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ArtigoTécnico Prof®. Msc. Carolina Albuquerque de Moraes Prof. Dr. Luiz Fernando Loureiro Ribeiro Intervencdes metdlicas em edificagdes de valor histdrico e cultural: estudos de caso de interfaces INTRODUCAO ‘As intervengdes em suas variadas formas como a restau- aco, revitalizagao ou reabilitagio séo cada vez mais comuns, principalmente em edificagdes antigas (tombadas ou nao pelo Patriménio Histérico) que tém que se adequar as atuais normas de acessibilidade, prevencao contra incéndio, reforgo estrutural ou a mudangas e atualizagdes de programa arquitet6nico. E importante analisar cuidadosamente a cultura ¢ as nor- mas de construgio locais, a histéria da construcio e seu en- tomo, suas novas necessidades, os contrapontos estruturais & arquitetdnicos entre o sistema antigo e 0 novo, o estudo do comportamento dos materiais, de suas interfaces e um eficaz planejamento do processo. ‘Quando se pensa em interfaces entre estruturas de ma- teriais distintos, a eficiéncia das escolhas feitas pelos profis- sionais depende também da averiguagao de alguns aspectos como: as cargas atuantes, 0s movimentos pés-montagem € deformagao lenta dos materiais, as tolerincias ¢ as juntas, os sistemas e dispositivos de fixagao, a tentativa de padronizagao 0 grau de dificuldade para fabricagio das pecas. Acstrutura metalica permite maiores vos que asestrutu- ras convencionais ¢ ao mesmo tempo leveza estética. Pode-se dizer que a “linguagem do ago” confere as obras preexistentes ‘um diélogo com a contemporaneidade. Trata-se nao apenas de inovagées tecnol6gicas, mas também conceituais. No entanto, 0 uso do ago em intervencdes tem se mostrado 38 Construgao Me Pinacoteca do Estado de Sao Paulo Figura 1: Vista frontal da Pinacoteca do Estado de Sao Paulo; Passarelas em um dos patios internos Com a finalidade de abrigar 0 Liceu das Aries e Oficios, © edificio objeto de estudo foi projetado em estilo neoclassico pelos arquitetas Ramos de Azevedo e Domiciano Rossi e teve sua construcdo iniciada em 1897 em terreno junto ao Jardim da Luz, em Sio Paulo. O edificio foi tombado pelo Conde- phaat (Conselho de Defesa do Patriménio Histérico, Arqueo- ligico, Artistico e Turistico), em 1982, ea grande intervengao da Pinacoteca de So Paulo projetada pelos arquitetos Paulo Mendes da Rocha, Eduardo Argenton e Weliton Ricoy Torres aconteceu entre 1993 e 1998, O objetivo primordial do projeto foi adequar o edificio as atuais necessidades técnicas e funcio- nais de um grande museu contemporaneo. s arquitetos propuseram manter o edificio sem o reves- timento das paredes externas e dos patios. E, como costuma acontecer nas mines, o estado inacabado e bruto dos materiais sugere uma experiéncia estética interessante. Internamente, climinaram-se 03 acréscimos herdados das iniimeras ocupa- 6es do edificio ao longo de sua hist6ria, Para sanar © problema da umidade, foram executadas clarabdias planas em vidro laminado estruturada através de uma grelha com “perfis-calha” de aco sobre 0s vazios inter- nos. Dessa forma, evitou-se a entrada de chuva e garanti se através da ventilacdo a reprodugio das condigdes originais de respiracdo do conjunto dos sales internos. Para solucionar os problemas de acesso e utilizagéo do edificio, estabeleceram-se novas relagdes de fluxo gerando maior dinamismo ao espaco. Foram criadas passarelas metali- ‘as que cruzam os patios laterais que reforgam o novo sentido longitudinal de circulagio. A entrada do museu foi transferida A segunda interface abordada acontece na estrutura de sustentagio da laje de cobertura do auditério. O conjunto cstrutural 6 composto por uma grelha de vigas metilicas de perfis I, travadas por um anel octogonal em perfis U enrijecido este 6 fixzado na alvenaria existente por meio de pinos meté~ licos soldadios nas faces externas das almas. O que torna essa interface de aco preexistente interessante & que sua solugdo considerou a alvenaria como se fosse solo, ou seja, como uma base eléstica, pois o cartegamento da laje é uniformemente distribufdo ao longo de todo o anel. (fig. 3). Figura 3: Gretha do auditério: A) planta esquematica da estrutura, 8B) detathe da interface entre a grelna ea alvenaria Centro Cultural Parque das Ruinas Figura4: A) Vista posterior do Centro Cultural; B) Fote intema do 3° pavimento © Parque das Ruinas é um belo mirante do Rio de Janeiro est localizado no bairro de Santa Teresa. A casa, atual centro, cultural, fi construida na segunda metade do século XIX. Apés a morte da proprietéria, em 1946, o casatio foi abandonado e entrou em processo de ruinas até a sua intervengio, elaborada pelos arquitetos Emani Freire e Snia Lopes (1995-1997). Hoje, a construcdo chama atencao por sua arquitetura de tifolos aparentes combinados com estrutura metilica e vidro. Alguns volumes como a fachada posterior e os telhados foram fechados sem perder a luminosidade e a atmosfera proporcio- 40 Ho Outro detalhe interessante na estrutura proposta 6a passa~ rela atirantada do volume de vidro da fachada posterior. Os qua~ tro tirantes que suspendem o patamar distribuem seu peso pré- prio e sobrecargas em diregao as vigasem que estao pendurados, bem comotodo o peso da nova estrutura é distribuido em pontos diversos da alvenaria e de forma distibuida a fim de nao preju- dicar as vergas de tijolos das aberturas,localizadas logo abaixo e que, provaveimente, nao suportariam tal carregamento. (Fig. 7. Figura 7: Caminho das cargas - corte transversal parcial CONSIDERACOES FINAIS A restauragio de um bem muitas vezes pode nao ser ne- cessiria quando existe conservacdo, Mas 0 que acontece em alguns casos, como ocorreu no Centro Cultural Parque das Rutnas, foi 0 abandono de tais cuidados logo apés a interven- cio. Essa situagdo poderia ser evitada com a introdugéo da fase de acompanhamento de uso no processo de projeto de Iintervengao. Além disso, uma metodologia de gestdo da qualidade em que existe a modificagio e readaptacdo simulténea de todos (3 projetos relacionados & obra de intervengdo em patriménio edificado ou mesmo a fabricagao de um as built apés sua con clusio, pode evitar possiveis enganos em intervencdes futuras ‘ou mesmo para melhor planejamento e execucdo de acdes de manutengio, comuns em bens de valor histérico e cultural Areversibilidade tio recomendada pelas atuais teorias do restauro pode ser dificultada quando se utiliza estrutura em ago com ligagdes soldadas em vez de parafusadas, o que é fre- quente nos dois casos analisados. ‘Outra questdo a ser considerada é a interagio arquiteto- -engenheiro estrutural, ressaltada por Paulo Mendes da Ro- cha na entrevista sobre o projeto da Pinacoteca do Estado de Sio Paulo e por Emani Freire na entrevista sobre 0 projeto do Parque das Ruinas. Tal relagdo entre os intervenientes do proceso de projeto pode resultar em uma boa gestao e, con- incipiente no Brasil. Os motives sio varios, mas o que pare- ce ser mais relevante 6 a cultura “patrimonial!” no pais, ou seja, a cultura da exaltagio do passado a todo custo, sema preocupagao de insergio do presente para o vislumbre e usufruto no futuro. ESTUDOS DE CASO Este artigo fundamenta-se na consulta e anélise de dois projetos de intervengao no Brasil: a Pinacoteca do Estado de Séo Paulo, na capital, e o Centro Cultural Parque das Rufnas, na cidade do Rio de janeiro. A escolha das obras objetos de estudo foi feita com as seguintes premissas: a solucio estética e estru- tural da intervengio em aco; 2 tipologia estrutural ¢ materiais de construgdo da edificagdo preexistente; os tipos de vinculo e transmissio de esforgos entre as estruturas. Serio identificados: seu comportamento estrutural, as interfaces entre estruturas de materiais distintos, assim como a anélise do processo dle projeto, a avaliago de suas qualida~ des arquiteténicas, construtivas ¢ espaciais. Tais informagdes foram baseadas na bibliografia utilizada, em entrevista com alguns dos arquitetos responséveis © em visitas in loco. Estas foram feitas através de investigacio exploratéria por meio de inspecdo visual e levantamento fotogréfico para fins de avalia- do pés-uso geral da edificagdo e especifico de suas interfaces estruturais, A avaliaggo do comportamento das estruturas e de suas conexdes foi feita através do estudo dos “caminhos das cargas” e da compatibilizagao dos materiais distintos. da Avenida Tiradentes para a Praca da Luz. © 2¢0 foi o material consirutivo adotado nas intervencdes com a intengdo de deixar claro o contraponto entre 0 antigo ¢ onovo. | Andlise das interfaces Duas interfaces de aco preexistente do projeto foram bem esclarecidas por Paulo Mendes na entrevista: 0 apoio das pas- sarelas ¢ a fixacdo da estrutura do auditério. A primeira, detalhamento da interface entre as passarelas de ago ea alvenaria de tijolos de barro preexistente, localiza-se nos dois patios laterais do edificio. Segundo o arquiteto, em vez de engastar as passarelas nas paredes, optou por simples- mente ap id-las nas lajes, objetivando uma melhor distribui- cao do carregamento. A estrutura de todas as passatelas inseridas no edificio & composta de perfis Lao longo de sua extensdo e que tem uma redugao na altura da alma ao aproximar-se do apoio (fig. 2). Figura 2: Corte longitudinal parcial: A) caminho dascargps nas passarelas; 8) interface entre passarela metalica e alvenaia existente dos patie lateraisdo 2 pavimento (desenho cedido pelo arquiteto) astra 39 nada pelo estado de ruina em que a edificagao foi encontrada, Além disso, 0 fechamento em vidro permite a relagao direta do interior com o exterior ¢ revela ao priblico a bela vista da cidade. © material escothido para as escadas e passarelas foi também 0 ago que, além de contribuir esteticamente, serviu para estabilizar a frégil alvenaria estrutural. Anilise das interfaces estruturals Aeestrutura de aco apoia-se na estrutura autoportante de tijolos de barro. Algumas ligagdes sao parafusadas, o que per mite a reversibilidade recomendada nas atuais cartas de res- tauro, Mas, em grande parte da esirutura, os perfis so chum- bados na alvenaria existente e soldados entre si ‘Além da estrutura metalica, 0 concreto também foi utiliza~ dona estabilizagao da estrutura existente, como ¢ 0 caso de uma das interfaces escolhidas para analise - a viga central composta de bergo de concreto armado entre dois pertis metélicos dobra~ dosem forma de U. Essa viga recebe grande parte das cargas do mirente e sua circulagio vertical, direcionando-as para as pare- des laterais do vo central. Dessa forma a parede de alvenaria, que se encontra logo abaixo, fei protegida. (Fig. 5). ig. Figura 5: A) Vista da viga composta no vao central; 8) Caminho das cargas - corte longitudinal parcial Essa mesma viga é fixada em suas extremidades através de chapas de aco com parafusos passantes, presos dos dois lados das paredes em que se apoia. A solugao aumenta con- sideravelmente a drea de contato entre a viga e a alvenaria 0 que facilta a distribuigdo do carregamento na mesma. Dessa forma, 0 detalhe da interface permite que a carga, teoricamen- te pontual, distribua-se uniformemente por uma considerdvel extensio (fig. 6) Figura 6: Detalhe esquematico da interface ArtigoTécnico sequentemente, em bons resultados em obras tao especificas como as de intervengio em preexisténcias. ‘A compreensio estrutural e do comportamento dos ma- tetiais por parte dos arquitetos é de grande importincia por resultar em uma arquitetura esteticamente interessante como nas quatro edificagdes analisadas. Pode-se concluir também que 05 artificios compositivos uutilizados nos projetos favorecem a linguagem arquitetonica do ‘ago e seu contraste necessirio coma estrutura preexistente. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1.CSEPCSENYI, A.C; SALGADO, MSS; RIBEIRO, R.T.M. (2006). Anélise do Processo de Projetos de Restauracao sob a Otica da Gestéo da Qualidade. X\ Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construido, Florianopolis. 2.FREIRE, E; LOPES, S, (1995). Projeto Arquiteténico Parque das Ruinas: Anexo do Museu da Chicara do Céu. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e IPHAN, Rio de Janeiro. B.FREIRE, E; LOPES, S. (1996). Projeto Parque das Ruinas: Anexo do Museu da Chacara do Céu. AP Revista de Arquitetura, n.4, p. 36-41, marJabr. 1996, Belo Horizonte. A.FREIRE, E; LOPES, S. (1997). Memorial Descritivo. Parque das Ruinas: Anexo do Museu da Chicara do Céu. Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e IPHAN, Rio de Janeiro. 5.GIMENEZ, L.E. (2000). Autenticidade e Rudimento. 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