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RABALHOS DE MESA Glhares / Te 62 Palavas-chave: trabalho de mes, nostra, $A MESA PARA A CENA? Ricardo Kosovski Doutor em comunicagao, encenador, professor do ‘Teatro ‘Tablado, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro ~UERJ e membro de corpo editorial da idernos de Teatro Resumo: © trabalho de mesa como etapa de preparagio da cena, Lugar de apontamentos e criador de potencialidades estéticas. A andlise coletiva do texto teatral. Es construgio dramati co de mediagio que busca aprofandar a a do texto ¢ os lagos pessoais da equipe de criasio e elenco, Breve reflexio acerca das ayes prioritérias para o processo de construgio teatral e suas respectivas énfases: texto ou cena? A mesa ‘como acento na pritica rellexiva da montagem, trabalho de mesa como abertura do processo de encenasio de uma pega te atral éum procedimento que se afirma a partir do principio do século XX, com a modern dade, unto &instalagio do encenador como orga nizador princi ‘momento bastante importante, sobretudo no que diz respeito as montagens que se baseiam em dra maturgias previamente escritas, E um recurso ante rior & sala de ensaios onde trocas se estabel mentor da escrita cénica. E um em, de modo a provocar estimulos que subsidiario a ‘mist-en-scéne. Funciona como lugar de apontamen- tos, criador de potencialidades estéticas. E onde se reflete, se imagina, se projeta. Espaco de ajustes, acordos, experimentos, questdes,ideias. Tudo no entomo de uma mesa, criando-se uma ambigncia cem que resolugdes futuras, na sala de ensaio pro- priamente dita serio amparadas por essa etapa pré- encenatéria Exerce papel fundamental para o elenco de atores, pois € onde pode ser praticada a génese da atuasio, convencionande tempo, lugar ¢ a busca de compreensio des personagens na agio drama: tica, Através de leituras, os atores ativam pistas de significados possveis, Com tentativas de vocal zasio, como processo de aprendizagem do texto antes que 2 entonagio, a enunciagio ¢ a marcagio tenham sido fetas,estabelecem progressivamente ‘os primeiros passos para a construsio da partitura vocal, Pode-se também intentar experimentagoes aque nada tém a ver com 0 compromisso de atin giro “tom corteto’ a maneita adequada de dizer 0 texto ou qualquer preocupagao com o acerto. Essas ivas de fala, que privilegiam a materialidade do texto durante 0s primeiros contatos. Sio exercicios de embocadura Experimentam-se oposiges de ritmo, de articula 540, de nivel sonoro,lé-se depress, devagar,grita 6, SUSSUETa-Se Lentam-se novas acentuagies ete 0 de exercicio do ator constitui “entradas” Ieituras constituem uma série de te no texto riando familiaridade com as palavras © trabalho de mesa também exerce sua vo «cago como uma proficua convergéncia cognitiva centre os realizadores cénices (disetor,atores, pro- dutor, cendgrao,fgurinista, aderecista iluminador etc.). E. um ponto de encontro da equipe, em suas partes ou em sua totalidade. Lugar de perguntas 20 invés de respostas. Uma espécie de ensaio para 0 ensaio Tradicionalmente, tem como énfase a andi to. A leitura deste pressupde um trabalho imagindrio de situases dos enunciadores verbais: citcunstincias, didlogos, agdo, persona gens, ideia, Lugar de tonalizagio que esclaresa a construgio dramstica, a apresentagio da fibula, a cemergénciae resolugio dos conflites A leitura em torno da mesa é feita buscando-se mentalmente a se coletiva di espacializacio dos elementos dinamicos do drama, para colocagio em relevo do esquema diretor da asio. £ um instrumente que lida nie exatam com a encenagio concreta, e sim com a situasio dramitica na qual texto toma forsosamente sen tidos, posto que jf esta tensionada em uma série depontos de conflite.A interpretagio do texto, em uma reflexio coletiva preliminar, desencadeia pro- cessos que liberam energias ¢ acontecimentos que, posteriormente, se reconhecerio na representagio. trabalho de mesa varia de acordo com os procedimentos de montagem adotados em um do tempo/espago. Dependendo do processo de trabalho que acentue mais ou menos a pritica direta no pal lidade que a andlise de texto proporciona, pode ter seuvalordeimportincia diminuido ouaumentado como fator de ingeréncia na construsio teattal Por outro lado, mais do que procurar no texto a tiniea fonte da realizasio cénica possivel - posi sao que equivale a fetilizar 0 texto e a fazer dele uuma garantia de uma suposta boa encenagio & preferivel tentar sobre as palavras escritas varias em detrimento da busca da raciona- copes de sentidos. Nio é que o texto teatral aceite uuma encenagio preferencialmente & outra, © que hi sio hipéteses dramatirgicas e cénicas concretas que questionam o texto, provocando revelagdes surpreendentes ‘A questio que se coloca ¢ a seguinte: 0 que € mais deflagrador num processo de montagem o texto ou a cena? £ claro que as respostas variam segundo momentos histéricos estabelecidos e/out processos de encenagio adotados.E frequentecon- siderar-se que a encenagio decorre diretamente do texto, no sentido de que a cena atualiza elementos contidos nos didlogos. até mesmo esse, no fun do, 0 verdadeiro sentido da expressio “encenar um textoem que se colocam em cena elementos que acabaram de serextraides e visualizados a partir do textolide. Neste sentido, o texto éconcebide como uum depositirio de sentidos que a representasio tem como missio decodificar e traduzi Para Hans“Ihies Lehmann, a encenagao ‘uma pritica artistica estritamente imprevistvel pela perspectiva do texto. Tal posigio nega qualquer li- gagio de causa e efeito entre texto e cena, atribuin do a encenagio o poder de decidir soberanamente suas escolhas estéticas. E, de fato, assim que agem rnumerosos encenadores, que preparam texto, mii sica, cenografia, atuagao, de maneira autSnoma e efetuam a mistura desses elementos na finalizasio do processo de montagem. Nesse caso, a dramatur- gia nio se beneficia mais de um est : rioridade ou de exclusividade, sendo mais um dos materiais de representagio, sem o privilégio de cen tralizare organizar 0s signos nio-verbais da cena. Independente de qualquer julgamento de va- lorem relasio ao texto teatral,no trabalho de se pode depreender, de um modo ou de outro, sen tidos que postulem proximidade ou afastamento entre texto e cena tuto de an Associa-se, em alguns casos, a mesa, no pro- cesso de montagem, a uma identificagio com certa tradigio teatral académica,o que far. muitos direto res, hoje em dia, desconfiarem deste procedimento. Na preparacao da passagem ao paleo, as redes de sentido que 0 trabalho dramattrgico estabelece ¢ entre as quais é preciso escolher, a mesa suger, segundo essa linha de pensamento, um risco de fe- chamento, de pré-determinagic, como uma limita ao da representagao futura em razao da instalaga0 dde demasiados anteparos. Para esse tipo de visio de ditegio, trabalho fisco-ativo no paleo implica outro olhar sobre o texto: © de uma pritica imedia- tamente preocupada com o espago e 0 corpo, cujas descobertas remetem posteriormente a0 text. Muitos diretores remunciam & mesa, essa premissa ddos ensaios que parte de leturas ¢ reflexses. A pro- posta é a passagem automitica & realizagio cénica, Agir antes de pensar. Essas priticas modificam a ideia que se faz da ordem imutivel da abordagem do texto e su- blinham a existéncia de uma relagio texto e paleo, alirmando que nem sempre o paleo necessariamente vem depois do texto, como pro: longamento, mas que as tentativas de sua apreen sio podem ser feitas De maneira geral compreend direta entre nmesmo movimento, sea sncenagio hhoje no mais como um processo exclusive de pas- sagem do texto 3 cena, Aceita-se bem sua poténcia 63 Glhares 64 come “instalagio’, ou seja, uma apresentagio de diversas prticas cénicas (luz, ates plisticas,impro- visases), sem que seja possivel estabelecer uma hiierarquia entre elas, e sem que o texto fa5a 0 papel de polo de atragio para o resto da representasio. Outra atitude, também comum na pritica contemporanea, é a recusa, por vezes até radical, do texto verbal. Neste caso, 0 teatro reside intera- ‘mente na ceriménia que se realza diante dos es pectadores, © texto é mais um dos elementos da representagio, geralmente de menor valor, Trata-se de experimentagies hibridas em que as possibi- lidades e investigas. espontineo, Os iniimeros espeticulos que se auto denominam esteticamente como ‘performances’ Sio os exemplos mais disetos deste fatoteatral Por outro lado, para encenagées cuja leitura ¢ conhecimento prévio sio imprescindiveis (ou por adotarem textos reconhecidamente clissicos ‘ou por serem baseados em personagens, situases ‘ou narrativas de conhecimento notsrio ¢ publico), a tese de Lehmann é mais dificmente sustenti- ss ocorrem de modo livre e vel, pois o espectador nio deixars de se interrogar sobre as rlagies entre a pritica atisica e 0 texto, _mesmo que apenas para se perguntar como a cena pode a esse ponto ignorar o que sugete para cle (publico) como texto, Neste caso, a tarefa do dire toréade se utilizar do trabalho de mesa como uma etapa de mapeamentos previamente percebidos no texto, para quealiseafirmem ousse transformem.A cdramaturgia, nestes casos, 6a origem da encenasio, Para Anne Ubersfeld (2005), a atitude classi- «a, “intelectual, que prvilegia a dramaturgia, vé a representacio como expressio e tradusio do texto literati. Tal atitude supée a ideia de equivaléncia semintica entre texto escrito ¢ representasao. Ela faz uma critica explicitaa essa ideia de equivaléncia, alirmando que o conjunto des signos visuais, audi tivos, musicas criados pelo encenador, cendgrafo, _isicos,atores, constitu uma pluralidade de sen- tidos que vai além do conjunto textual, Ubersfeld sugere que, dentro desta postica, ciada.apartirdes- sas injungGes signicas formuladas, muitos signos desaparecem ou se aderem a outros criando uma terceira coisa, ou simplesmente nio podem ser captados, apagados que estio pelo sistema préprio da representagio. Cremos que nao hé sentido em querer pren- der a encenagio em elementos potenciais ou su- gestivos dos textos, mesmo encontrando um indice textual no qual a encenagio pode legitimamente se apegar. Nao ha ‘pré-encenasio" previamente ins- rita no texto dramstico, Dai decorre que a postu- 1a interessante para 0 encenador ¢ equipe é a que no intenta um desvendamento dramatirgice, do ponto de vista de um possivel cinione autoral sim a que busca um olhar de apropriasio da matéria textual, tomando-se para sia tarefa de compreen- dela naguilo que ela toca o artsta-criador em sua petcepgio sensivel. Este posicionamento par Jarmente nos agrada, por transformar sempre em novidade o mais clissico dos textos, por conta de ‘© processo de apropriacao ser sempre uma letura original de camadas ocultas e/ou indeterminadas da escritura dramatica. trabalho de mesa, para além de posturas textocéntricas ou cenocéntricas, na. perspectiva analitica do texto, nao deve ignorar como centro de irradiagao a palavra como fonte de apropriag30 interpretativa, pois ali residem certamente pistas provaveis para um processo de construgio mental acerca da montagem a ser efetivada. A encenagio nio é ditada exclusivamente pela compreensio do texto, mas, por outro lado, tl letura sugere a colo casio experimental ¢ progressiva de situases de cnunciagio as quais prope perspectivas para pro- cedimentos de cena. A grande revelasio que pode produzir é justamente o anteparo epistemolégico entre a palavra ea encenagao possivel E bem verdade que a representagio imediata do texto no espago & revelia do trabalho de mesa desvenda dimensies que escapam 3 abordagem analitica, Esta, em contrapartda, revela redes de sentidos ¢ particularidades que nao serio todas ativadas pela representasio,seja porque esta nao as escolheu, soja porque nio teve meios de percebé- las, pois as vezes o texto também escapa ao paleo. Essas duas abordagens se completam ou se con tradizem, ¢ nio obedecem forsosamente a uma cordem cronolégica padronizada, © trabalho de _mesa, em certo sentido, busca a construsio de um palco imaginario ea ativasio de processos mentais ordenades num movimento que apreende o texto a caminho do paleo. © texto teatral ni fala sozi rnho, mas pode-se imaginar que ‘respond: pro posisdes do diretor,elenco equipe de ciagio que constroem seus sistemas de hipdteses ¢ teses. Como finalizagio, reiteramos que o trabalho de mesa, independente de énfases dramatirgicas cénicas no processo de eriagio teatrl, é um aplicativo que projetaa encenagao, criando devires. tanciona, conforme ja indicamos anteriormente, Referencias bibliograficas DE TORO, F. That smite text and aging in modem hes, Torn: UnierstyoTronta Pes, 1995, HODGE, E Ply desing: analysts, communication and syle. Nove entice Hall 1971 LEHMAN H. Tete pleat, Sto Paulo: Cosse Nal, 2007 AVIS, PA An de xpos. So Palo: Perspect, 2003 ROOSE EVANS, J Expert Brock Londres Rotledge 1989, that: fom Stnislaly to Peter Asonioetrn, Angel Dip © Gi Mair plac de Pinio Marcos, 2008 1 ome Ma como apontamentos para a montagem, vestigios de caminhos encenatorios, procedimentos de en atégias de ages para 0 processo, garimpo 38 estéticos, ponto de catalisasio ¢ de enconteo da equipe. E mesa é um acento na pritica rellexiva da monta sintese: 0 trabalho de gem nas camadas objetivas e subjetivas do texto ¢ da encenasao que podem, a partir dai, ser p mente questionadas, organizadas e am em suas potencialidades expressivas. O entorne de uuma boa “mesa’ pode se constituir num importan- te instrumento de estudos teatris, ¢ numa etapa fundamental de vivéncia do processo de criagio e montagem do espeticul teatral durecidas RYNGAERI;]. Pod d aera Sho Paloc Martins Fonts, 1995, Lerotet ipornes So Pala: Matis Fontes, 1958 UBERSFELD,A Peal re Sio Palo Pespectva, 2005,

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