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ij 3 an wu mv ees GOA TENTATIVA HISTORICA ; ; POR Jacintho Caetano Barreto Miranda, Caderneta I. Na Typographia do Utramar, 1863 AG A+ PROLOGO. UEM ha ahi que negue que a mais caracteris- tica fercdo'do nosso tempo he a sua tendencia para o estudo da historia do rosso paiz? O espirifo ja se ¢man- cipou do obscurantismo para ‘entrar na vasta esphera de eonhecimentos, onde se irdaga ccm alvoroco o passado, e se interroga com curiosidade o presente. Hoje no se contempla os ‘monumentos, sem perguntar'a sua histo- ria; ndo se‘pergunita pelas geracdes passadas, sem in- dagar os seus costumes; nao se indaga os seculos atrazados, sem estudar a sua civilisacdo. Ainda que sejam de subido apreco os conhecimentos historicos que nos tranemittiram os rossos antigos es- criptores, e os que agora vio disseminando os talentos robustos que se tem dado ao estudo do nosso paiz, for- ca he confessar, que bem fouco ce ha escripto e muito ha que escrever. O edificio historico he vastissimo ccmo vastissima he a materia que abrange. Neste commettimento civilisador ha lugar para tcdas as dedicacdes, trabalho para todos os talentos, assumpto sobejo para tcdas as intelligencias. Cada qual tem direito a preparar-Jhe a pedra e o cimen- mento; o trabalho sera pouco, mas o seu fructo sera xalioso, fecundo em resultados. Néo seja Jevado a mal que espiritos obscuros e soe- zes yao tcmar nesta cmpresa lugar que ccmpelia 4 vocacGes yalentes e vigorosas, Aqui nao ha usurpacao : -ha mutuvo'suxilio, e cemmum accordo. ‘0 que ccm pe- cicncia junta materizes he tae beremerito, ‘ccmo o he.o a architecto que assign. lugat’, inoilela, e levanta o edificio. Habilitados com algum estudo que fizomos da nossa historia, folheando memorias escriptas e compulsando do- cumentos publicos, ajudados d’um pequeno talento que Deus nos dep, mas d'uma yontade ténaz que sempre afagamos pelos trabalhos litterarios, eis-nos com powcos materiaes de caminho. para a obra historica, no lugar onde se prepara a pedra e so afeigda o cimento; @ no ml timo lugar. Os Quadros Histaricos no téem foros da historia, porque nio presidem nelles a ordem © o encadeamen- to dos successos pelas eras, 6 das eras pelos successos ; s4o fragmentos soltos, escriptos sobre tude quanto ha de notavel desde o estabelecimento de Goa até os nossos dias. Para o conseguir hade-se ir,4 sua conquis- ta, aos seus estabelecimentos, aos factos salientes do sow governo, aos seus vardes illustres, a03 seus monumeén- tos, a0s Seus UsOS @ costumes, @ aos seus sitios topogra- phicos, buscar 0 que, segundo o nosso pensar, for digao de ser registado. pela imprensa. A obra dividil-a-hemas om seis cadernotas, A. pris meira sie hoje 4 luz a prova dos leitores, para segundo o seu acolhimento continuarmos com a publicagdo das | restantes. Louvor, nio 0 pedimos por esta tentativa, mas indul- gencia, morece-a; he primicia, he desambiciosa. Do mes- mo modo queo cimento dura até que o edificio se conclua, a presente tentativa historica desapparece assim que a historia se publica. Dantro em pouce; o edificio estard levantado, @ a podia e o cimento desapparacerio. Fevereiro de 1863., € J.C. Barreto Minanpa. QUADROS HISTORICOS ut QUADRO I. Origem ¢ estabelecimento. e como todas as terras do,Con- - 4 clio, conjectiira-se, que io na sua pri- mitiva origem uma vasa das aguas, do mar, que banhavam até as summida- des dos gates. Varios fosseis ¢ conchas XN que se encontram nas partes mais ele- i eines vadas dus Novas-Conquistas, iguaes da | quese yéem nas immediagoes das praias, nos Jevam & werer em/tal conjectura. Segundo a tradigio, mq QA, assim 1 corroborada pelos nossos anti- escriptores, os seus primeiros povoadores #80 08 tes do Canara, que le- ’ pacifices e industriosos habitan’ yados de ardente empenho de agriculiar terras © nfo eet 2 as encontrando no seu paiz, vieram Occitpar estas en- tio inbospitas paragens do Conclo. Volvidos tempes e com elles cultivados os campos safaros e improducti- vos, introduziram-se entre elles algumas tribus semi- ticas, a8 quaes aproveitando da rudeza e barbaria das populacdes aborigenes, assenhorearam-se, pela maior parte, dos seus campos; retulharam as terras em aldeias; fandaram associagdes agricolas; cimentaram a ci- vilisagiio; e finalmente propagarain a religiao de Bra. mé, e com ella o systema ti eocraticn, em todas as su- aa feigdes caracteristicas, e em todus 9s seus principivs fandamentaes. ;: ge Se he que existiam algune habitantes no Concio an. tes da sua colonisag%o, deviam ser tribus nomades com vida independente e selvagem, confiundo 4 terra © que apenas era preciso para a sua vida, tempo em a ° Conoto euaeraras 0 testimunho de es es- criptores, uma costa com muitos portos que offerecia valhacouto aos piratas. O governo qué se estabelecen desde a introduccto dos forasteiros foi aristocratico. Os negocios munici- paes, civiee criminaes, 08 mais importantes, eram de- cididos pelos gancares, reunidos em camara geral, on- de um susurro inquieto, expressado com as palavrag Rab, Ol ou Nacd A’ynico membro muites vezes levado de despeito, era o veto absoluto« maiores deliberagées. Impunham mulctua, digpensavum dellas, emprazavany 08 seus subditos, reuniam-se quando e onde quizéssemi, e tinham a liberdade de dispor de tudoampla e inde- pendentemente. (1) : Toloceken, soberano da dinastia Cadame, foi o pri- meiro que se assenhoreou do Concio, e com o direito a ' (1) Bosq. Hist.clas Com. por F. N. Xavier Part. 2.8 Not. 3 ' da conquista contractou com os gancares, que s¢ com- prometteram a lhe pagar foros e mais contribuigSee, mediante a liberdade plena gue se lhes outorgou dos seus direitos e propriedades, He ao neto deste sobera- no, por nome Goaldeu, que deve Goa (2) o nome de Go- pacpnr, como he denominada pas velhas escripturas gentilicas e nos formes datados de tempos remotos. Nao lie possivel sem perigo d’erro remontar 4 cir~ cumstanciada investigago da historia de Goa nesses _ tempos que os seculos escondem. O formfo do rei Za- quezi, da data de 1054, unico documento de que se de- ve servir & mingua d’outros, para. termos a idéa do nosso passado, falla de Goaldeu como principe podero~ 80, que pelo seu esforgado valor dilatou as suas con- quistas por todo 0 Concfo, Zaquezi, seu filho e succes- sor, encheu de terror os reis limitrophes pelas suas in- numeraveis armadas, e foiquem nomeou por seu lu- gar-tenente em Gua, Sadano, homem versado nas ma- thematicas, e que sabia, como diz o formfo, gurtorze artificios, quatro recursos ¢ sete cuidados, e & quem he devido o florecimento a que chegou Goa, j& pelo sea acertado governo, j& pelo progresso do commercio, ja pelo augmento da populacio. Quando na Europa ainda estava na infancia a idéa generosa de asylos de mendicidade que mais tarde ha- () Diogo de Couto na Dec. 4.* Liv. 10 cap. 4, diz “ Es- ts ilha de Goa he tio antiga, que se nio acha nas escriptu- ras canarias (cuja sempre foi) o principio de sua povoagao. ‘Mas acha-se que foi sempre tio continuada dos estrangeiros, que andave entrée elles por adagio, vamo-inos recrear 4s frescas sombras de Goa, e a gostar da dogura do seu betre. E assim The chamavam por exceilencia Gog moat, que na sua antiga Jinguagem quer dizer terra fresca e fertil. E pela continua- gio do nome se veiu a abreviarea lhe chamarem Gos, e nds maudando-lhe letra E lhe chamamos Ggz.” 4 via de ser 0 pensamento. cosmopolita, aqui neste cantinho de Goa, Sadano jé fundava.um asylo igual, destinado para acolher os hospedes’ peregriuos e sus- téntar os pobres e os desamparados, consignando para o seu cofre o tributo que impaz sobre as merca- dorias, além de determimar que uma parte da heran- ca dos que viessem a fallecer ab intestato pertencesase a0 asylo, como tudo melhor se pode ver na parte final do dito form&o. ‘Ao tempo que Portugal ainda nfo se formava reino, nem mesmo condado de Henrique de Borgonha, quan- do a civilisag%o encontrava nelle ‘na sua marcha, por empicilho os costumes e instituigdes mouriscas, ¢ 0 re- presentante de todos os valores, a moeda, no era na- cional ; Goa j4 era um dos melhores emporios do com- mercio oriental, circulando suas moedas, fandando al- fandegas, dictando regulamentos. mercantis, com sua cavallaria, com suas armadas bem equipadas, com a- gticultura, com instruccio, com instituigdes socia- - ea, com habitos de docilidade dos seus povos, em u- ma palavra, com todas as fontes do. seu progresso que os. esfurgos de invas%o rauseulmana n&o foram bastan- tes, para.apagar radicalmente. Sahe-se que a dinastia Cadame conservou-se na do- thinagio do Concio até o anno de 1300, em queo rei de Dethi, o mais poderoso da India, veiu subjugar to- das-as terras do Canara e Concio, e depvis de solidifi- car o sea dominio nestas paragens, retirou-se 4 sua cor- te, entregando o tim&o do governo nas. maos do seu general Habed X4, homem prudente e cavalleiro, co- no diz Jo%ode Barros, Aos esforgos’ deste guerreiro deven o rei mouro,a. dilatagio do seu dominio no Con- c%o, cuja governanga depois da, sua. morte passou ad seu filho Mamud Xi, mediante.a. confirmacio do. con- quistador. Crescidg.no:poder:e na influengia, facil. lhe. 5 fei seguir o.caminho da infidelidade e ingratid&%o, de- clarando-se independente ao seu senhor, para 0 que muito concorreu a morte do Rei do Mundo, ea incapa- cidade do seu filho que lhe herdara o throno, Declarou-se formalmente senhor absoluto do Decan, e governou por longos annos estendendo-cada vez mais as suas conquistas, e.vendo milhdes de subditus servin~ do-o. de joethor, e os réis acatando-o-como dispensador das cordas, até que cangado de annos e cortado de conti- nuas afflicgses com a. vista dos seus generaes, promip- tos alhe rasgarem o manto tiraa tira, pata as destri- buirem entre si, se viu obrigado a dividir o imperio, Jegandoa cada guerreiro uma grande parte delle, Cons tentou-se como vy4o nome de rei, impondo-lhes um cer- to tributo nas suas terras, o qual com 0 andar de tem- pos se lhe recnsou, aie somente o governo de yacas terras no meio da conflagragio que ardia entre 0g generaes seus fendatarios. Aos dias de expléndor da aurora e da epocha viril do seu governo succederam os dias nebulosos, que atrastam a idade para o sepul- chro, e destemperam ainda nos mais robustos as quali- dades eminentes. Aquelle que outr’ora sustentéra com prestigio o immenso imperio capaz de esgotar as forgas do maior gigante, n&» 86 no podia tomar a vindicta da desvbediencia, mas tremia ao reger 0 que no era talvez a sombra do que foi. : He em 1479, provavelmente neste tempo de confla- gragio, que algumas tribus de mouros, quatrocentos em numero, capitaneados por Melique Ocen, vieram de Onor, escapades d’uma conjuracio, buscar abrigo em Goa, onde no lugar em que se viam espessas ¢ impene- traveis brenhas, fundaram uma bella cidgde com a vis- ta ao mar, ‘ Sabaia, valente.gnerreiro, querendo estender o seu dominio, n&o satiafeito da parte que Ihe coube do im- 6 perio do desventurado rei de Dacan, acommetten Gon, e depois de derrotar doze mil inimigos d’entre os que The oppunham resistencia, apoderou-se da cidade, » com eils dag suas tanadarias, Ponda, Salcete, Buar- dez e outras. “Sabaio era de Persia, natura! de Sabé, filho d'um humilde mercador que ganhava os meios da sua _ vida, vendendo fructas 4 porta da sua casa. Sendo ainda me-~ nino foi entregue pelo pai & disposigio d’um commer- ciante doseu paiz, o qual achando-o diligente e fiel, mandou-o, quandocreacido na idade, 4 Ormuz com vinte cavallos para'a venda. Feliz no commercio e favo- recido com a conflanga do seu protector, repetiu a sua viagem 4 India, e desta vez com cincoenta cavallos, mas tendo a desventura de lhe morrerem muitos destes, venden os restautes a seis mil pardaus ao rei de Decan, e entregou-se ao seu servigo, ou porque no queria voltar 4 sua terra com tanta perda, ou porque, como on- tros dizem, no esperando o pagamento da venda jul- gou antes presenteur os cavallos, esperancado no seu favor. No se enganou. Entrando no seu servigo de- dicou-se 4s armas, e foi um dos seus mais predilec- tos servidores, a quem na destribuigde do imperio cou- be em sorte cidades com portos do mar, enriquecidas pelo commercio. Morto o rei de Decan deixando por herdeiro o seu fi- Tho na minoridade, Sabaio poude interceptar o seu tes- tamento, e falsificando-o, declarou-se nelle testamen- teiro e tutor do filho, e regente do reino na minoridade do legitimo herdeiro. Mandou quebrar os sellos do testa- mento com todo o apparato da etiqueta, notificou a mur- te do rei, ecomo reggnte ordenou todos os meios cum, que pudesse abafar alguma dissens%o que por ventura tivesse lugar. E. para rematar a sua obra unin 0 joven: rei com a sua filha, fisando desté modo senhor do seu reino, ~ ‘ embora odiado por outros guerreiros, que temiam o seu poder para immediatamente o baquearem do throno. No momento em que Sabaio fechava os olhos, sa- ciado de exercer tanta prepotencia, I[dalk&o seu filho que o succedéra no reinado, expunha-se 4 conflagracto aberta no interior que vingava « tyranoia do pai, e & guerra no exterior que lhe moviam os que em temor & influencia de Sabaio haviam aguardado esta occasixo. N&o obstante ser impossivel a um 86 brago conter o descoutentamento geral, o joven rei no se desanimou, antes pondo-se 4 testu dos seus soldados fieis, con- tidos pela venerag%o do genio do sen pai, correu por todos og pontos onde rugia a terapestade que devia fa- zer desapparecer o seu imperio das suas maos. Estava empenhado nesta lucta; e he justamente nesta conjunc- Go que foi atacado por Affonso d’Albuquerque (3). a IES ane QUADRO II. Conquista da cidade. *¢ A cidade de Goa (diz Barros ) esta situada em a ‘terra a que os naturaes chamam Canard (4), em uma Tiha por nome Tiguary, que quer dizer trinta aldeas, porque tantas havia nella, quando os mouros a con- quistaram, e tantas lhe pagavam direitos da novidade ue colhiam. A qual Ilha néio tem outra coisa que Ihe este nome da Ilha, sen%o ser torneada de dous es- _teiros de agua salgada por duas entradas que o mar — (3) Barros Dee. 2.* Liv. 5, Cap. 2. of? Foose da conquista portugueza incluida no @ 8 - faz no terra, uma da parte do norte, onde esta: sitna- da a cidade, e outra da banda do sul,.onde ella anti- ‘gaménte foi’ fundada, a que ora 08 nossos chawam a “barra de Goa a velha, que ‘he de menos agua,e que “nito faz tantas ithetas dentro, como o outro, & maneina da terra, a que cé por vocabulo arabico chamamos Le- ziras. E-1é dentro estes dois eateiros ‘se communicam ‘ambos, e fazem. pernadas pela terra: algumas das quaes recebem rios de aguadoce, que vem de cima ‘da serra, a que elles chamam Gate. O cumprimento “desta ‘Ilha Tiguary, comegando do oriente no passo cha- mado Benestary, onde ella passa a terra firme té o “mar entre as duas barras, que‘esto contra o ponente, ‘sera tres leguas, ¢ de largura uma” (5.) Nenhuma- cidade entre ‘tantas que ento eram co- nhecidas pelos. portuguezes, resumia em. si elementos tao oppostos de crengas e de usancas diversas. O theu- morfismo que era a religifo do geral dos habitautes, nao repellia, mas tolerava toda a sorte de seitas que aqui se professavam. ‘Mahometanos, parses, persas, judeus, e outros que de toda a parte affluiam 4 cidade, sibiam contemporisar-seentrési, ena sua adorac&o religiosa nfo encontravam obstaculo nenhum. Esta -reanixo de homens habituados 4 tolerancia, devia .tor- nar Goa, propria a receber sem a menor sengagao a do- -minagfo dos. christ&os, ' (5) Goa jaz na. costa occidental da Indiana lat. de 15g. -81 me long. .de71.g..¢ 25 m,—“ Toda a Lhade Goa (dizo -Orient, Cong. 1 Div. 1:§ 16 Tom. 1.°):se vai empolando em -montes --sec93,'0 infrntiferos, e abatendo em valles muito _ frescos, e abundantes de palmares, e-outras arvores de va- rias e excellentes frutas, umas cophecidas em “Portugal, outras no.Brazil, além-dae ‘proprias ‘da India, que por a- gradaveis 4 ‘vista,'e déliciosas ‘a0 gosto ‘podiam ‘apparecer com muita confiangs nas mais regaladas mesas da Eurepa ”. e 9 Mais do que isso. A-dominagSo mussulmana cimen- tada pelo direito da forga e consolidada pela fraqueza doa povos, pesava cruelmente sobre.o Conc&o. Os ccn- quistados nio tinham podido humanisar-se com os conquistadores com o tempo, 4-medida que ae ia s0- lidificando -a conquista, como tantas vezes succede com .as conquistas comegadas com a violencia ; pelo contrario, dia para dia ia crescendo o odio de morte que nutriam, e .e6 }hes faltuva uma occasizo propicia para pél-o em pratioa em todo o seutterrivel furor. -Povos de placidez normal do seu caracter, com cos- tumes campestres, dos tempos -do idyllic, ignorando que os bracos que lavravam terras eram prestaveis para a defesa, viram quietos e indifferentes usurpa- Tem os seus direitos racas estranhas, que vao haviam feito-parte na colonisag&o ; mas n3o chegaram a ava- liar o jugo do seu dominio, porque a reunido de duas ragas -effeituada seu menor abalo, veiu com o tem- po a sera mutua e pacifica uniio,:que se vio pelo encrusamnento do sangue, a0 menos pelo commum in- teresse e pela identidade de circumstancias. No hou-_ ve veucidos nem vencedores : houve ume unico povo. A sua conquists tambem sem estridor das. armas pe- Jo rei de Bisnagar no deixou nelles rastos aenhuns de-prepotencia, porque foram religiosamente guarda- dos :os pactos selemnes convencionados no termo da vaasullagem. A troco da-perda da sua autonomia che- garam elles a ngufruir de immensos beneficios libera- disades pela miio generosa do dominante, e foram to- dos,:salvas .as differengas ethnograficas, iniciados na escola da civilisag%», m&i de todas as virtudes, de 416-no.seu tempo -vieram.a ser prototypos por excel- lencia, Recebendo-o por forgascomo senhor, a norma do sey governo fél-os amigos fio devotados da sua 4dinastia, que o melhor sustentaculo do seu throno veiu e 10 4 ser 0 corac% agradecido dos povos do Concfo, Pelo contrario, a invasio museulmana_principion pela destraigdo de todos os monumentos do seu pro- gresto, para acubar por uma serie de despotismos que se n&0 apagou, ao menos enervou as virtudes e os principios sos do povo concani, como acabou de ener- var em toda a parte da India onde pesou. A divisa do seu governo era a dilatugo das terras e 0 exterminio “do progresso. N&o queria sob o seu dominio povos sa- bios e educados que repellissem 0 sea despotismo ; querin hordas rudese embratecidas, que vergassem ao peso do seu alfange, sem soltar um sd brado de vinganca, Conseguiu-o. Povos que na virtude e sabe- doria n&» conheciam rival nenhum, n4o os busquem em Goa sob a dominagio mahometuna, que n&o encoa- trar%o sendo desconfiados, abutidos, quebrado o seu es- plendor, amestrados na adulac&o para evitarem 0 azor- rague da tyrannia, e rotos todus os pergaminhos do “seu antigo nome !- A séde de sugar tribntos. devorava tanto os con- quistadores, que dia para dia eram curregados os direitos sobre as mercadorias que entravam nos nos- #08 portos, pondo assim pesado embarago ao floreci- “mento do commercio t&o notavel em outras eras, A ‘eidade de Goa vergava com a imposicio de tributos e ‘rendimentos, que, como diz Barros na sua singela mas correcta linguagem “ eram conformes 4 torpeza da sua seita, assi como casa publica, onde todos po- diam ir jogar, de que tinha um tuntoosenhor da terra; e se jogava o povo em outra parte, era mui. pu- nido por isso, e outras coisas desta qualidade, que com nossa entrada naquella cidade foram desterradas della, como publicos pecvados ”, O alfange estava sempre posto na garganta dos po- vos, avexandy-os & Ihes pagar mil tributos arbitra- a riog, além do que estava consignado formalmente. Os Yendimentos dus terras das tanadariaa eram arrecada- dos sob o apparato marcial, das mos «os gancares, que das brenhias dos gates onde fugiain 4 sua colera, fi- cavam obrigndos a descerem para as suas terras, & fim de perceberem 08 rendimentos que restavain, A vista de tanta tyrannia pelo qual o nome do mou. To vein a ser o symbolo de tudo quanto huvia de mais feroz na India, he facil fazer idéa de quauto desejava Goa emuncipar-se delle, e do gasnlhado e protecgio que dispensuria ao inimigo que quizesse expulsal-o do sea dominio, j& que para tanto as suas forgw o im- possibilitavam de ha muito. Albuquerque devia estar inteirado de todos estes promenores, v sabia que eram estas bases seguras onde com fucilidade se podia lan. gar fondamentos d’um novo imperio. Aléw disto, Affonso d’Albuquerque julgava, n&0 co. mo 0 sea antecessor D. Francisco de Almeida que no dominio dos mares fazia depeuder a conservagio do + imperio portuguez na Iudia, mas que se devia esco- ber om estabelecimento furtificado com prague mu- yadas, com bom porto, que estivesse proximy 4 ontras poseessdes, cujo ar fusse saudavel, e onde og portugue- zes fatigados d’umna longa viagem de tantas mil leguas da Kuropa 43 Indias, pudessem recobrar as suas for- gas (6). A capital du antiga Tissuary, to querida do rei mouro, e que era o ponto da Pubsagem para o rei- no de Narsinga e do Decan, era pois a paragem cen- tral para onde deviam convergir os esforgos dos con- quistadores das terras do oriente. (7) 7 Hist. Fil. e Pol. des deux Indes por ab, Raynal. pag. (7) Bosq. Hist. de Cottinen’ Sec. 1. e Portugal por Fer- dinand Denis pg. 181 Paris 1846. © 12 Era pelos fins do janeiro de 1510, que Albuquerque ia camiuho d’Ormuz 6 fim de conquistal-a 4 corén de el-rei D. Manuel, quando chegado nas aguas d’Onor, teve encontro com o gentio Timoja, que se declarara amigo dedicado dos portngueses, e que pelos seus va- liosos servigos 4 elles prestados merecia a aceitagio do conquistador. Inimigo jurado do rei_mussulmano pelas repetidas prepotencias exercidas nelle, e que a- guardava occasiio para a desaffronta, deparou-se-lhe -esta opportunidade, de que habilmente aproveitou, insinuando no animo do conquistador o odio que nu- tria Sabaio aos portugueges, a quem intentava ex- pulsar da India ;a incapacidade do seu filho nio s6 -para executar o pensamento do pai, mag ainda de se defender do ataque ; e finalmente a grande convenien- cia que havia em apoderando-se da cidade de Goa. Este alvitre suggerido com avantajada gloria para :ag armas portuguezas, foi posto em conselho de todos os capities, e mereceu:ser approvado uvanimemente, _ -Para.o que muito concorrea a,promessa que Timoja fez de ajudal-os na empreza com quanta gente e na- vies tinha. Em quanto pois Timoja apercebia a sua expedic&o com o falso bosto de ir reforgur 0 conquis- tador portuguez no acommettimento d’Ormuz, Albu- querque esperava-o na ilha de Angediva, tumundo.a- gua e lenha, e fingindo concertar as suas naus wal a- -parelhadas. Chegado 0 tempo, uma potente armada sob -au ordens do maior capitio portuguez velejava n’uma quinta feira ao meio-dia de 11 de fevereiru 4 barra de Goa. Surgiu a frota nas aguas do Mandovi, e imme- diatamente Albuquerque enviou 0 seu sobrinho, 0 va- lente D. Antonio de Noronha, um dos capitdes das suas naus, para sondar o rio, em companhia d’nm tro- go de soldados de Timoja. Seguiam-se-lhe as vaus © 18 @outros capitiies, Ievados. do. desejo de dar # no que 89 passava dentro: da-cidade, Ainda eatavamn. atastados.. da-terra.firme, quando.deram de subito. com um ber- gantian de mouros. que espreitavam a frota, acolhi- dos 4 fortaleza de Paugim, que estava defendida pe- . Ja artilheria com.s boova para.o rio. D: Antonio de Noronha. zombando do perigo n&o. duvidou ohegar peie to-a peito do inimigo, ¢ hersicamente vemol-o desem~ barcar ao seu lado. Ent&o travou-se a mais crus. lucta, lugta de morte, em: que entre o terrivel:lampejo.de-lan- gas e de cutelos, nZo se viam. mais, que os.soldadea capitaneados por D. Antonio, furivsos, com vertigem de sangue, descarregando cutelos contra. os mussul- manos, que caiam de brugos na terra, ou demandayan a.fuga. A artilheria permanecia muda, e nem sequer . © inimigo se.lembrara queimar uma escerva, desorde- - nado como recebéra os christdas. QO: proprio Yacuf.Gur- gii, capita. aguerrido. que commundava. a forga do. presidio, caia aleijada.n’uma mao, @ 4 toda arbrida core . tera 4 cidade para notieiar'a sua derrota e a.bravura. dos portuguezes. Albuquerque voou em reforgo,.o.quane do ia assaltar a cidade, oa principaes: dos:seus; habi- tantes atterrados. com.o furor indomavel com que.sar portavam. t&o. destemidos os portugnezes, e no tendo: i-sua frente o proprio rei. que em terras: longiuquas oo - cupava-se em apasiguar a rebellifo ; de- commum ac-. cordo deram-se por conquistados, e vieram: depér aoe; pés de Albuquerque obediencia ¢ vaseallagem avs reis ; tidelissimos, pedindo:a sua. proteccto.4s. suas pessoas, e seguranga dos seus bens. ; Anvita.a promessa,.- Albuquerque ja senhor das.cha- vas. da cidade, entrava no.sen recinte, montado n’um : cavallo maguificamente ajaezada, rodeado de todos os: capitiea. monros, e des, prinoipaes dos sens-habitantes.. que por entre..as: pompas. do:tpiumpho oJevsram ;pare 14 os pacos de Sabaio, casas bem aderegadas, onde o con- quistador.se aposentou. C primeiro acto dominical de Atbuquerque foi o de langar o prego em lingua ver- navcula, em que a todos era garantida a seguranga pes- soal, a liberdude dos bens, e finalmente posta a defe- sa.a todos os portuguezes, para de modo nenhum es- torvarem os seus direitos, Acto este, generoso, do no- ‘vo senhor que concorreu até para se acabar com 0 mo- do arbitrario com que os servidores de Idalk&o espolia- vam os bolsos dos que, por fracas, n&o lhes podiam op- por resistencia Renhama, Como senhor se apoderou de.cavallos, armas, naus, galeBes e outros aprestos da guerra que pertenciam a Tdalk&o ; fortificou os lugares que elle julgava serem estrategicos, 2. péz mos 4 seedificaco da fortaleza, auxiliado da.sua expedig&oe de muitos dos habitantes de Goa. Os gancares, senhores das terras, satisfaziam o tribute contractado, eos tanadares, adails, e outros campriam com o gue lhes competia. Aesim 0 conquis- tador nfo cessava de promover 6s interesses dos povos, quando a mé4 fé, a deslealdade, e sensiveis desordens, suas consequencias, vieram assomar-se em alguns pon- tos, da parte de alguns mrussulmanos que se tinham alistado ao seu servigo. J& a noticia de que Idalkio 4 testa d'uma poderosa expedic#o vinba @ marcha for- coda diepntar sos portuguezes a sua predilecta cidade, havia-se propagado em toda a parte, e a trahi¢zo por momentos calada 4 forga de circumstancias, soltéra- se desabridamente para embargar os passos do con- quistador. ; Albuquerque nio se acobardou.. Convocon & boa fé todos os-mouros que se haviam declarado contra elle, como para um conselho, reteve uns na fortaleza, eman- dou fuzilar outros abertamente 4 som de pregto. For- tificon diversas posigdes pelos.sens capit&es, e com vi-. 15 va forca 8e oppor ao capitio de Idalk&o, que com nove; * mil homens lhe antecedera, e que com esforgos sobree © humanos queria entrar no recinto de Goa pela passa- gem do rio, por meio.de jangadas. 0 encontro fui bra~ vo. A’ luz de artilheria que a cada rebombo arredava. as trevas da noite, yia-sse grande numero de mouros que caiam inanimes nas eguas do rio, tintas de san- gue. Com tudo 0 capitio agareno reforgndo pelos mou- . ros que desamparavam as fileiras portuguezas, para ge | lhe unizem, péde levar de assalto os passos de Benes- tary. Oalvorogo ent&o fai tho geral por toda cidade pelo panico que tiansira o animo’do Povo, que 9 con- quistador deu-se pressa em recolher-se ao vastello de. Pangim com todas as proviedes da guerra. O general youssulmano senhoreando-se da cidade esgoton todas as forgas para eacalar a fortaleza, e finalmente cioso de ganhar para si 86 toda a honra de repulsn dos christios, antes que chegaase Idalkio, propoz 4 Albuquerque que abandonasae o castello com condigdes ‘pouco honrosas, que 0 conquistador portugnez repelliu, apezar de estar inteirado do que'se paesava no arraial inimigo pelo mes- sageiro que viera deputado com a proposta: ‘oucos dias depois-vein Idulk&o, e'o seu primeiro cuidado foi entreter os portuguezes com uma serie de propostas até que acabasse de intupir o canal do rio, como projectava, para, vedando-|hes a saida, atacar com © seu grosso exercito. Conhecendo este plano, Albu- querque abandonou a terra quando menos esperava I- dalk%o, e recolhes-se 4s suas n&ys, levando incolumes todos os aprestos e provisdes da guerra, depois de ha- ver jeatigado alguns dos prisioneiros mouros, Foi no leiro dia do mez de maio que todss as néus portuguezas foram fundear-se nas aguas do rio defronte da fortaleza de Pangim. Sao inexplicaveis o¢ soffrimeutos e contratempos por que passou aqui a ex- ‘ 16 pedigio portugueza. Albuquergnereveiando que as 1a us dessem com:o'encalho: que lhes:puzera o inimigo, viu-se na necessidade de dingil-as:com asonda na mo de baixamar d preamar. Acommetteu-a depois a fome em toda a sua negra hediondez, porque todos os pontos donde: os seus: alliados a abasteciam com mantimento estavam guardados pelo inimigo, que: tomando. as po- sigdes. onde ella costumava fazer aguada, varejava-a com a artilheria, A: fome seguiv'a peste, e-o.seu lugu- bre apparato era. aggravado' ainds mais:com.o:destroco que faziam as‘badis, que dia-e noite. sem quartel vi- uham disparadas:dps .canhdes da fortaleza, Dra. terror edesolag%o em:tudo'e por tudo. Guerra, peste e fome ; eque-restava mais para desanimur-e desfallacer os:ma- is ousados combatentes ? 2 : Mas: para estes audaciosos guetreiros:d’el-res D. Ma~ nuel as difficuldades que podiam :prender os pasgos dos mais ousados,.eraurapenas incentivos: Creavam-as mu- . is d’uma.vez,.e:80 depois d’uma insana:e estreita lucta, com‘ellasemque deviam ficar aplanadas, he que er- guiam : victoriosos ‘os: portuguezes’para descangarem fi-~ nalmente em maiores sobresaltos da guerra. ‘Twntas. : terriveis:provacdes no os:-abatem; ircitam-os, e fazem conceber 0 urriscado plano de:acommetter:de.improvi-". so Oinimigo: - : Ainda mal havia:assomado:o atrebol de madrogada, que as.ameias ‘do inimigo estavam: ji escaladas, e os portugaezes: entrados no seu-recinto, Sommolentos oe. inal despertados. das orgias @ libagdes em que.se:haviana.. entretido: toda.a noite, os museuimanos: debalde pu- : nham mao és suas armas, € no. encontravam. senio : as-do inimigo:apontadas 4 garganta, e-os:seus :melho- res combatentes:envoltos em-rolos de famo;. e alastens : dos em um mar: de sangue: Demandam:as portas-da. fortaleza, ¢ as: portas.estiie; tonjadas: polos portnguezes, + 17 Trava-ee univ pildja renihida'; ombatem-se eatrondosd- mente as-armas de morte ; chocam-se com violenci# osimeis-esforgados animos ; 0 satigue verte-se em jor- 06; #: vozeria medonha d’envolta: com. os-derradeiros & saudosos suspiros echoa o castello +e finalmente tudo secela,.emriudeve tudo. Os mussulmancs: fogem enr desordem, ¢ os- portuguezes voltam- fs néus com despe-- jos da. artilhoria'e outras armas: do inimigo! IdalkXo ‘advertide por dois: soldados. portuzuezes:que haviata dusertado-das- suas fileiras, de que a-expediq&e inimiga: sentia total falta-de viveres que a inspossibili- tava para entrar'nos trabalhos da guerra, enviou,- para certificur-se da verdade, um: barco carregado de carnei- ros ¢ gullinlias e muitos refreseos, pediado: a Afforgo de Albuquerque gue © aceitasseé come um: presente ge- netoso de quem felgava fuzer guerra avs seus inimigos, mutatido-os éferro e jamuis 4 fume. O-espirito: perdpi- eax de Albuquerque facilimente comprehendewo alcan- ce deste ardil n’uma cunjectura como aquélla.em que elle se uchava, ¢ antes que'se lhe approximasse 0 barco, mandou serrar em duds partes uma pipa de vinhoe dei- xar ao eed redor mititos comestiveis d’entre os reserva- dos para: 08. doentds ; e apresentando20s ao messagei- To recusou corteztiente o artificioso ebsequio, encarre- gando-lhe de dizer em seu nome ao seu soberane,-que a expedic&o tinha sufficiente provimento,-e mesnioquan- dv o nfo tivesse, séberia ella aproveitar, folgando de ie buscar no campo; do que révebendo-0 como encar- cerada nad gaiola; protestande como antigo’ que logo que-acabassem o3-mantimentos ‘a estacko invernoss, viria ella dar-se como hespede mw stiw mesa, embora foase. isto cowtra a vontade do.dono, Este estadade ar tificio de Albuquerqae fer orér a Fdalkio: de-queo ini. sigo-nho-ere- pela fome; e receando'que asst as continuas hostilidades podiam leraho & cordmetter: L 18 novas tentativas de assalto contra a cidade, mandow’ suspender a aggressdo. Pouco tempo havia passado desde este successo, , quando noticia correu por toda a parte de queo ini- amigo apercebia uma flotilha com o intuito de queimar as naus portuguezas. Albuquerque mandou immedia- tamente o seu capit%o Diogo Fernandes de Beja e ou- trog, para que fossem observar os aprestos que 0 inimi- go havia ordenado. Mal as galés haviam-se approxi- mado da cidade, que os mussulmanos abriram de im- “proviso contra ellas um chuveiro de frechadas que foi correspondido da parte dos portuguezes com as descar- gas de artilheria, que deixando em pedacos alguns pa- raus que estavam mais avangados fez dispersur para. longe o inimigo. Repercutido este echo pelas naus on-, de estava postado Albuquerque, D. Antonio de Noro. nhg deu-se pressa em,vir reforgar os seus companhei- Tos que estavam empenhados na lucta, e avancando até onde estava o inimigo, varejou-o até que derruba- dos muitos delle, evacuasse.a ribeira. Fogoso o joven capitZo quiz colher ainda novos louros, e vendo uma galeota portugueza varada em pouca agua que 0s seus companhgeiros haviam abandonado por esquecimento, quando ge recolhiam 4s nais, resolvep langal-a ao mar para levar comsigo. Rebentou-se uma briga terrivel entre 0s mouros e os christads, e foi entdo que uma frecha veiu atravesgar a perna do valente guerreiro que vergado pela dér poz mate 4 peleja para se .recolher & armada. Poucos dias depois (8 ge julho) acabava de existir 0 audacioso guerreiro com vinte e quatro annos de vida, deixando inconsolayeis:os seus companheiros da gloria, e.ralado de pungente saudade o maior heroe portuguez,.que tanto o amava! (8) (8) Os restos mortaes deD, Antonio:de Noronha foram e 19 Reforcado pela nova forca que el-rei D. Manuel enviava 4s Indias, aproveitando da estac%o invernosa para vér restabelecidos os seus soldados que heroica- mente haviam passado por todas as provagdes, comen- do uns:a carne de ratos, e outros os couros das arcas, e bebendo agua, salobra, e que estavam alojados em Angediva, onde Timoja os abastecia com provisdes da. comida, Albuquerque teve tempo de attender aos ne- gocios que.o pa 4 Cochim, até que d’impro- viso acommetteu pela segunda vez Goa avs 24 de no-. vembro, quando o inimigo o suppuuha desistido des- ta empresa, e Idalk&o descangava de tantos sobresal- tos em outros trahalhos, quaes eram de ir apaziguar a tebelliffo que lavrava nos seus estados, a que era for-- gado a acudir para salvar o seu imperio d’uma aniqui- lagfo total (9). Os mourgs julgavam que o ataque viria sempre do lado da ribeira da cidade, a qual estava fortificada com grossa forca. Albuquerque que antes de dar rebate aos- soldados mandara espial-a, informou-se desta posic#o estrategica, e ordenou que todas as naus pequenas e de remo fossem fundear-se defronte deste lugar onde se via uma casa de alfandega denominada Mandovi. Em quanto os agarenos corriam ds armas para repellir oinimigo que pelo muito vozear jé d’antemio. estuda- do, parecia que abordavas terra,em quanto que todos sfiuiam neste ponto em attitude da defens&o; 14 pelo atrebol da manh% ouviam-se trombetas, em diversas. partes, na ribeira e pela costa acima, -Confusos e deso- sepultados junto a uma arvore ; e na retomada de Goa foram | trasladados para a sé, donde novamente foram levados 4 i- | steja de N.S. da Serra, e jazem no cenotaphio que esti do Indo do evangelho. Estrea Goana de 1861 pg.* 346 35. (9) Hist, de Raynal ibid. 2 20 rientados: nio- sabiam onde acudir, até quo. x Tux do- sol mostrou que a cidade estava j&. levada de assalto pelos ‘portuguezes. O ferro escalava as carnes, 6 0 ini- migo apenas se conhesia pelo accanto da voz, porque: as nuvens de famo espalhavam trevas por toda a parte, onde 26 se podia vér a lax, quando lampojavam: os fa-- zis que batiam na escorva de artilberia, A entrada foi. disputada passo a passo; e foi n’uma. extrema. confa- s%o em que se baralharam ambos as contendores, que teve lagar a porfia de. catelos. e. frechas. que esgota- ram rics de saiigue e juncaram.o campo de cadaveres. Entéo a fuga fi a taboa da ealvagho mouros, que. comegando por abandonar a defensa. espalharam-as: por todes o8 lados da cidade, sendo perseguidos pelos: portuguezes que-com o impeto da: victoria entravam. pela porta da cidade. Nobres cavalkeiros portuguezes pagaran nesses en- oontros cara a victoria, D. Jeronimo da. Lima cain ferido aos pés-do inimigo,-¢ quando fui ucudido: por D. Joto da Lima, 0 esfergado vombateute reousou o au- xilio, e por entre as agonias da morte em que se deba- tia, teve animo de dizer ao sen irm&u-cadiantae-vos, que nao he este.o tempo de se perder, avante pois que ea ficarei no. wea lagar==, Vasco: d’Affonseca, Alvaro Gomes, Antonio Gomes, Antonio Vagado, foram mor-- tos; e Manuel de Lacerda. o Antonio de Sa:catram. frechados.quando haviam acommettido oinimigo que: | ge acolhera fs casas. de Sabaio, defendidas.por um capitdo musgulmany, 0 qual com ger lavado de. sangue que escorria pelo aem. numero de feridas que recebera, oppunha, resistencia aos que entravam, até cair inani- me.. Mais de seis mil passoas foram mortas do inimi- gose os.que.puderam escapar av. furor dos victariosos,. ram, por faltade embaroagio; buscar salvamento pela: porta da Serra, @ passaram o rio.pelo paso secoo, Al- al huguerque qrdenAra -que.a destruigto do inimigo fos- se completa, e agora vereis soldados com impeto indo. mavel -correndo todga ilha por tres dias, e levando terror @ desolagio, sem dar quartel nem perd&o a mus- sulmano nenhum que padessem encontrar. . Foi aos 25 de novembro de 1510, dia em que se ce- lebra a festa de Santa Catharina, que o illuetre.guer- reiro d’el-rei D. Manuel acabou de encravar esta ter- Ta no seu. real diadema, 4 cueta de heroicos saffrimen- tos e com o gangue de audaciosos soldados que compu- nham a gua flotilha. No mesmo dia as quinas e o pen- dio ds cruz ondeavam esplendidos gobrg og muros da hella cidade de Goa, signal de que a civilisagko e a i- dolatria oriental haviam cessado, para dar lugar é no- va civilisacho occidental e 4 religiio de quem queria que a paz e unio fossem a norma dos povos! O deapojo do inimigo que se encontrou foi immen- 40, e foi exposto por tres dias & ambiglo dos solda- dos. Além do dinhkeiro e pedras preciosag (diz a Histo- tia dos descubrimentes e conquistas dos portuguezes ) que os inimigos levaram ou esconderam, além dos que oa vencedores puderam occultar, e quinto de todoo faque, que por direito pertencia ao rei, chegou a 200 mil crozados, Acharam-se na praga 3 mil pegas de ar- tilheria, de que havia até 2 mil de fandigio (10.) O primeiro cuidado do conquistador foi desvelar pela cura dos ferides, sepultar os mortos, e mandar ngar ao rio para ceva de lagartos os cadaveres dos (10) D’entre os despojos de Idalkio deve-se contar a ce- lebra peca que até o anno de 1839 estava assestada sobre os restos d’um baluarte da fortaleza de Beaastary, donde foi em 1810 recoltida ao arsenal por ordem do bardo de Candal, & fim de ser inaugurada ‘como tropheu da gloria. “ He ver- dadeiramatte (diz Lagrange) um pedreiro do cumprimento de desaseis palntos e'raciv, 6 de quatorze pollegades e tres 22 mussulmanos. Exterminou os mouros, e ratificou, como habil politico, os antigos compromissos com os senho- res dag aldéas, aos quaes permittiu lavrar suas terras, povéar suas casas, pagando os foros.a que eram obri- gados ao rei mouro, de que Ihes quitou uma terga parte. “ Timoja, e os outros aceitaram, como se 1é nos Commentarios de A. Albuquerque, em nome do povo, as terras com as condigdea que thes Affonso d’Albu- querque diria ; mas que havia de ser com lhes dar ta- nadar e gentios que os governassem ;...¢ pediram-lhe que lhes nomeasse tanadares para arrecadarem as ren- das, e os terem em justiga ”. Us principios fundamentaes do primitivo instituto gancarial foram gurantidos solemnemente pelo con- quistador em todas as suas preeminencias e regalias que derivavam do systema da antiga suzerauia, as quaes chegaram a ter ephemera duragdo, mesmo na e- xecucio do foral, que se deu aos proprietarios das ter- Tas, desaseis annos depois, em que sensivelwente se véem quebrados alguns dos seus porventura melhores foros. Dos privilegios que lhes foram conservados, afo os seguintes dos mais notaveis, que mais ou menos revelam a feigio do seu primordial instituto, e que po- dem servir de miniatura de Goa no seu berco. “ Quando ouver convite, e festa, ou ajuntamento em que hajam de tomar betle, ou pachoris, o priucipal gancar de cada aldéa, tomara primeiro o dito betle, pachoris, ou honra, e apoz delle os outros gancares por gtdus, segundo suas ancianidades, e costumes”. “ Quando se ouver de fazer camara, e nomear no- linhas de calibre, constrnido.de ferro e em barras de uma pollegada de largo, convenientemente reforgadas. Alguns escriptores lhe dio o nome de Afourisca, talvez por ser obra de mouros” Inst do M, de Pombal Not, 11. pg: 41. 9 23 : mes dos gancares por escripto, escrever-se-hio pri- meiros os principaes em honra, e por seus gréos uns apoz eutros ”. ; “ A aldéa de Taleig&o tem preeminencia que hade ser a primeira que comesse de segat 0 arroz;e 08 gan- cares della h&o de vir cada anno comr ulm feiche delle, apresental-o ante o altar-mér da sé, dahi ira o vi- gario com elles a feitoria, e 0 nosso feitor tera quatro pardaos empregados em pachoris, e 03 lancaré aos ocos dos gancares ordenados entre elles para recee r esta honra, e dahi por diante poder&o segar as ou- tras aldéas.......0.” “ No temp» da sementeira a primeira terra de ar- Yoz, que'se comecar a lavrar,e no tempo da seifa, a primeira que se sogar seré do gancar principal de ca~ da aldéa, e apoz delles semearad, e segarad os: que quizerem, e outro tanto se usaré no cubrir das casas eada anno de ollas, que he de folhas de palmeira, cu- briré sua casa o gancar principal da aldéa, e depois’ toda a outra gente della ”. “ Os bayladores, o bayladeiras que vierem: festejar aldéa, irfio primeiro festejar a casa do principal gan- car e quando forem dous juntos em uma honra, ficaré em peito dos bayladores a casa de qualquer que. qui- zerem, e estes taes gancares junto em uma, honra se le- varé o betle, ou outra honra, quando a ouverem de receber estando juntos com os bragos crusados, e o direito debaixo do esquerdo por tal que o que tomar por mais honra o que for na mio direita posga o outro gancar dizer que 0 presente que tomou da m&o es- querda percedia porque hia sobre a direita ”. \ EEE CCONOO NCCC ———— Py QUADRO IIL Conquista de Salcete ¢ Bardex, Na primeira conquista de Goa que -teve lugar acs 17 de fevereiro de 1510, as comarcas de-Saloste e Bardex: foram entregues-pacificamente & Albuqnerque palos se~ us moradores, que lhe juraram preitoe obediencia, e comprometteram-se a coutribuir direitos e fores que pagavam ao rei mussulmanc. O conquistador arren 8 dietrictos peninsulares ao gentio Timoja, @ al se obrigou a pagar por elles, livres.de todas ex despezas, 60- mil pardaus -em oiro. oo Recobradas por Idalkifo quando:se apoderou das su- ‘98 terras, foram. depois ambas as provincias submestti- das a0 dominio portaguez, dande torneram.a passar és mate dos seus antigos dominentes, na occasifo em que estes aproveitando da ausencia do conquistador as res— tauraram mais uma vez. Atbnquesque voltendo de Co- chim, aonde os negocios do estado o haviam chamate, liberton a itha de ¢toa; © por falta de sufficiante forca aguardon para favoravel occasifio. axpuls%o de Idalkka das tauadarias da terrca firme. Boteetanto em 1520 desbaratade Idalkfo peto rei de Narcinga, © conquistadas aumbas as provinoias, fo. ramellas doadas & corda portuguesa, mediante a pos- se que dellas temon o eapitie da ciderio Ruy de Mello; jue ou a guernecel-as até o.dia em que teve lugar oe eae reatauraelo, devida ses esfergos de Idalkaio. - Com a morte de Idalkio em 1543, asenzeino vein a ser o pomo da discordia entre os. seue filhos Malukem e Abrahem. O primeiro mais velho era ‘guerreiado por Icguf Xandivan, chefe d’am partide, para subir 20 thro— no pelarns%o de ser aquelle filho espurio, e em seu lugar era chamado o seu irm&o Abrahem. Accedekan,

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