so os lugares que tornam visiveis as milltiplas desregulamentacdes e garantias de contrato desenvol- vvidas e implementadas por governos ao redor do mundo, e pelos principais érgios internacionais, que se beneficiaram delas — em ambos os casos, trabalho na maior parte pago pelos contribuintes de quase todo o mundo. ‘A desigualdade nas capacidades de geracio de lucro dos diferen- tes setores da economia e nas capacidades de ganho de diferentes tipos de trabalhadores é, hi muito tempo, uma caracteristica das economias de mercado avancadas. Mas, hoje, na maior parte do mundo desenvolvido, as ordens de magnitude distinguem os pro- cessos atuais daqueles das décadasdo pés-guerra. Os Estados Unidos provavelmente esto entre os ca:os mais extremos, 0 que torna 0 padrdo brutalmente claro. As Figaras 1.1 € 1.2 mostram o aumento extraordinario dos lucros e bens corporativos nos tiltimos dez anos, ceisso mum pafs que vem tendo resultados corporativos extraordiné- rios hé muito tempo. Figura 1.1 - Lucros corporativos depois de impostos nos Estados Unidos, 1940-2010 (em bilhdes de délares) 1.800 1400 1400 1200 1.000 ‘00 600 400 200 ° 1940] 1945] 1950] 1955] 1960] 1965] as70) 97s! 1980) 1985) 1990) 1995) 00) 2005: 2010) 2015: Fonte: Federal Reserve Bank of St, Lous, 2138 (em rajuse de inflagio, meus | 29 Figura 1.2 — Bens corporativos nos Estados Unidos, 1950-2010 (em bithdes de détares) 18000 seem [_____________} v0 tean0 1000 son | 000 6000 200 0 eee 8 PEESERE 1985; 1995 2000) € & 210 2015 BER EE g Fonte: Federal Reserve Bank oft Louis, 20136 (em reajuste de inflagc. ‘A.década de 2000 ajuda ailuminar esse incessante aumento dos lucros corporativos e a reducZo dos impostos corporativos como parte das receitas tributérias federais.A crise no fim da década trouxe uma queda acentuada, porém momentnea, dos lucros corporativos, masque, em conjunto, continuaram crescendo. O grau de desigualdade e os siste- ‘mas em que a crise esté incorporada e através da qual esses resultados foram produzidos geraram enormes distorg6es no funcionamento de diversos mercados, de investimentos a habitacao e trabalho. Por ‘exemplo, utilizando dados do Servigo de Receitas Internas (Internal Service Revenue, ou 1sR, na sigla em inglés) sobre as declarages de mpostos das empresas, David Cay Johnston descobriu que, em 2010, as 2.772 empresas que eram proprietirias de 81% do total de ativos ‘empresariaisnos Estados Unidos, com uma média de uss 23 bilhesem ativos por empresa, pagaram uma média de 16,7% de seus lucros em ‘impostos @2,1%amenos que em 2008), embora seus ucros combinados tivessem aumentado 45,2%, um novo recorde’ Oslucrosaumentaram trés vezes mais répido que os impostos, o que significa, de fato, que os impostos federais cairam.* Os efeitos sao visiveis na composicio das receitas fiscais federais:aparcela de impostos individuais aumentaea se | Sasua Sasso pparcela de impostos corporativos diminui, Estima-se que a parcela de impostos individuais cresca de 41,5% das receitas federaisno ano fiscal de 2010 para 49,8% no ano fiscal de 2018. Em compara¢io, espera-se que oimposto sobre arenda corporativa —levando-se em conta as taxas atuais — cresca apenas 2,4 pontos percentuais no mesmo periodo, de £8,9% das receitas federais em 2010 para 11,3% em 2018? A trajetbria dos governos nesse mesmo periodo é de endivida- mento crescente. Hoje, a maioria dos governos dos paises desen- volvidos nfo poderia empreender os projetos de infraestrutura em grande escala to comuns nas décadas do pés-guerra. Utilizando dados do Pundo Monetério Internacional (rua), a Organizagio para ‘a Cooperacio e Desenvolvimento Econémico (OCDE) encontrou um crescimento geral do endividamento dos governos centrais como porcentagem do rip. A Tabela 1.1 apresenta ntimeros para varios paises, em sua maioria desenvolvidos. Essa tendéncia se verifica em tipos muito diferentes de governos: a Alemanha viu a divida de seu _governo central aumentar de 13% do P1B em 1980 para 44% em 2010; a divida do governo dos Estados Unidos passou dos 25,7% do Prs em. 1980 para 61% em 2010, e a divida do governo da China aumentou de 1% do Pr em 1984 para 33,5% em 2010. (O crescimento dos déficits goverramentais também foi alimentado pelo aumento da evaso fiscal, favorecido em parte pelo desenvolvi- ‘mento de instrumentos contébeis, financeiros € legais complexos. Em um projeto de investigacao de 2012 para a Tax justice Network, contador Richard Murphy estimava em Uss 3 trilhdes a taxa de eva- ‘G0 no mundo inteiro em 2010, o que representava 5% da economia mundial e 18% do recolhimento mundial de impostos nesse mesmo ano." O estudo englobava 145 pafses, com USS 61,7 tilhdes de produto interno bruto, 0198,2% do total mundial. A evasio fiscal foi estimada a0 se justapor dados do Banco Mundial sobre o tamanho estimado das economias paralelas e uma andlise da Heritage Foundation sobre a ‘média das cargas tributérias por pais" A Figura 1.3 apresenta estimatt- ‘vas de evasio fiscal para uma série de paises desenvolvidos, incluindo aqueles considerados bem administrados e com bom funcionamento, nro | 51 como Alemanha, Franca e Reino Unido. Vao desde 8,6% do Pts, nos Estados Unidos, a 43,8% do prs, na Riissia, Para Murphy, uma razio crucial para essa evasio fiscal so regulamentos fracos para a conta- Dilidade e a declaracZo, combinados com orgamentos inadequados para fazer cumprir as leis tributirias. Os Estados Unidos tém a maior ‘quantidade de evasio fiscal absoluta, o que claramente é, em parte, fangio do tamanho de sua economia, Murphy estima a evasio fiscal americana em Uss 337,3 bilhdes, ou seja, 10,7% da evasio global. O mimero no é muito diferente das estimativas oficiais do 15R sobre as receitas previstas e nfo arrecadadas. De acordo com as medidas utilizadas no relat6rio, exclui-se a evasio fiscal “legitima’, que como sabemos aumentou muito na década passada gracas a uma contabili- dade extremamente criativa, que inclui o uso de arranjos contratuais privados capazes de esquivar as regulamentagdes governamentais legitimamente, por assim dizer:* ‘Tabela 1.1 —_Divida dos governos centrais (em % do PIB) ‘em 11 paises, 1980-2010 ‘no. Pate 90 190 72000) 2000 ‘Alemanha 130 187 384 444 Avstilla 80 6a na no Canada 261 466 408 36 China a 69 16, 335 Bepana 43 365 «9 su szados Unidos 337 aus 39 a3 Guten nd one 108.9 us Ilia ay 928 03,6 108.0 Japto or 0 1061 35° Portugal 22 su saa 830 Suet 296 Fonte: OCDE, 2014 Notas a. Dados relatives a 1984 b. Dados relatives a 1995; . Dados relatives 2 2009, 2 | Sasta Sassen Figura 1.3 ~ Paises com os maiores niveis absolutos de evasio fiscal, 2011 © 2 = s x + L© g 4 2 =T10/CW a oe 3 4 3 sat = § gw 2 a eH . » = 8 “SP OS LEOHELS eres = Temanho do econoia para (% do) Fonte: Johnston, 20. Em grande parte disso tudo, os perdedores slo a maioria dos cida- aos e o governo de seus paises. Os governos ficam mais pobres, como resultado da evaséo fiscal e porque um niimero maior de cidadaos esta mais pobre ~ portanto, menos capazes de cumprir com suas obrigagSes sociais. O indice de Progresso Genuino (1P6) € uma medida abrangente que inclui condig6es sociais e custos ambientais: ajusta os gastos utilizando 26 variaveis de modo a contabilizar custos como poluicio, crime e desigualdade, e ativi- dades benéficas em que o dinheiro nfo é utilizado, como trabalhos domésticos e voluntérios. Uma equipe internacional liderada por Ida Kubiszewski, da Universidade Nacional da Australia, reuniu estimativas do Ipc para 17 paises, que juntos somam a metade da populacéo e do pis mundial, para gerar um panorama geral das, mudancas no indice nas iltimas cinco décadas. A equipe descobriu que 0 1PG por pessoa atingiu 0 ponto maximo em 1978 e desde Bouts | 3 entio tem diminuido lentamente, mas de forma constante." Em comparacio, o PIB per capita tem aumentado de forma constante desde 1978. Segundo a equipe de pesquisa, isso indica que aspec- tos sociais e ambientais negativos avancaram mais répido que 0 crescimento da riqueza monetétia, a qual, como sabemos por meio de outros dados examinados neste capitulo, vai se concentrando ‘cada vez mais no topo. Utilizando dados do Fattsobre gastos piblicos e medidas de ajus- te em 181 pafses, Isabel Ortiz e Matthew Cummins examinaram 0 impacto da crise, de 2007 até as previsOes para 2013-2015. Os autores descobriram que os dados do PMI usados em 314 estudos mostram que um quarto dos paises esté sofrendo uma contracio excessiva. ‘A “contragao excessiva’ € definida como um corte nas despesas governamentais como porcentagem do P1B no periodo pés-crise de 2013-2015, em comparacio com a medida equivalente nos niveis ppré-crise de 2005-2007, A contragio fiscal é mais severa no mundo em desenvolvimento. A projecio é de que ao todo 68 paises em de- senvolvimento devam cortar 0s gastos piblicos em 3,7% do Pra, em ‘média, no periodo 2013-2015, em comparagaio com 2,2% em 26 paises de alta renda. Em termos populacionais, a austeridade iria afetar 5,8 bilhées de pessoas, ou 80% da populacdo global, em 2013; esse mimero deve chegar a 6,3 bilhdes de pessoas no mundo inteiro em 2015, ou 90% da populacio global. Isso leva os autores a questionar 1a vantagem de uma contracio fiscal como saida para a crise, Bles argumentam que a propensio mundial a consolidacio fiscal devera agravar o desemprego, encarecer alimentos e combustiveise reduzir o acesso de muitos lares a servigos essenciais em todos esses paises. Esses lares esto arcando com os custos de uma “recuperacio” que simplesmente passou por eles. Alguns dos principais processos que alimentam a crescente desigualdade nas capacidades de ganhos e de geracio de lucros so parte integral da economia da informacio avancada. Assim, a4 | Saseaa Sassen a desigualdade crescente no & uma anomalia nem, no caso dos ganhos, o resultado da mio de obra imigrante barata, como se costuma afirmar. Um desses processos é a ascensio e transforma- ‘¢d0 do mercado financeiro, principalmente por meio da securiti- zacSo, da globalizacio e do desenvolvimento de novas tecnologias de telecomunicacio e de redes de computadores. Outra fonte de desigualdade na gera¢io de lucros e nos ganhos é a crescente i tensidade dos servigos na organizacio da economia em geral, isto é,ademanda cada vez maior de servigos por parte de empresas e de domicilios. Na medida em queexista no setor de servigos uma forte tendéncia a polariza¢o nos niveis de conhecimento técnico de que os trabathadores necessitam, assim como em seus salérios, 0 ccrescimento da demanda de servicos reproduz essas desigualdades na sociedade como um todo. A excepcionalmente alta capacidade de obtencao de lucros de muitas das principais induistrias de servigos est incorporada a uma complexa combinagio de novas tendéncias. Entre as mais significativas, nos tiltimos vinte anos, esto as tecnologias que possibilitam a hipermobilidade do capital em escala global; adesre- gulamentacio do mercado, que maximiza a implementagio dessa hipermobilidade, e as invencbes do ramo financeiro, como a secu- ritizaglo, que dé liquidez a capitais que até entio nfo eram liquidos permite que circulem com mais rapidez, gerando mais lucros (ouperdas). A globalizacio eleva a complexidade dessas indiistrias de servigos, seu cardter estratégico e também seu glamour. Isso, por sua vez, contribuiu para sua valorizacio e, frequentemente, supervalorizaco, como ilustram es aumentos astronémicos altos do salirio daqueles profissionais de mais ato nivel que se iniciaram na década de 1980, uma tendéncia que se normalizou em muitas ‘economias avancadas."* avowss | 35 Figura 1.4 —Poredo da renda* que vai para os 10% dos lares mais ricos nos EUA, 1917-2002 (em %) TZN \ 7 8 30 3 » Fonte: Mishel, 2004, Tabla Nota: a. A renda ¢definida como rends de mercado, mas exci ganhos de capital De todos os paises altamente desenvolvidos, é nos Estados Unidos que essas tendéncias estruturais profundas séo mais legiveis. Dados em Ambito nacional mostram um crescimento marcante da desi- ‘gualdade no pais. Por exemplo, o aumento dos ganhos durante 0 nivel pré-crise de 2001 a 2005 foi alto, porém distribuido de forma muito desigual. A maior parte se destinou aos 10% dos lares no topo da escala, sobretudo para 0 1% mais alto. Os 90% restantes dos lares experimentaram um declinio de 4,2% em sua renda ba- seada no mercado.” A Figura 1.4 mostra um padrdo a longo prazo, desde o boom e a bancarrota da década de 1920, 0 crescimento dos setores médios nas décadas do perfodo keynesiano € 0 retorno 20 ripido crescimento da desigualdade em 1987. Foi nesse periodo imediatamente apés a guerra, que se estendeu até o fim da década de 1960 € 0 inicio da de 1970, que a incorporagio de trabalhadores as relagdes formais do mercado de trabalho chegon a0 nivel mais 26 | Sesion Sass alto nas economias mais avancadas, Nos Estados Unidos, isso ajudou a diminuir a porgdo do total de ganhos salariais que iam para os 10% no topo: de 47%, no seu maximo, na década de 1920 e inicio da de 1930, para 33% de 1942. a 1987, A formalizacio das relagdes trabalhistas nesse perfodo ajudou a implementar uma série de regulamentagdes que, em conjunto, protegiam os trabalhadores asseguravam suas conquistas obtidas por meio de hutas muitas vezes violentas. Nao que tudo estivesse bem, é claro. Essa formalizagio ‘também implicou a exclusio de diferentes segmentos da forca de trabalho, como as mulheres € as minorias, em especial em algu- ‘mas indtistrias fortemente sindicalizadas. Quaisquer que tenham sido suas virtudes e seus defeitos, esse periodo de ouro para os trabalhadores organizados chegou ao fim na década de 1980. Em 1987, a desigualdade estava novamente em ascensio, ¢ com forca. A Figura 1.5 mostra que 0 1% dos assalariados com ganhos mais altos teve um aumento de 280% em sua rend familiar entre 1979 € 2007, tendéncia confirmada no censo de 2010 e que continua hoje. Figura 15—Mudanga percentual a partir dos nivets de renda depois de impostos nos Fstados Unidos, 1979-2007 200) 0 7 20 180 100 g Ogunto misao g8 gui imemedieco 01% notop0. — outa mais bio Font: Sherman e Stone, 2010. Baoousses | 37 O Sul global teve sua propria versfo da contracZo, um assunto que aborco de forma mais ampla no Capitulo 2. Dito de forma muito resu- ‘ida, depois de vinte anos ou mais dos programas de reestruturago do Fatt e do Banco Mundial, muitos desses pafses tém agora uma divida muito maior com diversos credores privados representados pelo Fatt do que antes da intervencao financeira internacional. Sens _governos pagam aos credores mais do que investem em componentes bisicos do desenvolvimento, como satide e educacdo. A Tabela 1.2 traz_dados sobre alguns dos governos que mais devem. ‘Tabela 1.2 ~ Governos de renda baixa e médio-baixa com 0s maiores pagamentos de divida externa, 2012 ‘Pagamento da divida Pais (oda recta do governs) Belize 28 Filipinas za Butio 266 Salvador 258 Sei Lanka 241 Sio Vicente 186 Santa Leta 18, ‘Angola wm Maldivas Gambia Paraguat Guatemala Indonésia Laos Paguistdo Font: jbllee Debe Campaign, 2012, Tabela 3. Essas so algumas das tendéncias destrutivas principais que comecaram nna década de 1980, ganharam forga no mundo inteiro nos anos 1990 alcancaram alguns de seusniveis mais altos na década de 2000. Embora 28 | Sasa Sass ‘muitas tenham seiniciado antes da crise de 2008, ainda nfo eram muito visiveis. O que se podia ver eram a renovagao e a gentrificacdo de vas- tas éreas urbanas, que davam uma impressio de prosperidade geral, de Parisa Buenos Aires, de Hong Konga Dublin, Essas tendéncias foram cexacerbadas ¢ agora sio visiveis. Em suas formas mais extremas, ser- ‘vem como janelas para uma realidade mais complexa ¢ esquivade um ‘empobrecimento em expansio, gerado em parte pelo que se enxergava, sobretudo, como um crescimento explosivo de riquezas ede lucros, um. proceso de vinte anos que examinei em detalhe em outro trabalho."* A seguir, examino mudangas agudas numa série de dominios muito diferentes. Vio desde o ripido crescimento dos lucros das em- ppresas, paralelamente ao répido aumento do déficit dos orcamentos governamentais, até o aumento das populag6es deslocadas no Sul ‘global eas crescentes taxas ce encarceramento no Norte global. Cada ‘um dos dominios examinados € extremamente especificoe funciona dentro de um conjunto particular de instituig6es, leis, objetivos obsticulos. A medida que as condig6es se agravani, contribuem para ‘uma terceira fase que est apenas comecando, e que é marcada pelas expulsées — de projetos de vida ¢ de meios de sobrevivéncia, de um pertencimento a sociedade, e do contrato social que est no centro da democracia liberal. Isso significa mais do que simplesmente mais desigualdade e mais pobreza. Em minha leitura, trata-se de um pro- ‘cesso que ainda nfo ¢ inteiramente visivel e reconhecivel. Nao é uma ‘codigo enfrentada pela maioria, embora possa vir a ser, em alguns ‘casos. Implica uma generalizacio gradual de condiges extremas que ‘comecam nas bordas dos sistemas, em microambientes. Isso éimpor- tante, porque boa parte dessa mudanca aguda que tento descrever ainda é invisivel para os estatisticos. Mas também é invistvel para os transeuntes: as classes médias empobrecidas que ainda podem morar em suas belas casas, com perdas escondidas por tras das fachadas decoradas. Cada vez mais, esses lares tém vendido a maior parte de seus bens para conseguir fazer pagamentos. Come¢aram por vender coisas basicas, incluindo a mobilia, e convivem com filhos adultos. Suponho que, em seu carter extremo, essas condigdes se tornem Exputs6es | 39 heurfsticas e nos ajudem a compreender uma dindmica maior, menos ‘extrema ¢ mais abrangente, de nossas economias politicas. ‘A seguir, descreverei tendéncias gerais do crescimento da desi- gualdade tanto em paises ricos quanto em pobres, ¢ prosseguirei com um exame mais detalhado da contragao ativa das economias ‘grega, espanhola e portuguesa. Desigualdade de venda no mundo crescimento da desigualdade nos tiltimos trinta anos tem sido implacavel.” Bm vez de oferecer um panorama de um assunto jé familiar, gostaria de rever alguns aspectos particulares da desigual- dade. Apesar das discordancias sobre medigBes, recortes temporais ¢ interpretacio, hé muitos indicios que mostram desigualdades de renda e de riqueza consideraveis, tanto entre paises quanto dentro dos paises, no mundo inteiro. A maior parte dessa desigualdade pode ser explicada pelas diferencas entre paises, medidas pela média do pais. Figura 1.6—Desigualdade, 1820-1992 08 oa o7 os 2 os = oa te 03 att 02 on Deevo médlologatmico 1820 1850 1970 1890 1910 1927 1950 1960 1970 1980. 1992 — Dentro do pe [Enve pases seo Desigualdade total Fonte: Bourguignon e Morrison, 2002, Tela 2 4 | Sass Sassen _Embora exista um consenso de queo nfvel de desigualdade econdmi- ‘cano mundo tem aumentado de forma acentuada durante o tltimo século e meio (ver Figura 1.6), hi um debate em andamento sobre os ‘iltimos vinte anos. Varios autores demonstraram que muito depende da maneira como se mede a desigualdade mundial. Se, em vez de utilizarmos a média do pais, empregéssemos a soma dos ntimeros reais de pessoas pobres em cada pais, segundo os padrées basicos, chegariamos a outra medida, diferente da desigualdade global. Po- 1rém, esté claro que a lacuna entre as rendas em nagGes ricas e pobres é grande e crescente. Numa medicio da desigualdade entre rendas nacionais, Milanovic mostra que o quintil mais pobre de algumas nagées de alta renda (que inclui pafses como a Dinamarca) sera mais rico, em média, do que o quintil mais rico de nagdes de baixa renda (que inclui paises como Mali)” ‘Ainda que a desigualdade entre paises continue representando a maior parte da desigualdade global, sua participagao tem diminuido desde o final da década de 1980, o que confirma algumas das ten- déncias que discuto: de acordo com Atinc etal.,caiu de 78% em 1988 para 74% em 1993, e para 67% em 2000." O que apoia minha tese é que, desde a década de 1980, a desigualdade interna - desigualdade dentro dos paises ~ tem aumentado (ver Figura 1.7), ainda que néo necessariamente em todos eles. Além disso, houve aumentos signi- ficativos em varios paises membros da OCDE, para os quais hé dados de longo prazo disponiveis (ver Figura 1.8 para uma amostra). Em alguns paises da ocpe —principalmente Estados Unidos, Reino Unido e Israel -, a desigualdade de renda dentro do pais vem aumentando desde o fim da década de 1970. Nos anos 2000, a desigualdade de renda dentro do pais comecon a aumentar rapidamente em nagbes com pouca tradigio de desigualdade, como Alemanha, Finlandia e Suécia. A evidéncia nos integrantes da OCDE indica um crescimento da desigualdade dentro do pais. Bavisbss | 4 Figura 1.7 ~Desigualdade dentro dos paises, 1988-2002 0 Conciente de Git s o . 88 1998 1598 ane Fonte: Milanovi, 2008, Figura 1.8—Mudanga na desigualdade interna em paises da OCDE, 1980-2000 v Fo & ttf PO PPted a | Susman Sassen Desigualdade de renda nos Estados Unidos (Os Estados Unidos podem servir como uma espécie de experimento natural, mostrando-nos a que ponto pode chegar a desigualdade rno que se costuma considerar um “pais altamente desenvolvido” (ver Figura 19). De acordo com Milanovic, mesmo que as pessoas ‘mais pobres nos Estados Unidos estejam, em média, numa situacéo muito melhor do que a dos mais pobres em muitos paises em de- senvolvimento, a desigualdade dertro dos Estados Unidos esta entre as maiores do mundo. Em 2010, aquelas familias que ocupavam 0 quinto mais alto representavam 47% do total da renda nacional; desse montante, 20% ia para os 5% das familias com renda no topo da escala, Bsses niimetos excluer a riqueza herdada, os ganhos de capital e outras rendas nao relacionadas a um trabalho. Enquanto isso, 0 quinto mais baixo representava apenas 3,8% do total.” A dis- Figura 1.9 — Porcentagem de crescimento de 1979 a 2006 em salarios e vencimentos médios nos Estados Unidos, por ranking domiciliar ase 0% ase soe + ase + 20% + vet vox + | ot Gamo Segundo Quinto Guane B0-

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