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Desenvolvimento social durante a adolescéncia ALFREDO OLIVA Existe um fio condutor que liga a infan- cia & adolescéncia e evita que os adolescentes se incorporem sem bagagem nessa nova eta- pa, garantindo que as relacées sociais que es- tabelegam tenham uma certa continuidade com as que mantiveram nos anos anteriores. £ muito provavel que os adolescentes que se mostravam sociaveis e carinhosos quando criancas contintiem sendo, enquanto os mais retraidos continuarao lutando contra sua ti- midez; as familias que, depois da puberdade, experimentaram importantes conflitos em suas relacées com 0 filho ou com a filha ado- lescente, talyez tenham sofrido dificuldades semelhantes em ctapas anteriores. Em princi- pio, n&o cabe esperar transformagées radicais no desenvolvimento social com a chegada da adclescéncia. No entanto, é razodvel pensar que todas as mudangas fisicas ¢ psicolégicas que o adolescente experimenta repercutirao sobre as relagdes que cle estabelece em todos aqueles contextos dos quais participa, como a familia, o grupo de iguais ou a escola. Além disso, a maior autonomia adquirida permitiré que os adolescentes passem mais tempo em contextos extrafamiliares, pelo que, além das mudancas nas relacées j4 existentes, ocorre- r4uma ampliagao e uma diversificacao de sua rede de relagées sociais. Estudar as modificagdes que ocorrem nos contextos sociais nos quais os adolescentes es- to imersos como resposta a suas novas habili- dades e capacidades (sua nova forma de pen- sar, seus novos desejos e interesses, seu novo corpo de adulto) é uma forma de analisar 0 desenvolvimento social durante a adolescén- cia. Um tipo de andlise diferente consistiria em considerar os contextos sociais (familia, esco- Ia, iguais) nos quais transcorre a vida des ado- Jescentes como variaveis independentes que exercem sua influéncia sobre o desenvolvimen- to; a familia, a escola ou o grupo de iguais sio, entao, analisados como contextos em que ocor- re o desenvolvimento do adolescente, porque tudo o que ocorrer neles influira decisivamen- te sobre o curso do desenvolvimento. Como compreendera 6 leitor, essas duas abordagens so claramente complementares; representam as duas faces da mesma moeda e esto tao inter-relacionadas que consideré-las separada- mente é um reducionismo somente justifica- vel com uma finalidade didatica. Um exemplo ja comentado no Capitulo 16 servird para en- ‘tender melhor essa vis4o sistémica: a chegada da menarca tera uma repercuss4o importante sobre o relacionamento das meninas com os pais e iguais; porém, nem um aspecto tao biologico como a primeira menstruacdo sera independen: te do que tenha acontecido no contexto fami- liar, pois 0 grau de estresse na familia é um dos fatores que se relacionam com a maior precoci- dade da menarca; estresse que, por sua vez, nao ser independente de como estiver ocorrendoa transicdo para a puberdade. O ADOLESCENTE NA FAMILIA Relacées familiares durante a adolescéncia Um dos tépicos mais generalizados sobre aadolescéncia é 0 de que, nesse perfodo, ocor- rem importantes conflitos na relagao do jovem com setts pais. Essa idéia experimentou diver- sos vaivéns ao longo das tltimas décadas em funcao das perspectivas tedricas predominan- tes, desde os enfoques que consideram a ado- lescéncia como um periodo no qual as relagées familiares se tornam imensamente problema- ticas até as concepedes que defendem a nor- malidade nas relacées entre pais e filhos, Em um extremo esta a perspectiva psicanalitica, que fala dé explosao de conflitos, da rebelido do adolescente e da separacdo emocional em relac&o aos pais. Porém, essa imagem de con- flito familiar, que ainda continua atemorizan- do muitos pais quando a puberdade de seus filhos se aproxima, tem sido substituida por outra muito mais normalizada e realista, surgida de um importante numero de pesqui- sas realizadas sobre amostras muito mais am- plas e representativas do que nos casos clini- cos em que os autores de orientagao psicanali- tica fundamentaram suas concep¢ées. Os da- dos disponiveis hoje nos permitem defender a idéia de que durante a adolescéncia ocorre uma série de mudancas na relacéio que os adoles- centes estabelecem com seus pais, porém, es- sas mudangas nao tém de supor necessariamen- te o aparecimento de conflitos graves. Confor- me ressaltam Laursen e Collins (1994), menos de 10% das familias parece passar por dificul- dades sérias durante essa etapa e, sem diivida, muitas delas jA passavam por problemas du- rante a infanci: A maioria dos estudos parece coincidir em assinalar o perfodo que se segue & puberdade, isto 6, 0 comeco da adolescéncia, como uma etapa de perturbagées temporais nas relagdes familiares. Nessa etapa, os adolescentes ficam mais assertivos, passam mais tempo fora de casa e dimintiem o ntimero de interagdes posi- ivas com seus pais. Apesar disso, parece que a partir desses dificeis momentos iniciais, as re- 31 DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAQ, V.1 lagdes tendem a se normalizar, diminuindo o niimero de conflitos produzidos. Assim, Laursen, Coy e Collins (1998), em uma meta- andlise realizada sobre um grande nimero de pesquisas que estudam os conflitos familiares durante a adolescéncia, encontraram gue, a partir da puberdade, ha uma grande correla- cdo negativa entre idade e ntimero de conili- tos entre pais ¢ filhos, ainda que a intensidade afetiva com que os adolescentes vivenciam es- ses conflitos tende a aumentar com a idade. Portanto, parece que a puberdade coincide com o momento de maior conflito, e, ao longo da adolescéncia, o numero de conflitos entre pais e filhos tende a diminuir, ao mesmo tempo em que aumenta a intensidade afetiva com a qual o adolescente experimenta esses problemas A luz desses resultados, é de se esperar que, durante a adolescéncia precoce, inclusi- ve nas familias que se caracterizam pelas boas relacSes, possam aparecer algumas disputas e ocorrer mudancas nas relagdes pais-filhos. No geral, essa mtdanca nao tem por que st- por uma ruptura emocional, nem acarretar problemas importantes; antes, 0s conflitos produzidos costumam relacionar-se com_as- pectos da vida cotidiana, tais como as tarefas de casa, as amizades, a forma de se vestir ou a hora de voltar para casa. Conforme ressal- tou Smetana (1989a), esses conflitos costumam originar-se, porque, enquanto os adolescentes consideram esses assuntos como aspectos de sta vida privada que diz respeito somente a eles, seus pais ainda se consideram no direito de estabelecer regras nesse sentido. Também é freqiiente que a percepedo que o adolescente tem de seus pais experimente uma clara desidealizacao, e a imagem de pais oniscientes e todo-poderosos, propria da infancia, seja substitufda por outra muito mais realista, na qual eles terao espaco para defeitos e virtudes. Existem diferentes raz6es que podem jus- tificar essa mudanga nas relacées familiares de- pois da puberdade. Em primeiro lugar, é preci- so destacar as mudancas cognitivas ja conheci- das, mudangas que irdo afetar a forma como pensam sobre si mesmos e sobre os demais Essas melhoras intelectuais permitirao ao jo- vem ter uma forma diferente de ver as normas 352 COLL, MARCHES!, PALACIOS & COLS. e as regulamentagées familiares, chegando a questioné-las; além disso, sta recém-adquiri- da capacidade para diferenciar o real do hipo- tético ird permitir-Ihe criar alternativas para o funcionamento da prépria familia. Também sera capaz de apresentar argumentos mais s6- lidos e convincentes em suas discussdes fami liares, 0 que significaré um claro questionamen- toda autoridade dos pais. Collins (1992,1997) destacou o papel que exereem as discrepan- cias entre as expectativas de pais e filhos no surgimento desses conflitos. Segundo esse au- tox, durante periodos de mudancas rapidas, como a adolescéncia precoce, ocorrem impor- tantes modificagées nas percepgées e expecta- tivas que as pessoas tém dos demais e de si mesmas. Portanto, no principio da adolescén- cia é muito possivel que aparecam discrepan- cias entre as expectativas de pais e filhos sobre determinados aspectos, como, por exemplo, sobre o momento mais adequado para que te- nham lugar certos acontecimentos ow transi- cées (comesar a sair com os meninos ou com as meninas, sair sozinhos A noite, comecar a se mostrar menos autoritarios, etc.). Outro aspecto destacdvel é que os ado- Jescentes comecam a passar cada vez mais tem- po com os iguais, o que Thes permitird uma maior experiéncia em relacées horizontais ou igualit4rias que pode levé-los a desejar um tipo de relag&o semelhante em sua familia. No en- tanto, esse desejo de dispor de uma maior ca- pacidade de influéncia na tomada de decisées familiares nem sempre coincide com o de seus pais, e a situacdo mais freqiiente € a de filhos que desejam mais independéncia do que seus pais estao dispostos a conceder. Os pais costu- mam querer continuar mantendo sua autori- dade e sua forma de se relacionar com seus filhos; em alguns casos, inclusive, podem au- mentar as restri¢des como resposta ao surgi- mento do interesse pelo sexo oposto, o que le- vara ao aparecimento de conflitos. Uma vez passado o primeiro momento, os pais costu- mam flexibilizar sua postura, e os filhos v3o ganhando poder e capacidade de influéncia, provocando uma diminuicdo de conflitos na adolescéncia média e tardia. Quando os pais nao se mostram sensiveis as novas necessida- des de seus filhos adolescentes e nao adaptam seus estilos disciplinares a essa nova situacao, é muito provavel que aparegam problemas de adaptagao, no adolescente Na linha da perspectiva psicanalitica, al guns autores suigeriram a possibilidade de que os problemas entre pais e filhos tenham um efeito positive sobre o sistema familiar, Holmbeck (1996) sugere um modelo em queo valor adaptativo ou néo-adaptativo desses con- flitos dependera de alguns fatores moderado- res. Quando sao problemas de baixa intensi- dade que ocorrem no contexto de relagées ca racterizadas pela comunicacao e pelo afeto, ¢ quando os pais se mostram flexiveis e capazes de ajustar suas formas de se relacionar com seus filhos adolescentes, é muito provavel que 0 conflito sirva como catalisador das mudan- as nas relac6es entre pais e filhos, promoven do assim a adaptacdo eo desenvolvimento. Ao contrario, nos casos em que os pais mostram. expectativas negativas sobre a adolescénciae consideram esse periodo como inevitavelmente problematico, ou quando se mostram coertit: vos e pouco comunicativos com seus filhos ¢ reagem as mudangas préprias da adolescéncia com 0 imobilismo ou o aumento de restrigies, € bem possivel que ocorra tm deterioramentoim portante nas relagdes familiares que tenha um impacto negativo sobre o desenvolvimento ed comportamento do adolescente. Outro tépico muito generalizado é 0 que considera o adolescente como um individug isolado em seu mundo e que fechou todos 03 canais de comunicagao com sua familia. Ain da que, em alguns casos, possa ocorrer uma ruptura total da comunicagio, em geral, maioria dos adolescentes costuma falar com seus pais sobre muitos dos temas qute os pre ocupam, talvez com a excecdo de alguns as: suntos que preferem comentar com seus gos, como os referentes as relacées se ou as drogas. As pesquisas existentes sobre es aspecto (Noller,1994) indicam que tanto meninos como as meninas mostram mais municagao e intimidade com suas maes do. com seus pais, provavelmente porque elas sam mais tempo em casa ¢ estaio mais dis veis e, além disso, mostram mais receptivid e sensibilidade as opinides e as inquietacdes de seus filhos. Porém, j4 que também sao as mies as que apresentam um maior ntimero de interagdes negativas com seus filhos, parece que elas tanto podem ser autoritarias como ponde- radas. Larson e Richards (1994) encontraram que entre 05 9 € os 15 anos ocorre uma clara reducao no tempo em que meninos e meninas passavam interagindo com sua familia em ati- vidades coletivas, como ver televisio juntos ou conversar. Esse tempo é substituido pela per- manéncia solitaria do adolescente em seu quar- to e pelas relagées com 0 grupo de amigos. Muitas das mudangas nas relacées fami- liares esto, em grande parte, influenciadas pe- las mudangas experimentadas pelos filhos a partir da puberdade. Mas nao podemes nos es- quecer de que os pais também mudam ao lon- go do ciclo vital, e é possivel que, enquanto seus filhos passam pela adolescéncia, eles tam- bém estejam enfrentando algum momento evolutivo delicado ou passando por alguma crise pessoal, aumentada ao ver que seus fi- lhos estao ficando adultos, e tudo isso pode interferir nas relacées que estabelecem com seus filhos. Por exemplo, é provavel que a pri- meira menstruagio da filha coincida com 0 fi- nal do ciclo reprodutivo da mfe, que se sentira wm pouco mais préxima da velhice, o que pode contribuir para gerar algumas tenses em suas relagées. Uma correta compreensao do que ocorre no contexto familiar durante a adoles- céncia exige uma verdadeira visdo sistémica que contemple as relacées bidirecionais entre todos os elementos que de dentro ou de fora desse contexto estejam interligados. Abusca da autonomia Um dos acontecimentos mais relevantes para 0 desenvolvimento social do adolescen- te esta ligado A aquisigao de niveis de auto- nomia cada vez maiores em relagdo a seus pais. Se 0 adolescente deve se preparar para abandonar o lar e agir como um adulto auté- nomo, é razodvel esperar dele comportamen- tos cada vez mais independentes. Diante des- se proceso de individuacao, é freqiiente que os adolescente experimentem uma certa am- 353 DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 bivaléncia, e que, ao mesmo tempo que des- frutam de novos privilégios, lamentem as no- vas responsabilidades que devem assumir, podendo sentir saudade de seus dias de in- fancia em que seus pais cuidavam deles ¢ as- sumiam toda a responsabilidade. Por isso, nao é estranho encontrar durante os primeiros anos da adolescéncia a alternancia entre con- dutas maduras e comportamentos infantis Em relaco A conquista da autonomia pelo adolescente, é preciso destacar o papel que a desvinculagao ou a separacao afetiva dos pais exerce nesse processo, Autores como Anna Freud e Peter Blos consideraram que o distan- ciamento, e até mesmo a hostilidade, em rela- Go aos pais é algo natural e desejavel quando os filhos chegam a puberdade, porque favore- ce o estabelecimento de vinculos extrafamilia- res de cardter heterosexual e a superagiio dos desejos sexuais de carater incestuoso. Steinberg e Silverberg (1986) empregaram o termo au- tonomia emocional para fazer referéncia a essa desvinculacao afetiva. Para eles, a autonomia emocional, que avaliam mediante uma escala auto-aplicavel, é um conceito multidimensio- nal que inclui componentes como a tendéncia a compreender os pais como pessoas com de- sejos e necessidades proprias, sua desidea- lizagdo e a independéncia e a individuacio do adolescente. Segundo Steinberg e Silverberg (1986), essa autonomia afetiva é necessdria para que o processo de individuacdo ocorra, ainda que, em um primeiro momento, a sepa- rago afetiva dos pais possa deixar o adoles- cente em uma situacéio de vulnerabilidade e vazio emocional que o levara a uma excessiva dependéncia do grupo de iguais para preen- cher esse vazio, Outros autores questionaram que a des- vinculagao afetiva dos progenitores represen- te um passo necessdrio no processo de indi- viduagao do adolescente. Na linha da teoria de apego, Ryan e Linch (1989) consideram que uma elevada autonomia emocional pode estar refletindo uma experiéncia prévia no contexto familiar de falta de apoio e aceitacao, que nao 86 nao conduz a uma maior autonomia, mas que também pode estar interferindo na conso- lidagao da identidade e na formagéio de uma auto-estima positiva. Entao, longe de estar re- 354 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. presentando um aspecto positivo do desenvol- vimento, uma alta autonomia emocional esta- ria refletindo a frieza na relacio afetiva estabe- lecida com os pais na infancia, frieza que ha- via levado a um apego do tipo inseguro- evitativo. Nés mesmos encontramos que 0s ado- Jescentes que mostram uma maior autonomia emocional tém uma auto-estima mais baixa, modelos representacionais inseguros de sua relagao com 08 pais na infancia e um meio fa- miliar caracterizado pela falta de afeto e apoio. ‘Talvez nenhuma das posturas comentadas esteja totalmente certa, pois é provavel que, em alguns casos, uma elevada autonomia emocior nal seja fruto de uma vinculacao afetiva frégil dacrianca com seus pais, porém, também é pos- sivel que, em owttros casos, essa autonomia te- nha surgido como conseqiténcia de mudangas proprias da adolescéncia, mesmo quando exis- tia uma boa relagao prévia com pais afetuosos. Em nossa opiniao, o fundamental é 0 papel mo- detador que o contexto familiar exerce na rela- gio existente entre a autonomia emocional ¢ a adaptagio do adolescente. As pesquisas realiza- das sobre esse aspecto (Lamborn e Steinberg, 1993; Fuhrman e Holmbeck, 1995) indicam que uma alta autonomia emocional costuma levar a problemas adaptativos, sobretudo a longo pra- zo, quando ocorre em wm contexto familiar pow- co coeso ¢ que oferece poco apoio, Em com: pensagio, quando o meio familiar é mais favo- ravel, traduz-se em uma série de conseqiiéncias positivas, como uma boa atitude e bons rendi- tnentos académicos, uma clevada auto-estima ¢ uma identidade mais estabelecida, ainda que também possam surgir alguns problemas de con- duta (Silverberg ¢ Gondoli,1996) Influéncias familiares sobre o desenvolvimento social Os dados disponiveis hoje apdiam a hi- potese de que um meio étimo para o desenvol- vimento e autonomia do adolescente ¢ aquele em que as relacdes dos pais com os fillhos com- pinam o afeto com o favorecimento da individualidade, mediante condutas que esti- mulam a autonomia cognitiva ea iniciativa pro- ipria, como, por exemplo, favorecendo a dis- cussio, a troca de pontos de vista entre pais ¢ flhos ¢ a adogao de opiniées proptias por par- te destes tiltimos. Além dessa combinacao en- tre apoio afetivo, com unicag&o e favorecimento da autonomia, existem outras caracteristicas do meio familiar muito favoraveis para facili- tar o desenvolvimento e a adaptagio dos ado- lescentes. O controle ¢ a supervisdo da condu- ta do adolescente sao fundamentais durante essa ctapa evolutiva, pois muitos dos proble: mas de conduta que surgem durante a adoles- céncia estao relacionados com 0 escasso_con- trole parental; por isso, conhecer quem sao os amigos de seus filhos ou interessar-se por suas atividades deve se transformar em algo priori- tario para os pais. E preciso considerar que a adolescéncia é um perfodo de exploragio no qual os ado- lescentes necessitam ter experiéncias diver- gas que itdo ajudé-los a construir sua identi- dade Ainda que essa experimentagao leve a certos riscos, ela é necessaria, por isso, o ide: al é que ocorra sob a supervisio de adultos que possam detectar situacées de risco exces: sivo. De fato a supervisio ¢ tho necessaria nossa etapa como durante a infancia, porém é imprescindivel que os pais introduzam cet- tas modificacdes no grau e na natureza desse controle para evitar cair em uma conduta de vigilancia ou superprotetora que néo seria nada benéfica. Isso nos leva a destacar outra das caracteristicas que deve incluir a. conduta educativa dos pais: a flexibilidade. © fato de que, durante esse periodo evolutivo, os ado lescentes mudem rapidamente obriga os pais, a se mostrarem sensiveis a essas mudangas, modificando suas expectativas ¢ as normas praticas educativas que regem a familia para procurar ajusté-las 4s novas necessidades evolutivas do adolescente; por exemple, le- vando em conta a necessidade que os filhos tém de assumir novas responsabilidades ou de aumentar sua capacidade para tomar de: cisdes. Conforme assinalou Eccles e seus co Jaboradores (1993), muitos dos problemas surgidos durante essa etapa tém sua origem na falta de ajuste entre o contexto familiare as novas necessidades dos adolescentes. Com relacao ao papel desempenhado pela comunicacio entre pais e filhos adolescentes, é preciso destacar a conveniéncia de manter continuamente abertos os canais de comuni- cacao em ambos os sentidos. E. importante que 08 pais se mostrem atentos e receptivos diante das preocupacées de seus filhos ¢ que, tam- bém, lhes proporcionem apoio e informacao que Ihes permitam desenvolver habilidades iteis em dreas de especial risco durante essa etapa (relacées sexuais, drogas). ‘A pesquisa sobre o papel que exercem os estilos disciplinares dos pais fornece dados cada vez mais interessantes, sendo evidente que, igualmente ao que ocorria durante a infancia, os pais democrticos, que combinam a comu- nicacéo ¢ 0 afeto com o controle nao-coerciti- vo da conduta e as exigéncias de uma conduta responsdvel na relacdo com seus filhos, sio os que mais favorecerao a adaptacao de seus fi- Thos, que demonstrarao um desenvolvimento mais saudavel, uma melhor atitude e rendimen- tos académicos e menos problemas de condu- ta(Lambom et al., 1991; Darling e Steinberg, 1993). Em compensacio, quando os pais se comportam de forma fria e excessivamente controladora, como acontece entre os pais au- toritarios, costuma ocorrer que, a curto prazo, seus filhos se mostrem obedientes e conformis- tas, mas que, a longo prazo, sobretudo quan- do a disciplina é muito severa, tendam a se rebelar e a se voltar excessivamente para os amigos, buscando neles a oportunidade de manter interagdes de cardter mais igualitario; também é freqiiente que esses adolescentes de- senvolvam wma baixa atto-estima, sintomas depressivos e uma atitude hostil e de rejeicao para com seus pais. Apesar de mostrar uma relac&o calorosa e afetuosa com seus filhos, os | pais permissivos apresentardo um claro déficit no controle de sua conduta, o que estara rela- cionado com falta de esforco, problemas de conduta e consumo de alcool e drogas. Por ul- timo, quando os adolescentes nao tém o con- trole e o afeto no contexto familiar, que é o que ocorre no caso dos pais indiferentes, de- senvolverao problemas tanto de externalizacao (agressividade, condutas anti-sociais, consumo de drogas, escassa competéncia social) como de internalizagao (baixa auto-estima, proble- mas psicolégicos). © Quadro 19.1 resume to- das essas relagées e influéncias. 355 DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAO, V.1 Ainda sao escassos os estudos sobre os sujeitos de culturas diferentes da ocidental, ou sobre familias diferentes da tradicional com- posta de pai, mie e filhos. No entanto, apesar de sua escassez, contribuem com dados muito interessantes. Assim, se para a populagao oci- dental parece indiscutivel a superioridade dos estilos democraticos, alguns estudos realizados sobre populacdes asidticas ou afro-americanas péem sob suspeita que a relacdo entre o estilo democratico e a melhor adaptacao dos filhos adolescentes seja universal, pois algumas ve- zes os estilos autoritdrios se mostram mais efi- cazes nessas populacées (Chao, 1994; Darling Steinberg, 1993). Da mesma forma, a com- posigao ou a estrutura familiar é outra varid- vel que parece moderar as conseqiiéncias deri- vadas dos estilos disciplinares imperantes no lar; assim Barber e Lyons (1994) descobriram. que a permissividade parental relacionava-se positivamente com a auto-estima dos filhos adolescentes em familias reconstituidas, coisa que nfo ocorria em familias intactas. Alguns autores (Darling e Steinberg, 1993; Holmbeck, Paikoff e Brocks-Gunn, 1996) consideram que o conceito de estilo discipli- nar é muito amplo, ambiguo e descritivo e que nao especifica claramente os mecanismos atra- vés dos quais realiza sua influéncia sobre os filhos. Esses autores propdem diferenciar en- tre o estilo disciplinar e as praticas disciplina- res concretas mediante as quais o referido es- tilo se materializa, pois nem sempre se obser- va uma correspondéncia total. Por exemplo, dois pais democrdticos podem mostrar niveis semelhantes de controle e de comunicagao, po- dendo, no entanto, exercer 0 controle de for- ma diferente. Do mesmo modo, o conwole exer- cido por uma mae democratica e outra autor tdria pode alcancar niveis similares, ainda que seja muito provavel que, enquanto a primeira utiliza a indugo como forma de controlar a conduta de seus filhos, a segunda faga uso de técnicas coercitivas ou de afirmagao de poder. Também é preciso considerar que, embora se costume falar de pais autoritérios ou permissi- vos, 0 estilo paterno e materno nem sempre tém de coincidir, podendo existir discrepancias entre as dois estilos. Em um dos poucos estu- dos que considerou esses estilos separadamen- 356 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. LULWi] 19.1 Relagdo entre os estilos educativos patemnos ¢ as caracteristicas de seus filhos adolescentes Pais Filhos e Filhas Democraticos + Confianga neles mesmos + Boa atitude e bom rendimento escolar + Boa satide mental + Poucos problemas de conduta Permissivos + Confianga neles mesmos + Poucos problemas psicolégicos = Problemas de conduta e abuso no consumo de drogas. + Obedientes e voltados para o trabalho — As vezes, hostis ¢ reboldes ~ Pouca cenfianga neles mesmos = Problemas depressivos Indiferentes Problemas escolares ~Problemas de aluste psicolégico — Muitos problemas de conduta e abuso no uso de drogas. te, Taylor (1994) encontrou que a situacéio mais favoravel para o adolescente é aquela na qual ambos os pais mostram um estilo mais demo- crético ou positivo para com seus filhos, en- quanto a coincidéncia de pai e mae em estilos pouco adequados representa a situacao mais desfavordvel. Quando ocorre uma combinagio na qual ao menos um dos progenitores apre- senta um estilo democratico, as conseqiiéncias negativas se véem um pouco aliviadas Adolescentes em familias diferentes Do mesmo modo que ocorria durante a infancia, o grau de conflituosidade familiar ea qualidade das relacGes entre os pais sio mais importantes do que a estrutura familiar na hora de determinar o grau de ajuste do adolescente (Hetherington, 1989). Os adolescentes que vi- vem em familias em que a harmonia caracteri- za as relagdes entre seus membros, indepen: dentemente de serem familias intactas, mono- parentais ou reconstituidas, mostram menos problemas de conduta e socioemocionais. Ain da que o divércio ou a separacdo costume ter conseqiiéncias negativas para os filhos, depois da puberdade os adolescentes j4 alcancaram um nivel de maturidade que lhes permitiré ev tar muitos dos efeitos negativos que tém para as ctiangas menores. Isso no significa que se mostrem invulneraveis, pois a circunstanciade que esto imersos na resolugo de algumas ta- refas evolutivas, como a construcao da identi- dade ou o processo de individuacdo, faré com que possam sofrer alguns problemas como com seqiténcia do divércio, sobretudo durante o pri- meiro ano posterior a ruptura familiar. Entre os possiveis efeitos cabe mencionar o entorpe: cimento do processo de individuacdo. Prova velmente, o estresse que costuma acompanhar uma ruptura familiar no representa nenhit- ma ajuda em um processo tao delicado como é 0 de conseguir maior autonomia e estabelecer vinculos extrafamiliares, e, com freqiiéncia, 0 adolescente estd tio absorto na problematica familiar que deixa de lado as atividades aca- démicas ou recreativas, as relacdes com os ami- gos, etc. Além disso, a separaciio de seus pais pode gerar no adolescente uma desconfianga nas relacdes de casal que o levard a evitar 0 envolvimento emocional. Também costuma ocorrer que, depois da separacao, os pais co- messem a tratd-lo como se fosse um adulto ou tentem envolvé-lo em suas disputas, o que pode leva-lo a sentir que seus pais dependem dele. Em uma etapa evolutiva na qual o ado- lescente ainda precisa do apoio de seus pais, uma situacao desse tipo nao favorecera seu amadurecimento. Ainda que a reconstrugio da familia pos- sa favorecer o desenvolvimento dos filhos, a adaptacio a essa situagdo ¢ um pouco mais complicada durante a adolescéncia do que quando ccorre nos anos anteriores e esta asso- ciada a problemas de conduta tanto em meni- nos como em meninas. Possivelmente, 0 mo- mento em que o adolescente esta tentando se desvincular de sua familia nao sejao mais apro- priado para estabelecer um novo vinculo afe- tivo com o padrasto ou a madrasta, ¢ é possi- vel que © menino ou a menina recusem o novo membro. Além disso, as tensdes que caracteri- zam a relacao entre os adolescentes e seus pais dificultardo a aceitacdo do fato de que seu pai ou sua mae é sexualmente ativo e mantém re- lagSes com seu novo par O companheiro sen- timental pode ser visto como um intruso que compete pelo carinho e pela atengao de seu pai ou de sua mae. Essas reacdes negativas se- rao mais claras durante a adolescéncia preco- ce e podem criar tensées que repercutem ne- gativamente na coesio familiar. A situagSo sera especialmente complicada quando 0 novo pai se mostra muito autoritario e tenta controlar excessivamente a conduta do menino ou da me- nina. Nessas situagGes, parece conveniente qu? o padrasto ou a madrasta adote um papel mais permissivo, evitando o controle excessivo e pro- curando estabelecer uma boa relacio afetiva. E preferfvel que o controle, tao necessdrio nas DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO EEDUCAGA,V.1 S87 familias reconstituidas como nas intactas, seja realizado pelo progenitor bioldgico, que, em algumas ocasiées, sera aquele que deve se mos- trar um pouco mais autoritario AS RELAGOES COM OS IGUAIS As amizades durante a adolescéncia Ainda que, durante a adolescéncia, a fa- milia continue ocupando um lugar preferen- cial como contexto socializador, A medida que os adolescentes vao desvinculando-se de seus pais, as relagdes com os companheiros ganham em importancia, em intensidade e em estabili- dade, ¢ 0 grupo de iguais passa a ser o contex- to de socializagao mais influente. As relacdes de amizade nio sfo exclusivas da adolescén- cia, pois as criancas dedicavam uma parte im- portante de seu tempo para brincar com as ami- gos; no entanto, agora irdo ocorrer algumas mudangas importantes nesse tipo de relacdes Se, durante a infancia, os amigos eram, sobre- tudo, companheiros da brincadeiras cuja rela- go estava muito condicionada pela proximi- dade fisica e pela possibilidade de interagir co- tidianamente, ao chegar a adolescéncia, essas relacées gozardo de uma maior estabilidade sem que o distanciamento fisico ou temporal dos amigos signifique o fim da relacio. Provavelmente, como conseqiiéncia da maturacao cognitiva e do tempo que dedicam para falar sobre si mesmos, os adolescentes irao compreender-se melhor, 0 que repercutira no fato de que as relagées com os amigos estejam marcadas pela reciprocidade e que a partir da adolescéncia os amigos apdiem e ajudem uns aos outros, mostrando um maior comportamen- to pré-social. Também aumentard substancial- mente a intimidade dessas relagées, a tal ponto que as amizades fntimas ir‘o se transformar em um fenémeno tipico da adolescéncia precoce e média, que ird perdendo forca durante a ado- Jescéncia tardia. Os amigos intimos comparti- Tham pensamentos, sentimentos, expectativas de futuro, conhecem as preocupacées do outro e se apdiam mutuamente. Essas relacdes costu- mam ser estabelecidas com pessoas do mesmo 358 COLL, MARCHES! PALACIOS & COLS. sexo, ¢ ainda que ocorram tanto entre meninos como entre meninas, no geral, as amizades in- timas das meninas so mais precoces e mais in- tensas do que as dos meninos, que sao um pou- co mais relutantes em dividir seus sentimentos e mais voltados para a realizacio ou planeja- mento de atividades conjuntas. As relagdes com os iguais, sobretudo com os amigos, serd uma experiéncia muito grati- ficante que enriquecera a vida do jovem. A consideracdo de que essas relacées tém um efeito muito positivo sobre o desenvolvimen- to adolescente niio é algo novo. Piaget (1932) J4 expressou a importéncia que a interacéo com os companheiros tinha para o desenvol- vimento de uma inteligéncia e uma moral auténomas. Sullivan (1953) propés que as amizades durante a adolescéncia eram criti- cas para o desenvolvimento de uma alta auto- estima ¢ uma melhor compreensao dos de- mais, Em geral, ter amigos é um indicador de boas habilidades interpessoais e um sinal de um bom ajustamento psicolégico, provavel- mente porque os meninos com menos habili- dade sociais e com mais problemas psicoldgi- cos sofrerfio mais rejeigéo ¢ terao mais difi- culdades para estabelecer amizades; contu- do, também se poderia pensar na relacao in- versa, isto é, na qual ter amigos com os quais compartilhar segredos ¢ sentimentos contri- bui para um melhor ajustamento psicoldgico. Os beneficios pelo fato de dispor de ami- zades nessa etapa sao muitos. Em primeiro ]u- gat, pode-se destacar 0 importante apoio emo- cional que proporcionam e que pode ajudar 0 adolescente a superar 08 altos e baixos carac- teristicos da adolescéncia, ou algumas situa. ces particularmente estressantes, como um fracasso académico ou amoroso, ou a separa- co ou a morte dos pais, Hartup (1993) utiliza a denominagao de relagao de apego horizon- tal (0 apego vertical seria estabelecido com os progenitores) para se referir as amizades inti- mas entre adolescentes com capacidades e com conhecimento similares. Ao longo da adoles- céncia, o amigo intimo vai ganhando impor- tancia sobre outras figuras de apego, a tal pon- toque, a partir da adolescéncia média, se trans- formard na principal figura de apego. Levando em conta que estamos diante de situacées de apego, nao é estranho que o tipo de relagio do adolescente com seus amigos esteja muito in- fluenciada pela relacao que estabeleceu com seus pais durante a primeira infancia. Os mo- delos representacionais construidos a partir dessas primeiras relacées seriam os responsé- veis por essa continuidade relacional. Os me- ninos que estabeleceram uma relacao de ape- go seguro se mostraram confiantes, seguros e afetuasos nas relacées de amizade: aqueles que se vincularam mediante um apego inseguro evitativo tenderfio a se mostrar frios e distan- tes; por tltimo, os adolescentes com modelos inseguros ambivalentes manifestarao uma ex- cessiva dependéncia e uma necessidade an- siosa de se manterem estreitamente apegados ascus amigos Outra consegiiéncia positiva que padem ter as amizades ¢ a de proporcionar apoio ins- trumental para a resolugaio de determinados problemas praticos, assim como a informagio sobre diferentes temas como relagées pessonis, sexualidade ou assuntos académicos. De espe- cial interesse 6a informacao que os amigos tro- cam um sobre o outro, pois dispor de uma pers- pectiva diferente sobre eles mesmos ird ajudé- los a construir sua prépria identidade e ame lhorar seu autoconceito (Berndt, 1996). Apesar da intensidade das relagdes com os iguais, seré freqitente que, no inicio da ado- leseéncia, os adolescentes experimentem cer- tos sentimentos de solidao, provavelmente por se encontrarem em uma situacao de transicio entre a vinculacao afetiva com os pais, prépria da infancia, ¢ 0 estabelecimento das intensas amizades juvenis, Muitos adolescentes passa- rao por um perfodo de dor ou de tristeza, pelo enfraquecimento das intensas relacées emocio- nais infantis, antes de mergulhar nas novas relagdes de amizade que adquiriréo uma in tensidade até agora desconhecida. Ainda que amaioria dos adolescentes supere sem proble- mas essa fase de transicdo, em alguns casos podem aparecer dificuldades, como ocorre com adolescentes que nao tém habilidades sociais e mostram-se desajeitados em sua relaciio com © grupo de iguais, com aqueles que residem em regiées afastadas ou isoladas, ou com os que se véem obrigados a mudar de escola e romper com seu circulo de amigos. O conformismo diante dos iguais Ainda que os efeitos positivos da relagéio com os iguais sejam indiscutiveis, é preciso des- tacar uma perspectiva teorica diferente que enfatiza as possiveis conseqiiéncias negativas derivadas dessas relacées. Faz muitos anos que Bronfrenbrenner (1970) escreveu que a redu- ¢40 nos contatos com os adultos, unida a um maior comprometimento com os iguais, leva- va os jovens & alienacao, & indiferenca e ao antagonismo social. Ainda que tenha se passa- do muito tempo desde entio, ainda s4o mui- tos os pesquisadores que consideram a influén- cia dos iguais como um dos fatores de risco que mais se destacam para o surgimento de condutas problematicas e anti-sociais durante a adolescéncia, Muitos programas voltados para a prevenciio do consumo de drogas entre os jovens baseiam-se na suspeita de que a in- fluéncia dos amigos leva, necessariamente, a condutas indesejaveis. Pensemos, por exemplo, nos antincios que podemos ver em nossos mei- os de comunicagao que insistem na importn- cia de que os adolescentes saibam dizer quando os amigos os pressionam para que con- sumam drogas. Se durante os anos escolares os pais es- tavam muito acima de outras influéncias, ao chegar na adolescéncia terao de compartilhar sua influéncia com os iguais. O relativo dis- tanciamento dos progenitores, o maior tem- po que passam com os companheiros e 0 es- tar em plena fase de construcao de sua iden- tidade coloca os adolescentes em uma situa- cdo de maior suscetibilidade diante da pres- sao dos iguais. Costanzo e Shaw (1966), em uma conhecida experiéncia, evidenciaram o crescimento inicial e a posterior diminuigéo do conformismo diante des iguais durante os anos da adolescéncia. Uma série de meninos com idades compreendidas entre 7 e 21 anos devia julgar qual de uma série de linhas tinha o mesmo comprimento que uma linha mode- lo. Cada sujeito devia responder depois de outros companheiros que estavam de acordo com o experimentador para dar uma respos- ta incorreta, atribuindo-lhe uma pontuacao. em conformismo em funcao do grau de acor- do que mostrassem com as respostas incorre- 359 DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUGAGAO, V.1 tas de setts companheiros. Os resultados des- se experimento mostraram que as maiores pon- tuacgdes em conformismo eram obtidas pelos sujeitos do grupo de 11 a 13 anos, observan- do-se uma diminuic&o a partir dessa idade. Esses dados indicam que a suscetibilidade & pressio dos iguais é maior durante a adoles- céncia inicial, Pesquisas mais recentes utili- zaram métodos diferentes que consistiam em apresentar aos sujeitos situacées hipotéticas em que seus companheiros pediam-lhes que atuassem de uma determinada forma. Esses estudos encontraram tendéncias evolutivas si- milares (Berndt, 1989). A medida que os ado- lescentes vao construindo sua identidade e fi- cando mais auténomos, tornam-se mais ca- pazes de resistir & pressaio do grupo Quando se fala de pressao dos compa- nheiros, ha uma tendéncia a considerd-la ne- gativa e voltada para buscar o comprometimen- to do adolescente em condutas anti-sociais; no entanto, sao muitas as ocasides em que a pres- sao é neutra e inclusive positiva; pensemos, por exemplo, naquelas situagdes em que os com- panheiros procuram evitar condutas indeseja- veis por parte de algum amigo, out quando pro- curam que ele se envolva em situacées despor- tivas ou académicas. Além disso, os ovens cos- tumam mostrar-se menos conformistas diante das presses dos amigos quando estes buscam sua participagéo em condutas negativas ou anti-sociais (Berndt, 1996). O fato de que, durante a adolescéncia pre- coce, se observe um aumento da suscetibilida- de diante dos iguais nao significa que todos os adolescentes se mostrem igualmente conformi tas, Em alguns casos, esse conformismo é mais claro por serem adolescentes muito necessita- dos do apoio do grupo, ou porque suas relacdes familiares sio pouco satisfatdrias, ow porque tém um baixo status no grupo e sao ignorados ou rejeitados (Dishion, 1990). Também ha diferen- cas claras em fungao do género: as meninas se mostram mais conformistas do que os meninos, talvez, devido ao fato de que estabelecem rela- des mais intimas entre elas e mostram-se mais preocupadas por pertencer ao grupo e ajustar- se a suas expectativas. Também é preciso ressaltar que nao sao todos os companheiros que tém a mesma ca- 360 COLL, MARCHES!, PALACIOS & COLS. pacidade de influéncia. Sem diivida, os ami- gos intimos terdo mais capacidade de influir do que aqueles que so somente amigos su- perficiais, e estes mais do que aqueles que nao o sao. Do mesmo modo, o status social do ado- lescente que exerce a influéncia é decisivo, pois os adolescentes tenderao a imitar ea uti- lizar modelos de conduta daqueles compa nheiros que admiram e percebem como habi- lidosos e populares Concluindo, diremos que é erréneo pen- sar que os vinculos com o grupo de iguais su- poem uma diminuic&o da influéncia dos pais ¢ um afastamento dos valores familiares que le- vam o adolescente a se envolver em condutas anti-sociais ou pouco saudaveis. Antes, cabe pensar que os pais e amigos nao competem en- tre si, mas representam influéncias complemen- tares que satisfazem diferentes necessidades do jovem. E tudo isso sem nos esquecermos de que os adolescentes costumam se incorporar a gru- pos formados por companheiros que tem uma origem social e alguns valores muito pareci- dos com os seus ¢ 0s de sua familia; por isso, 0 grupo tender mais a reforcar os valores fami- liares do que a anuldlos ou a contradizé-tos, A evolucao do grupo O grupo de amigos sera um contexto fun- damental para o desenvolvimento dos adoles- centes. No entanto, esse grupo experimentara uma evolugéo ao longo da adolescéncia Dunphy (1963) descreveu em quatro etapas a seqiiéncia de evolugao do grupo de iguais, se- qiiéncia que se resume no Quadro 19.2. Em uma'primeira etapa,|no comego da adolescén- cia, 0 agrupamento mais freqiiente é a turma formada por membros do mesmo sexo. Essa turma unissexual é uma continuacao do grupo de amigos dos anos escolares e costuma incluir de cinco a nove membros da mesma idade e provavelmente do mesmo colégio e vizinhan- LUE{Y} 19.2 A evolug&o do grupo ao longo da adolescéncia Adolescéncia Precoce Meninas 18 ETAPA Meninas 2° ETAPA i / ae ° seo 32 ETAPA ov ‘ioe er — SSSSSSSOeseFSFSFFFSSSS Fonte: Dunphy, 1963 ca. Esses adolescentes mostram um companhei- tismo muito claro, formam um grupo bastante fechado, pouco permeavel a outros sujeitos, se véem e interagem diariamente, planejando atividades para realizar nos fins de semana. Nessa etapa, 0 grupo proporciona a seus com- ponentes 0 apoio ¢ a seguranga necessdrios para, na fase seguinte, comecar as relacdes com ooutro sexo. Também cumpre a fungdo de pro- mover condutas socialmente aceitaveis, como, por exemplo, que seus membros aceitem as nor- mas do grupo. No entanto, o grupo do qual falamos pode ter alguns inconvenientes, como promover um excessivo conformismo entre seus membros, impedir que os sujeitos se rela- cionem com outros meninos ou meninas que possam contribuir com pontos de vista dife- rentes e, inclusive, ferir a auto-estima de ou- tros quando se recusa sta incorporacao ao gru- po. No entanto, as vantagens superam clara. mente os inconvenientes. Em uma segunda fase, ainda se manten- do a separac&o entre grupos ou turmas de di- fefentes sexos, comega a interagio entre elas. uma interagao entre turmas unissexuais espo- radica que ocorre nos fins de semana, ou em excursées e festas. Essa relagao entre sujeitos de ambos os sexos ainda ¢ um pouco desajei- tada e rude. ‘A seguir, e depois de uma fase de transi- cdo na qual as relacées entre os grupos de se- xos diferentes vao tornando-se mais freqiien- tes, forma-se a turma mista a partir do agrupa- mento das turmas unissexuais. Essa turma cos- tuma incluir de 15 a 25 membros de ambos os sexos; 0$ meninos so um pouco mais velhos do que as meninas e ha uma menor coesio do que na turma tnissextal, com uma relagio entre seus membros um pouco menos intima. Seus contatos nao sao tao cotidianos, ¢ eles se reunem de forma mais esporddica do que a tur- ma tnissexual. A turma mista cumpre a fun- cdo de regular e estruturar as relagées sociais, facilitando também o surgimento das relagdes heterossexuais, pois serve de claro aprendiza- dona relacao com os membros do outro sexo. ‘Também, ao ser um agrupamento mais aberto, favorece a interag&o com uma maior varieda- de de sujeitos (de diferentes idades e bairros), aumentando a heterogeneidade da turma e es- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAG,v.1 361 timulando o desenvolvimento do autoconceito e da identidade. As turmas vo apresentar uma grande va- viedade, diferenciando-se entre si nos estilos de vida de seus componentes — sua forma de se vestir, suas preferéncias musicais, sua atitu- de diante do sexo, do Alcoo] ou das drogas -, e evidenciar a diversidade da cultura adolescen- te. Bradford Brown e seus colaboradores (Brown, Dolcini e Leventhal, 1997; Brown, Mory e Kinney, 1994) estudaram em profundi- dade as caracteristicas desses agrupamentos, sugerindo que as turmas se definem, funda- mentalmente, em relagio a duas dimensées: a atitude frente aos aspectos formais ou acadé- micos da educagiio e a orientagéio para a rela- a0 com os iguais; ao redor dessas dimensées nucleares iro se concentrar outras altitudes ou comportamentos que vao definir 0 estilo de vida do grupo. Qutro aspecto importante é que a turma vai condicionar as relagdes sociais de seus membros, j4 que impulsionam os adoles- centes a se relacionar com alguns e a ignorar, ou evitar, outros. Também estabelece normas sobre a forma de se relacionar nao somente com os iguais, mas também com os adultos como sero as amizades, se intensas ou super- ficiais; que tipo de relacoes de casal é inconve- niente; como administrar os conflitos em casa ou no colégio. Altima etapa traz consigo a desintegra- cao da turma, que passa a se transformar em uma série de casais relacionados entre si, que cada vez.se retinem com menos freqiiéncia. Po- rém, isso ja nos introduz em outra tematica que precisa ser analisada com mais atengdo e que se situa claramente em um momento evolutivo posterior ao das relacées de grupo. O INICIO DAS RELACOES DE CASAL © aumento do impulso sexual, unido & imitacio dos comportamentos adultos, vai fa- vorecer que meninos e meninas comecem a se aproximar com interesse do outro sexo. E no contexto do grupo ou da turma mista que os adolescentes comecarao a manter seus primei- ros encontros; depois, & medida que vao ga- nhando desenvoltura e sentindo-se mais cémo- 362 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. dos nessas relagdes, comegarfio a ter encon- tros fora da protecao do grupo. Ainda que existam diferencas entre ado- lescentes, a maioria das meninas comeca a ter seus primeiros encontros em algum momento entre os 12.¢ 08 14 anos, enquanto os meninos o fazem um pouco mais tarde, entre os 13 ¢ os 15 anos. O momento do inicio parece determi- nado, fundamentalmente, por fatores sociais, j& que a maturactio mais ou menos precoce nao influi muito na precocidade dessas relagdes. Essas primeiras relacées de casal sao muito importantes para a vida social e emocional dos adolescentes, € sua qualidade esta associada ao grau de ajustamento socicemocional. Em seus primeiros encontros, cles aprendem a interagir com pessoas de diferentes sexos, di- vertem-se, experimentam os primeiros casos erdticos ¢ melhoram seu prestigio diante do grupo de iguais, sobretudo quando sio vistos como um par muito desejavel. Por isso, néo é estranho que para seus primeiros encontros, os adolescentes prefiram pares que tenham muito prestigio e sejam muito valorizades por seus companheiros Furman e Wehner (1994) argumentam que as relacdes de casal durante a adolescén- cia precoce satisfazem quatro tipos de necessi- dades: sexuais, de afiliagdo, de afeigdo e de dar e receber apoio, Sem diivida, as primeiras re- lagées que os adolescentes estabelecem servi- rao para satisfazer fundamentalmente as ne- cessidades sexuais e de afiliacdo (companhia, diversao), mas, & medida que vai transcorren- do a adolescéncia, essas relagées serio mais estaveis, e o casal ira ascendendo na hierar- quia de figuras de apego. Se aos 12 anos 0 ca- sal ocupa 0 quarto lugar, aos 15 ou 16 anos o casal jA costuma estar ocupando o primeiro lugar da hierarquia, e também podera satisfa- zer as necessidades de apoio, de apego e de seguranca emocional Assim, como ocorria com as amizades in- timas, alguns estudos (Shaver e Hazan, 1988) apontam uma relacéo causal entre o tipo de apego estabelecido com os pais durante a in- fancia e o carater dos vinculos afetivos com o casal na adolescéncia ena idade adulta. Segun- do essa linha de pesquisa, as diferencas indivi duais no estabelecimento de relagées de casal estariam muito influenciadas pelo modelo representacional construido na infancia. Efeti- vamente, as relacdes de casal se assemelham as que sao estabelecidas entre mae e filho, pois uma e outra sao relagdes muito fntimas e com conta- to fisico profundo. No entanto, nao podemos nos esquecer de que as relacdes de par mostram outras caracteristicas como a colaboracéo, a afiliagao e as interagGes simétricas, que nao es- tio presentes nas relagdes da crianga com seu pai. Assim, ainda que o modelo representacional da relacaio com os pais constitua a principal con- tribui¢ao ao estabelecimento de relagdes inti- mas, as relagdes de amizade também darao sua contribuigao. Além disso, a experiéncia do ado- lescente nessas relagdes roménticas iré modifi- cando continuamente os modelos represen- tacionais construfdos. Por exemplo, ainda que uum menino tenha uma relacao de apego segu- To com seus pais, se for repetidamente rejeita- do em suas relagées de casal, a seguranga nos vinculos poderd ficar debilitada. 0 contrario também sera possivel: uma menina que tenha construido um modelo inseguro a partir de suas experiéncias familiares podera evoluir para um modelo seguro se encontrar, em suas rclacées de casal, 0 apoio emocional e a sensibilidade para suas necessidades que estiveram ausentes em sua relacao com os progenitores CONDUTA SEXUAL O comportamento sexual é um ambito em que se manifesta com clareza 0 carter de tran- sigdo da adolescéncia. Os adolescentes deixa- ram de ser criangas e comecam a ver como seus desejos e necessidades sexuais se intensificam como conseqiiéncia da maturaciio de seus cor- pos. A influéncia social é contraditéria nesse terreno; por um lado, exerce-se uma impot- tante pressio para controlar ¢ atrasar as mani- festacoes sexuais desse perfodo; por outro, en- contramos uma crescente erotizacao da socie- i ago, espe- cialmente nas mensagens dirigidas aos jovens. Nao deve, pois, ser estranho que nos depare- mos com importantes problemas nessa drea: insatisfacdo, falta de informacao, gravidez nao- planejada, etc. As criangas ja manifestam interesses e condutas sexuais, como a masturbagio, ain- da que seja no ambito das primeiras relagdes de casal que a conduta sexual comecard a se manifestar mais claramente. A maioria dos adolescentes se inicia na pratica da masturba- go entre os 10 e os 15 anos, ainda que, em alguns casos, 0 inicio seja mais precoce (Oliva, Serra e Vallejo, 1993). Meninos e meninas di- ferenciam-se claramente em relagdo a stias ati- tudes diante essa atividade. Se para os meni- nos é uma pratica generalizada (98% dos meninos entre 15 e 20 anos) considerada sae positiva (‘os médicos dizem que nio faz mal; ao contrario, que em um dado momento pode até ser bom, porque alivia e relaxa”), entre as meninas a masturbagao ¢ menos freqiiente (62%) e gera intensos sentimentos de culpa por considera-la uma conduta impréopria das mulheres (“eu me considerava suja por isso, inclusive pensava que eu era anormal”, “se al- guém lhe conta que uma menina fez isso, pa- rece algo escandaloso”). No entanto, entre al- gumas meninas, geralmente mais velhas e com maior nivel educativo, as atitudes sio mais favoraveis a sua pratica. Hoje se observa no ocidente uma maior liberdade e permissividade nas atitudes e con- dutas sexuais entre os adolescentes. Assim, a maioria dos estudos indica uma maior frequén- cia e precocidade nas relacées heterossextais Segundo os dados do Informe Juventud en Espafia de 1992, 34% dos jovens com menos de 18 anos haviam mantido relagdes sexuais. Em 1996, os dados desse mesmo relatério (Martin e Velarde, 1996) indicam que ja s4o 43% dos adolescenes que declaram ter tido esse tipo de relagao antes dos 18 anos. Em termos gerais, pode-se dizer que 17 anos é a idade média em que os meninos dizem ter sua pri- meira relagaio sexual com penetracéo. As me- ninas se mostram um pouco menos precoces, ¢ 18 anos representa a média de idade para essa primeira relacdo. Ha outras varidveis que também parecem afetar a idade de iniciagao sexital; assim, detecta-se uma maior precoci- dade nas grandes cidades, entre os meninos que nao esto escolarizados e os que perten- cem a estratos sociais mais desfavorecidos. Pro- vavelmente nesses estratos manter relacées se- 363 DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.1 xuais é uma das poucas condutas ao alcance desses adolescentes, que podem ser conside- tadas como um simbolo de status adulto. Al- gumas caracteristicas familiares também pa- recem relacionadas como 0 inicio precoce nas relagdes sexuais; assim, o grau de controle ou supervisdo que exercem os pais parece mos- trar uma relacéo curvilinea com a idade de ini- ciacdo, de forma que as relagdes sexuais sao mais provaveis quando hé uma auséncia de controle ou quando a supervisao é muito restri- tiva do que quando 0 controle é moderado. E bem possivel que muitas das campanhas dirigidas para prevenir a gravidez nao-desejz da em adolescentes e jovens tenham feito com que o uso de anticoncepcionais aumentasse um poutco nos tiltimos anos. Setenta e oito por cen- to dos que mantinham relacées sexuais em 1996 usavam algum método contraceptivo, ge- ralmente preservativo, 0 que esté acima dos 73% que declararam fazé-lo em 1992 (Martin. e Velarde, 1996). No entanto, esse uso costu- ma ser esporddico, pois somente um pouco mais do que a quarta parte de adolescentes de- claram usar anticoncepcionais em todas as re- lagdes que mantém. Quando ¢ 0 primeiro coi- to, a porcentagem de adolescentes que usa al- gum tipo de método contraceptivo é de 33%, conforme é mostrado na Figura 19.1 (Oliva, Serra e Vallejo, 1993). Atendéncia jé comentada de iniciar as re- lagdes sexuais em uma idade cada vez mais pr coce, unida a um uso nao muito generalizado de métodos contraceptives, fez com que o ni- mero de gravidas adolescentes aumentasse na Espanha durante a década de 1970 e na pri- meira metade da década de 1980 (Escario, 1994). A partir desse momento, a tendéncia se inverteu, observando-se uma diminuigao con- tinua, que provavelmente seja, em parte, con- seqiiéncia do aumento de interrupgdes volun- tarias da gravidez que se observa na Espanha na tltima década (Delgado, 1994). S&o muitas as justificativas que podem ser dadas ao pouco uso de contraceptivos. Entre elas, pode-se destacar a pouca informacio so- bre os métodos contraceptives e sobre a gravi- dez, provavelmente como conseqiiéncia da auséncia de uma educa¢ao sexual nas escolas. Além disso, determinadas caracteristicas do 364 COLL, MARCHES!, PALACIOS & COLS. 40 35 30 25 % 20 15 10 Nenhum Método contraceptive Golto interrompido Preservative Outros Meninas FIGURA 19.1 Método contraceptiva empregado no primeiro coito por meninos e meninas adolescentes. Fonte: Oliva, Serra e Vallejo,1993. pensamento durante a adolescéncia, como a fabula pessoal, podem levar o adolescente a pensar que, apesar da informacao que tém so- bre as mais provaveis conseqiiéncias negativas pelo pouco uso de contraceptives, é algo que nunca acontecera com eles, como se tivessem algum tipo de protecao magica. O fato de nio ter previsto que manteriam uma relacao sexual € outro argumento dado pelos adolescentes para nao usar contraceptivos. Outro aspecto importante est ligado as atitudes frente ao seu. uso; assim, é freqiiente entre os jovens uma certa rejeigéo por pensar que o preservativo limita o prazer ou quebra a espontaneidade de um contato sexual que deveria ser natural e nao planejado. Um aspecto que merece ser destacado re- fere-se ds diferencas entre meninos e meninas quanto a forma de entender e viver a sexuali- dade. Assim, podemos dizer que existem dois padrées de conduta sexual, um masculino e outro feminino. O masculino estaria definido por uma maior precocidade, promiscuidade e uma maior valorizagdio do coito, que represen- ta um importante sinal de prestigio diante do grupo de iguais. O padrao feminino mostra uma atividade sexual mais reduzida, menos gratificante e que gera mais sentimentos de culpa. Além disso, nas meninas, a conduta se- xual est mais integrada em outros componen- tes socioemocionais, por isso ha uma maior vinculagao entre sexualidade e afetividade. Essas diferencas de género sao muito claras durante a adolescéncia precoce, provavelmen- te porque os adolescentes se encontram em um perfodo critico quanto a construgao de sua identidade sexual e precisam mostrar-se mui- to estereotipados em suas atitudes e condutas sexuais. No entanto, A medida que os adoles- centes crescem e terminam esse proceso, as diferencas vio desaparecendo e mostram pa- drées mais andréginos e parecidos entre si, so- bretudo entre os adolescentes de maior nivel educacional (Oliva, Serra e Vallejo, 1997). O alto grau de intimidade que 0s adoles- centes alcancam em suas relagées de amizade, unido as necessidade afetivas ¢ sexuais desse periodo, faz com que as relacées homossexuais DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUGAGAO, v.1 365 nao sejam tio incomuns entre os adolescen- tes. No entanto, a maior parte deles ndo vai continuar com esse tipo de relagdes durante a adolescéncia tardia ou a idade adulta. Também vamos nos deparar com 0 caso contrario; me- ninos e meninas que, apesar de manterem re- lagées heterossexuais, comecarao a formar uma identidade e uma orientacdo de carater homos- sexual. E um processo lento que costuma co- mecar por volta dos 13 anos no caso dos meni- nos e por volta dos 15 anos entre as meninas ¢ que se manifesta pela falta de interesse pelas relacdes heterossexuais e o surgimento dos primeiros desejos por outros adolescentes do mesmo sexo, e que costuma culminar no final da adoleseéncia com a definigo de uma iden- tidade homossexual (Savin-Williams e Rodri- guez, 1993). A circunstancia de viver em uma sociedade homofébica, que rejeita e ridiculari- za esse tipo de comportamento, faré com que esse processo seja especialmente doloroso para os adolescentes de orientacdo homossexual. Se considerarmos que é um preconceito dirigido ama minoria invisfvel, pois a maioria dos su- jeitos tende a esconder essa condicao, serao mutitas as oportunidades em que uma piada ou uma brincadeira depreciativa seré feita quando estiverem presentes sujeitos homos- sexuais. Por isso, a maioria dos adolescentes que sentem desejo por companheiros do mes- mo sexo tende a se passar por heterossexu- ais; em alguns casos, inclusive, irio se mos- trar muito masculinos ou muito femininas como uma forma de compensar suas prefe- réncias, Essa atitude talvez nao seja a mais adequada, pois pode leva-los a se desprezar e desvalorizar, com conseqiiéncias muito neg tivas para a auto-estima e para a construgao da identidade pessoal. Tampouco parece que a alternativa de assumir a condigao de homos- sexual esteja isenta de inconvenientes, pois esses adclescentes irao sentir na pele a rejei- c&o social em um momento evolutivo muito delicado. Em nossa opiniao, e enquanto desa- parece esse preconceito absurdo, a medida mais saudavel para o adolescente talvez con- sista em compartilhar seus sentimentos ¢ suas inquietagdes com algumas pessoas de confian- ¢a, como amigos, familiares ou orientadores escolares, que poderao proporcionar-Ihe um apoio emocional muito necessério. CONTEXTOS EDUCATIVOS DURANTE A ADOLESCENCIA Durante a adolescéncia precoce ocorrera uma importante transicao em relacdo ao con- texto educativo: o fim do ensino fundamental e 0 inicio do ensino médio. Existe um amplo consenso entre pesquisadores e profissionais em considerar que essa transi¢ao educativa cos- tuma vir acompanhada de uma série de pro- blemas na relacao do adolescente com a esco- la. A diminuigdo do rendimento académico, uma menor motivacao para as tarefas escola- res, o n&o-comparecimento & aula ot o aban- dono da escola sao fendmenos que irrompem com forga no inicio do ensino médio. 0 come- co desse tiltimo segmento da educacao obriga- téria ocorrera em um momento em que a maio- ria dos adolescentes esta experimentando as mudancas fisicas, psiquicas e sociais que cos- tumam vir associadas & puberdade, por isso, com freqiiéncia, foi atribuida a cles a respon- sabilidade pelo aumento do fracasso escolar: 08 novos interesses sexuais, os conflitos com 0s pais, os transtornos emocionais ou os de- senganos amorosos so considerados como po- tenciais perturbadores da motivacéo do ado- lescente para com a escola. E inegavel que é uma hipétese razoavel e que nos ajuda a com- preender muitas das dificuldades pelas quais passam os adolescentes durante o ensino mé- dio. No entanto, Eccles evidencion com suas pesquisas (Eccles et al., 1993; Eccles et al. 1997) aresponsabilidade do sistema educacio- nal por sua incapacidade para se ajustar as novas necessidades do adolescente. O ensino médio ira supor uma série de mudancas em relagéo ao segmento educativo anterior; se es- sas mudancas fossem sincronizadas com as mudangas que ocorrem no adolescente, e se fossem dirigidas para ajustar a escola as novas caracteristicas desse periodo evolutivo, as con- seqiiéncias seriam positivas para stia adapta- ¢40 escolar. O problema é que a adolescéncia e © ensino médio parecem seguir caminhos di- 366 COLL, MARCHESI, PALACIOS & CoLs, ferentes, o que ird produzir uma clara falta de ajuste. O que costuma ocorrer é que bem no inicio do ensino médio (12-13 anos), ou quan- do comeca o segundo ciclo desse segmento (14- 15 anos), ocorre o salto da escola para o ins tuto’, Essa mudanga ira supor, em muitos ca- sos, uma dispersao ou ruptura do grupo de ami- gos, constitufdo ao redor da sala de aula ou das atividades desportivas e extra-escolares, Em um momento em que as relagdes com os ami- gos tém uma importancia fundamental para a estabilidade emocional, essa desestrutura do entomno social pode repercutir negativamen- te em sua adaptacio & nova situacao. Também irao ocorrer mudangas importan- tes no funcionamento da sala. Assim, nas aulas do ensino médio, o professor costuma exercer um maior controle e uma disciplina mais rigo- rosa do que no ensino fundamental. Além dis- $0, 0 curriculo esté muito estruturado e ofere- ce poucas possibilidades aos alunos para a es- colha e a tomada de decisdes em relagdo asta prépria aprendizagem: a que dedicar o tempo na sala de aula, quais atividades realizar, etc. Simmons e Blith (1987) encontraram uma re- lagao entre a maturidade precoce das meninas @ uma maior restricao por parte dos educado- res. As meninas fisicamente mais maduras per- cebiam que seus professores as controlavam mais e que a escola Ihes oferecia menos possibi- lidades de participar da tomada de decisées do que para suas companheiras menos maduras. Essas diferengas poderiam ser devidas tanto a que realmente essas meninas eram tratadas de forma diferente como pelo fato de que tivessem uma percepsao diferente como conseqiiéncia de suias maiores exigéncias de autocontrole. Pro- vavelmente ambos os fatores influam conjunta- mente, O fato de que, durante esses anos, os adolescentes manifestem uma necessidade cres- cente de que lhes seja permitido tomar decisoes e controlar seus préprios assuntos, tora pouco recomendaveis essas mudangas no funciona- mento das atlas, que podem ter efeitos negati- vos sobre a motivacdo escolar. . de R.T. Na Espanha, o Instituto é uma escola de ensino médio (educacién secundaria). ‘Tambem se observa um deterioramento nas relag6es entre professor e aluno com a pas- sagem para o ensino médio. Em geral, as rela- Ges séio mais tensas, distantes e frias, chegan- do em alguns casos a enfrentamentos entre 0 professor e alguns alunos. Esse deterioramento nas relacdes pode ser muito prejudicial em um momento em que ocorreu um certo distancia- mento dos pais e quando os adolescentes po- deriam se beneficiar enormemente, sobretudo para a construgao de sua prépria identidade, do contato com outros adultos que oferecam a eles pontos de vista e idéias diferentes daque- Jas que encontram no contexto familiar Outras modificages importantes que a transigéo para o ensino médio traz esto liga- das ao aumento da competitividade. E usual que ocorra um aumento nas exigéneias para passar de ano, que as avaliagées sejam realiza- das procurando se ajustar a padrées externos que consideram pouco as caracteristicas dos alunos ¢ que, além disso, 03 resultados se tor- nem ptiblicos. Algumas vezes, inclusive, sao feitos agrupamentos de alunos em salas dife- rentes em funciio de seu nivel, o que costuma facilitar o rendimento dos alunos de melhor nivel As custas da segregacdo dos que estio agrupados em niveis mais baixos. Todas essas mudangas iro aumentar a comparaco social entre os alunos e levar a uma maior preocupa- cdo com a avaliagao e a competitividade, o que repercutira negativamente sobre a auto-esti- ma e o sentimento de eficdcia de adolescentes que esto especialmente centrados om si mes- mos ¢ emi sua posic&o no grupo. Nao é surpre- endente que as qualificagoes obtidas pelos alu- nos experimentem uma clara diminuicao, que no é acompanhada por uma queda similar nas pontuagGes dos testes de aptidio ou de inteli- géncia; e se levamos em conta que as qualifi- cagées representam o melhor prognéstico da motivacio e do sentimento de eficacia dos alu- nos, o panorama nao é muito encorajador Avista de tudo o que foi dito anterior- mente, parece que as mudancas contextuais que a transi¢ao para o ensino médio traz con- sigo so menos convenientes quanto menos se ajustam as necessidades que os adolescentes tém nesse momento evolutivo, o que em parte justificaria a diminuigao da motivacdo e o au- mento das cifras de fracasso escolar que ocor- rem nesse segmento educative. A conduta dos adolescentes que abandonam o ensino médio pode parecer a de um consumidor exigente que recusa um produto que néo satisfaz suas ne- cessidades. Para muitos adolescentes, a transi- cdo para o ensino médio significaria um au- téntico ponto de inflexAo, jé que verdo altera- das suas trajetérias no sistema educacional pelas baixas qualificagées e pela falta de moti- vacéo para com a escola, o que pode levé-los ao fracasso escolar ou a0 abandono, com o que serao fechadas muitas das portas que os levariam a uma melhor adaptagiio durante a idade adulta. Apesar dessas dificuldades, no sio to- dos os adolescentes que se véem afetados da mesma maneira pela transic&o para o ensino 367 DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCACAO, V.1 médio, sendo muitos os alunos que nao expe- rimentam dificuldades. Existem diversos fa- tores que fazem com que alguns se adaptem melhor e mostrem uma boa trajetdria acadé- mica. Alguns dos fatores protetores esto li- gados as caracteristicas familiares, como uma boa relagdo com pais que apdiam a autono- mia ea individuagao de seus filhos e que se interessam e se envolyem em suas questdes escolares. Qutros fatores estéo na préprio su- jeito que realiza a transicao: uma alta auto- estima, um adequado sentimento de compe- téncia pessoal, ou. um bom rendimento esco- lar durante o ensino fundamental. Além dis- so, as caracteristicas da escola, assim como o comportamento e o estilo docente dos profes- sores, também podem servir como um impor- tante fator de protegao.

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