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INTRODUCAO Entre 1967 e 1970 uma crise severa abalou a FRELIMO. A luta armada de libertagao nacional desencadeada em 25 de Setem- bro de 1964 alcangara numerosos sucessos, a terra e os Homens tinham sido libertados em varias regides. Cerca de 1/5 do terri- 16rio nacional e centenas de milhares de homens viviam livres. Que conterido dar a esta liberdade? Qual o significado pratico e imediato da libertacéo em termos de transformacao da sociedade das relagdes sociais entre os homens? Como orientar a criacao do exércite popular, como unificar as nossas concepgdes de maneira a elaborarmos um pensamente dirigente, como prosseguir a linha de alargamento da frente salvaguardando os interesses fundamentais das massas laboriosas, como pér em pratica a poli- tica de promoc&o da mulher, como afrontar o imperialismo que reforca a sua alianca com os colonialistas? Estas e numerosas outras questées tinham um impacto imediato na nossa realidade Duas concepgées, duas linhas reflectindo interesses opostos expri- miam-se sobre estes diferentes problemas no nosso seio, A contra- digéo que se manifestara primeiramente sobre questoes aparente- mente isoladas e secunddrias desenvolveu-se rapidamente e reve- lou a sua natureza antagonica. O processo de resolug&o da contradigéo inicia-se com o I Con- gresso da Frelimo em que claramente os principios reflectindo os interesses populares sao definidos. As sessdes de Abril de 1969 e de Maio de 1970 do Comité Central intensificam este processo aprofundando os nossos principios e purificando as nossas fileiras. A resolugéo da contradi¢ao a favor das forcas populares reforcou 0 processo revoluciondrio em Mocambique, tornou possivel a ins- tauracao do Poder Popular e 0 seu desenvolvimento. O presente texto é uma sintese da nossa experiéncia colectiva no desencadeamento, implantagao e consolidagdo do processo revo- luciondrio em Mocgambique. Resulta de numerosas discussées e intervencées feitas pelo camarada Presidente em reunides com as massas e combatentes e com a propria Direccao. Esta reflexéo sobre a nossa experiéncia permite-nos aprofundar © nosso trabalho elevando 0 nosso conhecimento sobre a nossa teoria ¢ pratica revoluciondrias. © texto agora publicado pela Coleccdéo Estudos e Orientagées foi reproduzido pela Academia de Ciéncias da URSS numa obra preparada pela seccéo africana da Academia acerca da luta de libertacao nas colénias portuguesas. DEPARTAMENTO DE INFORMAGAO E PROPAGANDA Centro de I PARTE: Maputo, biezerabique A natureza do inimigo e os seus interesses face as massas populares. 1. Alguns pontos de partida. 2. O capitalismo portugués ¢ a guerra colonial. 3. © imperialismo na Africa Austral e em Mogam- bique. 4. Os interesses das massas face ao colonialismo e ao imperialismo. Il PARTE: A natureza social da frente e a sua linha politica, 1. A unificagio do movimento nacionalista. 2. A unidade no processo continuo de defesa dos interesses das massas, 3. A questo ideolégica no seio do um frente larga. III PARTE : A guerra popular e a edificagao do exército. 1, A linha politica na Iuta armada. 2. Os problemas de disciplina no exército. 3. Tarefas militares e tarefas politico-militares. IV PARTE: A materializagio do poder. As estruturas do Poder Popular. ‘A reorganizagao da economia. A nova orientagao da educagio. A assisténcia social ao servico das massas = V PARTE: A Revolugio Mogambicana no processo revoluciondrio mundial, VI PARTE: Perspectivas. EMPREEA MODERNA §.A.R.L. LouRENGO MARQUES '— A NATUREZA DO INIMIGO E OS SEUS INTERESSES FACE AS MASSAS POPULARES 1. ALGUNS PONTOS DL PARTIDA Durante muito tempo e sobretudo para a maivria dos obser- vadores dos paises ocidentais, 0 colonialismo portugués aparecia como wma manifestaco quase arqueolégica, um capricho anacré- nico dum ditador que vivia ainda 4 hora da Conferéncia de Berlim. Uma campanha de propaganda bem orquestrada, sobre as virtudes unicas dum colonialismo que se pretendia multi-racial e se drapejava das supostas virtudes dum luso-tropicalismo de recente invencdo, contribuia a que se entretivesse aqui e acola ilu- sdes sobre a benevoléncia da exploracéo colonial portuguesa. A censura rigorosa, a repress3o feroz, 0 obscurantismo cul- tural sistematico, a cuidadosa selecgio dos visitantes aos territd- rios e a ainda mais cuidadosa escolha de itinerérios, permitiam que uma pesada cortina de siléncio © ignorancia mantivesse as colénias portuguesas isoladas do mundo. O desencadeamento das lutas armadas de libertagdo no periodo entre 1961-1964 assestou um golpe mortal 3s campanhas de propaganda que faziam dos povos das colénias portuguesas povos felizes porque submissos. Paralelamente, a revelagéo dos crimes cada vez mais sddicos, atrozes, e sistematicos cometidos pela soldadesca colonial, destru ram todas as pretensGes dum caracter tinico de benevoléncia ou virtude do colonialismo portugués. A substituiciio de Salazar e a continuagdo e incremento da guerra colonial sob 0 seu sucessor, o fortalecimento das aliancas econémicas e militares que ha mais de uma década sustém a guerra colonial, a extensio da agressdo aos paises limitrofes do colonialismo portugues, a participacao crescente de cfectivos © armas ndo portuguesas na guerra, em resumo a internacionaliza- sao crescente da guerra colonial, obrigaram os diferentes obsex- vadores a situar a guerra colonial portuguesa no seu contexto real. A natureza do colonialismo portugués e das aliancas que o apoiam impuseram-nos a luta armada como unico instrumento para a resolucio das contradigdes que nos opdem & dominacdo estrangeira no nosso pais. Todavia, o processo de desenvolvimento da luta em Mogam- bique, conduziu A sua transformacgdo qualitativa. A luta é feita por massas que possuem interesses precisos, reivindicacdes concretas, Estes interesses e reivindicacées clarifi- cam-se no processo de combate e imprimem a este uma natureza determinada. A criagéo das zonas libertadas, pés em primero plano a questo de saber a quem pertence o poder, quem o deve exercer e quem deve beneficiar dele, da mesma ‘maneira que pods em causa 0 tipo de relagées sociais de produgdo, quer herdadas da sociedade tradicional ou quer ainda de introducao colonial. Assim, no decurso mesmo da luta armada de libertagao nacio- nal foi desencadeado um processo destinado a instalar um poder fundado na alianca das camadas sociais exploradas do nosso pais, destinado a levar a termo a luta de libertacao nacional e a liqui- dar o sistema de exploragao do homem a fim de edificar uma Sociedade Nova. Por outras palavras, 4 reivindicagéio primaria de independén- cia nacional acrescentaram-se outras, numa primeira fase dando um contetido real 2 independéncia ec, numa scgunda fase introdu- zindo a questao essencial da natureza do regime a ser edificado. Nao se tratou de um plano abstracto estabelecido a longo termo, que como um modelo completo fosse imposto ao processo real nem de uma improvisaciio constante, produto de uma qualquer espontancidade, ou ainda outro mecanismo. Na realidade, a evolugdo resulta de uma relagao dialéctica entre a orientacao politica da FRELIMO o desenvolvimento da luta armada e da consciéncia das massas por um lado, e 0 tipo de contradigdes existentes entre as vastas massas exploradas e a sociedade exploradora, por outro lado. A percepgao destas contradigées é acelerada pela situagdo de guerra, que diariamente duma mancira clara, desmascara as forgas que apoiam o inimigo: a arma capturada, 0 avidio abatido, ‘© tanque ou cami destruidos invariavelmente sao de origem nao portuguesa. Simultaneamente a consciéncia do sacrificio dispe dido exige que a libertacdo se traduza numa transformagao radi cal da sociedade, das relagdes no seu seio e das suas estrutura: E este conjunto de dados que leva a nossa luta de libertacio a aparecer como uma luta popular, na forma e no contetdo das reivindicagées, contra 0 colonialismo portugués e o imperialismo, contra a explora¢io do homem, 2. O CAPITALISMO PORTUGUES E A GUERRA COLONIAL Nao é de sobejo insistir em que Portugal € um pais sub- -desenyolvide que viveu num estado de semi-colénia britanica desde os inicios do século XVII e que hoje ainda tem a sua indepen- déncia hipotecada aos diversos interesses estrangeiros que contro- lam 0 pais. Enquanto as poténcias coloniais, cujas economias tinham j4 ascendido a fase imperialista, podiam, ainda que forcadas, aceitar as independéncias formais dos territérios que elas colonizavam sem que os seus interesses fundasnentais fossem lesados, tal nio é o caso portugués. © colonialismo portugués em Mocambique assume fundamen- talmente o papel de intermedidrio entre as diversas poténcias impe- rialistas ¢ o territério, o que cm suma constitui o papel das classes dirigentes indigenas nas situagdes neo-coloniais. Enire 1959 ¢ 1967 a percentagem anual dos investimentos nao portugueses nas colé- nias passou de 1% para 30%. As coldnias constituem ainda um instrumento tempordrio para impedir 0 agravamento das contra- digses sociais em Portugal, permitindo assim uma sobrevivéncia do regime. A determinagio das diferentes gamas de interesses colonialistas, permite-nos situar correctamente 0 tipo e a importancia do con: flito opondo 0 nosso povo 4 dominagao portuguesa. Portugal é um pais que mantém estruturas agricolas forte- mente arcaicas ¢ préximas do feudalismo: os 500 maiores proprie- tarios agricolas em Portugal dispoem de tanta terra quanto os 500000 mais pequenos proprietdrios portugueses. Esta situagio determina por um lado, um éxodo rural cres- cente (nos ultimos 10 anos houve distritos em Portugal que che- garam a perder 1/4 da populagdo) e um agravamento da situacdo Social do camponés, que produziram uma forte corrente emigra- toria e se traduziram por uma diminuigio global da populacdo portuguesa, de 2% na década 1960-1970. A possibilidade de exportar para as terras férteis de Mogam- bique aqucla massa de camponeses pobres, apareceu como a solu- cdo ideal para um regime que, ligado aos latifundidrios, nio pode focar nas ¢struturas agrarias e fazer uma reforma agraria que solu- cione a questio da terra a favor dos camponeses pobres ¢ médios. A instalagao de comunidades rurais brancas nas terras férteis de Mogambique, donde previamente foram expulscs os camponcses africanos, é essencialmente destinada, na estratégia inimiga, a criar um conflito entre as duas comunidades, que servira para reforcar a dominagao colonial. Com eleito, 0 camponés branco deveria segundo o plano capitalista identificar os seus interesses ao do Estado Colonial, que Ihe garante a propriedade das terras espo- liadas aos africanos. F este, por exemplo, o esquema que preside os diferentes pla- nos do vale do Zambeze, onde os colonialistas se propoem instalar um milhdo de colonos brancos nas terras a serem irrigadas pela futura barragem de Cabora Bassa. Mocambique ofercce ainda um mercado seguro ¢ protcgido aos produtores da agricultura portuguesa, pouco compelitivos no mercado internacional. E 0 caso dos vinhos ¢ seus derivados que regularmente ocupam um dos primeiros postos no valor total das importacdes do nosso pais. As colonias absorvem 75% das expor- tages de vinhos portugueses. Se a persisténcia do colonialismo portugués responde as exi- géncias da estrutura feudalisante da agricultura portuguesa, ela corresponde também as necessidades da industria capitalista por- tuguesa. O caso da industria téxtil, que ocupa cerca de um tergo da méo-de-obra industrial e cuja exportagio representa perto de um quinto do valor das exportagées portuguesas, é bastante significativo. De acordo com o inquérito do JI Congresso das industrias portuguesas entre 30 a 50% da maquinaria téxtil ¢ antiquada ou esta ja fora de uso ¢ os fusos tém em média uma idade superior a 20 anos dos quais 15% tém uma idade superior a 50 anos. Os pregos particularmente baixos do algodao mogambicano desempenham um papel relevante no funcionamento da industria téxtil portuguesa. De 1939 a 1961, os pregos maximos para 0 algoddo de pri- meira em carogo pagos ao produtor, foram respectivamente de 1$10 © 370. Durante o mesmo periodo o preco maximo pago a0 produtor pelo algodio de segunda passou de $90 para 2§30. Para a safra de 1973-1974 0s precos maximos fixados foram respecti- vamente, de 600 para 0 algoddo de primeira e 3$00 para o algo- dao de segunda. No entanto, enquanto em Mocambique o produtor africano em 1961 sé recebia um maximo de 3$70 pelo algodao de primeira, os produtores recebiam 1200 om Israel, 6$97 na Rodé: do Sul, 4§61 no Tanganyika, 4$40 na Niassalandia, 4$12 no Quénia, 4$14 no Uganda. Comprado a precos baixos aos produtores mogambicanos 0 algodio & vendido a precos de favor aos importadores portugueses. Pregos médios CIE do algodo importado: Anos Mecambique Estrangeiro 1947 - 1948, 11$83 19$15 1948 - 1949 12518 21$50 1949-1950 12$56 34§60 1950-1951 14825 38§20 1951 - 1952 15$48 29§14 1952- £953 15353 24$02 1953 - 1954 15846 24§06 1954-1955 15$35 26$22 Entre 1947 e 1955 a diferenga dos precos de importagao entre 0 algodao mocambicano ¢ o cstrangeiro resultou num beneficio de 2774771 milhares de escudos para a economia portuguesa. Um beneficio anual idéntico é realizado pela industria olea- ginosa portuguesa. Mogambique fornece ainda cerca de 80% da matéria-prima da industria acucareira portuguesa, ‘A deterioracao dos termos de troca entre Mocambique e Por. tugal, ilustra muito bem os beneficios auferidos pelo capitalismo 6 portugués, gracas a exploracio colonial. Entre 1958 e 1962 0 prego médio da tonelada exportada para Portugal baixou de 5200$00 para 3500§00 por tonelada, ou seja uma perda média de 1700800 por tonelada. Simultaneamente, 0 prego médio da tonelada importada de Portugal subiu de 6500$00 para 9800$00, ou seja um aumento de 3300$00. Por outras palavras, enquanto anteriormente a tone- Jada importada de Portugal era coberta por 1,19 toneladas expor- tadas, a deterioragéo actual requcr 2,8 toneladas para cobrir o custo da tonelada importada. A guerra colonial constitui ainda um fonte aprecidvel de recei- tas para certos meios que sobre ela especulam. Em 1965, no debate sobre as contas gerais do Estado, o depu- tado fascista Manuel de Sousa Gomes, declarou: “Uma percentagem clevada das despesas engajadas ao titulo da detesa nacional, pode ser considerada com um cle- mento motor potente na aceleragio de numerosos sectores de actividade: companhias de navegacio, sociedades de trans- portes, produtores e comerciantes de produtos agricolas ¢ aiimentares, fabricas de téxteis, produtos farmacéuticos”. A confirmélo, em 30 de Marco do mesmo ano, o relatério apresentado pela Companhia Nacional de Navegacio 4 Assembleia Geral dos Accionistas, dizia: “Regista-se um aumento de 80% no trafego de Portugal para o Ultramar e mais particularmente para Mogambique”. Finalmente Mocambique constitui também uma importante fonte de rendimento em divisas para 0 colonialismo portugués, em especial através da venda de trabalhadores para as minas da Africa do Sul e plantagdes da Rodésia. Em virtude dos acordos assinados com o governo sulafricano que permitem as companhias mineiras do Rand recrutar anual- mente 100000 trabalhadores mocambicanos, o governo colonialista recebe da Africa do Sul cerca de 1 bilido de escudos em divisas, produto de taxas e salérios dos trabalhadores e das receitas dos portos ¢ caminhos de ferro de Lourengo Marques, utilizados pela Africa do Sul como contrapartida de venda de trabalhadores. Acor- dos idénticos ligam Portugal a Rodésia. Estas receitas em si respresentam mais de 1/4 dos exceden- tes da balanca de contas do Ultramar, que transferidos para a metrépole colonial Ihe permitem manter uma balanga de paga- mentos largamente excedentaria, muito embora o valor das expor- tagdes portuguesas cubra apenas 60% do valor das importacocs. O esforco actual empreendido pelo capitalismo portugués para modernizar as suas estruturas ¢ tornd-las capazes de se inte- grarem competitivamente na Europa torna-se possivel e é larga~ mente dependente da acumulagao realizada através da pilhagem dos nossos recursos econémicos ¢ trabalhadores assim como do 7 afluxo de divisas resultante dos excedentes produzidos pela nossa balanca de pagamentos ¢ também da existéncia de mercados segu- ros e protegidos para a pouco competitiva industria portuguesa. 3. O IMPERIALISMO NA AFRICA AUSTRAL E EM MOCAMBIQUE Mogambique desempenha um papel relevante néo apenas no contexto do colonialismo portugués. A sua importancia é tao grande senao maior ainda, no que respeita 4 sobrevivéncia da exploragao imperialista e dos regimes racistas no sul do continente africano, Ao nosso pais estdo fixadas neste quadro toda uma série de fungdes vitais. Mogambique constitui um vasto reservatério de mao-deobra a Preco irrisério para a industria mineira sulafricana e para as grandes plantagées da Rodésia. Mais de 1 milhio de mocambicanos trabalha nos diversos sectores de actividade daqueles dois paises. 80% da mio-de-obra estrangeira nas minas sul-africanas provém de Mocambique. A importancia destes trabalhadores pode ser exactamente medida se considerarmos a situacdo da industria aurifera sul- -africana, onde se concentra © essencial da mio-de-obra mogam- bicana no Rand. As minas sul-africanas produzem cerca de 70% do ouro do mundo ocidental. A rentabilidade destas minas é baixa: é neces- sdrio trabalhar 160000t de terra para se obter It de ouro. No Canadé, nos Estados Unidos e na Australia minas de um teor aurifero superior as da Africa do Sul, foram encerradas porque a sua exploracao se revela anti-cconémica. O segredo da rentabilidade das minas sul-africanas encontra-se no baixissimo prego da mao-deobra africana e no desprezo total pelas condigdes de seguranga dos trabalhadores. As estatisticas oficiais reconhecem uma média anual de 2500 acidentes mortais entre os trabalhadores mogambicanos nas minas sulafricanas, £ inutil acrescentar que as familias ndo recebem pra- ticamente nenhuma indemnizacio. Além de fornecedor de mao-de-obra, o imperialismo necesita de Mocambique como fornecedor de energia para uma Africa Aus- tral pobre em fontes energéticas e num periodo de rapido cresci- mento industrial. Sete companhias, das quais 6 americanas, receberam vastas concessées para a prospeccao de petréleo e gas em Mocambique. Entre 1967 e 1970, as companhias investiram 300 milhdes de escu- dos nas prospecgées de_hidrocarbonetos, As jazidas de carvao de Moatize sio das mais importantes naquela regio do continente, sendo Mocambique na fase actual © quinto maior extractor africano. A empresa belga que as explora previa a elevagio da produgéo para mais de 4 milhées de tonela- 8 das anuais, antes que a situac3o militar na Provincia de Tete a forgasse a rever os seus planos. No entanto, no campo energético, 0 que deve sobretudo reter ‘a atencdo € o gigantesco projecto de Cabora Bassa. Com uma prevista produgao de 18,5 bilhdes de kW/h, seria a quarta maior barragem do mundo e produziria cerca de um terco do total da energia produzida em Africa. Numa segunda fase, 3 barragens adi- cionais seriam ainda construidas no percurso mogambicano do Zambeze e seus aflucnies elevando o total da produgdo do con- junto a 50 bilhdes de kW/h. De acordo com os planos, este enorme potencial destinar- -se-ia a alimentar nao sé os vastos complexos industriais a criar em Mocambique, nomeadamente as industrias sidertirgicas de ferro, cobre e aluminio, mas também a Africa do Sul, Rodésia e Malawi. O intuito do plano era ainda que a energia de Cabora Bassa fosse fornccida aos paises limitrofes como a Zambia e TanzAnia e outros paises como © Zaire, Quénia e Uganda. A ideia subjacente é a de utilizar a energia do complexo como base de partida para a criacéio dum mercado comum na Africa Austral, Central é Oriental, que integraria sob 0 controlo imperia- lista as economies do conjunto. Um terceiro papel reservado a Mocambique, dada a sua situa- So geogrfica, é o de porto natural do vasto hinterland da Africa Austral. Nos 2795km de costa mogambicana encontram-se diver- sos portos, entre os quais Lourenco Marques que serve a Africa do Sul, a Swazilandia e o Lesoto, Beira que serve a Rodésia, a Zambia, o Zaire e o Malawi, Nacala que serve 0 Malawi. O movi- mento dos portos mogambicanos é da ordem dos 30 milhées de toneladas anuais, movimentando o porto de Lourcnco Marques por si sé cerca de 15 milhées de toneladas anuais 0 que faz dele um dos primeiros portos do continente. ‘A situacio geografica de Mocambique, banhado pelo Canal de Mogambique ¢ controlando o acesso 4 rota do Cabo, faz do nosso pais um elemento essencial do dispositivo estratégico impe- rialista para manter os seus interesses bélicos na zona. A locali- zacio geografica do nosso pais permite ainda a utilizacdo quer como plataforma de agressio contra os regimes progressistas limitrofes, quer como zona de protecciio dos regimes racistas de Pretoria ¢ Salisbitria. Por isso continuamente certos meios imperialistas pro- péem-se alargar a zona de accio da OTAN a sul do Tropico de Capricérmio, ou mesmo constituir um novo Pacto Militar. Indmeras so as declaracées do Primeiro-Ministro Vorster e outros altos responsaveis racistas de Pretéria ¢ Salisburia, apresen- tando os rios Rovuma e Zambeze como constituindo as fronteiras de seguranca e defesa dos regimes de minoria branca da Africa Austral. Finalmente, as riquezas do solo e sub-solo mogambicano, o baixo preco da mio-de-obra e a repressio scvera contra os movi- mentos reivindicativos, despertaram o interesse dos grandes mono- polios tendo dado lugar a investimentos macigos. 9 Este interesse crescente do imperialismo pelas riquezas do nosso pais, foi acompanhado por uma industtializacao relativa- mente muito importante. No campo da industria os investimentos imperialistas tém-se multiplicado a um ritmo elevado: entre 1961, inicio das guerras coloniais e 1964, inicio da luta armada de libertagdo de Mocam- bique, o numero de instalagdes industriais com um vafor igual ou superior a 50 milhdes de escudos, passou de 85 a 647. Entre 1967 - 1969 o ritmo médio de crescimento anual da producdo indus- trial atingiu os 20%v, situando Mogambique entre os paises de mais rApido crescimento industrial do continente. O valor da producdo industrial mocgambicana situa hoje Mocambique entre os 7 paises mais industrializados do continente (Africa do Sul excluida) e representa cerca de 4% do total da produgdo industrial da Africa. Este crescimento industrial faz-se todavia em exclusivo bene- ficio das empresas e do governo colonialista. Entre 1962 e 1969 0 total dos investimentos na_ industria aumentou de mais de 100% atingindo a soma de 13 159900 milha- res de escudos. De Janeiro a Julho de 1973 foram autorizadas ins- talagdes no valor de 9737366 milhares de escudos. No entanto 52,3% do total dos investimentos foram destina- dos a 180 unidades industriais que se consagram 4 exportacdo enquanto que 1724 unidades industriais que abastecem o mercado interno sé receberam 47,7% dos investimentos. Os investimentos beneficiam assim a balanca de pagamentos da zona do escudo e criam por isso melhores condigées para o financiamento da guerra colonial. Isto torna-se mais claro quando observamos que, embora os investimentos tenham mais que duplicado no periodo em questo, © ntimero de irabalhadores passou apenas de 59060 para 75672, ou seja um aumento de 16562 trabalhadores, que representam 28% da mao-de-obra industrial de 1962. O lucro das empresas (antes dos impostos e nao deduzidos ainda os juros e a depreciacao) ultrapassa a média anual de 20,3%; em 1969 os lucros de 17 sectores industriais atingiram 2.679000 milhares de escudos sobre um total de 13 159 900 milhares de escudos investidos. No entanto, os salarios minimos continuaram fixados entre 18$00 e 25$00 por dia (0,72-1 US$) conforme as regides. O total dos salarios pagos (incluindo os funciondrios, técnicos e elemen- tos da direccfio das empresas) representa uma percentagem minima dos lucros auferidos pelos diferentes sectores. O quadro junto que representa a maior parte do sector indus- trial mostra-nos sinteticamente varios destes elementos: 10 Elsi 6'861 or'se —s'zz lez _ ooosL O0L LE o16unjorew o'est —g’LOE 09'61 op'zh sorth Bil it 0006Z! 006 Ib segdouses Vpol 1@ze oz'z9 L's ZL6 L tb 0096€ = 007 ZI PyosBodty vi9eL 87S os'9z ose ESO € LE6 o096€ = cos £ opo5jo2 ep O14SDpUl 9'SLi osgl oo'9z = os’bt £02 921 O0E € oo ‘uno? ap o1ysnpuy Lest — 907 Oz'se —06'zz vle 16 O0€0! 000 Jaded ap ouisnpuy SIZ 00€ of’6z —Ol'sz £06 £69 Oob6z 008.6 y20140q ap OL}SNPUl Veit 06h Olle —Ov'l€ e20Z 901 00ssz 002 S ou91n:q0W LEOl —9'8br Ol’ls —a9'ss 09 L9E Ol FE —-0O9L 80211123|9 soyjoiodo 2 soulnboyy, Vor z’szz OE'1Z oz'st vOELZ = vEOOT 006 188 007 HEE saupquawtyy Liset LOZ 00'r9 = aL’ze ozs Les OOzEEZ OTA e20q04 Zool —Z'10L o€'sz on'zt 8998 9zL th Cor p9E 000 09E 4x2 O'LOL 6'bEz 06'ze 6O9E = LLOE OOL9LI 007 SL sooyjpyalu Ogu s}OJaUIW Bell 8'891 091s = 0867 SLOL OL 00s ziz 000 92 sejups9611j94 9 Sopiqeg, S'SIZ_I'btp 09'zS —Ob’bz ElOl = €ZLL O08 ELI 00S Ob ound o144sNpUl BAGL 8061 overz ol’zet | zh 81 001 SEl 008 OL oajqujad 9p cuouysy — 6961 7964 4961 7961 6961 x61 (e561 w> 001 9809) (Sopnos9 wo) o1tyIG soavoayaws 3 (oogoo01 wo) Mbeeiilel OLMaWAY Jq 39IGN! o1a3W Oluyvs — |sa¥oaVHIVavYL 30 'N souont a) b) ©) No que respeita aos lucros constata-se: 1, Dos 16 sectores apresentados apenas o sector téxtil representa um baixo indice de crescimento. 2. Par um indice 100 em 1962: encontramos 3 sectores com um indice de crescimento lucros compreendidos entre 150 e 200: bebidas e refri- gerantes, refinagio de petrdleo, metalurgia — 4 secto- Tes apresentam um indice de crescimento entre 200 ¢ 300: papel, tabaco, indtistrias alimentares e minerais nao metalicos — 3 sectores tém um indice de cresci- mento entre 300 ¢ 400: borracha, serragao e tipografia — 3 sectores viram os seus indices de lucros aumentar entre 400 e 500: quimica, mAquinas, aparethos eléctri- cos e mobiliério — 1 sector viu o seu indice aumentar para 528 ¢ outro para 1650, trata-se respectivamente da industria do calcado e da industria do couro. Todavia o indice de aumento de salarios é absolutamente diferente: Apenas em 2 dos 16 sectores o indice de crescimento do salario médio diario foi superior ao do indice de crescimento dos lucros; trata-se do sector téxtil ¢ do do sector de bebidas e refrigerantes. No entanto é de observar no campo do sector téxtil que o numero de trabalhadores baixou consideravelmente — indice 77.8 (base 100 em 1962), sem que os lucros do sector tives- sem sido afectados, antes pelo contrario, cresceram. 2. Embora I1 dos sectores estudados apresentem indices de crescimento de lucros iguais ou superiores a 200, no que respeita ao aumento de saldrios sé a industria quimica apresenta um indice de crescimento de 215,5. £ do notar no entanto que para o perfodo conside- rado este é 0 sector em que o indice do ntimero de trabalhadores mais baixos: indice 58,7 para uma base 100 em 1962. No que respeita ao indice do numero de trabalhadores empregados observamos: 1, © {ndice baixou ou manteve-se relativamente estacio- nario em 6 dos ramos sem que isto implicasse uma consequéncia no lucro das empresas. 2. Apenas em dois sectores o indice de aumento do numero de trabalhadores foi superior ao indice de aumento dos lucros; trata-se dos sectores de bebidas e refrigerantes ¢ industria de papel. 12 d) No que respeita aos saldrios nota-se que os 4 sectores que agrupam 50 180 trabalhadores, ou sejam mais de 60% da mao-deobra industrial, os sectores téxtil, indistrias ali- mentares, calgado e serracdes, so 0s sectores em que os salarios médios so os mais baixos, variando entre 19$00 © 26360. Ora € neste sector precisamente que se encontra o essencial dos trabalhadores africanos. Em contrapartida o sector da refinaria do petrdleo que é o que paga os saldrios mais altos, 213§20 em média por dia, é 0 sector em que se encontram menos trabalhadores — apenas 182 ena sua maioria esmagadora ndo-africanos. Analisando a origem dos capitais que controlam a agricultura, a industria manufactureira e extractiva, verifica-se que sio raros 0S casos em que OS capitais portugueses ocupam uma posicao dominante. Como se disse a percentagem anual dos investimentos no- -portugueses na economia colonial passou de 1% em 1959 para 30% em 1967. Sao os grandes capitais portugueses e multinacionais que con- trolam a economia mogambicana. Na produgio e refinagao do agticar encontramos 5 companhias principais: a Sena Sugar Estates, com 90% dos capitais pertencendo a accionistas ingleses, o que é ainda o caso da Sociedade Agricola do Incomati; a Companhia do Buzi, subordinada 4 Companhia de Mocambique, controlada por seu lado pela British South Africa; a Sociedade Acucareira de Mogambique controlada pela COMPA- DEC, francesa, ¢ seus associados; a MARAGRA que se diz portu- guesa mas aparece bastante ligada A Industrial Development Cor- poration of South Africa. AS grandes plantagoes de sisal, coqueiro e outras sdo contro- ladas por companhias onde os capitais portugueses sao limitado: Companhia da Zambézia (capitais britanicos), Companhia das Cul- turas de Angoche (Suiga), Sociedade Agricola do Madal (Suica, Franga, Noruega), Companhia do Boror (Alemanha Ocidental), Zembe Plantations (Holandesa). No algoddo e no téxtil 2 bancos, Banco Portugués do Atlan- tico e Banco Comercial de Angola, a Companhia de Mocambique (controlada pela BSA) ¢ a familia Joao Ferreira dos Santos, directa ou indirectamente controlam a maior parte das socieda- des concessiondrias do algodao. Os trés maiores produtores de cha, Companhia da Zambézia, Ch4 de Mogambique (Companhia de Mocambique) e Sociedade Agricola do Madal sio dominados por capitais ndo-portugueses. A industria extractiva um panorama semelhante. A Companhia do Uranio de Mogambique, controlada_pela British South Africa através da Companhia de Mocambique, obteve em concessao os direitos de prospecgao e exploragao dos minerais radioactivos, a A prospecgao e exploracao de diamantes foi concedida a com- panhias sul-africanas: a DIAMOC controlada pela Anglo-American ¢ a Federal Volksbeliggims Bepek associada ao Gabinete Mocambi- cano da Organizagio Ltd.-Gamor. Na prospecgao c exploracio de petréleo ¢ o gas dominam as companhias americanas: Pan American Oil Company, Mozambique Amoco Oil Company, Alexander Hutchings, Texaco Inc, Hunt Cor- poration, Kilrey. A Anglo-American sul-africana obteve também con- cessdes € controla um consércio de prospecgées em que os outros componentes séo a Société Nacionale des Pétroles d’Aquitaine ¢ a Enterprise de Recherches et Activités Petrolitre — ERAP-ELF, ambas francesas ¢ a Gelsenkircher Bergwerks Artiengesclschaft da Alemanha Ocidental. Atraidas pelo que se chama o “escandalo geoldgico de Tete” numerosas companhias obtiveram em concessao largas regides da provincia. Em Tete encontramos a Companhia Carbonifera de Mo- cambique controlada pela Société Minitre ct Géologique com capi- tais belgas, a Companhia de Uranio de Mogambique (BSA) que formou um consorcium — Companhia Mincira de Tete — em que 0s outros componentes sdo: a Bethlehem Steel Corporation, Monte- dison, Finmiive e a Companhia Mincira do Lobito. Um outro impor- tante cons6rcio em Tete é a Companhia Mogambicana de Minas, constitufdo pela Johannesburg Consolidated Investment e a Anglo- -American. O trust japonés Sumitomo, através da Namapa Iron Mines, obteve 0 controlo do ferro na Provincia de Mocambique. A Duby and Company da Africa do Sul adquiriu o controlo_da prospec: 40 ¢ exploragao da colombo-tantalite ¢ barilo da Provincia da Zambézia, através da Socicdade Mincira de Marropino. Em Manica ¢ Sofala a fluorite é controlada por um consorcium internacional — Sociedade Internacional Fluorite de Mocambique — em que encontramos a Continental ore Corporation dos Estados Unidos, a Société des Minéraux de Luxemburgo © o Banco Portugués do Atlintico; no cobre domina a Edmundian Investments (PTY) da Africa do Sul; no niquel a International Nickel Southern Exploi- tation Ltd do Canadé. A dominagao do capital multinacional sobre 0s nossos recursos minciros manifesta-se ainda pela presenca da Skapnek e Lonhro, britanicas, a Mussima Transvaal Development Company, a Bullosa, etc. ‘Na inddstria transformadora a presenca cada vez mais domi- nante das grandes companhias multinacionais e dos bancos é de rigor. O caju é uma das principais riquezas nacionais. As principais companhias que dominam o ramo sao as seguintes: CAJUCA: consércio formado pela Sociedade Agricola do Ma- dal Oltremare Industria Prodotti Alimentari e Derivati SPA da Italia e a Cuca. SPENCE and PIERCE Ltd: consércio de 2 empresas brita- nicas, Pierre Leslie and Corporation e Gill Duffu. 14 MOCITA: consércie que sob a direcgéo da Anglo-American, agrupa a Tiger Oats and National Milling Corporation ea Industria de Prodotti Alimentari de Bologna. A Mocita controla ainda a Indiistria de Caju Antires SARL. SOCAJU: associa o Banco Nacional Ultramarino e a CUF. Nas industrias alimentares encontramos a gigantesca Compa- nhia Industrial da Matola (CIM) em que se encontram associados a Metallurgy South Africa (PTY) Ltd de Johannesburg, a Gesells- chaft fur Ellektrometallurgie GmbH de Dusseldorf, a London and Scandinavian Metallurgical Company de Londres e a A.B, Ferrode- geringan de Estocolmo, a Metallurg Inc of New York e a Shieldalloy and Co of New York ambas americanas. Nos lacticinios a Nestlé e a Cooperativ Condens Frabriek Friesland Holandesa controlam a produgao do leite condensado, queijo ¢ outros produtos. ‘A pesca é dominada por trés grupos: a Anglo-American que controla a Sociedade Inos e a Empresa Pesqueira de Nossa Senhora de Fatima, L. Corbert Investment (PTY) Ltd da Africa do Sul que controla a IMPESCAL, grupo ARPEM dominado por capitais franceses. A refinagem e distribuicdo de petréleo é monopolizada pelo grupo SONAP (SONAREP, SONAPMOC, SONAPMARITIMA, OIL COM) em que 27% e 20% das acces pertencem respectivamente a Compagnie Francaise des Pétroles e 8 TOTAL agora associadas ao grupo BULLOSA. A produco de adubos ¢ dominada por 2 grupos: a Compa- nhia de Quimica Geral de Mogambique em que a Sociedade de Estudos e Investimentos (Champalimaud) est4 associada As firmas francesas SODEIX e SOGALTRA e a capitais sul-africanos. O segundo grupo que monopoliza a produgao de dcido fosférico é controlado pela Phosphate Development Corporation Ltd Foukor. As firmas americanas General Tyre ¢ a Firestone (directa- mente ou através da MABOR) controlam a produgado de pneus ¢ camaras-de-ar. A CODAUTO da British Leyland e a FAMOL, dominam a mon- tagem de viaturas automéveis, enquanto a fabrica de bicicletas de Mocambique est ligada aos grupos RALEIGH ¢ SERI-RENAULT. oleoduto Beira-Umtali pertence 4 LONHRO britanica. No projecto do gasoduto do Pande para a Africa do Sul encontramos a Gulf Oil e o grupo Champalimaud. Nos diferentes projectos de instalacées de industrias side- rurgicas de ferro encontram-se a Companhia de Uranio de Mogam- bique (British South Africa), a Sociedade Hidro-eléctrica do Revue (Banco Portugués do Atlantico e Banco Comercial de Angola), a Companhia Industrial da Matola (capitais ingleses, escandinavos, americanos e alemfes ocidentais), a Rhodesian A. Company ¢ 0 grupo Champalimaud. ‘A producao do cimento é controlado por trés grupos: a Com- panhia de Mocambique, a Companhia de Cimentos de Mocambi- 15 que (grupo Champalimaud) ¢ a Lusalite de Mogambique (grupo BULLOSA, Compagnie Financiére Eternit SA ¢ Fabrecin Fabriques Réunies de Fibro-Ciment SA ambas francesas e Amindus Hol- ding SA). Portugal aparece assim claramente como o gerente dos inte- resses de companhias sobretudo nao-portuguesas, dado que estas pouco mais sao capazes do que encontrarem-se associadas ao capi- tal multinacional. 0 colonialismo portugués procura ainda fazer valorizar 0 seu papel de parasita, tentando integrar mais directamente Mogambi- que nos planos dos meios belicistas. Continuamente 0 Governo Portugués e a sua maquina diplo- matica ¢ de propaganda insiste sobre a nccessidade de integrar Mogambique na zona de intervencio da OTAN. Certos mcios ame- ricanos inclinam-se em transformar 0 porto de Nacala, 0 maior porto natural do fndico, em base naval americana. Existem mano- bras politicas visando a criagéo de uma alianca militar entre as principais poténcias imperialistas por um lado, e por outro o Brasil, a Africa do Sul ¢ Portugal com os “seus territérios” de Angola e Mogambique. Em resumo, fomentar o clima de guerra- -fria para se manter a dominacao colonial ¢ racista em Mocam- bique e na Africa Austral, para maior proveito das companhias. 4, OS INTERESSES DAS MASSAS FACE AO COLONIA- LISMO E AO IMPERIALISMO As formas particularmente opressivas de exploracdo a que esto submetidas as largas massas trabalhadoras nao aparecem como episédicas ou marginais. Correspondem, como se verificou, as exigéncias do colonialismo e das grandes companhias multina- cionais que controlam a economia mocambicana e a Africa Austral. Entre os interesses das massas camponesas e das companhias concessionarias e produtoras, existe uma incompatibilidade total. As companhias concessiondrias de algodio que controlam Mocambique fundam a sua actividade na imposicao da cultura do algodio e no monopélio da sua compra aos produtores africa- nos a pregos obrigatoriamente 4 a 5 vezes inferiores aos do mer- cado livre ¢ do mercado internacional. Mais de 509 000 agricultores encontravam-se submetidos a este regime antes do desencadea- mento da guerra, atingindo hoje 550000 o ntimero de agricultores submetidos ao regime. F certo que o desencadeamento da guerra obrigou o Governo Colonial a progressivamente libertar 0 mercado ¢ a abolir a impo- sigéo da cultura, numa tentativa desesperada de ganhar as massas camponesas, de Ihes fazer abandonar uma das suas reivindicagdes tradicionais, Mas as necessidades das companhias que em dltima andlise controlam 0 governo, rapidamente tém imposto 0 recomeca das culturas forcadas no quadro dos campos de concentracao cria- dos com 0 objectivo de isolar as populagées da FRELIMO, Com 16 efeito nestes campos de concentragio, onde j4 se encontram inter- nados, segundo declaragées governamentais, mais de 1 milhao e meio de mogambicanos (cerca de 1/6 da populacio mogambicana), as populagées sob a ameaca das armas colonialistas so forcadas a produzir os produtos, adquiridos em seguida a baixos precos pelas companhias que gozam do monopélio de compra. A instalagéo de comunidades rurais europeias nas terras fér- teis espoliadas 4 populacdo africana, é uma das constantes da poli- tica colonial portuguesa. Esta ac¢do prossegue um duplo objectivo: por um lado absorver a mao-de-obra rural desempregada em Por- tugal, por outro transformar os agricultores europeus em defenso- res da ordem colonial. Diversas regides do nosso pais tém sido objecto desta pratica, como é 0 caso do Vale do Limpopo, Monte- puez, Marrupa, os planaltos do Chimoio, Gurué e Vila Manica, etc. Pelas suas proporsées, o plano de instalacéo no Vale do Zambeze de 1 milhao de colonos europeus, assume um significado particular: tratase desde j4 de modificar a composic&o étnica do pais e de lJevantar uma barreira humana ao desenvolvimento da luta de libertagdo, preparando-se assim as condicées para tentar desvirtuar © contetido real do nosso combate, transformando-o em afronta- mento racial. A criagdo dos colonatos opée-se radicalmente aos interesses das comunidades rurais africanas. A espoliagdo das terras ¢ a transfe- réncia forcada das populagées para novas zonas reduz sistematica- mente a miséria as populagées, permitindo assim o aumento de mao-de-obra barata a ser utilizada pelas companhias e colonos. Um exemplo tipico foi o da criacdo do colonato do Limpopo na segunda metade dos anos 50, que bloqueou e destruiu o desenvolvimento duma comunidade rural africana préspera, que ja se integrava na economia de mercado e langava as bases duma agricultura meca- nizada. trabalho forcado nas plantagdes das companhias, que é a base dos lucros fabulosos das companhias monopolistas do acticar, cha ¢ sisal, constitui sobretudo uma forma particularmente dura da exploracao dos trabalhadores rurais. Estes sao obrigados a aban- donar as suas actividades agricolas ou artesanais, em troca de um salario inferior a 5$00 por dia de trabalho de 12 a 15 horas. Mais de 100000 trabalhadores encontram-se anualmente submetidos a este regime. O grosso das massas atingidas por estas praticas ¢ constituido pelas populagées rurais. Jo estas populacdes ainda, quem fornece 06 efectivos de tra balhadores vendidos anualmente para as minas sul-africanas e plan- tacdes rodesianas. Sobre as populacées rurais pesa ainda um imposto directo pessoal que atinge 1/4 do rendimento anual do africano e representa 17,3% das receitas ordindrias do Estado. Os impostos indirectos, que recaem essencialmente sobre as massas mais desfavorecidas representam 12,5% das receitas ordindrias. Quer isto dizer que no total das receitas do Estado as massas mais pobres contribuem com ay 29,8%. Nota-se que o sector agricola em Mocambique embora com- preendendo estatisticamente a agricultura europeia e as diversas companhias agricolas contribui apenas em 28% do produto inte- rior bruto. Para melhor se apreciar a maneira como os impostos coloniais constituem uma forma refinada de exploragaéo das massas em favor do grande capital, basta analisar a incidéncia da fiscalidade sobre os restantes sectores. As industrias manufactureiras extractivas e de construgo con- tribuem em 16,5% do PBI, sendo a contribuigaéo do comércio e certos servicos (transporte excluido) de 41,7%. Ora o imposto sobre as induistrias representa apenas 9% das receitas gerais ordi- narias, enquanto 0 imposto sobre o capital s6 representa 16% das mesmas receitas. Em contrapartida os beneficidrios das despesas do Estado nao so as massas: as escolas, os servicos sanitaérios e a assisténcia social, a assisténcia, a promogio rural e a electrificagao das zonas rurais, etc,, sdo praticamente inexistentes. A guerra absorve, segundo as declaragées do General Kaulza de Arriaga, mais de 45% das des- pesas governamentais de Mocambique. No entanto, as despesas da satide e da educagdo orgam apenas respectivamente em 3% ¢ 2,6% e, € claro que a maior parte desta magra percentagem destina-se 4s zonas urbanizadas onde vive o grosso da populacdo europeia. O III Plano de Desenvolvimento num total de 1113,2 milhdes de escudos gastos no ano de 1970, consagrou precisamente 1,5% do total para o desenvolvimento rural. Dentro deste contexto comprende-se que a libertacao nacional para as largas massas camponesas do nosso pais, exija uma modi- ficagao radical da situagéo camponesa que abranja a abolicdo real das culturas forcadas e do trabalho forcado, o fim da espoliacao das terras ¢ da exploracao das companhias concessiondrias e das grandes plantagées, a liquidacdo da pratica da venda de trabalha- dores ao estrangeiro, a transformagdo total do sistema fiscal a favor das massas trabalhadoras. Em resumo, o contetido da reivin- dicagio camponesa no nosso pafs exige a destruicgio do Estado Colonial, do Estado das culturas forgadas e das plantagées, do estado da dependéncia em relac&io ao imperialismo,, representado pelas companhias multinacionais e pela subserviéncia perante os interesses da industria mineira sulafricana e da industria agricola rodesiana. ‘A classe operaria mocambicana, embora de recente formacao, conhece uma certa expansio devide ac crescimento répido da indus” tria mocambicana. A classe operdria encontra-se submetida aos grandes capitais multinacionais americanos, ingleses, franceses, oeste-alemaes, japo- neses, belgas, italianos, sul-africanas que dominam os sectores da petroquimica, construcao naval, construcdéo de maquinas e artigos eléctricos, montagem de automéveis, indtistria pneumitica, cimen- tos, industria extractiva, producdo’ hidro-eléctrica, industria ali- mentar, etc. 18 A legislagao colonial facista reprime brutalmente qualquer ten- tativa de organizaco da classe, fora dos quadros dos sindicatos fascistas, quase exclusivamente reservados aos funciondrios e tra- balhadores europeus. Os movimentos reivindicativos, tal como o testemunharam as greves da Estiva e dos Caminhos de Ferro da Beira e Lourenco Marques em 1963, sao ferozmente reprimidos saldando-se 0 scu fim com mortos, feridos, prisées em massa. Derivado das despesas de guerra, a subida extremamente r4pida do custo de vida absorve as magros aumentos de salario que inter- vém para diminuir a insatisfacdo geral: assim, em Setembro de 1970 e Setembro de 1973 enquanto o indice de precos subiu de 43%, o saldrio médio dos trabalhadores nao qualificados apenas subiu de 17%. A industrializagao de Mogambique em proveito exclusivo do capital multinacional ec financiada na pratica pela exploracao desen- freada dos trabalhadores e pela pilhagem dos recursos naturais da Nagao, é incompativel com os interesses das massas trabalhadoras. Neste contexto, também, para a classe operdéria mocambicana, a independéncia nacional exige a destruigdo do Estado Colonial, © Estado da subserviéncia em rela¢do aos capitalistas portugueses e as sociedades multinacionais. A instauragao de novas relagdes sociais de producdo para por cobro 4 exploracao existente, corres- ponde aos interesses e 4 consciéncia crescente das massas trabalha- doras mocgambicanas. O conjunto destes dados mostra-nos claramente que a reivin- dicagdo da independéncia nacional, compreendida como destruicao do Estado Colonial e a edificag3o dum Poder Popular livre da dominac4o imperialista, correspondem aos interesses e aspiracées das largas massas do nosso pais, o que é demonstrado na pratica quotidiana pelo eco encontrado pelas nossas palavras de ordem, Sob a pressdo internacional contra a politica o'scurantista € racista do colonialismo portugués, sob a press sinda do imperia- lismo, preocupado com a inexisténcia duma burguesia africana signi- ficativa, Portugal na ultima década resignou-se em promover um pequeno sector africano de funciondrios e técnicos. No entanto, a formagio desta camada, que pela sua educagdo e conhecimento se presenta como um competidor sério da massa iletrada ou semi- iletrada de colonos, suscita graves problemas aos colonialistas. Em “O Problema Estratégico Portugués”, numa série de ligdes proferidas no ano lectivo de 1966-1967 num Curso de Altos-Coman- dos, 0 General Kaulza de Arriaga, gue foi comandante-enrchefe do exército colonial em Mogambique de 1970 a 1973, procura definir a linha politica e estratégica a ser seguida dentro deste quadro: .+.“S6 seremos capazes de manter um dominio branco em Angola © Mocambique se 0 povoamento (branco) for em ritmo que acom- panhe e ultrapasse ligeiramente pelo menos, a producao de negros evoluidos ... nao podemos produzir negros evoluidos em quantidade superior aquela que corresponde ao Povoamento Branco... Preci- samos de travar ligeiramente a promogdo dos Povos Negros, depois vy temos que convencer esta gente que estamos a promové-los num ritmo adequado...”. ‘Assim, ao mesmo tempo que, demagogicamente, se proclama uma politica de promogo das populacdes africanas e se procura convencer o mundo e os “negros evoluidos” de que tudo se faz em favor do africano, na realidade o colonialismo age para “travar ligeiramente a promogdo dos Povos Negros”. £ dentro deste contexto que devemos situar as manobras pre- sentes de “Autonomia”, criag3o do Estado Honorifico de Mogam- bique, alargamento do ‘Conselho Legislativo, etc. Na realidade, estas e outras manobras (hd meios colonialistas que sugerem mesmo uma futura “independéncia”, quer no quadro duma pseudo-comunidade luso-africana, quer ainda no estilo apar- theid) visam sobretudo dois objectivos essenciais: desviar a aten- 40 das massas e do mundo da natureza colonial do regime por- tugués em Mocambique e tentar seduzir e corromper uma magra camada africana, a quem seria reservada a triste sorte de agente fantoche do colonialismo portugués. A pratica demonstra no entanto, que cada manobra colonialista destinada a resolver a sua contradi¢éo antagénica com as massas, agrava e suscita novas contradigées. Assim, a0 mesmo tempo que os colonialistas dizem promover a constituigaéo duma camada de “negros evolufdos”, agravam a repressao contra esta camada, que pela sua condicéo pode apreen- der a natureza ¢ as intengdes do regime. Vemos neste contexto que nos tiltimos 3 anos as vagas de prisées nas zonas urbanas do sul do pais onde predominam os “Negros evoluidos”, atingiram cerca de 5000 pessoas, incluindo sacerdotes, pastores e outras personalidades eminentes ¢ respeitadas pela populacao. A Universidade de Lourengo Marques onde se deveria formar esta elite evoluida, ainda que a maioria dos alunos seja de origem europeia, foi encerrada como centro subversivo da Frelimo. Os dirigentes associativos, quase todos eles brancos, foram presos sob a acusa¢do de militarem subversivamente a favor da Frelimo; depois de libertos, estes mesmos elementos foram incorporados a forca no exército. Para a camada embrionaria de pequenos e médios funciondrios empregados, para a camada nascente de jovens técnicos e inte- lectuais, também 0 colonialismo nao fornece outra solucdo, que a da subserviéncia as poténcias estrangeiras e ao colonialismo, o amordecimento da consciéncia e do pensamento, a traicéo nacional. A troco da servidao, 0 colonialismo propde alguns salérios relati- vamente elevados e um conforto precdrio, sob a vigilancia ¢ represséo constante da PIDE. A inelutabilidade da derrota do colonial-fascismo, em Mogam- bique, que se confirma diariamente pela extenséo da luta armada e pela importancia cada vez maior das vitérias alcangadas pelas forcas da Frelimo, pelo sentimento e tradicées patridticas que indis- cutivelmente animam a quase totalidade desta camada, pela justeza da nossa linha, tém levado progressivamente esta camada a rejeitar 20 © papel de fantoches a que o colonialismo a quer votar, aderindo aberta ou clandestinamente as fileiras da Frelimo. O isolamento crescente do regime colonial-fascista verifica-se mesmo junto da prépria populagdo europeia, que normalmente, no plano inimigo, deveria servir de baluarte de defesa das teses opressoras. Qs colonialistas que junto destas populagdes fundaram a sua acco em campanhas chauvinistas e racistas, na especulacao sobre a natureza terrorista e anti-branca do movimento patridtico, foram forgados a constatar que era impossivel embrulharse 0 fogo da realidade e da verdade, com o papel da propaganda mentirosa. A conduta exemplar e sistematica dos combatentes e militan- tes da Frelimo em relacéo A populacio europeia, nomeadamente os comerciantes e agricultores das zonas rurais, motoristas trabalha- dores, sacerdotes e civis brancos em geral, desmistificam a propa ganda colonial ¢ dissipam os falsos receios inculcados. Tao intenso se tornou o fendmeno que o inimigo viu-se obrigado a recorrer As provocacées mais descaradas ¢ brutais para o tentar deter. Assim em Tete e Manica e Sofala em particular, soldados colonialistas envergando uniformes iguais aos da Frelimo, atacam e saqueiam lojas de comerciantes europeus, brutalizando os seus propriet4rios e deixrndo em seguida falsos panfletos da Frelimo a “assinarem” © crime. Outras vezes apresentam-se nas lojas como militantes da Frelimo com 0 objectivo de detectar as simpatias ¢ inclinagdes dos comerciantes e desencadear represdlias contra os que mos- tram sentimentos favordveis a Frelimo. As prticas terroristas, parte integrante do comportamento do exército colonial-fascista, 0 desenvolvimento rapido e sistema. tico das acgdes mais brutais e repugnantes como os massacres de envergadura crescente, contrastam claramente com a linha e a pratica dos militantes da Frelimo. Isso tem levado sectores cada vez mais amplos da populacdo europeia a sentir que na realidade os tinicos terrorists e criminosos, os tinicos racistas em Mogam- bique sio as forcas de repressio do sistema colonial-fascista. Esta situagao ¢ testemunhada duma maneira clara pela evolucéo da Igreja Catélica em Mocambique. A Igreja que se identificara total- mente ao regime, salvo raras e honrosas excepcées, comega hoje publicamente a denunciar o reino do terror e do massacre. A depo- sig corajosa de varios bispos no julgamento dos padres do Mactiti constitui uma condenagdo aberta das praticas terroristas sistemé- ticas do colonialismo portugués. O massacre de Wiriyamu, que pro- duziu um choque sem precedentes na opinido internacional, foi ainda uma ocasido para que numerosos sacerdotes e prelados se demarcassem do regime colonial-fascista. Hoje, 0 regime colonial- -fascista que pretende defender em Africa a civilizagdo cristi, aparece publicamente como o assassino dos chefes da Igreja Pres- biteriana em Mogambique, os reverendos Zedequias Manganhelas e José Sidumo, prende, tortura, condena e expulsa pastores e sacer- dotes, submete bispos a ameagas policiais e provocacées. 21 A natureza repressiva, fascista e exploradora do regime, a sua politica em beneficio exclusivo do grande capital portugués e mul- tinacional também se fez ressentir junto da populacio europeia, constituida na sua maioria por trabalhadores, empregados, funcio- ndrios, técnicos e intelcctuais. Estas camadas, sujeitas 4 exploracao capitalista e 4 repressio fascista, sofrem uma degradac&o cons- tante do seu nivel de vida em consequéncia da politica de guerra da sujeicao ao capital. A linha e a pratica da Frelimo, que sem- pre definiram claramente o alvo das nossas armas e distinguiram sem hesitaciio a populagdo branca e portuguesa do colonial-fas- cismo, tem levado este sector a tomar uma atitude positiva em relacdo 4 luta de libertagiio. E crescente o mimero de brancos, que sentindo Mogambique como a Patria de todos os mogambicanos sem distingao de racas, se integra nas fileiras da Frelimo para libertar a patria e destruir © regime de dominacio e exploracao estrangeiras e a repressio fascista. Por isso mesmo as forcas da PIDE lancam-se agora tam- bém contra a populacdo europeia, enquanto a maquina de propa- ganda colonial se esforca por convencer a populacdo europeia que esta no deve confiar nas palavras da Frelimo. Amargamente, no fim do ano de 1973, o Governador-Geral Colonial queixava-se do crescimento da “subversio” no seio da juventude branca e no seio das fileiras da propria administragao. Assim, na realidade didria, a luta de libertagdo encabecada pela Frelimo, aparece verdadeiramente, no contetido e na forma, como o combate de todas as camadas sociais sem distincgfo de etnia, raga ou crenga religiosa, contra a dominagdo colonial-fascista portuguesa e imperialista em Mocambique. Para as massas trabalhadoras mocambicanas, que constituem a maioria esmagadora da populacao, assim como para os sectores de funciondrios e empregados, técnicos e intelectuais, pequenos e médios proprietarios e comerciantes, a libertagdo nacional significa necessariamente a destruicgéo dum Estado que se identifica com a dominagao brutal do grande capital, 4 subordinagiio dos interesses nacionais, aos interesses da dominacdo imperialista no nosso pais € na regio austral do continente. Pelo seu contetido ¢ forma, pelos seus objectivos, a nossa luta & democratica e popular. Por isso desde j4 na nossa patria, nas zonas libertadas que cobrem 1/3 do pais, se instala o Poder Popu- lar o Poder das massas trabalhadoras que edifica uma Socie- dade Nova. Il— A NATUREZA SOCIAL DA FRENTE E A SUA LINHA POLITICA “Mocambicanos, operarios e camponeses, trabalhadores das plantagées, dos caminhos de ferro, dos’ portos e das fabricas, intelectuais, funciondrios, estudantes, soldados mocambicanos no exército portugués, homens e mulheres, jovens e compatriotas: em nome de todos vdés a FRELIMO proclama hoje, solenemente a insurreicio geral armada do Povo Mogambicano contra o colonialismo portu- gués para a conquista total da sua independéncia. A luta ndo deverd cessar senao com a liquidagio com- pleta do colonialismo portugués. Unamo-nos do Rovuma ao Maputo. Viva Mocambique independente. Viva a FRELIMO. Viva a Africa unida”, (Proclamago do Comité Central por ocasiio do desencadeamento da luta armada de libertacao nacional). 1, A UNIFICACAO DO MOVIMENTO NACIONALISTA A natureza da luta, uma luta pela independéncia nacional, que destr6i a dominacio estrangeira que se opde aos interesses de todas as camadas sociais mocambicanas, explica a preocupagao pela uni- dade que dominou desde o inicio 0 movimento patriético mo- cambicano. As experiéncias das guerras de resisténcia 4 conquista colonial, ainda frescas na meméria das populagdes — a revolta do Barue terminada em 1918, demonstraram claramente que a causa essencial da vitéria colonialista se encontra no cardcter desunido e disperso da resisténcia. Mas estes dados objectivos ndo eram automaticamente apreen- didos e uma longa Juta foi necessaria para fazer triunfar a unidade. 23 A partir dos fins dos anos $0, organizam-se fora de Mogambi- que movimentos patridéticos entre grupos compostos essencialmente de exilados econémicos instalados nos paises vizinhos. A UDENAMO, Unido Democratica Nacional de Mocambique, cria-se na Rodésia do Sul recrutando os seus membros entre os trabalhadores e emigrados vindos sobretudo das provincias de Manica e Sofala, Gaza e Lourenco Marques. A UNAMI, Unido Nacional Africana de Mogambique Indepen- dente, constitui-se no Malawi buscando os seus membros especial- mente entre os origindrios das provincias de Tete, Zambézia e Niassa. A MANU, primeiramente denominada Maconde African Natio- nal Union e depois Mozambique African National Union, forma-se em Mombaga, agrupando particularmente os elementos de origem maconde da provincia de Cabo Delgado. Esta accfio como se verifica, ndo se consegue libertar intei- ramente do tribalismo e do regionalismo, ela nado consegue unir vastas massas para a tarefa de libertacio nacional. Diversos facto- res o explicam. O atigamento pelo colonialismo das rivalidades tri- bais, religiosas e outras, a falta de experiéncia e cultura politica dos militantes, na maioria dos casos muito jovens, s4o os factores essenciais. No entanto, a existéncia de varias organizagées nao corresponde realmente a uma clivagem politica e social. Elas constituiram-se entre grupos de emigrados e exilados, consoante os lugares em que viviam, frequentemente desconhecendo a sua miutua existéncia. O facto é que a multiplicagdo das organizagdes nfo é de natureza a mobi- lizar as massas. Os acontecimentos do Congo, o desencadeamento da luta de tibertacdo em Angola, a independéncia do Tanganyika, vém estimu- lar os sentimentos patriéticos. Mas ¢ sobretudo 0 processo de evo- lugdo no interior de Mocambique que vai desencadear 0 movi- mento unificador. Paralelamente a agitaciio patridtica no exterior, no interior de Mocambique, em especial nos centros urbanos da Beira e Lourengo Marques é nas zonas onde se encontram embrides de cooperativas agricolas como em Gaza, Cabo Delgado e Manica e Sofala desen- volve-se uma acco patriotica. Simultaneamente, pequenos grupos utilizando frequentemente organizacées culturais, recreativas e orga- nizagdes de socorros mutuos, langam um debate de ideias. E 0 caso do Nucleo dos Estudantes Secundarios Africanos de Mogambique (NESAM), do Centro Associativo dos Negros de Mocambique, etc. Embora numericamente fracos ¢ sujeitos a uma repressao constante, estes grupos aparecem como a expressao do sentimento patriético que anima sobretudo as massas urbanas. A sua fraqueza numérica na realidade nao corresponde ao papel importante e dinamizador que desempenham junto da opiniao. A visita a Mocambique em 1961 do camarada Eduardo Chi- vambo Mondlane, entdo funciondério das Nagées Unidas, cristaliza e acelera 0 processo da consciéncia unitdria e a aspiracao A liber- 24 taco nacional. Os contactos que estabelece durante a sta visita, a plataforma simples, clara e justa que propde as diversas forcas dispersas, vio desencadear o processo que levara A formagéo do movimento de libertagao nacional. A acc’o do camarada Eduardo Chivambo Mondlane e dos outros camaradas, apoiados pelos grupos do interior consegue final- mente em 25 de Maio de 1962 reunir a MANU e a UDENAMO, com 0 objectivo de discutirem a unificagdéo do movimento nacio- nalista. Um protocolo de unificagéo é assinado entre as duas organizagées. A UNAMI sentindo a pressao a favor da unidade é forcada a apor a sua assinatura ao protocolo de unificagao. Em 25 de Junho de 1962 de acordo com o protocolo, as trés organizacées dissolvem-se e constitui-se a FRELIMO — FRENTE DE LIBERTACAO DE MOCAMBIQUE. Uma direcgdo proviséria encabecada pelo camarada Eduardo Chivambo Mondlane é encar- regada de organizar o I Congresso da Frelimo que se realizou de 23 a 28 de Setembro de 1962. A Frelimo ao constituir-se define-se como uma organizacao de massas que recebe no seu seio todos os Mogambicanos, sem distingdo de sexo, origem étnica, crenga religiosa ou lugar de domi- cilio, que aprovem os Estatutos e o Programa da Frelimo, que se comprometam a aplicar a linha politica da Frelimo. O I Congresso precisa que sao objectivos da Frelimo, a liqui- dag&o total da dominag&o estrangeira, de todos os vestigios do colonialismo e do imperialismo, a conquista da independéncia ime- diata e completa, a construcdo de um Mocambique desenvolvido, moderno, préspero e forte. Para levar a cabo a sua accdo a Fre- limo define os objectivos prioritarios de trabalho, Trata-se primeiramente de mobilizar e organizar as largas mas- sas populares, cujos interesses, objectivos e aspiracdes se concreti- zam no programa da Frente. Levar as massas a compreender qual a estratégia e tdctica da libertacao nacional. O ent&o recente massacre de Mueda, a ferocidade da repres- s&o desencadeadas em Angola, o reforco das forcas militares colo- nialistas, a instalacio da PIDE que desencadeia uma campanha ter- rorista de intimidac4o, torna evidente que a libertacdo nacional exigira 0 recurso 4 luta armada. Assim, 0 segundo objectivo é de preparar o desencadeamento da luta armada de libertac3o nacio- nal, nomeadamente formando-se os quadros politico-militares neces- sarios para o empreendimento. Em terceiro lugar é€ indispens4vel lancar-se uma campanha no exterior, que desmascare 0 colonialismo portugués € mobilize a favor do Povo Mogambicano a solidariedade internacional. Finalmente, tendo cm conta o caracter particularmente obscu- rantista do colonialismo portugués, impde-se a necessidade da répida elevagdo do nivel de conhecimentos cientificos: a educacao cienti- fica c Kiterdria aparece com uma prioridade, uma necessidade para © desenvolvimento posterior da luta armada e de reconstrugado nacional. 25 Os temas simples ¢ claros que a Frelimo propée encontram um eco positivo e quase instantineo em todas as camadas sociais, em todas as regides do pais. A missdo dos primeiros organizadores que a Frelimo enviou para o trabalho clandestino, na pratica nao consiste em convencer as populagées da justeza da causa ou da necessidade da luta, mas sim em organizé-las, isto ¢, distribuir-Ihes tarefas concretas que pre- param o desencadeamento da luta. No entanto o sucesso que a Fre- limo encontra, a adesao massiva das populacées, 0 entusiasmo des- pertado, nao significam de maneira nenhuma que a questiio essencial da unidade se encontrava definitivamente resolvida. Com efeito, a unidade aparece como um processo continuo de satisfagdo das reivindicagdes populares e no curso deste processo opera-se uma acc&o de rejeicao e de assimilacao. 2. A UNIDADE NO PROCESSO CONTINUO DE DEFESA DOS INTERESSES DAS MASSAS Em muitos textos da Frelimo, nas reunides e discussdes entre militantes, 0 processo de unidade aparece definido em trés etapas que se sucedem continuamente: unidade, critica, unidade. A uma fase da unidade atingida, segue-se a experiéncia da pratica, no curso da qual se revelam’ os pontos fracos ¢ fortes da unidade atingida e se manifestam as exigéncias das novas situa- g6es criadas pelo desenvolvimento da luta e da consciéncia. Suce- de-se entéo uma fase de critica, no curso da qual sio rejeitadas as ideias, as forcas e os comportamentos que nao correspondem a etapa atingida e por consequéncia minam a unidade, porque intro- duzem no nosso seio valores ultrapassados. Uma forma superior de unidade é assim atingida. A linha condutora do processo, a pedra de toque que permite detectar os desvios, é 0 interesse Objectivo das massas trabalha- doras e por consequéncia o progresso da revolucdo, A quem serve esta ideia, esta forma, este comportamento, a que zona, nossa ou do inimigo, corresponde esta manifestagao, é a pergunta que surge continuamente durante © processo da critica. A unidade n4o é pois uma forma estatica, um valor sobrena- tural e absoluto que colocamos num pedestal para o contemplar em éxtase. ‘No processo da luta pela unidade dizemos sempre, devemos saber com quem nos unir e para qué. ‘Vivemos continuamente este processo desde a criagdo da Frelimo e, como o definiu 0 Comité Central na sessaéo de Abril de 1969, a revolucao aparece como um rio, que 4 medida que pro- gride e se torna mais forte incorporando novas forcas, também Tejeita progressivamente para as margens as cargas impuras que transporta. Em 1962 quando a Frelimo se constituiu, 0 objectivo era apre- sentar 4s massas uma alternativa 4 submissao. 26 Praticamente a totalidade do Povo Mocambicano rejeita a dominacao colonial, no entanto a consciéncia das massas é baixa, a experiéncia organizativa quase nula, a repressdo forte. Trata-se pois dentro deste contexto, de mostrar que é possivel a vitéria através dum combate unido contra o inimigo comum, o colonialismo por- tugués. Sobre este ponto péde-se em 1962 realizar a unidade, é ela pois que serve de plataforma de partida da Frelimo. Mas a seguir surge a questio de saber como liquidar o colonialismo na nossa patria. Os massacres de Xinavane (1947), e Mucda (1960), as repres- s6es sangrentas ¢ brutais das greves da Estiva e dos Caminhos de Ferro da Beira e de Lourengo Marques (1963), 0 desprezo mani- festado por Portugal em relacdo 4 resolugao 1514, (XV) e outras da ONU, a ferocidade cofonialista em Angola, o aumento continuo das forcas armadas e policiais em Mogambique, as repetidas e claras declaragées do colonialismo portugués, mostram claramente que a nica via de libertacdo passa pela luta armada, A situagdo exige pois de cada um, uma tomada de posi¢ao em relagéo 4 questao crucial da luta armada. Uma clivagem vai pois operar-se. Em especial no seio da direccéo da Frelimo exis- tem numerosos elementos vindos das direcgdes da MANU, UNAMI e¢ UDENAMO. Estes elementos vivem ha muito tempo fora de Mogambique, sem contacto directo ou conhecimento real da situa- cdo existente. A sua experiéncia politica foi adquirida na convivén- cia com as organiza¢6es nacionalistas da Rodésia, Malawi, ZAmbia, Tanganhika, Quénia, organizagées cuja estratégia consiste em orga- nizar vastas massas que através de manifestacdes, greves e outras acgGes nao violentas, criam uma situacdo que leva a poténcia colo- nial a negociag6es, que conduzem numa primeira fase 4 autonomia interna e mais tarde a independéncia. Estes elementos confundem a situacdo duma poténcia colonial desenvolvida, industrializada e imperialista como a Gra-Bretanha, com a situacdo de Portugal, pais sub-desenvolvido, nao industriali- zado e vivendo em situacgdo de semi-coldnia. Estes elementos igno- ram a distingdo entre um pais de democracia burguesa, onde a opiniao publica nacional e internacional desempenha um papel ape- sar de tudo relevante, e um pats fascista, em que a censura e a repressio policial impedem qualquer manifestagio de desacordo. Daf a sua oposicéo 4 via armada. Esta concepgao errada e nociva ao progresso da luta, contraria ao interesse objectivo das massas, opde-se ao grau de consciéncia atingido pelas préprias massas. A oposicdo a luta armada bloqueia o processo libertador. A contradicao para ser resolvida no interesse das massas exige a liquidac&o das concepgées erréneas. O principio da luta armada iriunfa e por isso suscita oposicao. Um primeiro grupo com Baltazar Chakonga e outros antigos dirigentes da UNAMI c MANU afasta-se da Frelimo, porque se opée ao princfpio da luta armada. Um outro grupo com Gumane e antigos dirigentes da UDENAMO e MANU subestimam a forca real do inimigo porque 0 n4o conhecem, e pensam que bastam ca algumas accées violentas e terroristas para levar o inimigo a capi- tular. Trata-se na realidade duma oposicéo ao princ{pio da luta armada popular, pois que se preconiza que esta seja desencadeada imediatamente, sem nenhuma mobilizacao prévia das massas, sem nenhuma preparagdo de quadros que orientem e dirijam o pro- cesso. Estes elementos separam-se também da Frelimo, quando a Frelimo define métodos objectivos e cientificos que levarao ao desencadeamento da luta armada popular. A fase atingida exigia uma clarificagdo que liquidando os oportunistas e aventureiros per- mitisse um progresso na luta, um reforco da unidade ao servico das massas e dos seus objectivos. Gragas a unidade atingida com o processo critico, em 25 de Setembro de 1964 a luta armada é desencadeada com sucesso em diferentes pontos do territério nacional. As vitorias alcancadas, em particular nas provincias de Cabo Delgado e Niassa, conduzem a novos desenvolvimentos da situa¢ao. A partir dos fins de 1965 comecam a surgir zonas donde a administracao colonial se retira, as populagées abandonam as suas Povoagées para escapar a represséo e viver sob a proteccio da Frelimo. Progressivamente este processo desenvolve-se, surgem as zonas libertadas e semi-libertadas, isto ¢, zonas onde a totalidade da vida das massas depende da orientacdo da Frelimo, onde no quotidiano se aplicam as nossas palavras de ordem. Uma nova situa- ¢40 qualitativa é criada com novas exigéncias. Como organizar a producdo, como administrar as populagées, que tipo de relacdes sociais de producao devem existir nas nossas zonas, quais as relacées a estabelecer entre a populacdo e as estru- turas da direccdo da Frelimo, entre o exército e as populacgées, sao problemas que aparecem como imediatos e requerem resolu- Ges concretas ¢ claras. A sociedade tradicional possui também formas opressivas ¢ discriminatérias, nomeadamente em relagao 4 mulher e 4 juventude. Era necessério pois que o processo libertador atingisse também a sociedade tradicional. © aumento de populagées nas nossas zonas resultou num cres- cimento importante dos efectivos do exército. Este j4 nao era cons- titufdo por duas centenas e meia de elementos, mas sim por milha- res de combatentes e punha-se por consequéncia a questio de saber que exército construir, quais as relagées a existir entre este, as massas e a Frelimo. As questdes da organizagéo da producéo e do comércio, do tipo de relagoes sociais de producao a estabelecer, a questao da natureza do exército e do poder revelam-se como questses-chaves donde depende a solucdo do conjunto dos problemas. De novo duas linhas surgem no nosso seio, uma respondendo aos interesses dos elementos que vém na luta um meio de se substituir enquanto classes exploradoras as classes colonialistas, ¢ outra correspondendo aos interesses objectivos das massas que lutam para abolir a exploracaéo do homem pelo homem. 28 Nas zonas libertadas, desaparecida a presenga colonial, os em- brides da burguesia e as sobrevivéncias feudais sentem o terreno fértil para o seu desenvolvimento enquanto classes exploradoras. 0 controlo do poder nascente e do exército que se cria apa- rece como condi¢ao essencial para a realizacéo destas ambicées. E evidente que as reivindicagées da nova classe de explora- dores nao séo formuladas duma maneira tao crua. Dirse4 que se € contra a exploracdo mas que esta é feita exclusivamente pelos colonialistas, ou ainda que as questdes do poder, da organizagao da produgao ¢ comércio, do novo tipo de relagées sociais de pro- dug, etc., sio questées que devem aguardar a independéncia. No entanto os problemas exigiam uma solucéo imediata. Saber se deviamos instalar uma administragao popular, um Poder Popular, ou simplemente manter o sistema anterior de administracio africa- nisando-o, se deviamos organizar um comércio ao servico do povo que controlasse 0 mercado interno e externo, lancar o movimento das cooperativas agricolas, ou permitir em contrapartida que anti- g0s régulos ¢ outros elementos explorassem os trabalhadores agri- colas ou instalassem um comércio fundado sobre a especulacio, no eram questées tedricas, discussdes e hipéteses académicas. Tratavam-se de questoes reais ¢ imediatas, existentes em cada povoa- cdo libertada, em cada regido, em cada zona sob o nosso controlo. Que a questdo dividia a direccéo da Frelimo era evidente. Mas importava saber se, para salvaguardar a unidade com um punhado de elementos que sc encontrava na direccdo, deviamos sacrificar os interesses das vastas massas populares, permitindo assim que o sangue vertido e os sacrificios consentidos, fertilizassem © crescimento duma nova classe exploradora e opressora. Uma batalha politica travou-se no nosso seio, uma luta que reflectia interesses opostos, um combate duro em que os elementos reaccionarios muitas vezes recorrem a violéncia, como testemunham ‘08 assassinatos dos camaradas Mateus Sansio Muthemba, membro do Comité Central e Paulo Samuel Khankomba, membro do Estado Maior e chefe adjunto das operagées. A partir mesmo dum certo momento, quando as forcas reac- ciondrias sentiram a batalha perdida, devido 4 consciéncia das massas, elas aliaram-se com 0 préprio colonialista portugués, ora designando a este os alvos a abater no nosso seio, como foi 0 caso do assassinato do camarada Presidente Mondlane, ora mesmo desertando para se juntar abertamente aos colonialistas, ou lan- cando campanbas ptiblicas e caluniosas no exterior para denegrir 8 organizacao. Todavia, o processo de rejei¢ao destas forcas reaccionérias reforcou ainda mais a organizacdo, pois permitiu que as massas sentissem plenamente que 0s seus interesses exigiam a defesa da linha revoluciondria ¢ que a defesa desta se identificava com a realizagdo das reivindicagées populares. A batalha que se travou entre 1967 e a segunda metade de 1969, permitiunos atingir a presente fase de unidade, a fase em que a nossa unidade serve o combate anti-colonialista e anti-impe- 29 rialista, destréi as estruturas politicas e econémicas, sociais e cul- turais de exploragio, para que se instale na nossa patria uma socie- dade nova, um regime social popula Certamente que a fase de unidade que atingimos hoje nao é de maneira nenhuma a Ultima. Novas contradigées deverao surgir entre nds, criadas pelo desenvolvimento e exigéncias da situa¢do. E possivel que elas ndo atinjam o grau critico do passado, na medida em que duma maneira geral adquirimos por um lado uma maior experiéncia para detectar e resolver as contradigdes quando ainda embrionérias e, por outro lado, as forgas que representavam os interesses das camadas exploradoras afastaram-se da luta, des- mascarando-se e aliando-se aberta e claramente com o préprio colonialismo. De toda a mancira as contradigdes surgiréo, a oposigio a revolugéo, 2 contra-revolugo continuaré a existir. Esta é a expe riéncia histérica de todas as revolugées, uma necessidade do pro- cesso do progresso. 3. A QUESTAO IDEOLOGICA NO SEIO DUMA FRENTE LARGA © conjunto destas questdes levanta-nos 0 problema do papel e da necessidade da ideologia para o desenvolvimento revolucion4- rio. A afirmacdo ja cldssica de que sem teoria revoluciondria no ha prdtica revolucionaria, encontra uma ampla justificacdo na nossa_experiéncia. Contudo, a nossa pratica apresenta algumas originalidades neste capitulo, em particular na relacdo entre a existéncia de uma frente larga sem partido de vanguarda constituido e a ideologia revolucionaria. Seja dito para evitar qualquer ambiguidade, que a inexistén- cia do partido de vanguarda no seio da frente larga, ndo resulta nem dum postulado da nossa andlise nem dum objectivo ou mesmo estratégia nossa. Trata-se sim dum conjunto de circunstancias his- toricas que vivemos, caracterizadas entre outros aspectos, essencial- mente, pela inexisténcia duma classe operdria organizada e com tradig6es, a falta de experiéncia de luta das largas massas, 0 peso de tradigdes e concepcdes reacciondrias impostas ao povo pela domi- nacao feudal e colonial, o isolamento das comunidades, especial- mente as rurais, até 4 constituicao do movimento nacionalista, 0 que nos privou de experiéncias teoricas e praticas do movimento revolucionario mundial. A necessidade de uma ideologia revoluciondria nao surge como uma exigéncia livresca, assim como a ideologia nao é constituida pela simples leitura dos mestres do pensamento revolucionério. Ainda que a elaboragio ideolégica deva imenso a contribuicZo teérica e prdtica do movimento revoluciondrio dos outros povos, a ideologia é sempre uma criacio da luta concreta dum povo ¢ das suas classes revoluciondrias, ela sé se torna real quando assu- 36 mida e vivida pelas largas massas, quando a teoria renasce e se materializa na pratica quotidiana da luta. S6 assim ela se trans- forma na forca material imensa que conduz o povo a derrubar a velha ordem e a construir a nova sociedade. A linha politica, a ideologia surgem como orientagdes aos pro- blemas concretos suscitados pelo desenvolvimento da luta e exigidos para o progresso do pracesso. Substituir as solidariedades ultrapassadas de ordem tribal, linguistica, religiosa e cultural pela unidade nacional, pela cons- ciéncia de pertencer a uma imensa classe trabalhadora e explorada, definir claramente o inimigo e fazer assumir pelas massas a sua natureza exploradora, demarcar por consequéncia sem ambigui- dade as nossas ideias ¢ valores, objectivos, métodos e comporta- mento daqueles do inimigo, foram e so necessidades concretas que vivemos. A unidade nacional e de classe sdo instrumentos indispen- sdveis para destruirmos a maquina poderosa do inimigo, sdo a nossa forga essencial, so 0 nosso principal ponto forte. A defini- Gao do alvo para as nossas armas nao pode tolerar nenhuma ambi- guidade, tanto mais que nas circunstancias histéricas da nossa Tuta, em que afrontamos sobretudo forgas econémicas, politicas e militares duma Nagao diferente, é muito facil identificar-se © ini- migo com uma raca, desnaturando assim o sentido da luta, permi- tindo que forcas reacciondrias fortifiquem no nosso seio ¢ perca- mos a sensibilidade politica necess4ria para nunca confundir o amigo e o inimigo. Por isso mesmo se exige ainda de cada um de nés 0 combate interno que leva a eliminar tudo o que nas nossas ideias, crité- rios de valores e comportamento, nao corresponde Aquilo que per- tence a nossa zona e onde uma sociedade nova se constrdéi. ‘A transformacio dum raciocinio metafisico, préprio A nossa sociedade tradicional, num raciocinio cientifico e materialista, unico capaz de analisar e transformar a sociedade e de mobilizar as leis da natureza a nosso favor, a libertagao da energia criadora das massas, asfixiadas pelo conservantismo e imobilismo da sociedade passada, a emancipacdo da mulher e da juventude dominadas pelas tradigdes reacciondrias, constituem exigéncias presentes do desen- volvimento da guerra ¢ da reconstrugdo nacional. A solucdo destes problemas requer de nés a formulacdo duma linha clara e precisa que oriente os quadros e militantes. A destruigao das estruturas dos poderes colonialista e feuda- lista para a instalagdéo do Poder Popular, a liquidagdo da proprie dade exploradora e a evolugdo das formas individualistas de pro- ducdo para formas colectivas, necessitam que a direcgSo forneca princfpios e orientagdes concretas e claras. A diversidade social do nosso pais é acentuada pela diversi- dade étnica e racial. A nossa vitéria resulta da nossa capacidade em engajar na luta anti-colonialista e anti-fascista todas as forcas e camadas sociais de Mogambique, com excepgao evidente da infima minoria que controla e dirige 0 grande capital explorador e 0 apa- 31 relho de repressdo. Mas fazé-lo sem pér em causa os interesses da maioria constituida pelas massas laboriosas exploradas, requer clareza e firmeza de principios. Por outras palavras, a questo central é a da conciliagao entre a frente larga destinada a derrubar a dominaco colonial e impe- rialista por um lado e por outro as exigéncias duma ideologia capaz de levar a revolugdo ao seu termo, o que efectivamente cor- responde j4 a reivindicago das largas massas trabalhadoras. Trata-se pois e tem sido esta a nossa experiéncia, de salvaguar- dar e ampliar continuamente a frente pela incluso constante de novas forcas e de, simultaneamente, clevar o nivel geral de cons- ciéncia das massas e do rigor ideolégico dos militantes de maneira a aprofundar 0 contetido das reivindicagdes populares e traduzilas no processo da transformagéo da sociedade. Assim se compreende a importancia primordial que damos ao trabalho ideolégico no nosso seio e no seio das massas e a prioridade que estabelecemos em favor da formagao de quadros, que s4o o factor decisivo para a aplicagéo criadora da nossa linha polftica. E através deste processo ainda, em que o trabalho ideolégico est4 intimamente associado a pratica revoluciondria, que, progres- sivamente, criamos as condigées para que no seio da frente cada vez mais larga, se constitua, organizada, a vanguarda revolucionaria das massas trabalhadoras mogambicanas. O contexto da reconstrugdo nacional e da implantagdo das novas estrattras de poder numa situacdo de guerra, apresenta exi- géncias concretas e imediatas que as largas massas esto em con- dicdes de aprender e assumir, desde que levemos a cabo 0 trabalho necessdrio de explicacao politica. E este conjunto de circunstancias, de factores e objectivos que permitiram o desenvolvimento do contetido da luta de liber- tagdo nacional, levando-a teérica e praticamente 4 fase da revolu- Gao democrdtica popular. Esta fase caracteriza-se pela destruicio do Estado Colonial-fascista e da dominacSo imperialista e pela instauragéo do poder da alianca entre as largas massas trabalha- doras, com 0 objectivo de edificar as bases duma Sociedade Nova, numa sociedade fundada nos interesses das massas laboriosas. O processo da guerra popular de libertacéo e de edificacdo do exército popular contribui poderosamente para acelerar o pro- cesso geral de aprofundamento da ideologia e transformacao das mentalidades, base indispensdvel 4 construgéo da Sociedade Nova. 32

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