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Comego do século XX 156, Kazimir Malvich, Qurao Pret, 1914-15, éleo sobre tla, 80 80 em, Galera Tretyakov, Mascon, Foto Sociedade para # Cooperasia de Estados Russos © Sovisticoe, CAPITULO 3 ABSTRAGAO Charles Harrison Abstracio, figuragio e representagio Abstetoe abstragio [Este ensaio se ocupa primordialmente do surgimento de formas de arte abstrata na Buro- pe durante a segunda década do sseulo, ede alguns problemas de interpretagoeavaliacao {que elas susctam, Fala sobre "surgimento” €afirmar que estas eram de algum modo for- thas nooas de arte: No deviclo momento considerate ahatureza dessa novidade e exami- ‘aed algumas das revindicagGes felts em prol da arte abstrata nical. Mas para entender ‘significa dessasreivindicagies prelsamos primero avalar o que esté envolvido, num ‘momento particular da hst6ria, na reunigo dos termos “abstrato™e “arte” ‘O termo abarato” éhoje amplamenteusado,e desde o comego do século XX fi apli= ‘ado como um rotulo para mutlas formas diferentes de arte, a parte daguelas que coms tituirao o tema principal deste capitulo, Quando se escreve sobre arte termo telacio- nado “abstragao” tende a ser usado em dais sentidos correatos mas distintos: para refe- Firse, no caso de certs obras de ate, 4 propredade de serem abstratas ou "ndo-figurati- ‘ass para refert-e ao process pelo qual cetos aspects dos temas ou motivos sao enfa tizados nas obras de arte em detrimento de outros. “As ilustragbes 156-161 mostram exemplos de arte abstrata da década de 1910 a 1920, produzidos por artistas de extragSo russa,checa, holandesae sige. Ao descrever ess05, Boras como abstratas estamos subentendendo que seja qual for sua aparéncia,aquilo com, {que elas se parecen no deve ser explicado por referencia a um tema representado, Ape: sr de algumasdiferengas evidentes, elas tem iso em comurn, ‘De fato, embora no uso corriqueiro nos refiramos a obras como “abstratas” na ausén- «ia de qualquer semelhanga evidente com 0 mundo, pode acontecer de uma obra ser Vista ‘como abstrata nao tanto porque ndo se pareca com nada, mas porque seu tema ou mot- Vo é diffell de Kdentificar Esso pode ocoreer porque um processo de abstragao levou 3 $upsessSo de certascaracteristieas faciimente reconheefvels do tema original. Em 1932, 0 pintor inglés Paul Nash se refer a Pablo Picasso come “o maior de todos os pintores bstratos® (Nash, "Abstract ar"; ver ilusteagao 162), Podemos chamar esse de um senti- do fraco” de abstragto que, de acordo com 0s eriérios mais rigorosos que sero api “acl neste ensaio, naa se poderia dizer que Picasso fez nem sequer uma pintura absta- tadurante sa longa atividade como pinto: Por outro lado, 0s processos de abstrasSo que tle praticava sobre seus temas eram masta vezes tals que tornavam difcl perceber exa- tamente como esves temas eram representados em seus quadsos.F fil ver que uma pit tura como Vilonis de Picasso, do verdo de 1910, poderia ser entendida como abstrata esse sentido fraco (ilustragio 163). Por comparacio, a obra mostrada na ilustragio 160 poderia ser chamadla de abstata no sentido forte do termo: isso quer dizer que ela uma {bra que nao tein nenhuma pretensdo aparente a ser um quadro de een ou pessoa. Ela ‘Se apresentasimplesmente como uma “composigao" Como veremos, e como a Viainiste de Picasso ajuda a mostrar, os sentidos fracoe forte de abstragio so ligados tanto em termos priticos como em termos de historia da arte 186 Ansteaco 157, Vasily Kandinsky, Pinta co man ‘Moderne, Cente Georges Pompico, vermeli, 1914, leo sobre tla 130 120 can. Musée National Art (doacio de Nina Kandinaky). © adac, Parise oa, Lond, 19, _ABSTRAGAO. FIGURAGAD EREPRESENTAGRO 187 158, Hans Asp, Calagen, 1916, colagem, 1189 cm. Osientche Kenstammlung, Bose Cortesia Fondation yp. Dc, 198, 158, Frank Kup, Kole plac I (Plans vets 1h, 19121815, 6lo sobre ela, 200 18 em. Galeria [Nacional Praga. © apace, Patise DACs, Landes, i 188 Anstracho a com tir de mara na mange intron 1 ie um Nova York, 129, Foran The Solomon RGuggenncim Foundation, DAC 193. 190 assTeaGAo 162, Pablo Picasso, joven dite {expt manga de 1982, leo Sabre toa, 162 130m, Colegio, The Museum of ‘Meader Art, Nova York, dogo ds ra, Simon Guggentcin, Foto Said Suna © OCS, 1958 Embora um dos aspectos persistents da obra cubista de Picastoe de Braque do periodo 1910-12 fosse que suas referencias igurativas muitas vezes eram dilficei,e ocasionslmente Impossvels, de recuperat, essa dificuldade se combinava com uma pode7osafascinacio ‘ecom um sélido estatuto de vanguarda. Essa combinagio encorajou numerosos escrito res earlistas a considerar a possiblidade de uma pinturainteiramente nao-figuratva, 00, ‘como Guillaume Apollinaite sugeriu, uma pintura “pura” (Apolinaire, “On the subject inmodem painting’), Embora Picasso e Braque se distanciassem decsivamente da fon teira da abstragio, a maioria dos artistas associados a0 desenvolvimento da arte abstr ta entre 1912 e 1920 passou por algum tipo de aprendizagem nos esilos etenias cubis tas durante os dois ou tr€s anos precedentes. Por exemplo, tanto Planos verticals de Kupka como a colagem de Arp de 1916 poderiam ser vistas como formas de pintura "pds cubist’ (lustragoes 158 159). Num texto ce 1912, o pintor francés Robert Delaunay se referiaa seus quadros de janela desse ano como formas de “pintura pura”, embora eles revelem claramente uma estrutura de planos facctades que tem um cardter inteiramen™ te cubista (Delaunay, "On the construction of reality in pure painting” ver dustraglo 164). ‘Oenfraquccimento do intresse de Mondrian nas entio recentes pitas cubistas de Bra ‘quce Picasso ~e se estdo durante Virios anos do que ele via como as implicagoes des- Sas pinturas~ ajuda a explicar o desenvolvimento pata aabstrasio “pura” sgerida pela Seqincia de pinturas mostrada nas iustengdes 165 2169, -ABSTRAGAO, FIGURACAO E REPRESENTAGAO wt 163, Pablo Picasso Le Guteriste (Wisionsta, verao de 181 leo sobre tela, {00x73 cm. Musée National a’Are “Masdeme, Centre Georges Pompidou, Panis Bosc, 1955, 164, Robert Delaunay, Janey, 191, encustica sobre {ela A070 cm_ Colao, The Msseurs of Modern [Act Nova York The Sidney and Flare Janis (Cetin. © aac, Pais 04s Landes, 1993 192 AsreagAo 145, Pit Mondvian, Mar ao po, 108, leo sobre crt sobre panel, 8x75 em, Colegio Hans Gemecntemseum Hata © D4, 1995, 166 Piet Mondrian, O ma, 1912, leo Sobre ela, 82 9 ci, Colegio particular, Basile, DACs, 193, [ABSTRAGAQ FIGURACAO EREPRESENTAGAO 167.Piet Mondeian Plere oamy, 191 Sidney Janis Gallery, Nova York © 0 cares at aL 168, Plet Mondelan, Composit 10 (Compesigo 10 (Pie Sobre ela, 85x 108 cm. Rismuseurt Kiser Mille, Otero Done, 188 no), 195, deo oto fom Haaren 194 168, Piet Mondrian, Composite in srt en wit (Composias em line Prt brane), 19161, ‘leo sobre tl, 100 100 ex, Rijtemuseum Krdiler Milles, Otterla. Foto: Tom Hatsen, Douc, 1955, Por outro lado, é importante ter em mente que, embora o cubismo tenha surgido no contexto de uma vanguarda parisiense, a grande maioria dos primeiros desenvolvimen- tos na arte abstrata ocorreu a alguma distancia da capital francesa, na Alemanha, na ‘Acstria,na Holanda ena Rusia. A arte abstrata no era simplesmente uma forma de con- ‘inuagio daquelatradigio modema que tivera em Paris seu centro durante o meio see Jo anterior. Ao contrivio a idéia de uma pintura “pura” ou sem objeto tendia a investir contra o sentido predominante da pintura francesa moderna, cuja forcaresdira em sua texploragio sofisticada dos problemas do realismo e da autoconsciénla na representasto figurativa, Certamente, essa tradigio era um recurso indispensdvel para todos os artistas envolvidos, mas ela fol estendida, diverificada e moditicada sob as diferentes eondigées hhistricas e intelectusis da Europa setentrionale oriental. A resoluglo desse proceso, tendo coincidido com o perfodo da Primeira Guerra Mundial, marcou 0 inicio do fim da dlorsindncia francesa sobre as formas visuais do modem Embora Pats permanecesse um centro importante até 0 comego da Segunda Guerra Mundial, no comego da década de 1920 a idéia do modeeno na arte e no design jé havia sido assoclada nas mentes de mai tos com a possibilidade de uma esttica universal, e portanto internacional, para a qual as formas de pinta abstrata forneceriam prototipose exemplos Abstragio e significado (© processo de abstragio enfatiza tipicamente aqueles aspectos da pintura que vemos ‘como formais.O artista Theo van Doesburg ofereceu uma demonstracio esquematica do processo de abstragso em sew livre The Principles of Neo-Plastic Art. iustzagio 170 mostra transformando por esgios um quadrofotogeafico de uma vaca numa espécie de composigio abstrata supostamente ao lestacar seus aspectos individualizantes © 20 ‘enfatizat su forma “essencial”. Hi algo de evidentemente absurdo no contraste entre 3 AISTRAGAO,FIGURAGAO E REPRESEVTAGRO 195 170, Theo van Doesbury, stich Tnfguration Eines Gegenstnes (Oe etticomente transforma), C1pt7 De Theo van Doesburg, Grandegrif der Neven Gsialondn Kans! (ines de re neplistia, Baukasbucher 6, 1055 Buuhaws-Atcis Beri. primeira e a ditima imagem de Van Doesbuirg. Fosse essa absurde pretendida ou ndo, 0 Contraste serve para demonstrat um ponto importante a respeito da arte abstrata em eral, ‘dos possiveis modos pelos quais ela poderia ser interpretada ou considerada significa- tive, um ponto ao qual voltaremos continuamente neste capitulo. No embate com for: ‘ak tradicionais de pintura, somos acostumados a ser capazes de comparar certas ima- fgens com o mundo, a perceber onde elas correspondem ou nao a aparéncas (ou a nossas Expectalivas), ea enfender tipos de intengao nas semethanas e diferencas resultantes Dada a seqhigheia das lustragdes de Van Doesburg, podemos realmente paticipar de uma forma similar de comparacso, Se somos informados dos estagjos intervenientes, podemos com bastante fecilidade “entender” a pinta abstrata como referida 3 vaca, Iso quer dlizer que podemos reconstrair para a pintuza um tipo de historia causal, que comega, por ‘um lado, com uma vaca real nd mundo e, por outro, com um conjunto de intengGes por parte do artista O processo de abstragio € por assim dizer, a seqiéncia de efeitos que Ensas intengbes tm sobre a imagem “original” da vaca, e a compasigio "abstata” final ‘Eo resultado, Ver a composigio como reerida A vaca é, portant, implictamente recon trule ama cadeia de causas,intengBes e efeitos, por mals estranhos que eles possam ter sido, “Mas se f6ssemos confrontados s6 com a ultima imagem da seqtiéncia (ilustracio 171 come bem poderia ocorrerno Museum of Modern Art de Nova York onde ests agora 4 pinfura? Possivelmente poderiamos ver nela sim padeSo semelhante a uma Vacs, mas na ausncia de seu titulo duviclo que fosse preciso muita coisa para nos persuadirmos de {que nossa percepcio era acidental, De que outro modo, entZo, paderiamos encontrar sen BE 196 AassTEAGAD 171. Theo var Doosbury,Composiio (A 2, 1917, leo sobre tela, 38x 6 cm. Coes, The Museum of ‘Modern Art Nova York Comp tido na pintura? A questio tem evidentemente relevancia pata interpretagdo da arte abstrata como um todo. De fato, a seqiencia de Van Doesburg apresenta um caso que & fenganosamente nitido. As ilustrag&es 165 a 169 podem se vistas como ikustrando uo ‘cess de abstrago similar, e, guiados pelo exemplo de Van Doesburg, poderia, portanto, parecer razodvel supor que Composig em inka de Mondrian de 1916-1917 & em certo sen tido uma pintura do mar. Mas supor isso seria pressupor uma cadeia continua conee: fando-a a pinturas anteriores. Esse nao é um pressuposto que se possa fazer com seu ranga, Nos anos 1909-14 Mondan também pintou quacos de drvores de moinhose de torres de igreja, Uma sogiéncia diferente de iustragoes poderia parecer conectar att ‘ma pintura a um motivo naturalist diferent, Se tivermos de abandanar a informagio que uma seqiéncia de ustragbes parece for- necer, deveriamos buscar outro modo de zemontar wma pintura abstrata ao mundo das coisas, e assim entender como ela foi moldada pelas intengoes do artista? Ou deveriamos fem ver disso buscar o significado nas relagbesinternas da propria pintura atentando as diferengas entre formas e cores da forma como poderiamos ouvir as palavras de uma lin ‘gua desconhecida, nao para converté-as imedistamente nos tems ce nossa propria line ua, mas para aleancar aque forma de entendimento que deve acompanhar qualguet ato te tradugso como esse, ua compreensio da gramtia televante? Ei vez de busear eta belecero significado da pinturasituando-a nem sistema de catsas eeletos, deveriamos ‘considera o significado como integrante daquele sistema formal que a pintara constitu? ‘Que esse segundo método pudesse ser uma forma apropriada de reaio arte nfo era {de modo algum uma iia nova no comego do século XDK. [4 em 1878 a pintor aomerica- no James MeNeil Whistler havia defendide sua prstica de inlitila suas pinturas "Nota nos’, "Haarmonias" ¢ assim por diante, com base no fato de que as formas que usava nao ram ditadas pela aparéncia das coisas do mundo, mas eram simplesmente as mais ade- ‘quadas &onganizagto de sua composiga (ver sistragao 172) F, coma vimos no prime! ro capitulo deste livo, no inal da década de 1880 e na décad ce 1891, cs simbolista fan ABSTRAGAO.FIGUBAGAO EREPRESENTAGRO 17 17. James Abbott MeNeil White, 1875, clo sobre painal, 6047 em. Dexter Fey fe ‘ceses estavam preocupados em afiemar a prioridade do “cubjetivo” edo “ideista” ‘0 “objetivo” 0 realista”. Como afirmous G.-Albett Aurier, escrevendo sobre Paul Gau- gguinem 1891: E necessfio que atinjamos uma posiao tal que nso possamos duvidar ‘de que os objetos na pintura ndo tenham absolutamente significado como objetos, mas Ssejam s0 signos, palavras, nao tendo em si mesmos absolutamente nenhuma importin- ‘da” (Aurier, “Symbolism in painting: Paul Gaugin”). Aurier parece estar dizenclo que, fssim como as palavras no tim nenfum significado intinseco por si mesmas, mas 6 emt virtue de stns possveisrelagbes mas com as outras, do mesmo modo as formas na pit {uta devem ser vistas como sgnifcativas nfo em virkade de sua cortespondéncia com cer te coisas no mundo, mas em virtude de seu lugar e fungZo na composigao individual. ‘A questo aqui ent no a de que idéias como essas tenham sido suscitadas pelo advento da arte abstrata, mas sim que aparencia da arte abstata lomou essas conch ‘bes ineseapaveis De fato, hi uma conchisao mais forte a ser extraidl, se invertermos 05 termos da alirmagio. Sea idéia de que a lingua € am sistema autOnomo de signos no tivesse se tornado inescapsivel, provavelmente nao teria sido possivel conceber uma ate strata que “significase” realmente alguma coisa. Arte abstrataelinguagem, Precisamos lembrar que a indagagio do significado sempre se reduziré em algum ponto ‘uma incagagdo sobre a natureza da propria linguagem. Mas, ao considerarse a arte Abstrata nical, deve-se ter em mente uma reserva importante. Embora no inicio do ssc- To Xi alguns attistase eseritores tenham proposto analogias entre arte abstrata e lingua [Notumo em pr cour. © opus cent, {© The DetotIntitate of Art. Doagdo de 198 ABSTRAGAO _gem, particularmente na Rilsia, ssas analogias nfo foram buscadas por um interesse na Fedugio dos esos esignficados artistas a posigbes e formas verbal especificdveis, ou [porque algima redugie desse tipo estivesse em perspectiva, De fato, como suger, trata- ‘vase exalamente do contrério, As analogias eram possbilitadas por um novo entendi- ‘mento do carster formal da linguagem ~ isto é, por uma concepeao da linguagem como lum sistema de signos autSnomo, que era nesse sentido coerente com a aie tal como 0s simboistas e depois os formalistasrussos a conceberam. E verdad que todos os tipos de representacio humana podem ser vistos como orde- inados de acordo com algum sistema. De fato, chamar um objeto de nossa experiéncia de tima forma de representagio € dizer gue podemos percebé-lo niima forma de ordem ‘als intencional; ou sea, uma forma de ordem que é sigificante do designio humano e canteen termos humanos. "Termos humans" sao inescapavelmente os termos da nguagemn humana, Mas daf nio decorre necessariamente gute as formas na arte s50 como palavras, ou que elas sio ordenaclas como as palavras, ou que elas estdo numa cor respondéncia uma a uma com palavras dadas. Eas nlo est sujetas ao mesmo tipo de ‘egras gramaticals nem aos mesmos prineipios de coeréneia no Uso, © N30 se agrtupam para formar declaragSes ou proposes lingtisticas. “Tentare esclarecer minha sitima airmagéo por meio de um exemplo. Na linguagem verbal, seem inglés dg [cdo] nem sempre significa um animal de quatro patas com Fabo, ‘uttos significadas deste tipo que a palavra pode receber si0 autorizados por sma ‘onexio metaféria ou de otto po com esse ka ~ como no verbo "to dog”, que signifi ‘a "segutir™ De fat, poems dizer que chamat “de” uma palavra érecomhecee que sas ssociagbes nao podem ser dissolvidas ou desaprendidas intencionalmente. por essa trzdo que eu posto ter confianga de ser geralmente entendido quando escrevo sentenas ‘como "Um spaniel & um tipo de cio [dog], "Ele segs [dogged] a pegadas dela”, Mas Juma das Ties da arte moderna como um todo foi gue, embora as formas na Pintura pos ‘sam assumiro cardter de uma rvore, casa, figura humana e assim por dante, a possibi lidade de significado nao depende da mesma forma e da mesma cor sempre com 2 mesma gama de associagies. Ao contro. Uma das eondigbes da variedadle ¢ com plexidade de significado na arte & que um citculo vermelho numa pintura possa ser bastante livre dessas asociagSes ~digamos, com semforos ou com Perigo ~ que S80 Pra tieamenteinescapaveis em outa. Dal no se segue que o significado € arbitrario,no sen- tido de ser independente de qualquer precedente ou referencia. Nem que o significado na ate sejaindependente de quadros de idéias e conceitos como os que investem nossa lin- {guagem, Estamos dizendlo apenas que a arte naa significa” exatamente da mesmo modo ‘ome o significa ¢ transmitido na linguagem escrita ou falada EssGncia, expresso, espiritualidade Como o exemplo de Van Doesbung sugere, a idia de abstragio como um processo tende a envolver um tipo de essencialismo: até pelo menos a metade do século XX, aadesio 3 tendéncia abstrata na arte moderna ~ pelo menos em seus aspectos mais claramente sgeométricos tendia aacarretar a crenga de que uma forma mais pura, mais elevada ou ‘nas profunda de reaidade ¢ evelada através da eliminagio dos aspectos acidentais ¢ “nestencials” das coisas. Esse ipo de essencalisma extra sta justificagao aida plat- rica de que hi entidades fundamentais ou tniversais das quis as coisas com que dep ramos so simplesmente exemplosimperfeitos ou impuros. No comego do séeuld XX, for ‘mas espirtualisas de neoplatonismo entraram em moda durante um breve perfodo nos ilo artistcos. A atvidade da arte abstrata era, portanto,associada por muitos de seus primeiros praticantese defensores a uma espécie de “ver através"; ida de que o artis: ta € aquele que penetra 9 véu da existéncla material para revelar urna realidade esprit cssencial e subjacent. 'Nos primeitos anos deste século, tanto Kandinsky como Monelrian foram atrados pelas ideas dos teosofistas, que ensinavam que os seres humanos evoluem dos nets fs fos de exsténcia para os esprituas,e que certas les fundamentais, ocultadas da massa ‘Sa humanidade, so reveladas por iniciados como 0s flgsof0s, os fundaclores de religides ARSTRAGAO FIGURAGAD EREPRESENTAGRO 199 = talvez— of artistas, Por volta de 1915, Mondrian também fl fortemente aftado pelas feorias neoplatonicas do matemético Dr. Schoenmackers publicadas naquele ano. Ao ‘mesmo tempo, na Riss, Malevich estava interessado em especulagdes preudocientifi- cas sobre a quarta dimensio, ” [Nao ¢ difeil ver como o” desenvolvimento da obra de Mondeian pode parecer a um cessencialista uma busca gradual daguela realidade universal que esta supostamente fescondida no acicental. Numa nota de rodapé a seu primeiro ensaio sobre arte publica- ‘do, © pisprio Mondrian caracterizava explictamente 0 artista como um tipo de medium para a expresso do universal Em todas as épocas o artista perce o que & sempre una tno cote em toda a coisas & através dela: nna singular esa desperta sua emnoglo, emibra sua percepeao dela mu. ssn imutvle singular ble ¢o posto do qu carctvza a coos come cost 0 universal se manifestando através dels. Conscente ou inconscentemiente, os artistas se empenham fem expressar plasticimente o oposto do que pereebem Visualmente ~é por sso quea obra {de arte tio dstintamente out que a natures (onda, “the new plastic pong, pH, ros do oil) Se nessa visio seatribui ao artista um tipo de fungie profética, também se aribui a ele ‘uma responsabilidade especial, Sua prica deve ser exemplar e sintonizada com o ais alto grat A circulagdo dessas idélas (por mais excéntricas que elas possam parecer) nos primeiros anos do séeulo talver ajudem a explicar 0 poderoso sentido de missao que & transmitido pelos escrtos ce Kandinsky; Mondrian e Malevich, Dada a uilidade daa logia entre composigio absteatae gramatica, e dado que invocar a gramtica invocar tuma condigdo bisica da expressio racional, no deveros esquecer que cada um dos principais artistas envolvidos no desenvolvimento iniial da arte abstrataesteve envol- ‘ido em algum periodo de sua formacio com idéas neoplatinicas e misticas~0 que quer ‘dizer nio-acionais, (Devemos set advertidos pelo exemplo da escolha ce Van Doesbug. Por que razio uma vaca? Que uma vaca mais cm conjunto de ilusdes neoplaténicas slovan resultae numa pintura abstrata no é afinal de contas, uma ida rina) Estilo esignificagio claro que nem todas as formas da ate abstata nial pressuptem que um ponto de ‘vista neeplatbnico ot eosin sea plasivel. Nem se trata de que ver uma obra de arte ‘como abstrata sea necesnariamente comprometer-e com o essencialismo, Nao €exclie todos os outros ineresesnaguilo com que soba se parece ou em como ela vio ater a spardncia que tem, nem é necessriamente near que possa aver outras ategorias nas chai erat obras abstrataspoderiat ser situadas deforma mas frutfera, Matta vezes Ser mais informativoatentar as diferngas maternis entre obras consideradasabstratas do que perceber aquea evng de referencia gurativa que elas posar ter em com Se quisermos disctiminarente alas obras que atendem aos fequsitos de abstatas, Dreciaremos de uma game de sbcategoias apropriadas nas quai situ-as também Le rotulos para exea eategorias. Por exemplo, se qulsssemoscategorizarPintura com ‘nano cera de Kandinsky Gistrago 157) como tm tipo de obra expressionist e Pl dhe seria de Rupa e Comps 1916 de Mona de 1916 (ustragbes 158 © 160) ‘como exemplos de "pés-cubimo" emboratalvez preisssemos prossegur para testat melhor a propriedade dessa designagies,teviames, nfo obstante sugeride bases para possveis distingbessigniicantes ene an obras em questo, Da mesa forma poderfar fos contrastar a qualidade felativamenteintegrada e “integral” [all-over] do Mon- dian com os rites dramicor eas mangos abruptas de textura na pinta sem Kit Jo de Rodchenko de 1920 ilustraio 161), «30 fartloestaiamos efetivamente respor- Ando dferengu maradas nos objivoseabordagens dos dois artistas. Mondrian est- Sr declaradamentepreoeupado em "manifesta @ spiritual, portant 0 divino, © une ‘ersa” nua epoca que a Europa estava imetsa na Primeita Guerra Mundial (Mon- Usion, carta a Arde Meester Obree,fevereio de 1915) O ruso Rodchenko, por outro Indo, estavacomprometido com a diveo da “obra matevaista constutive para fins 200 ABSTRAGAO ‘comunistas” nos anos imediatamente seguintes & RevolugZo Russa (“Programme on the First Working Group of Constructivists, 1922) e portanto com uma oposigio determi- nada a tendéncia universalisae idealista na arte moderna. [Nilo pretendo dizer que podemos “ver” (no sentido de compreender) imediatamen- tea diferenca de posicio lilosotica ou politien quando vemos (no sentido de pereeber ou ‘observar) a5 diferonas estilsticas entre as dlas obras, Mas podemos com seguranga Supor (I) que as dferengas que observamos tém causas, ¢ (2) que entre essas causes estardo diferengas nos objtivos e crengas, alguns dos quais bem podem ser objelivos ¢ ‘rengas relativos a fungao da arte, ao desenvolvimento da sociedade humana e asim por lane. Uma pessoa que acredite sinceramente que principio organizador da existencia Inumana deve ser descoberto num paelrio de les edsinicas e verdades esprituais prova: vvelmente se comportaré de modo diferente, sob certas ecunstancias, de alguém que ace dlitesinceramente que o padrao dinamico da vida humana ¢cleterminado pela kata histo- rca entre as lasses, out de outra que aeredite que a exstencia humana ¢ definide como A interacio de necescidades impulsos bioldgicos basices. Toda agao& de algum modo Afetada pela renga, E tambeéim verdad que uma pintura composta de horizontais everticas tragadas com, sigua é de um tipo diferente de uma composta de linhas e manchas decor feitas mao livre. Essa diferengas estilisticas se velacionario de algun modo a diferencas de crena, AG se falar de significado, essas elagbes terdo importancia consideravel, Todavia, no se segue dai que postemos simplesmente entender uma forma de visio de mundo das linhas tas e outra das linhas tortuosas, ou uma das composigbes harmoniosas e otra das com posigbes dindmicas, Nio é simples substitu as formas artsticns ou trad las nos adj tivos que usamos para descrevé-las. Os significados espectivos de uma pintura peta © dle uma pintura branca nao devem necessariamente ser traduzidos do mesmo modo ‘como usamos “preto”e “branco” para descrever efeitos contrastantes, Representagio,figuracio e 0 nio-figurative DPinturas como Compusigio 1916 de Mondrian, que sio abstratas no sentido forte do termo ‘© que no podem ser comparadas direlamente com nenhum tema identificdvel, 0 as vvezes descritas como “nio-representacionais” (ocasionalmente “nio-representativas”) ‘ou “nio-figurativas”,Fsses s40 ambos termos que foram usados como alternativas & “abstrato". Creo que o primeiro confusoe deveria ser evitado, Pensarem obras de arte abstrata como coisas que nao representam é limitar as pengantas sobre representagio & _Petguntas sobre com o que a obra ce arte se parece. Embora se possa argumentar que a= ‘bras de arte na tradigao ocidental tenham tendido em sua maior parte a representa seus temas assemelhando-se a cles de alguma maneira, essen € de maneira alguma o dnico ‘modo pelo qual as obras de arte postem representar como veremos, Na verdade, are vindicagio de significado na arte abstrataexige que nds sustentemios a possbilidade de representago na auséncia da semelhanca; pois se nio pode haver nenhuma representagio sem semelhanga,entio a orem pictérica da pintura abstrata deve ser vista como mera. ‘mente acidental, e portanto coma insignifcante~ sem significado ~ em termos humans ‘Uma reivindicacio persistnte da teoria simbolistano final do séeulo XIX era que 0 papel dda semelhanga era Superestimado nas visdestradicionais do significado na arte, e, mais, ‘que esa superestimagso acarelara a subestimagio ou até mesmo a supressio das fangoes temocionais da arte. No comego do século XX, os erticos da tradigao moderistatendiam 4 vera arte abstrata como corretiva dessa tendéncia. sso quer dizer qe eles a viam tanto ‘ome estimuladora da valorizacio das tendéncias “puramente formais” ¢ “emocionais™ dda arte anterior, quanto como demonstrativa de quanto do significado e do valor da arte fem geral se deve afatores outeos que iio aqueles que setvern para garantit um sentido dle semelhanga com coisas da mundo. ‘Como vimos no primeiro ensaio deste Livro, no comego do século XX os artistas, r= ticos e espectadores de conviegdo moderista comecaram a expressar uma forte pre feréneia por aquelas obras que eram Vistas por eles como enfatizadoras de aspectos for ‘mais, como personificadoras do que eles consideravam ser uma visio “primitive” ou _AISTRAGAO,IGURAGAO EREPRESENTAGO 201 173.Vincent var Gogh, Jove de aco, 189, leo 174. John Byam Shaw, 1900 Agueredos Biers, 1901, sol ela 6x 45.cn, Natonal Gallery of Art leo ste ea, 1276 em, Biminghan City ‘Washinglon Chester Dale Collsction 19831030 (1684). Museum and Art Gallery. ~aligta, as come Joem de branes de Van Gogh istragio 173), {ger modo de formulélo estavia necessariamente imune a objec. ‘Uma nota sobre a arte abstrata em sua época Como j vim as evidéncias so de que o problema do valor da arte abstrata era uma ques= to pertinente em particular a prética de arte europeia no inicio do séeulo XX. For que nesse ‘momenta? Algumas pists para tima resposta podem ser extmaidas da discussio anterior ‘our seja, da andlise da telagio entre absteagao endo-figdragso, No final do séeulo XIX, a x tica prtica da configuragio a critica da ilusio e de tudo que as téenicasiusionisticas costumavam fornecer& arte dos Sales ecademias europeus ~ tenia com feqiténcia para a abstragio. énfase na “pureza” potencial da forma era tanto um meio para desafiar as tradigdes classicizantes em seu proprio fundamento neoplatonico, como um meio de dleprecaro superfcialmente descnitivo, oimitativo eo anedbtico. Coincidentemente, aidéit, ‘le uma realidade universal esubjacente servi 20s simbolistas como um tipo de contras- te eritico para a incdmoda exigencia de verdade nas aparénias. Nesse meio tempo, a idea cde uma verdade espritual servia a alguns como uma luz pela qual eles viam revelado 0 «que tomavam pelos valores genericamente materialistas do mindo contemporaine, As jsificativas da arte astrata inicialrecorram nao a6 a eftcas bem exercidas das formas tradicionais, mas também a uma literatura variada de pensamento “antimaterialista", para qual os filésofos Schopenhauer e Nietzsche, o compositor Wagner, © poeta Mal- larmeé, os misticos Ouspensky’e Madame Blavatsky’ inimeros outros haviam contribu do de varias mancias, embora nio igualmente. Nos primeiros ancs do século esse ant- ‘materialism ganlhou um feigioutspica, sso que dizer que eleestavaassoctado a um ideal positive do potencial humano e da sociedade humana. Numa década que inclu wma {guerra mundial, uma revolugao fracassada na Alemanha ¢ uma bem-sucedida na Russia, ' novas formas de arte eram assocladas a formas otimistas de oposigo 8 ordem social ¢ politica predominante, embora gevalmente no a0 socialismo organizado, |ABSTRAGAO,FIGURAGAO EREPRESENTAGAO au 181. Geonge Grose, Leche der Dichens Ponsa (Proc aera, dedicate a Oscar” Paniza), 1917-18 leo soe tla, 140 10. Stnaagalerie Stuart. OAC, 1983. [Nao pretendo identificar o surgimento da arte abstrata com um vago “espitito da <época” —embora esta identificagio fosse certamente feta por Worringer e Kandinsky, etre outros. Nem quero suigete que as pinturas abstatas eram as tnicas formas atist- ‘cas modernas nas quais e expressava essa oposia ‘0s dadafstas em Zutriqa, Berlim e Nova York mont de ataque aquelas nogbes de ontem, decoro, composigio gosto que eram associadas 3 pritica convencional da arte (ver ihstragBes 18] e 182).O que podemos dizer éque aidéia {Se arteabstrata a visio de uma estetica universal ede sa extensi potencald "vida 22 Anstaachoy 189, Francs Pai, La Sunt Verge (A Virgen Sent, julho de 1900 Bibliothaque Liséraire Jacq Doucet Foto Lalance. © apact/snosse Parise Das, Lanes, 198, LA. SAINTE.VIERGE,

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