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‘COMMIT © Joxé Manco Dominges, 2003 Eich Gnamach oxo crdsco Eve Grimache Jato de Sous Lote ‘Siottonacorat os one Detnog5) Donatos fn Manca pict "booted spelen Moar ec © mn ewe a a “Todor o eto eservades. Pri a eprodio, emaenanento on temshisio de pastes dee bro saves de auc am, se pea Dies deste adguiion pela EDITORA CIVILIZAGAO BRASILEIRA tansclo da DISTRISUIDORA RECORD DE SERVICOS DE IMFRENSAS.A, Ru Argan 171 20921-380 =Rio de oes, RJ ~ Tels 2585-2000, PEDIDOS PELOREEMHOLSOPOSTAL ica Postal 28.052 Ro de Jiro, Rj ~ 20922970 Inpesso wo Bra Sumario wemoouglo 7 AAmé: a Ineletunis,interpetagdes identidades 11 Imagindvo sociale efera plica no Rio de Janeiro dos anos 30 45 ‘A cidade: raconaizaio Uberdade em Max Weber 79 Desencanes, absragdes identidades 113 no's Criaividade e rendéncias mestras na tora socioldgica comtemporinea 145 Desenvolvimento, modernidade esubjetvidade 177 ovimos Modernidade global e andlise | civilizacional' IDENTIOADES, CULTURA €ISTITUIGOES Duas questdes estio em geral em pauta quando pensamos sobre a modernidade: uma busca da identidade bem como uma tentativa de entender de maneira cientfica 0 mundo em que vivemos. Foi essa a dupla indagagio que Weber (1908, p. 1) levantou ao perguntar sobre as implicagBes que os processos de racionalizagio guardavam para um filho do Ocidente no ‘que tange a suas especficidadesevalidade universal da con- figuragio particular que emergira naquela érea, Questoes Politicas derivam, claro, dretamente disso, Neste texto, tr tei dessas duas questbes. A teoria das civlizagées oferecerd suporte a isso, ‘Nomeada desta forma ou nio,e sendo geralmente inter- cambidvel com a mais vaga nogio intercultural de “Ociden- te", amodernidade global tem de fato-operado como um pano de fundo ¢ elemento crucial para a construgio da identidade nos ilkimos culos. Tome-se, por exemplo, o debate que se alastrou pela América “Latina” nos séculos XIX e XX. Eram 88 pessoas que viviam naqueladrea membros do “Ocidente”? Deveriam buscar sé-lo? Seria isso possivel? As respostas se ‘multiplicaram, e a valoragio positiva do Ocidentee a forma ‘como se realizou, tinham a ver de alguma forma com a ma neira como as populagbes locas eram estimadaspelas “lites” poliicase pelos inelectuais. Vale mencionar alguns exemplos. Sarmiento (1845) —um dos pais fundadores da Argentina — tera taxativo quanto ao caminko a tomar: snhamos de esco- Iher entre “civilizagio ou barbérie”, e tou vérias guerras contra qualquer coisa (incluindo a heranga ibérica) que pu desse assemelhar-se & rejeigio do Ocidente. Rodé (1900), algumas décadas depois, vu os imigrantes ocidentas supos- ‘tamente materialistas como o personagem Caliban, de tem pestade, de Shakespeate, e trazendo exatamente a barbérie para seu pals, o Urugusi, contra o cultivado e etéreo Aciel, ‘com quem os intelectusis, isto &, Préspero, deveriam cerrar fileiras. Ap6s a Revolugio Cubana, Retamar (1971) retomou esse debate e afirmou que © povo era precisamente Caliban, explorado pelo colonialismo e pelo imperilismo,e que Prés- pero, uma representagio dos intelectuais, deveria apoiar Caliban conta seus exploradores, Esse tipo de debate nso tem sido em especial forte no continente nos slhimos tempos, pporém impulsos nessa diresio decerto se escondem na mo dernidade aparentemente dada desses diversos paises na seqiléncia da democratizago e em face dos process recen temente agudizados de globalizagioe talvez de um sentimen to pés-modernista que langou sérias dvidas sobre auilidade de tas caracterizag6es (Cancini, 1990). Em paralelo com esse longo debate na drea de coloniza- ‘40 espanhola, discus6es similares ocorreram no Brasil. De ‘uma forma ou de outra, nossa especificidade, nossa relagio ‘com 0 Ocidente, o que deverfamos tomar dee, eram ques- tes centras. Vale notar que isso assumiu um tom particular ‘mente dramético na medida em que, diferentemente de reas como a fda, a China ou o mundo islimico, onde as pessoas esto plenamentecientes de ndo serem modernas ou ociden- tis, a América que emergiu da colonizagio ibérica guardava uma relagio perpendicular com a modernidade, a0 mesmo tempo que ndo existia antes da expansio européia. Um pro- blema profundo e ainda nio resolvido de identidade surge a partir dessa situagio desconfortével (ver 0 Capitulo 1 deste livro). Nesse sentido, projets nacionais eu continents eram dlisputados no espago do que Rama (1984) caracterizou como ‘uma platonista “cidade das letras”, a qual tinha como pomto de partida nfo apenas o desenvolvimento social mas também ‘xplicitamente um problema de identidade. ‘A medida que as cincias socias se devolveram mais, 20 asso que a identidade permaneceu crucial, essa discussio assumiu, entretanto, uma face mais consistentee sociolégica, especialmente no Brasi, onde o problema da relagto entre a ‘modemidade — ou simplesmenteo capitalism, como os mat= xistas preferiiam pér a questio —e o passado do pais se tor ‘now uma obsessio absoluta para 0 pensamento socal. Nio pposso me deter nisso aquis basta notar que problemas cultu- ‘ais bem como temas insttucionais se rornaram centrais para ‘ debate.* © momento e os aspectos peculiares do desenvol- vimento capitalist, as espcificidades do Estado, a configu- ragio bisica dessas sociedades, capitalist, feudal, patrimonial ‘01 o que quer que Fosse; 0 nicleo holista ow individualista de "oes pater sans de Moti Tqrile Gop, ‘lm gar com Sat Ser apres eas ‘ova ropa Yer Domes 2 suas formas de conscigncia, entre outros aspects, foram dis- ptados com energia desde entio. Mais uma vez um exemplo pode ajudar aqui Tes livros si vstos em geral como influéns cas particularmente poderosas sobre a nova geragio na dé- cada de 1930 (ef, Candido, 1967); oestudo de Freyre (1933), ‘orientado pela antropologia cultural ecelebratsrio da mistu- ra das raga, a compreensio weberiana de Holanda (1936) dos mpasses da democraca ¢o esbogo marnista de Prado Jtnior (1934) do peculiar deservolvimento capitalista do perfodo colonial. Embora a0 menos os dois primeiros daqueles livros tivessem Sbvias ambigéeslitrrias, modernists, nfo faziam, parte de tal nero dominante, nem compartlhavam a forte retrica os fins imediatamentepriticos das obras tpicas do periodo anterior. Guardavam, todavia, fortes conseqiéncias no que toca As quest6es que seriam divisadas para 0 desen- ‘volvimento do pais —em termos de raga, democracia erevo- lgio socialist. Portanto, se era claro que havia um aspecto normativo, nestes casos subjacente, na diseussio, isto é uma, ‘questi acerca do que devera se feito, e por que devera, para ‘modernizatessas sociedades, uma abordagem social-centl ‘a da cultura e das instiuigbes da modernidade se evidencia- ‘vatambém, especialmente desde que as ciéncias sociais foram lena edesigualmente introduzidas naquces viios patss “l tino”-americanos, estabelecendo o que Fernandes (1958) — possivelmente o maior socilogo brasileiro até hoje — perce ‘beu como uma maneitaracionalizada (sto 6 ocidentalizada) de fazer sentido do mundo social. Que questoesidenttérias pairam perenemente no ar 6, contudo, algo que se patenteia fem recentes tentativas de interpretagio do processo de mo- dernizagio do pats (ef. Souza, 2000). (© que essas observagées preliminares tazem &tona? Em ‘minha opinio, dois pontos, Em primeiro lugar, que a dis: ‘cussio sobre a modernidade sempre implica um problema de idertidade, e assim envolve questdes cognitivas, norma- tivas expressivas, Ela nunca é um empreendimento ape- nas conceial. Em segundo lugar, enquanto questbes culturais| inevitavelmente emergem na discussio, desenvolvimentos insttucionais sio cruciais para um debate mais consisten- te, orientado para as cincias sociais, algo que niio € sem- Pre, ou talvez amidde, claro na critica “pés-colonial” ena teoria cultural que tém alcancado grande visbilidade re- ccentemente. Mesmo quest6es culturais no deveriam ser confinadas a questées de identidade, como com freqdén- cia vem tendendo a ser. Mediante uma anslise critica da re- ‘ente “teoria civilizacional” e a introdusso de alguns outros Pontos de vista, rentarei substanciar as proposigées avan- ‘sadas anteriormente. As virtudese limieagoes desse tipo de abordagem serio trazidas baila e argumentarci que, a des- peito de reservas que possam set ventiladas perante esse conceito, ele talvez seja 0 melhor dispontvel hoje para um. entendimento te6rico geral da modernidade, bem como para delinear-se os impulsos internos que podem levar A sua superagio. ‘CMUuzaGkO € MODERNIDADE ivilzagto € uma palavra grande e dura, da qual o Ocidente em geral gostava demais, sobretudo de modo a afirmar sua hhegemonia ideol6gica. Falando em nome da cultura, da ra- 1280, do autocontrolee da dominagio da natureza, da base do mercado, da democracia liberal e da socibilidade burguesa, ela se opunha ao que Conrad (1902) retratou como o *cora- Go das trevas", “o ermo selvagem abandonado por Deus” {Onde nto se poderia conta com “fats claros”; sto 6, opu- ‘nha-se ao araso, &iracionalidade, a homens cuja humanida- ‘de era duvidoss, a0 poder apavorante de uma narureza com. ‘sua exoberincia incontrolada eincontrolivl. A civlzagioera ameagada pelo selvagem dentro do civilizado — como Conrad também sugeriu e Freud (1930) por seu turno expressaria a ‘questo, embora usando a palavra Kultur, deforma nfo con- ‘vencional em termosalemées a0 querer referr-se a“civiliza~ ‘0", de fato a expressio uilizada na tradusio do liveo para 6 ingles (¢ para o porcugués). Da barbie &civilizagio — 0 jeto de Sarmiento — e d3s culturas primitivas 3s avanga- Toston ea camino unlinerdvitado— ecomendado — pelo Ocidente aqueles que pensavam, conquanto periferi- ‘camente, que a ele pertenciam. Esse erao trabalho da asia da razio — por exemplo, na filsofia da histria do comego do stculo XIX de Hegel (1955). Diferentes doutrinas com- partlharam ess tipo de abordagem, como vemos, por exem- plo, no trabalho de Engels (1884) sobre o surgimento da familia, da propriedade privada e do Estado, no qual a pro- priedade privada ea exploracio, a subordinacio das mulheres {a monogamia eram os principais aspects da vida cvilizada — realmente um progress, 0 qual tinh, contudo, um alto E claro que as grandes cvilizagbes do Oriente e inclusive das Américas pré-colombianas foram aceitas como formas desenvolvidas de sociedade humana, ¢ embora a idade das trevas da Europa tenha sido percebida como um perfodo de decadéncia, 0 desdobramento da cultura epipcia na civiliza- 6 greco-romana e entio finalmente na modemidade reeu- perou alguns momentos da histéria humana e a0 mesmo tempo a cicunsereveu solidamente em uma especifica regio pilanetiria em grande medida em uma direglofantasios, A teoria antropol6gica no século XX comegou a fazer tais pos- tulagdes muito mais relativas — de fato ineroduziw um ponto de vista relativista,anti-“etnocéntrico”, ¢ assim o caminho estava aberto para um trabalho mais flexvel e menos pre- vem como um dos platés do poder do Império). Nao ha de aro nenhum aceno na direcio de insttuigdes democritica,e ‘o que se insinua em seu texto é uma apostaimpliita numa, ruptura aguda com as estrutuas de poder por intermédio de ‘uma repossessio revolucionéria por parte da multidio de seus préprios poderes, De modo geral, creio que essa perspectiva deve ser firmemente rejeitada em termos politicos estratégi- cos, pensemios na modernidade como nosso télos ou tenhas 'mos esperangas em uma ordem pos-moderna, pés-eapitalistay de todo modo como uma cvilizagio a ser democratizada, problema que eles a rigor minimizam, salvo como uma rup- ‘ura com a soberania e com a “ibertagio" absoluta da mal tidio. ‘Apesardiso, hd alguns elementos sugestivosem seu retrato da modemidade contemporinea que vale a pena ponderar em termos tanto de uma andlise da situago contemporanea da_ ‘modernidade quanto da construcio de identidades hoje. les fornecem uma pintura vivida de alguns importantes aspectos do que chamei de “terccira fase” da moderidade, que s€ ca racteriza por grande complexidade,flexibilidade e “articula- «40 mista’, abarcando ainda o plano global (Domingues, 2001 © 2002, cap. 9). Na verdade, a modernidade contempor- nea inclu uma grande variedade de identidadesparciais, fo ‘mas de producto, legislacio e poder politico, embora 0 Estado-nagio no tenha de modo algum perdido seu poder perante uma série de fatores e processos da vida social. A dominagio tornou-se de fato global, um processo no qual as corporagbes internacionai ealgumas (nem todas nem excli- sivamente no caso de algumas delas)organizag6es internacio~ nais ocupam a linha de frente, emboraesquemas imperialisas tipicos como aqueles descritos por Lénin e Rosa de Luxem bburgo tenham sido deslocados. Basicamente, uma civilizagio ‘moderna se estabeleceu, mas sem que se possa supor um re- trato tio integrado como o sugetida por Hardt e Negri. A ‘modernidade como wma cvilizagao vingou de forma sem pre- cedentes, a despeito de configuragées anteriores, em especial durante o século XX, rerem desenvolvido conexdes que ama-

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