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CONTRA A “CIENCIA NORMAL” JOHN WATKINS London School of Economics I HE algumas semanas fui convocado para responder na tarde de hoje ao Professor Kuhn. Feyerabend e Lakatos forneceriam os ou- tros ensaios; mas o primeiro nfo péde vir e o segundo descobriu que, ao organizar este semindrio, gerara um mbastro cabecas © s6 para atender as suas exigéncias, que se mi estaria ocupado aproximadamente vinte ¢ quatro horas por dia. © convite inesperado deixou-me muito feliz, Kuhn goza de uma posieio énica no mundo de fala inglesa como historiador com mentalidade filos6fica e como filésofo da ciéncia com espfrito his- térico. Entendi que seria um privilégio e um prazer responder 20 seu trabalho. Para Kuhn, todavia, a mudanca de programa foi menos agra- dével. Ele esperava que Feyerabend ¢ Lakatos escrevessem ensaios independentes, de modo que o seu s6 precisaria estar pronto hoje & tarde: Soube, entdo, que eu responderia ao seu ensaio, o que signi- ficava que eu deveria vé-lo com alguma antecedéncia. Reagiu her camente, enviando pedacos do seu trabalho através do Atlantico A medida que lhe safam da méquina de escrever. Durante grande parte da Gltima semana senti-me como o leitor de um folhetim sensacional, aguardando ansioso, 0 capitulo seguinte. Desa maneira, meu pré- prio ensaio foi escrito de um s6 fdlego; e receio que isto tenha agra- vado minha tendéncia para nao levar em conta detalhes e sutilezas na tentativa de medir forgas com as idéias de alguém. No tumulto dos tltimos dias tive um grande auxiliar, A obra de Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, € um livro famoso, 33 com © qual me acho razoavelmente familiarizado, Tive o privilégio de Ié-1o quando ainda manuscrito em 1961 e de discuti-lo com o nik tor. Em 1963 foi ele tema de extensos debates no semindrio de Sir Karl Popper, em que 0 Sr. Hattiangadi apresentou um estudo tarde, desenvolven em interessantissima itarei alguma coisa que Popper disse na no me surpreenderé que meu ensaio contenha emprésti- ‘mos feitos inconscientemente as nossas discuss6es durante 0 semiario. De modo que o meu trabalho versaré tanto sobre o livro de Kuhn quanto 0 ensaio que ele acaba de ler. que ndo deixa de ser conve. niente, Que em seu estudo, Kuhn adotou uma politica muito Parecida com a politica sukarniana de confrontacdo entre a visio da ciéncia proposta em seu livro e a visio popperiana da ciéncia, ‘Alegra-me que 0 tenha feito. Lembro-me de haver-lhe sugerido em 1961 que desenvolvesse ¢ 0 © choque entre fua visio da comunidade cientffica como sociedade essencialmente fechada, constantemente abalada por colapsos nervosos coletivos se. guidos da restauragao da harmonia mental, e a visio de Popper do que deve ser, ¢ realmente ¢, em grau considerivel a comunidade entifica: uma sociedade aberta em que nenhuma teoria, por mais dominante ¢ bem-sucedida que seja, nenhum “paradigma", para usar © termo de Kuhn, € sagrado, Na ocasio Kuhn néo seguiu a sugestao, mas hoje fez, sem diivida, uma “amende honorable” Duas coisas, todavia, me deixaram um tanto insatisfeito com a maneira pelo qual ele organizou a confrontacio. Em primeiro lugar, @ forma como ele a apresenta néo é tio séria quanto poderia ser Logo no comeco, diz: “Em quase todas as ocasiées em que nos vol. mente Para oS mesmos problemas, nossas opiniGes $0 io quase idénticas.”1 Minha meta ser. apresenti conjlitos maiores entre os dois pontos de vista. A esta altura citar uma observacéo inclufda no ensaio de Kul dizer, resume o conflito prin © abandono do discurso crit para uma ciéncia,”? al numa sentenca: pre: que assinala a transigio A segunda causa da minha insatisfagio € diferente. Uma con- frontagio ‘ao estilo de Sukarno envolve nfo s6 um grande choque ‘deologico mas também grande quantidade de escaramugas locais. Espero que Kuhn me perdoe por limitar a maior parte das minhas L. Neste volume, pp. 56, 2. Neste volume, p. 11 34 na.? Em meu texto con- ntra-escaramucas a uma nota de pé de pégina. co Contranme-si ta yea dele eta originale estinutania -— da Clee. cia Nommal. Haveré certa injustiga inconsciente ou, pelo menos, certa parcialidade em minha discussio da tenha considerdvel importincia sociol6 logo que inves- i io cientifica como poderia investigar, digamos, a pro- eu a considerarei de um ponto de vista metodolégico, e a metodolo- gia, tal como a compreendo, diz mais respeito 4 ciéncia no que ela tem de melhor, ou A ciéncia como deveria ser dirigida, do que ciéncia vulgar. ‘Meu programa seré o seguinte. Comecarei, na seco II, con- ntando 0 relato da Ciéncia Normal de Kuhn com a apreciacdo que ee de uma situagao cientifica em harmonia com a idéia da Giéncia Normal de Kun. Depos, na segGo TM, perguntare por que Kuhn afirma que a Ciéncia Normal, tal como se opde a0 que ele denomina Ciéncia Extraordindria, const a esséncia da ciéncia. Por fim, na segéio IV, perguntarei se a Ciéncia Normal pode ser como Kuhn a descreve e, sem embargo disso, dar origem & Ciéncia Extraor- dinéria. Minha resposta seri “Nio”; e mostrarei que essa resposta refuta felizmente a visio de Kuhn da normalidade cientifica como sociedade fechada de mentes fechadas. 3, © método de Kuhn consiste em escolher certas “expresses caracte- tier, rir sobre elas a consrugdo que ele posa censurat Mas suis construcies tém as vezes leve semelhanca com o que foi livros onde se colheram as expressGes. (O pr suas construgdes nem sempre. s¢_ajtsta escreve: “Conquanto néo seja um falseaci fender, pod ahume suestio de fracas pesca du e |. E, Wheeler empregou a palavra. num es yroto'o nto prossma € comsice rn ¢ mus Goprone pesstvel” (helt, “A Sent! of Sib Aid| inthe, Search for, Truth p. 360. Como 0 alvo principal de Kun er oto de emacasto de Popper, = como Poppe i de esperar que cul, a0. menos, Kuhn prefere mais uma ver spreseniar uma onseguirse por um eitério exclu im, enenda, ae ia. se- 0s enunciados de’ observagéo —— sobretudo stenciie singulsres — padetetn ser Togicamente i a Se se consultar a Logit der Forschung de Popper, seo 2i, verse-é que isso esti cheio de erros (no sentido de Kuhn). 35 r Considerando a idéia de Ciéncia Normal de Kuhn de um ponto de vista popperiano, é natural que eu me concentre no que acerca dos testes dentro da Ciéncia Normal. Realizam-se testes, diz ele, 0 tempo todo, mas “esses testes s40 de um género peculiar pois, na anélise ista ¢ no a teoria vigente que se poe a . O chamado “teste” em Ciéncia Normal ndi € teste de teorias, © sim parte de uma atividade de mas. A Ciéncia Normal grande parte, na solugo dessas anomalias através de ajustamentos adequados, que deixam intacto o paradigma. Toma-se entdo 0 pa- tadigma como garantia da existéncia de uma solugdo para cada enig- ma gerado pelas discrepdncias aparentes entre ele e as observacdes. Dai que, embora os “testes” realizados dentro da Ciéncia Normal Parecam testes da teoria predominante quando vistos através de Gculos popperianos, so, na verdade, testes de outra coisa, a saber, da habilidade do experimentador em solucionar enigmas. Se for Tegativo, © resultado de um “teste” dessa natureza néo atingird a teoria, mas atingiré desfavora © experimentador, cujo pres- tigio poderd ser diminufdo pelo malogro da sua tentativa de solu- cionar o enigma; mas 0 prestigio do paradigma dentro de cuja estru- tura foi feita a tentativa é tio elevado que jente serd abalado Por dificuldadezinhas locais dessa natureza. Segundo Kuhn, é apenas num momento do que ele denomina Ciéncia Extraordindria, quando a prépria teoria predominante est sendo atacada, que pode ocorrer alguma coisa como teste auténtico de teorias. Nesse caso, o resultado negativo de um teste pode ser considerado, nfo como o fracasso pessoal do experimentador, mas como o fracasso da teoria, Para usarmos as palavras de Kuhn, “Um fracasso visto antes como pessoal parece ento o fracasso da teoria que esti sendo testada”s Para Kuhn, a Ciéncia Normal, como o préprio nome 0 sugere, € a condigao normal da ciéncia; ‘a Ciéncia Extraordindria é uma condicao anormal; e, repetimos, dentro da Ciéncia Normal, o teste 4. Neste volume, p. 10, 5. Neste volume, p. 11 auténtico das teorias predominantes torna-se impossivel de algum misterioso modo psicossociolégico. Ndo admira que Kuhn se sur- preenda com um reparo que ele considera, “virtualmente um cliché”, fa saber, a observagdo de Popper de que os cientistas propdem enun- ciados ¢ os testam passo a passo. Para Kuhn é virtualmente um cliché dizer que 08 cientistas empenham-se normalmente numa infinidade de testes: testam suas solugdes com relagdo a enigmas gerados por 6; € para ele € surpreendentemente incorreto dizer que os Popper nunca negou a conveniéncia de se defender uma teoria com algum dogmatismo, de modo que ela nao seja posta de lado com demasiada rapidez, antes que os seus recursos tenham sido ca~ balmente examinados; mas esse dogmatismo s6 ser saudavel enquan- to houver outras pessoas por perto que nfo se inibam de criticar e por & prova uma teoria defendida com tenacidade, Se rodos se achas- ja para preservar as teorias vi- iedmodos, essas teorias, no en- tender de Popper, perderiam seu status cientifico e degenerariam em algo parecido com doutrinas metafisicas. Temos assim o seguinte conflito: a condi¢ao da ciéncia que Kuhn considera normal ¢ apropriada é uma condigio qi realmente obtida, Popper consideraria ndo-cientifica, um coisas em que a ciéncia critica se teria convertido em metafisica de- fensiva, Popper sugeriu por divisa da ciéncia: Revolucdo permanen- te! Para Kuhn, parece mais apropriada a méxima: Panacéias, nao; normalidade, sim! No seu trabalho de hoje Kuhn falou na énfase dada por Popper & assimetria entre a falseabilidade ¢ a nio-verificabilidade das gene- ralizagoes cientificas, como “um passo A frente do qual néo hé voltar atrés”.7 Acrescentou que a “mesma assimetria desempenha um papel fundamental em minha Structure of Scientific Revolutions. bem posso té-lo tirado do que ouvi sobre a obra dele.” Mas a mem6- tia de Kuhn parece ter-lhe pregado uma peca neste ponto: em seu livro ele se referiu explicitamente & tese de Popper de que néo hé Verificacdo ¢ de que o falseamento é 0 que imporia,’ e 0 fez. no intui- to de dispensar essa tese por irrealistica, sob a alegago de que na Ciéncia Normal néo ha falseamento de teorias, ao passo que na Cién- cia Extraordindria a prova que se aceita como falseadora do paradigma 6. Neste volume, T. Neste volume, 8. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, p. 145. 7 que se despede & também aceita como verificadora do novo paradig- ma que jf se admite.? Em sua Structure of Scientific Revolutio nenhum critério de demarcacéo para a ciéncia lado 0 critério de f rio alternativo prépri no apresentou jou-se a por de de outras Isso foi cautelosamente redigido, Mas na pagina seguinte, mais ousado, Kuhn afirmou: ‘dos dois critérios, o dos testes ¢ 0 da solu- go de enigmas, este ‘timo é 0 menos equivoco e o mais funda- corre teste auténtico de teorias) é tio anormal, tao dif ciéncia genuina, que mal se pode chamar de ciéncia, Kuhn exy it com tanta facilidade 0 solucionamento de enigmas linha de demarcacdo de Sir Karle a iéncia”. Bem, as linhas podem coin idem 0 material de maneiras opostas. O que & gem tifico para Kuhn mal chega a ser ciéncia para Popper, e o que 6 genuinamente cient{fico para Popper mal chega a ser ciéncia para Kuhn. Kuhn apresenta a se} ago contra 0 critério de Popper e a favor do seu: lo freqilentemente na historia da ciéncia de uma teoria ser substitulda antes de haver fracassado Aum teste, mas nenhuma o foi “antes de haver deixado de sustentar convenientemente uma tradicio de solugdo-de-enigmas”.1 Dai que também pode dum novo Revolutions, p. . Neste volume, p. Neste volwne, p. 12. Neste volume, p. 12. |: Neste volume, p. 17. © teste nfo seja, afinal de contas, tio importante assim. “Contiar te como marca de uma ciéncia é passar por alto o que os tistas mais fazem ¢, com isso, 0 traco mais caracteristico de sua atividade.”4 Em primeiro lugar, porém, Popper no confia, como marca de uma teoria cientifica, no fato de ter sido ela realmente testada mas no de ser testdvel, ¢ quanto mais testdvel melhor (mantendo-se iguais as outras coisas). Por isso est4 totalmente de acordo com a sua filo- sofia da ciéncia a substituico de uma teoria cientifica por uma teoria mais testvel, mesmo que a anterior ainda néo tenha falhado num teste. Em segundo lugar, contrastando com a idéia relativamente clara da testabilidade, a nogdo de deixar de “sustentar convenientemente uma tradi¢dio de solucdo-de-enigmas” ¢ essencialmente vaga; pois vis- to que Kuhn insiste em que hé sempre anomalias e enigmas nfo so- jonados,!* a diferenca entre sustentar e deixar de sustentar uma tradigao de solucdo-de-enigmas é uma simples diferenca de grau: de- e haver um nfvel critico em que uma quantidade toleravel de anoma- ias se transforma numa quantidade intolerdvel. Como nfo sabemos qual é 0 nivel critico, esse é 0 tipo de critério que s6 pode ser usado retrospectivamente: permite-nos declarar, depois de ocorrida uma mudanca de paradigma, que a presséo empirica sobre o velho pa- radigma deve ter-se tornado intolerdvel. (Isto se ajusta bem a idéia de Kuhn de que um paradigma reinante exerce tamanha influé sobre o espirito dos homens que s6 uma vigorosa pressio empirica pode desalojé-lo.) Mas a histéfia da ciéncia contém exemplos importantes de uma teoria dominante, empiricamente bem-sucedida, suplantada por uma fam-me citar um exemplo disso. Antes de Newton, as leis de Kepler constitufam a teoria domi nante do sistema solar. Parece-me que j4 no é necessério demon: trar que a teoria newtoniana é rigorosamente incompativel co: inais de Kepler — se falarmos da incorporacio das iiltimas nas primeiras da sua subordinacio a deveremos.acrescentar que so versées significativamente modificadas dessas leis que pro- vém da teoria de Newton.!* Se Kuhn admitir que a teoria de Kepler 14. Neste vol “0 principio da 10-longe de ser derivdvel por generalizapio e indupto de Kepler, as contradiz formalmente. Se a teoria de ton jor correta, as leis de Kepler sdo necessariamente falsas” (Duhem, La théorie Physique: son Objet et sa Structure, p. 195 da tradugao inglesa de 39 era um paradigma incompativel com o paradigma newtoniano, teré ciéneia do que presume Kuhn. Voltarei a esse problema na iltima de admitir, creio eu, que este foi um caso de mudanca de paradigma. segio. De forma que surge a pergunta: é plausivel afirmar que o paradigma Kepleriano “‘deixou de sustentar convenientemente uma tradigao de 1 solugao-de-enigmas”? Havia, antes de Newton, um enigma nifo-solucionado ligado as leis de Kepler. O proprio Newton menciona “uma perturbaco da orbita de Saturno em toda conjungao desse planeta com Jupiter, sensivel, que os astronomos estao perplexos com ela”.!7 Mas que, para Kuhn, ha sempre enigmas nao resolvidos, isto di- ilmente equivaleré A incapacidade “de sustentar uma tradigéo de solugiio-de-enigmas”. Newton, de qualquer maneira, parece ter esta- Extraordindria, depois do qual sobrevém um novo perfodo de do longe de considerar o sistema kepleriano como tendo fracassado. Normal. Na Proposicfio a que esté anexada a supracitada observacao, cle ‘A pergunta que faco é a seguinte: Por que se enunciou as duas primeiras leis de Kepler de forma incorreta,*® con- em superestimar a Ciéncia Normal ¢ em subestimar a Ciéncia Extraor- tribuindo com isso para a origem da Jenda perpetuada por Halley, dindria? Essa pergunta é provocada por diversas consideracées. Pri- que, em sua crftica dos Princi ‘Aqui [no Livro ID meiro, a Ciéncia Normal me parece macante e nfo-herdica compa- esta demonstrada a verdade da rada com a Ciéncia Extraordinéria. O proprio Kuhn considera um Parece que uma teoria dominante é p: equivoco, mas um equivoco perfeitamente natural, encarar a i no em virtude de uma crescer Normal como “uma atividade intrinsecamente desinteressant que a Cigncia Normal é relativamente est 1s. Determinagées mais exatas de constantes fisicas — eis realizam as “operacdes de limpeza do terreno” que consti ‘iéncia Normal.2? Segundo, Kuhn reiterou hoje & tarde que ele, er, rejeita “o parecer de que a cién mulagio”; 2* mas se Ihe perguntassem de que man« cia normal, di sumivelmente, que ela progride de maneira or- waneiras importantes antes de poderem ser denada, ndo-dramética, gradativa, isto é, por acumulacao. Por que, Mais adiante, demonstrarei que, se for capaz de dar origem a Ciéncia Extraordindria (ou Revolucionétia), a Ciéncia Normal nio pode ter o caréter que Kuhn the atribui. Por ora, no entanto, supo- que a historia da ciéncia ‘com efeito um padréio kuhniano; ‘um ciclo tipico consiste num perfodo longo de 1¢ dé lugar a um periodo curto ¢ agitado da Cién- ica) Ii BA : talvez tenha causas mais tedricas do que empiticas*® Se isto for assim, h4 maior liberdade de pensamento na acy Alen eos heres fe de outro livro, ainda mais famoso, sobre as revolug6es cientificas m se adquire o conhecimento cientifico”,24 chega Kuhn a identi- ficar a ciéncia com seus perfodos de estagnacao tedrica? Terceiro, ro Towards an Historiography of Science, na note de por que o autor de um livro excelente sobre a revolugo coper spcept ns Sain geste a vest eae outro livro, ainda mais famoso, sobre as revolugdes ci BR Si Seen eee Ca te ease Le Te , em geral, veio a ter uma espécie de aversio filos6fica pelas revolugoes © também The Con a pater io cient Por que esta tio enamorado da laboriosa ¢ nfo-critica ae Halley, Critica dos Principia, Philosophical Transactions, de Newton, Ciéncia Normal? i 8 i Uma resposta, embora eu desconfie que ndo seja a principal EEUSAC artsy csle Rsiing cra ate cbs! uli ew isanea aca que se deixou impressionar por consideragées meramente quantitati- de que pode emergir um novo pare Sina cite fea dienyide to Kahn, The Sacre of : 9286 0 gfe ¢ meu). A pos BL, Neste volume, p11 Seah sesiee dosenvlvido 1 Otay, do. tus ee pore Bh Neh, The Srna of Selenite Revoltions, pp. 24 « 21 ida por sua idéia da predominancia do paradigma dentro: 23, Neste volume, p. 5. y a 34 Neste volume, BS} 0 aio € meu 1a "pelo menos em embri 41 vas: hé muito mais Ciéncia Normal, medida em horas de trabalho, do que Ciéncia Extraordinéria. A Ciéncia Normal, diz Kuhn, “6 res- Ponsivel pela imensa maioria do trabalho realizado em cl 5 desenvolvimentos cientificos sical #* Os desena $s com que Popper se preocupa }e um ponto de yista sociolégico pode ser correto nfio dar erédito a algo em fungéo de sua raridade. Mas de um ponto de Nista metodoldgico, algo raro em ciéncia — uma nova idéia capaz de novos caminhos ou uma experiéncia crucial entre duas te01 Portantes — pode ter muito mais peso do que alguma acontece o tempo todo. _ Nio creio, todavia, que essas consideracdes quantitativas devisivas para Kulin. Desconfio que estava funcionando uma cae muito diferente de consideracdo. Como o assunto é um tanto pessoal a prova foi toda tirada do livro de Kuba, nao ex- Porei minhas conjeturas imediatamente, mas chegarei a elas passo a Passo. Comecarei considerando até que ponto o critér taco de Kuhn consegue excluir certas poucos dentre nés chamarfamos ‘quer acompanhar Sir Karl quando est de metafisica em lugar de ciéncia”? ver por q Slaboragdo de um horéscopo, ou de um calendiio asto- ajusta-se perfeitamente A idéia de Kuhn sobre a Pesquisa Ran O trabalho € feito sob a égide de um corpo estavel face , nao desacreditado, aos olhos dos ai Set eleae: strOlogos, por fracassos que Mi re ° das possiveis razdes de Kuhn para iéncia revolucioniria, é outra espécie de caso que pa- rolgie do rol des ciencas™ gti € meu) ~~ como, mas. pelos motos. errados: pol, hava peditvas ne astrologia (ee bert eises malogros, sempre: pudesen = por outa. edo, am. enigma para yet ttless do conclirdceniga de Key me dela viata Ea yet ete gma de Kuhn me deta alarmed. Ea 42 rece ajustar-se com perfeiciio & sua idéia de Pesquisa Normal. Ima- gina-se um estudioso de teologia trabalhando numa inconsisténcia aparente entre duas passagens biblicas. A doutrina teolégica Ihe as- segura que a Biblia, convenientemente compreendida, nfo contém in- consisténcia. Sua tarefa consiste em fornecer uma interpretaco que ofereca uma reconciliagio convincente entre as duas passagens. Esse trabalho parece essencialmente anilogo 8 pesquisa cientifica “normal” descrita por Kuhn; e ha elementos para supor que ele néo repudiaria a analogia. Pois The Structure of Scientific Revolutions contém ini- plicitas, na escolha da entre a ciéncia, mormente jorre acerca de uma edu- ago profissional”®® que de membro de determinada “é uma educagdo estreita © ri- gida, provavelmente mi exceto talvez a da teologia ortodoxa”.*® Diz também que a educagio cientifica envolve a reescrita, em manuais, da historia de trés para diante, 0 que indica “um dos aspectos do trabalho cientifico que mais claramente o distingue de qualquer outra atividade criativa, Iver a teologia”.®! Em outros lugares, a sugesto de um paral tre a ciéncia e a teologia, embora menos explicita, no ¢ menos Sbvia. Diz ele, por exemplo, que a Ciéncia Normal “suprime freqiien- temente novidades fundamentais por serem necessariamente subver~ sivas dos seus compromissos bésicos.”®? E quando Kuhn discute 0 iar um velho paradigma ¢ abracar um n0vo, ‘experiéncia de conversao”,*? acrescentando 7 descreve-o como uma que “uma decisio desse género 6 pode ser feita com base na f6. Entendo, portanto, que, para Kuhn, ha uma analogia entre a jiosa e a ciéncia é a reli- vez se possa perceber por que ea cle a Ciéncia Normal acima da Ciéncia Extraordindria: esta ‘iltima corresponde, do lado religioso, a um perfodo de crise e cis- ma, confusfio e desespero, a uma catistrofe espiritual. gio do cientista, Assim send © grifo é meu. © grifo & meu, 43 Vv ‘Até aqui, andei considerando as avaliacdes comparativas de Kuhn cia Normal e da Ciéncia Extraordingria na suposigao de que ia da ciéncia apresenta, de fato, um ciclo Ciéncia Normal/ Ciéncia Extraordinaria/Ciéncia Normal. Contestarei agora essa su Posigiio. Um modo de contestar seria apontar para exemplos contrérios, isto 6, para longos perfodos de hist6ria cientifica em que nao emergiu nenhum paradigma claro e durante o qual estive- ram ausentes 0s tipicos sintomas da Ciéncia Normal. Lembro-me de Popper ter dito (no correr das nossas discussdes durante o simpésio, sobre © livro de Kuhn) que, embora o newtonianismo se transfor masse em algo parecido com um paradigma no sentido kuhniano, nenhum paradigma dessa natureza emergiu durante a longa historia da teoria da matéria’; aqui desde os pré-socrdticos até os dias sm havido debates infindaveis entre os conceitos continuos ¢ descontinuos da matéria, entre varias teorias atémicas de um lado, » que diz respeito & possi- um novo paradigma no fim de um perio- Normal. Nao criticarei o relato epidemiol6gico que cle apresentou em seu livro, sobre como, depois de um novo paradigma haver contagiado uns poucos agentes transmi espalhar-se pela comunidade cientifica. Nas concentrarei a atenc&o no prir i digma. Minha tese seré que um novo paradigma nunca emergité da Ciencia Normal tal como esta foi caracterizada por Kuhn. Comecarei recapituland. ani i mua Samegetesecapitalando algomas teses Kuhnianas relativas 2 (1) E da natureza do paradigma gozar de um monopélio em sua influéncia sobre o pensamento do cientista. O paradigma nio tolera rivais: esté inclufdo no conceito de paradigma de Kuhn a nogiio de que o cientista, enquanto se acha sob a sua influéncia, néo pode pensar seriamente num paradigma rival. Se comecou a brincar com um paradigma rival, isso quer dizer que o velho paradigma jé esté morto para ele. Chamo-a de tese do Monopélio do Paradigma, 35. Um argumento semelhante foi apresenta dley Shapere: cf 0 set trabulho sobre “The Sh tions”, p. 387. independent “The Structure of Scier 44 (2) & pequeno ou nulo o interregno entre 0 fim do reinado do velho paradigma sobre a mente do cientista e 0 comeco do rei- nado do novo. O cientista ndo anda por af durante um perfodo subs- tancial de tempo sem nenhum paradigma para guid-lo. S6é abandona um paradigma para abracar outro. (Como se gritasse, O Paradigma morreu. Viva o Paradigma.) Eu chamo-Ihe a tese do Nenhum In- terregno. (3) © novo paradigma seré incompativel com o paradigma por ele suplantado.* (Kuhn, na verdade, vai longe ainda ¢ afirma que 0 novo paradigma seré incomens com o velho.7 mais adiante a relacdo entre incomp: jade © incomensurabi de.) Chamo & tese de Kuhn sobre 0 choque entre 0 velho e 0 novo paradigma de tese da Incompatibilidade. (E evidente que ela reforca a tese do Monopélio do Paradigma.) (4) Da conjunciio das trés teses acima segue-se que a conver- séo do cientista de um paradigma velho para um novo tem de iva. Kuhn endossa enfaticamente essa implicacio. jos referir-se A mudanca de paradigma como a uma “ e de outras passagens de seu livro se depreende que, no seu tais conversdes sao aceleradas. Diz ele que uma mudanca ma & “um evento relativamente sibito ¢ ndo-estruturado 88 e que “ndo se pode fazer a transicao entre paradigmas concorrentes dando um passo por vez... Como a de gestal tem de ocorrer de uma vez (embora ndo jente num instante)”. Chamo a esta a tese da Mudanca (5) Considerem-se agora as implicagdes das teses anteriores para invencao de um novo paradigma. O ponto de vista de Kuhn admite que paradigma, depois de inventado, pode levar muito tempo para conquistar a aceitacio geral. A pergunta ¢ esta: quanto tempo pode evar 0 inventor original para juntar os rudimentos do novo para- digma? Ou digamo-lo de outra maneira: que espécie de pré-historia pode ter o novo paradigma? A resposta implicita na tese da Mudanca de Gestalt parece ser esta: nenhuma. Antes de mudar-se para ele, pensamento do cientista se exercitava ao longo de linhas irrecon velmente diferentes (segundo as teses do Monopolio do Paradigma ¢ da Incompatibilidade). Sua mudanca para 0 novo paradigma_tem de ser considerada idéntica a sua invencdo do novo paradigma. (Estou 45 presumindo que ele foi inventado no interior da comunidade cientf- fica e no importado ficas,) E visto que a mu- dana para ele foi “relat sua invenedo também deve ter sido relativamente sébita. Kuhn endossa a implicagio. Em seu livro escreveu: “O novo paradigma, ou uma sugestao suficiente para permitir uma articulagdo posterior emerge de uma vez, as vezes no meio da noite, no espirito de um homem profundamente imerso na crise”. E hoje a tarde cle repetiu que as teorias “se inventam em bloco”.t* Chamo a esta, maliciosamente, a tese do Paradigma Ins- tantaneo. (O café instantineo leva mais que um instante para ser feito; mas faz-se “de uma vez”, 4 diferenca de uma torta de came de rins, da qual se pode dizer que “'se faz dando um passo por vez".) Precisamos lembrar-nos de que 0 novo paradigma € imediata- mente to poderoso que induz 0 nosso cientista a voltar-se contra © bem expresso € nio-refutado paradigma que lhe dominou 0 pensa- mento cientifico até entdo. Isso quer dizer, creio eu, que 0 novo paradigma nfo pode comecar como se fosse um mero conjunto de idéias fragmentérias mas, desde o principio, precisa ser suficientemen- te grande © definido para que suas surpreendentes capacidades laten- tes sejam manifestas ao seu inventor. A ser assim, afigura-se-me que a tese do Paradigma Instantineo 6 -escassamente digna de fé do ponto de vista psicolégico. Nao sei quanto um genio s6 € capaz de realizar no meio da noite, mas des- confio de que essa tese espera demasiado dele. Como quer que sej no entanto, existem exemplos hist6ricos contrérios a ela. Para citar apenas um: a Lei do Inverso do Quadrado cra um componente im- Portante da teoria newtoniana (que Kuhn considera o paradigma dos paradigmas); e Pierre Duhem remontou a longa evolucéo da i do Inverso do Quadrado, passando por Hooke, Kepler e Copér- nico, até a idéia de Aristételes de que os corpos procuram o centro da terra. Concluo que se impde a rejeicéo da tese do Paradigma Instantineo, p. 40, x 42, Dukem, op, cf, capttulo vi, sepfo 2. O préprio Duhem_propée apoio de sun resposta on "Sequramente z ‘mente Tde un hor ‘Aged rottou ficas de “a torin da continuldade” (Agess, Towards aH Sclence, pp. 31 e segintes). Agassi atnea\o méiodo historfograten parteads ‘aturnimente, no propse a contreafitmarto. de ae ‘sdo inventedas de uma s6 vez. a ae ‘A tese do Paradigma Instantineo proveio da tese da Mudanca de Gestalt quando esta iiltima foi aplicada ao primeiro homem que mudou para o novo paradigma. E a tese da Mudanca de Gestalt proveio da conjuncdo das teses do Monopélio do Paradigma, do ‘Nenhum Interregno e da Incompatibilidade. Daf que, se se rejeitar a tese do Paradigma Instantineo, terd de ser rejeitada uma dessas trés. Considerarei primeiro a da Incompatibilidade. Parece haver certa incoeréncia interna na versio de Kuhn dessa tese. Ele afirma que o que “emerge de uma revolucio cientifica nao €s6 incompativel mas a mitido realmente incomensurével com 0 que se passou antes”. Mas poderiam duas teorias incomensurdveis ser ogicamente incompativeis? Se alguém sustentar, digamos, que os mi- tos biblicos e as teorias cientfficas sio incomensurdveis, pertencem a diferentes universos de discurso, estard presumivelmente querendo di- zer que o relato da Criagio que se lé no Génese ndo deveria ser encarado como logicamente incompatfvel com a geologia, 0 darwini mo, etc.: eles so compativeis e podem coexistir de modo pact mensurdyeis. Mas se o sistema ptole: 6 logicamente incompativel com 0 coperniciano, ou a teoria newto- niana com a da Relatividade, a coexisténcia pacifica nao ¢ possivel: elas eram altern: se houve possibilidade de se fazer uma escolha racional entre clas, isso se deveu, em parte, & possibilidade de planejar com elas experiéncias cruciais (paralaxe estelar, desloca- mento de estrelas, etc.). Seja-nos, portanto, permitido desenredar a tese da Incompatibi- lidade de Kuhn da idéia contréria da incomensurabilidade. Assim pu- rificada, a tese hist6rica de Kuhn se harmoniza felizmente com a tese metodoi6gica de Popper. Pois para que a teoria seja altamente testé~ vel, como o exige a metodologia de Popper, é¢ mister que produza (nao s6 algumas predicdes notdveis, que ultrapassem o ambito proféti- co das teorias existentes, mas também) algumas predicOes que con- flitem com as das teorias existentes, de preferéncia em areas em que as teorias existentes foram bem testadas ¢, até 0 momento, nao apre- sentaram falhas. Popper diz, com efeito, que 0s principais tebricos da ciéncia devem ter cardter revolucionério; e Kuhn diz, com efeito, que eles 1€m caréter revolucionério. Muito bem. Concor- demos, portanto, em que a tese da Incompatibilidade deve ficar. Nesse caso, a tese do Monopélio do Paradigma ¢/ou a tese do Nenhum Interregno devem ir embora. Mas estas realmente nio se largam. Diz a segunda que o pensamento profissional do cientista € 43, Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, p. 102. 47 Sempre dominado por paradigmas, e diz a primeira que ele, em todos 8 momentos, € dominado por wm paradigma. Contra isso sustentei que leva tempo — mais uma questo de anos que de horas — para ue um novo paradigma potencial se desenvolva até 0 ponto de po- der desafiar um paradigma estabelecido, de sorte que o pensamento herétiso comega a funcionar muito antes que possa ocorrer a mudan- a de paradigma. Isso quer dizer que nao é verdade que um para ma feinante exerga uma influéncia tao monopolizadora sobre o e: Tito dos cientistas que os incapacite para consideré-lo com espirito ‘ou para brincar com alternativas (sem necessariamente ado- r que a comunidade cientifica nao 6, afinal de ; uma sociedade fechada que tem por caracteristica principal “o abandono do discurso eritico”. REFERENCIAS ‘et sa Structure, 1914. il Transactions, de Newton, Philosophiae Natus ‘ogik der Forschung, 1935. Popper [1957]: "The Aim of Science’, Ratio, 1, pp. 24-5. Popper [1965]: Conjectures ond Refutations, 1963, Shaper ns", The Philosophical 4B

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