You are on page 1of 13
REVISTA pt UGUES> CIENCIA CRIMINAL FIGUEIREDO DIAS CRIME DE HOMICiDIO PRIVILEGIADO ACORDAO DA RELAGAO DE EVORA DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 Se a vitima nao tiver sido quem praticou 0 facto determinante do estado de exaltagdo do agente mas sim outra pessoa alheia ao desencadeamento desse estado, aquele n&o pode ser considerado autor do crime de homictdio privilegiado, previsto ¢ punido no artigo 133." do CP, visto que para isso era necessdrio que existisse nexo de causalidade entre o motivo e a pritica do crime. Acordam na Secgiio Criminal do Tribunal da Relagdio de Evora: No Tribunal da Comarca de Sesimbra foi pronunciado no processo de querela, mediante acusagio do M.” P.°, Jilia, como autora de um crime de homicidio previsto e punido no artigo 349.” do C.Penal de 1886 n.° |, a data da prontincia, previsto e punido no artigo 131." do C.Penal de 1982. Efectuado o julgamento por acérdao do Tribunal Colectivo proferido a fls. 203 e seguintes, foi a arguida condenada pela pritica do crime de homicidio previsto e punido no artigo 131.° conjugado com os artigos 73.", n.° 2, alinea d), 174°, n.” 1, alinea a), do C.Penal de 1982, na pena de cinco anos de beneficiando de perddes que totalizam quatro anos e seis meses de prisio, A arguida foi também condenada a pagar a indemnizagio de 2 000 000$00 aos herdeiros da vitima Ana. A arguida recorreu da decisiio condenatéria, Cumpre apreciar e decidir, Esta Relacio conhece de facto e de direito, ao abrigo do disposto no artigo 665.” do C.P-Penal de 1929, entendido esse preceito, no que conceme 4 matéria de facto, de harmonia com a jurisprudéncia do Tribunal Constitucional © do STY definida nos Acs. de 15-2-89, DR, II Série, n.” 148, de 30-6-89, de 19-12-90, DR, Il Série, n.” 65, de 19-3-91, do primeiro, e de 22-1-92, BMJ, 413, 119, de 21-1-93, BMJ, 423, 365, do segundo. RPCC 8 (1998) 279 JURISPRUDENCIA_CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 O Tribunal Colectivo considerou provados os seguintes factos: — Cerca das 18 horas do dia 21 de Abril de 1979, a arguida foi informada por Maria, na mercearia desta, sita no lugar de Zambuja, concelho de Sesimbra, de que um tal Fernando, morador na mesma localidade, se andava a gabar de «se pdr nela» (arguida) — resposta ao quesito 1.°; — Por tal facto, ficou a arguida indignada e exaltada — resposta ao quesito 2.°; — De imediato, a arguida dirigiu-se a sua casa onde pegou na espingarda de caga pertencente ao entao seu marido — resposta ao quesito 3."; — Tal espingarda & que se acha examinada e descrita a fis. 107 — res- posta ao quesito 4.°; — Seguidamente a arguida munida da referida espingarda, dirigiu-se a casa de Amélia, esposa do tal Fernando — resposta ao quesito 5.”; —No caminho a arguida encontrou Ana a quem perguntou onde morava a Amélia, mulher do Fernando — resposta ao quesito 6.°; — A Ana respondeu que a Amélia nao se encontrava em casa, tendo-se colocado 4 frente da arguida — resposta ao quesito 7.”; — Nesse momento a arguida carregou a arma com dois cartuchos e empunhando-a a altura do ventre da Ana e a cerca de um metro e meio desta, disparou um tiro, atingindo a Ana na regido abdominal, postrando-a no solo — resposta ao quesito 8.°; — Eram nessa altura cerca de 18 horas e 30 minutos — resposta ao quesito 9.°; — A Ana foi no mesmo dia, internada na Urgéncia do Hospital de S. José, em Lisboa, onde foi submetida a diversos cuidados médicos — resposta ao quesito 10. — Nao obstante a Ana veio a falecer no dia 23 de Junho de 1979, de uma peritonite sobrevinda como consequéncia, directa e causal, das graves lesdes abdominais sofridas por forga do disparo efectuado pela arguida — resposta ao quesito 11.°; — Ao efectuar o disparo contra a Ana, a arguida sabia e tinha plena consciéncia de que de tal atitude poderia resultar a morte daquela e, ndo obstante, conformou-se com a eventual producdo de tal resultado — resposta ao quesito 13°; — A arguida agiu livre e conscientemente — resposta ao quesito 14.°; — A arguida é pessoa de forte moral irrepreensivel, possuindo formagao religiosa — resposta ao quesito 15.°; —— Goza de bom conceito social e profissional no meio onde se acha inserida — resposta ao quesito 16.°; 280 RPCC 8 (1998) a | RELACAO DE EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA — E pessoa de modesta condigao social e econémica — resposta ao quesito 17.°; — A data dos factos a arguida tinha boas relacdes com a Ana — resposta a0 quesito 19."; — Confessou os factos e mostra-se profundamente arrependida — resposta ao quesito 18."; — Na altura do disposto encontrava-se extremamente exaltada e indignada — resposta ao quesito 20.°; — Encontrava-se nesse estado devido ao facto de se ter sentido atingida na sua honra e dignidade pelos factos que Ihe haviam sido contado pela Maria, atras referidos — resposta ao quesito 21.°; — A Ana deixou marido e filhos — resposta ao quesito 22." — A Ana esteve internada no Hospital desde 21-4-79 até ao dia em que faleceria em casa (23-6-79) — resposta ao quesito 23.” Nao se provou 0 quesito 12.° Considerando que: — as respostas aos quesitos no se encontram deficientes, obscuras ou contraditérias; — nao se mostra indispensavel a formulacgao de novos quesitos; — nao constam dos autos outros elementos de prova que interesse considerar e que conduzam 4 alteragéio das respostas aos quesitos; — nao se verifica erro notério na apreciagéio da prova; ‘Tendo presentes as regras da experiéncia comum, esta Relac&o, conhecendo de facto, d4 como provado a factualidade descrita. A descrita conduta da arguida integra o crime de homicidio voluntario previsto e ‘punido no artigo 349.° do C.Penal de 1986, cometido com dolo eventual. Aquando do julgamento na 1." insténcia vigorava o C.Penal de 1982, constituindo a mesma conduta o crime de homicidio previsto e punido no artigo 131.° desse diploma. Nos termos do n.” 2 do artigo 6.° do C.Penal de 1986 devera ser aplicado © regime mais favoravel a arguida. Cominando 0 Cédigo de 1886 a pena de prisio maior de dezasseis a vinte anos e 0 Cédigo de 1982 a pena de prisdo de oito a dezasseis anos, € mais favoravel o regime do Codigo de 1982, que o Tribunal Colectivo aplicou. E, considerando 0 forte valor atenuativo da culpa da arguida face ao estado de exaltagdo em que se encontrava e ao decurso de mais de treze anos no momento da condenagao na 1." instancia, entendeu-se ser de atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73.°, n.° 2, alinea d), 174.°, RPCC 8 (1998) 281 JURISPRUDENCIA_CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE_1997 n.° 1, alinea a}, do C.Penal de 1982, graduando-se a pena em cinco anos de prisio. A arguida, ora recorrente vem pugnar pela aplicagdo da pena cor- respondente ao crime de homicidio privilegiado, previsto no artigo 133.° do mesmo diploma, em yirtude de, em seu entender, ter efectuado o disparo dominada por uma compreensivel emocio violenta e por um motivo de relevante valor social e moral. Mas nio tem raziio. Estabelece 0 artigo 133.° do C.Penal de 1982 que sera punido com pena de prisio de um a cinco anos quem levado a matar outrem dominado por compreensivel emogio violenta ou por compaixao, desespero ou outro motivo, de relevante valor social ou moral, que diminua sensivelmente a sua culpa. O cerne da questo levantada no recurso consiste em saber se a circunstancia de a vitima do crime nao ter sido o autor do facto que provocou © estado de exaltago sob que agiu a arguida e sim outra pessoa, alheia ao desencadeamento desse estado, nao é impeditiva da subsungaio da conduta da arguida na previsao do artigo 133.° Como resulta da redacgio desse preceito, é necessério que se verifique um nexo de causalidade entre a «emogio violenta, compaixiio, desespero ou outro motivo de relevante valor social ou moral» e a pratica do crime, face 4 expressaio «quem for levado a matar outrem dominado por». Ja na Comisso Revisora do Projecto da Parte Especial do Cédigo fora salientada a necessidade de haver conexiio entre a emogao e o crime (Acta da 28 Seccao, BMJ, 286, 28). E compreende-se que assim seja: a diminuigio sensivel da culpa s6 se verifica quando 0 agente mata a pessoa causadora da emogio violenta, e no qualquer outra pessoa. No caso em aprego, sendo a vitima alheia ao desencadeamento da emogiio sob que agiu a arguida, face a ofensa a sua honra perpetrada pelo tal Fernando, nao se pode dizer que a arguida foi levada a matar a Ana devido ao estado de exaltagao e indignagao de que estava possuida. Diversamente do que parecer entender a recorrente, para 0 enquadramento no artigo 133.° nfo basta que a emogio influenciasse a arguida na sua decisio de disparar. Seria necessdria que a emogio determinasse a arguida a disparar sobre a pessoa da vitima. Como se expendeu no Ac. do STJ de 20-4-88 (CJ, XIII, I], 28), a atenuagao do crime de homicidio privilegiado do artigo 133.” exige a existéncia 282 RPCC 8 (1998) RELAGAO_DE_EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA do nexo de causalidade entre a emogao violenta e a pritica do crime, 0 que nao se verifica quando a actuagao do agente se dirige injustificadamente contra pessoa diversa daquela que, porventura, tenha agredido esta. No campo das hipéteses é de admitir que haja um erro do agente matando uma pessoa na convicgdo de que é outra, podendo verificar-se um crime privilegiado, pois a emociio tanto pode assentar em factos reais como putativos (Ac, do STJ de 30-5-89, BMJ, 337, 237). Mas, no caso, nao se configura, como € evidente, qualquer situac&o de erro: a arguida disparou sobre a vitima sabendo que estava a alvejar pessoa diferente da que a ofendera. Assente que ndo se pode enquadrar a conduta da arguida na figura do crime privilegiado, vejamos se é de manter a pena aplicada. io suscita reparo a atenuagao especial da pena face A acentuado diminuigao da culpa do arguida por ter agido em estado de grande exaltagio, ainda que nao causada pela vitima (artigo 73.", n.° 1, do C.Penal de 1982). Nos termos do artigo 74.°, n. 1, alinea a), do referido Cédigo, o limite maximo da pena é reduzido para dez anos e oito meses de prisfo, € 0 limite minimo para dois anos de prisio. E de relevar também, com efeito atenuativo, a confissio dos factos mostrando-se a arguida arrependida, o ter agido apenas com dolo eventual 0 decurso neste momento de cerca de dezoito anos sobre a pratica do crime, circunstancia que faz esbater as necessidades de prevengio. Assim, mostra-se ajustada ao crime a pena de cinco anos de prisio, aplicada na 1." instancia. Nao se justifica, como pretende o recorrente, a graduagao da pena no limite minimo dado que nao ocorre uma tio grande diminuigao da culpa que reclame a graduacdo na pena em dois anos de prisiio. A gravidade do crime — que consistiu na lesdo voluntéria pela arguida do bem supremo que é a vida — sem que a vitima assumisse qualquer conduta censurdvel, nao permite que se leve a esse ponto a redugdo da pena. E, face ao disposto no artigo 48.° do referido cédigo, sendo a pena superior a trés anos de prisio, néo pode suspender-se a sua execucio. Em 1 de Outubro de 1995, entrou em vigor o C.Penal revisto pelo Decreto-Lei n.” 48/95, de 15 de Margo, pelo que ha que determinar se o regime punitivo nele consagrado € mais favoravel a arguida, O crime de homicidio previsto no artigo 131.” do Cédigo revisto é punido com prisio de oito a dezasseis anos. Nos termos do artigo 72.°, n.° 1, do referido diploma, justifica-se, tal como no Ambito do Cédigo na sua versdo originaria, a atenuagio especial da pena. RPCC 8 (1998) 283 JURISPRUDENCIA_CRITICA ACORDAO_DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 De harmonia com o disposto no artigo 73.°, n.° 1, alineas a) e bj, do Cédigo revisto, os limites resultantes da atenuago especial sao de prisio de um ano, sete meses e seis dias a dez anos € oito meses. Dentro destes limites mostra-se adequada a pena de quatro anos e dez meses de prisao. E assim mais favoravel a arguida o regime do C.Penal revisto, por isso se aplicara. Nao merece reparo a indemnizacio arbitrada. De harmonia com 0 exposto, concedem provimento parcial ao recurso, embora com fundamentos diversos dos invocados e alteraram o acérdio recorrido, condenando a arguida pela pratica de um crime de homicidio previsto e punido no artigo 131.°, conjugado com o artigo 74.°, n.” 1, alineas a) e b), do CPenal revisto, na pena de quatro anos e dez meses de prisio. Mantém os perddes de doze meses, dezoito meses, doze meses e doze meses de priséio concedidos, respectivamente, ao abrigo das Leis n.°* 3/81, de 13 de Marco, 17/82, de 2 de Julho, 18/86, de 11 de Junho, e 23/91 de 4 de Julho. : Declaram perdoados os restantes quatro meses de prisio ao abrigo do artigo 8.°, n.° 1, alinea d), da Lei n.° 15/94, de 11 de Maio. Mantém no mais 0 decidido. Condenam a recorrente a pagar 10 000800 de imposto de justiga. Evora, 4 de Fevereiro de 1997, — Polibio Flor — Capelo de Sousa — Anténio Neto. Homicidio privilegiado (art. 133.° do Cédigo Penal): tipo de culpa, Ambito de aplicagio e in dubio pro reo (*) Anotacdo 1. O presente acérdio da Relagao de Evora, publicado na Colectanea de Jurisprudéncia, 1997, n° 1, pp. 304 a 306, acolhe um critério de interpretagdo do crime de homicidio privilegiado, previsto no (*) Agradego a Senhora Prof.’ Teresa Pizarro Beleza a leitura e comentario que fez ao presente texto. 284 RPCC 8 (1998) RELACAO DE _EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA art. 133.° do Cédigo Penal, que corresponde a uma tendéncia jurisprudencial praticamente undnime dos tribunais superiores em Portugal. A doutrina sustentada neste aresto relativamente ao tipo de crime do art. 133.° do Cédigo Penal é, no essencial, a seguinte: Se a vitima do homicidio nao tiver provocado o estado emotivo em que © agente se encontra quando pratica o facto nao tem lugar a aplicagao do artigo 133.° (mas sim outro crime de homicidio, nomeadamente o do art. 131.°). Isto porque, na construcao defendida pela Relagio de Evora, «a diminuigdo sensivel da culpa sé se verifica quando 0 agente mata a pessoa causadora da emogdo violenta, e ndo qualquer outra pessoa» (loc. cit., p. 305). Noutra passagem, que corrobora esta interpretagiio, afirma-se ainda que «para o enquadramento no art. 133." ndo basta que a emogdo influenciasse a arguida na sua decisdo de disparar. Seria necessdrio que a emogdo determinasse arguida a disparar sobre a pessoa da vitima» (idem). Nestes termos, entende a Relacio de Evora, seguindo a doutrina do STJ sobre a matéria, que «a atenuagdo do crime de homicidio privilegiado do art. 133.” exige a existéncia do nexo de causalidade entre a emogdo violenta e a pratica do crime, 0 que ndo se verifica quando a actuagdo do agente se dirige injustificadamente contra pessoa diversa daquela que, porventura, tenha agredido esta» (idem). 2. A concepg&o que se expds sobre o crime de homicidio privilegiado do art. 133.° do Cédigo Penal é, como se referiu, jurisprudéncia amplamente maioritéria em Portugal, nas Relacdes e no Supremo, como se pode verificar compulsando qualquer resenha jurisprudencial sobre o tema ('). Trata-se, contudo, salvo melhor opinido, de uma interpretagio errénea do tipo de crime do art. 133.° do Cédigo Penal, quer face 4 sua descrigdo tipica, quer, em especial, luz dos fundamentos materiais da atenuagao da pena que o preceito acolhe. E isso que se pretende demonstrar neste comentario ao Acérdio da Relagdo de Evora, de 4 (')_ Veja-se, por exemplo, SiMas SANTOS/LEAL HENRIQUES, Jurisprudéncia Penal, Rei dos Livros, Lisboa, 1995, pp. 357 e ss. RPCC 8 (1998) 285 9 JURISPRUDENCIA_CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 de Fevereiro de 1997, que motivou esta anotacfo apenas por ser um exemplo particularmente claro e recente da tendéncia jurisprudencial referida. Para o efeito, comegarei por apresentar uma sintese da matéria de facto e o essencial da andlise juridica feita pela Relagdio de Evora sobre 0 caso (infra, n.°° 3 e 4 deste texto), para além do que ja se referiu anteriormente (supra, n.° 1). Num segundo momento (infra, n.° 5), procurarei caracterizar 0 crime de homicidio privilegiado do art. 133.° do Cédigo Penal, no plano dos seus fundamentos materiais, destacando © seu significado dogmatico no contexto dos crimes de homicidio. Reunidos estes elementos, tentareilemonstrar (infra, n.° 6) que a interpretagaéo defendida pelos nossos Tribunais sobre o Ambito do art. 133.° do Cédigo Penal nao se justifica e é inaceitavel em si mesma. Ao que acresce, na perspectiva aqui sustentada, que a interpretagado acolhida pela Relagio de Evora entra inclusivamente em contradigao com outras solugdes e entendimentos do mesmo Tribunal e do STJ sobre o Ambito de aplicagio do preceito citado (infra, n.° 7). 3. A matéria de facto analisada pela Relagdo de Evora neste acérdio é bastante simples e linear: Jiilia foi informada por Maria que «um tal Fernando, morador na mesma localidade, se anda a gabar de se p6r nela» (arguida). Exaltada, Jiilia foi buscar a espingarda de caga do marido e dirigiu-se a casa de Amélia, esposa de Fernando. No caminho Jilia encontrou Ana, a quem perguntou onde morava Amélia. Ana respondeu que Amélia nao se encontrava em casa e colocou-se 4 frente da arguida. Jiilia carregou a arma e disparou um tiro contra Ana que veio a falecer, dois dias apés 0 sucedido, no hospital. Entre outros aspectos relevantes para a apreciagao da culpa da arguida (cfr. loc. cit., p. 305), ficou provado que na altura dos acontecimentos esta se encontrava «extremamente exaltada e indignada» (...) devido ao facto de «se ter sentido atingida na sua honra e dignidade pelos factos que Ihe haviam sido contados pela Maria» (...). 4. A Relacio de Evora ponderou a aplicabilidade do art. 133.° do Cédigo Penal a este caso, tese que era sustentada pela defesa, por referéncia 4 primeira clausula do preceito, a existéncia de «uma 286 RPCC 8 (1998) RELACAO_DE_EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA compreensivel emogdo violenta», e a Ultima clausula de atenuagao, o «motivo de relevante valor social e moral». A resposta que o Tribunal deu ao problema foi negativa, invocando um argumento de natureza literal e outro material, por referéncia ao juizo de culpa atenuado que o art. 133.° supde. Na concepeao da Relagdo de Evora, se a vitima do homicidio nao tiver causado 0 estado emotivo em que o agente se encontra quando pratica o facto nado tem lugar a aplicagio do art. 133.° Na sua construgao, resultaria da redaccao do preceito a exigéncia de um nexo de causalidade entre o estado emotivo e a pratica do crime, «face a expressdo «quem for levado a matar outrem» (loc. cit., p. 305). Por outro lado, este entendimento estaria, na perspectiva da Relagao de Evora, em sintonia com o fundamento material da atenuagdo da pena, pois «a diminuigdo sensivel da culpa sé se verifica quando o agente mata a pessoa causadora da emogdo violenta, e nao qualquer outra pessoa» (loc. cit., p. 305). Estes argumentos so em si mesmo improcedentes. Antes de os analisar em pormenor (infra, n.°S 6 e 7) importa determinar qual o fundamento material da atenuagao da pena do art. 133.° do Cédigo Penal. 5. O art. 133.° do Cédigo Penal é uma norma fundamental no contexto dos crimes de homicidio, nao sé pela sua importancia pratica, como também pelas relagdes dogmaticas que se podem estabelecer entre este preceito e as demais agressGes tipicas 4 vida. Nele se consagra, através de um conjunto de cléusulas diferentes, uma atenuagiio especial da pena do agente que pratica o facto numa das circunsténcias descritas (?). @) Para uma andlise desta incriminagdo veja-se, entre nés, Fernanda PALMA, Direito Penal. Crimes contra as pessoas, fasciculos policopiados, Lisboa, 1983, pp. 81 e ss; SOUSA E BRIT, Parecer, in AAVV, Direito Penal I. Programa, Bibliografia ¢ Textos de Apoio, fasciculos policopiados, AAFDL, Lisboa, 1984, pp. 33 e ss.; Rail Soares DA VEIGA, Sobre 0 homicidio no novo Cédigo Penal. Do concurso aparente entre homicidio qualificado e homicidio privilegiado, in Revista Juridica, AAFDL, Lisboa, 1985, n.° 4, pp. 15 e ss.; Jorge FiGuEtREDo Dias, «Homicidio qualificado. Parecer», in CJ, XII, 1987, pp. 50 € ss. maxime pp. 54 € ss.; Amadeu FERREIRA, RPCC 8 (1998) 287 JURISPRUDENCIA CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 O art. 133.° encontra-se estruturado com base em clausulas auténomas de menor culpabilidade do agente e uma cldusula de natu- reza mista, igualmente auténoma, que assenta numa menor ilicitude do facto e uma menor culpabilidade do agente. A primeira clausula é a da «emogao violenta compreensivel»; segue-se uma clausula de «compaixdo» e uma outra de «desespero». Estas trés clausulas ganham o seu fundamento numa menor culpa do agente. Correspondem a situagdes de facto em que o agente se encontra numa situagdo de descontrolo emocional (emogo violenta), actua dominado por um sentimento de piedade para com a vitima (compaix4o), que lhe inibe o normal controlo sobre os seus actos, ou numa situagdo de pressio psicolégica (desespero) que lhe apresenta 0 crime como a tinica saida possivel para a situagio em que se encontra. A exigéncia de «compreensibilidade» da emogio é um filtro normativo que apenas se aplica A primeira cldusula, a emogao violenta, e ndo as demais (3). Do mesmo modo, também a claéusula de compreensibilidade nao pode ser limitada pela relevancia dos motivos, pois isso implicaria, como j& demonstrou Fernanda PALMA, uma interpretagio restritiva da norma (4). Na parte final do preceito surge a tiltima cldusula de atenuagao da responsabilidade, 0 «outro motivo de relevante valor social ou moral» que diminua «sensivelmente a culpa» do autor do facto. Esta tltima cldusula assenta, simultaneamente, numa menor ilicitude do facto e numa menor culpabilidade (5). A referéncia a motivagdes social ou Homicidio priviegiado, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 53 € ss., e, do mesmo Autor, «Homicidio Privilegiado», in Margarida PEREIRA, Direito Penal II. Os homicidios, vol. Il, AAFDL, Lisboa, 1998, pp. 81 e ss.; Cristina Liano MONTEIRO, «Qualificagdo ¢ privilegiamento do tipo legal de homicidio» (anotagio ao Ac. do STI, de 5-02-92), in RPCC, 1996, n.° 1, pp. 113 ess. @)_Nestes termos, em pormenor, Sousa & BRiT0, Parecer, pp. 58-63; Amadeu Ferreira, Homicidio privilegiado, pp. 93 ¢ ss. () Cfr. Fernanda PALMA, Direito Penal. Crimes contra as pessoas, p. 82. (5) Esta posigdo corresponde ao entendimento expressamente defendido nas aulas te6ricas de Direito Penal Il, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, por Fernanda PALMA, de acordo com as aulas recolhidas por Amadeu Ferreira, em 1989/90, pp. 151 e ss., embora o texto nao tenha sido revisto pela regente da disciplina. Creio, contudo, que se trata de uma posigao j4 sugerida em texto anterior, 288 RPCC 8 (1998) | RELACAQ_DE EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA moralmente valiosas implica um juizo objectivo de valor sobre os motivos do agente, o que é realizdvel em sede de ilicitude. Por isso também se compreende a exigéncia adicional de menor culpa, que por si s6 nao existiria em fungdo do valor objectivo dos motivos, ao contrario das cléusulas de emogio violenta, desespero ou compaixdo. Estas clausulas sao, em si mesmas, referéncias materiais a um estado de menor culpa do agente, pelo que a parte final do preceito (culpa sensivelmente diminuida) nao se lhes aplica. A natureza das clausulas previstas no art. 133.° do Cédigo Penal faz com que o preceito, uma vez preenchido, impeca a aplicagio do art. 132.° e do art. 131.° do mesmo Cédigo. Contudo, a fundamentagdo desta solugao nao é uniforme na doutrina nacional. Assim, para Teresa SERRA nao existe qualquer relagiio de concurso entre o art. 133.° e o art. 132.°, jé que ambos os preceitos contém regras de determinagao da medida da pena. O que existiria, em sua opinido, seria um efeito de «contraprova» desencadeado pelas circunstancias atenuantes do art. 133.° relativamente ao efeitos de indicio das circunstancias do n.° 2 do art. 132.° do Cédigo Penal, quando cléusulas de ambos os preceitos se verificassem simultaneamente (6). Esta construgaio de Teresa SERRA nao pode ser aceite. Na impossibilidade de apreciar aqui toda a sua concepg4o dos crimes de homicidio, em especial do homicidio qualificado, apenas comentarei a relagdo entre o art. 132.° e o art. 133.° Nao me parece, desde logo, exacto tratar tipos de crime auténomos, com molduras penais distintas e cldusulas diferentes como simples regras de medida da pena. Trata-se da aplicagdo directa da concepgao germanica sobre os «casos mais graves» e «menos graves» de homicidios que, em minha opinido, esbarra com a diferente construgao dos tipos pelo legislador portugués. E mate- rialmente incorrecto, do meu ponto de vista, proceder a transformacio Direito Penal. Crimes contra as pessoas, pp. 84-85, ao exigir a consciéneia do motivo por parte do agente, Em andlise mais recente, sobre a natureza de algumas das clausulas do art. 133.” como mistos de ilicitude e culpa, veja-se Américo Taira DE CARVALHO, A legitima defesa, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pp. 358-359, nota 619. © Cfr. Teresa Serra, Homictdio Qualificado. Tipo de culpa e medida da pena, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 101-103. RPCC 8 (1998) 289 JURISPRUDENCIA_CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 juridica de tipos auténomos em regras de medida da pena. Se algum sentido tem a separagio dogmatica entre a teoria do crime e a teoria da pena ela deve ser respeitada quando o legislador deixa de tratar certas circunstancias como meras atenuantes ou agravantes e com base nelas constr6i novas incriminagdes com molduras penais auténomas. O valor heuristico e politico criminal dos tipos autonomizados pelo legislador nio deve ser desconsiderado pela leitura das normas a luz de meras relagdes entre agravantes e atenuantes. Noutros termos, o art. 133.° é, como defendeu j4 Ratil SOARES DA VEIGA, um verdadeiro tipo (7). Porque, na verdade, nao é de meras regras da medida da pena que se trata quando se apreciam os diversos tipos de homicidio criados pelo legislador. Uma leitura dessa natureza é, numa segunda linha de argumentagao, contraria ao sentido garantista dos tipos de crime e a sua leitura processual 4 luz do principio constitucional da presungdo de inocéncia do arguido. A relagdo entre as circunstdncias atenuantes do homicidio privilegiado do art. 133.° e as agravantes do homicidio qualificado nao se deve estabelecer no plano da prova ou contraprova dos efeitos de indicio, pois isso colide com o sentido funcional da autonomia das incriminagdes. Noutros termos: uma circunstancia do art. 133.° nao pode servir apenas de «contraprova» do efeito de indicio das agravantes do art. 132.°, n.° 2. Nao se trata de um problema de quantidade e suficiéncia do «indicio», mas sim de um problema de qualidade das clausulas envolvidas na valoragao da situagao. Ademais, 4 luz de simples critérios de medida da pena nio se entenderia a diferenga entre a pena mAxima do art. 133.° (5 anos) e a pena minima do art. 131.° (8 anos) (8). Um conjunto de regras de medida da pena que comporta um «vazio de pena» de 3 anos é contrario 4 ideia de proporcionalidade implicita nas técnicas de graduagdo da () Cfr. Rail Soares DA VeIca, Sobre 0 homicidio no nove Cédigo Penal, p. 41. Também Sousa Brito, Parecer, pp. 40-41, e Fernanda PALMA, Direito Penal II, p. 83, apesar de considerarem que estamos perante uma regra de medida da pena em fungdo da culpa, salientam a autonomia do tipo (ndo é um tipo independente mas estrutura-se como um tipo auténomo, refere Fernanda PALMA). (8). Frisando este aspecto, Rail SOARES DA VEIGA, Sobre 0 homicidio no novo Cédigo Penal, p. 41. 290 RPCC 8 (1998) — ee RELAGAO_DE_EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA pena e incompativel com a ideia, que pressupde, de uniformizagao das diversas penas dos homicidios numa tnica moldura penal mais ampla. Por isso, em minha opiniao, o art. 133.° prevalece face ao art. 131.° nao tanto por forca da regra da especialidade das relagdes entre normas, mas sim porque o seu «tipo de culpa» impede a aplicacaio dos arts. 131.° e 132.%: as cldusulas de culpa diminuida sao materialmente incompati- veis com a culpabilidade exigida implicitamente pelo art. 131.° e, positivamente, pelo art. 132.°, n.° 1. Nao se trata, usando a terminologia de Teresa SERRA, de uma relacio entre o efeito indiciador do art. 132.°, n.° 3, poder ser compensado ou neutralizado pelo efeito contrario do art. 133.° — o que, em Ultima instancia, poderia conduzir a uma «solugao de meio termo» que seria a aplicagHo do art. 131.° — mas antes da aplicagéo de um tipo auténomo, estruturado sobre clausulas de culpa diminuida qualitativamente distintas (°) de qualquer possivel graduagdo quantitativa realizada no tipo de culpa do art. 131.° (que nao pode ser aplicado a uma culpabilidade cuja pena correspondente seja inferior a 8 anos de prisao). Esta divergéncia de opiniées tem, do meu ponto de vista, uma consideravel relevancia na compreensdo processual das incriminagdes e na incidéncia do principio in dubio pro reo ('°). Se bem vejo os problemas, quem entenda a relagao entre os homicidios dos arts. 131.°, 132.° e 133.° como um cruzamento de regras (°) A autonomia do «tipo de culpa» do art. 133." do Cédigo Penal em relagao aos «tipos de culpa» do arts. 132.” e 131.” aqui defendida parece-me materialmente coincidente com a concepgio sustentada por Cristina Lisano Monteiro, Qualificagao ¢ privilegiamento do tipo legal de homicidio, pp. 125-126, quando invoca a necessidade de, no contexto destes crimes, se seguir um «tinico jufzo de culpa» (da culpa concreta) para seleccionar o tipo legal aplicavel (arts, 131.°, 132.° ou 133."). (:°) Sobre este principio veja-se, para além da literatura citada nas notas seguintes, Cristina LipaNo MontetRO, Perigosidade de inimputdveis ¢ «in dubio pro reo», Coimbra Editora/Universidade de Coimbra, 1997, pp. 9 e ss.; Miguel MACHADO, «O principio in dubio pto reo ¢ 0 novo Cédigo de Processo Penal», in ROA, 49, 1989, pp. 584 ss. Para uma articulagdo entre o principio in dubio pro reo ¢ a presungio constitucional de inocéncia do arguido, veja-se, entre nés, Helena BOLINA, «Razdo de ser, significado e consequéncias do principio da presungdo de inocéncia (art. 32.°, n.” 2, da CRP}», in BFDUC, LXX, 1994, pp. 433 e ss., maxime pp. 440 e ss. RPCC 8 (1998) 291 JURISPRUDENCIA_CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 de medida da pena facilmente serd conduzido a nao considerar decisivo para aplicar ou deixar de aplicar um dos preceitos (por exemplo o art. 131.° ou o art. 132.°) 0 facto de se verificarem meros indicios (no plano probatério) de preenchimento de outra incriminagio (por exemplo, do art. 133.°) ('!). Sendo certo que a ponderagdo da medida da pena nao é estranha ao principio in dubio pro reo ('?), na perspectiva descrita tudo se passara no plano da articulagdo de efeitos reciprocos quanto 4 intensidade dos indicios ('3), como se de verdadeiras regras de medida da pena se tratasse. Diversamente, na perspectiva que aqui sustento, entender o crime do art. 133.°, do ponto de vista material, como um conjunto de regras especiais de atenuagdo da culpa, mas também como um tipo auténomo, implica no plano processual que, uma vez verificados indicios de algumas das clausulas do art. 133.°, esses indicios devem beneficiar da forga que lhes confere o principio in dubio pro reo. O que sera suficiente para impedir a aplicagdo quer do art. 131.°, quer do art. 132.° do Cédigo Penal. A doutrina portuguesa, delimitando a incidéncia de aplicagaio do principio ('4), aceita que o in dubio pro reo quando aplicado a normas favoraveis faz com que as dtividas sobre a sua verificagao conduzam a que as respectivas clausulas favoraveis produzam o seu efeito como se tivesse logrado produzir sobre elas prova completa. Neste sentido se (") Deve notar-se que esta perspectiva de anélise, & luz do funcionamento do principio in dubio pro reo, nao foi tida em conta no citado estudo de Teresa SERRA, razio pela qual as consideragGes que se seguem ndo podem ser entendidas como verdadeiras criticas A posigao sustentada pela Autora. (®) Veja-se, por exemplo, Anabela RopriGues, A determinagéo da medida da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pp. 627-639 ¢ nota 59. (®) Sobre o funcionamento dos efeitos de indicio, veja-se Teresa SERRA, Homicidio qualificado, pp. 66 € ss. (4) Uma andlise recente deste problema encontra-se em Cristina LinANo MontEIRO, Perigosidade de inimputaveis e «in dubio pro reo», pp. 70 € Ss., que entende o principio essencialmente na sua vertente processual-funcional, isto é, como uma proibigdo de adiamento, até melhor prova, da opgiio de prosseguir ou niio a causa (p. 72). 292 RPCC 8 (1998) | | | RELACAO_DE_EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA pronunciaram j4 CAVALEIRO DE FERREIRA ('5), CASTANHEIRA NEVES ('6) e FIGUEIREDO Dias ('7). Como refere HassEMER ('8), com razdo, os mecanismos de prova em processo penal assentam em dois pilares: convicgdo e dtivida do Tribunal. O que permite dizer, no caso em apreco, que uma diivida sobre a verificagdo das circunstancias do art. 133.°, assente em indicios materiais, € incompativel com a conviccao necessdria para aplicar os arts, 131.° e 132.° Nesta perspectiva, entre estes preceitos e o art. 133.° nao existira uma verdadeira relagdo de concurso aparente, ndo porque se trate de um conjunto de regras de medida da pena, mas sim porque a natureza dos preceitos impede que se verifique o préprio pressuposto do concurso aparente: que as normas estejam preenchidas e se «candidatem» a valoragiio do caso. Isto é, como refere Teresa BELEZA, 0 concurso de normas supde que as varias normas sejam aplicaveis (!%). Se no art. 133.° a pena mais baixa é materialmente fundada na culpa diminuida do agente que pratica o facto, isso significa que a relagio de sobreposigaio ou interferéncia entre o art. 131.° e o art. 133.° apenas se dé quanto ao tipo de ilicito e j4 nao quanto ao tipo de culpa que cada preceito integra. O que, por seu turno, significa que ndo ha entre as normas descritas um concurso aparente, pois os pressupostos relativos 4 culpa de cada uma delas impedem que os preceitos estejam simultaneamente preenchidos. (19) Cfr, CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, vol. 1.°, Dantibio, Lisboa, 1986, p. 216. (') Cir. Castanneina NEVES, Sumdrios de Processo criminal (1967-1968), fasciculos policopiados, Joao Abrantes, Coimbra, 1968, pp. 59-60. (9) Cfr. FicueiREDo Dias, Direito Processual Penal (fasciculos contendo as ligdes recolhidas por Maria Joao Antunes), Faculdade de Direito, Secciio de Textos, Coimbra, 1988/89, p. 147, n.° de texto 232. (Cir. Hassemer, Einfiihrung in die Grundlagen des Strafrechts, 2. Aufl., Beck, Minchen, pp. 167-168 (°) Sobre os pressupostos do concurso aparente ou de normas, veja-se Teresa BELEZA, Direito Penal, vol. I, 2." edigao, AAFDL, Lisboa, 1984, pp. 517 e ss., onde escreve exactamente: «concurso de normas é pois uma situagdo em que ha varias normas que se podem aplicar ou sio aplicdveis...» (p. 519). Consulte-se, ainda, Ratil SOARES DA VeIGA, Sobre 0 homicidio no novo Cédigo Penal, pp. 17 ¢ ss. € pp. 42 € ss. RPCC 8 (1998) 293 JURISPRUDENCIA CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 Em sintese, a incompatibilidade material dos artigos em causa implica, na minha perspectiva, que verificada a existéncia de indicios das clausulas do art. 133.° no existira «a convicgaéo para além de qualquer diivida razoavel» sobre o grau de culpa necessario para aplicar o art. 131.° ou o art. 132.° Assim sendo, neste caso o que se verifica é, afinal e apenas, uma «aparéncia de concurso aparente» e nunca um verdadeiro concurso aparente (2°), j4 que faltaré o grau de culpa (ou a sua prova para além da dtivida razoavel) que permite invocar quer 0 art. 131.°, quer o art. 132.° 6. Feito 0 enquadramento dogmitico do art. 133.° do Cédigo Penal, importa agora analisar o contetdo da argumentagao que levou no caso concreto a Relagio de Evora a afastar a aplicabilidade daquele preceito. Entendeu a Relagio de Evora que o art. 133.° do Cédigo Penal nao se aplica se o agente praticar o homicidio sobre uma pessoa que nao tenha provocado o estado emotivo em que o agente se encontra. A exigéncia de que o provocador do estado emotivo e a vitima fossem a mesma pessoa resultaria, na perspectiva do Tribunal, desde logo da literalidade do art. 133.° e da expressio «quem for levado a matar outrem» (loc. cit., p. 305). Este entendimento é inaceitavel por diversas razdes. Deve comegar por se frisar que nada na letra e na hist6ria da incriminag4o autoriza semelhante entendimento. A expresso «quem for levado a matar outrem», que o Tribunal afirma (loc. cit., p. 305) constar do art. 133.°, ndo existe actualmente no preceito. Uma expressao semelhante existia nos arts. 139.° e 140.° do Anteprojecto de Eduardo Correia, de 1965, que tinham a seguinte () Significa isto que to pouco considero necessério invocar como regra de resolugio do concurso aparente o denominado efeito obstrutor do tipo mais favordvel, pois penso que o problema se resolve negando a propria existéncia de concurso aparente por incompatibilidade entre um dos pressupostos substantivos de aplicagzio das normas — 0 juizo de culpa. Sobre as diversas possibilidades de relago entre os crimes de homicidio a luz das regras do concurso, veja-se Ratil SOARES DA VEIGA, Sobre @ homicidio no novo Cédigo Penal, pp. 42 € ss. 294 RPCC 8 (1998) RELAGAO DE _EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA redacgao: no art. 139.°, homicidio privilegiado por provocagao, dispunha-se que «Quem, dominado por compreensivel emogio violenta e que diminua sensivelmente a sua culpa, é levado a matar outrem, sera punido com prisdo de seis meses a cinco anos». Por outro lado, a redacgao do art. 140.° era a seguinte: «Quem, por compaixiio, desespero ou outro motivo de relevante valor social ou moral, que diminua sensivelmente a sua culpa, é levado a matar outrem, seré punido com prisio de um a cinco anos». Na Comissdo Revisora de 1966 debateu-se 0 sentido desta expressao, que constava dos entao arts. 139.° e 140.° do Anteprojecto. Na verdade, FIGUEIREDO Dias propés a sua substituigao pela expressaio «quem matar», pois afirmava que «a formulagao actual parece referir-se s6 4 determinaciio e nao a execugao»; ao que Eduardo CorREIA respondeu que era «intencional a utilizagdo da expressaio «é levado a matar outrem». Por ela se estabelece expressamente a conexao entre a emogio e o crime». Mais adiante acrescentou Eduardo Correta: «A expressao «é levado...» pretende significar que a emogio violenta € a causa determinante do crime, isto 6, nao ha outras circunstancias concorrentes relevantes». Na discussio do art. 140.° acabou por se aprovar a substituigdo da expressaio «é levado» pela expressio «for levado». (Cfr. Actas da Comissio Revisora, da 2." sessio, de 17 de Margo de 1966) (?'). A redacciio que o Cédigo Penal de 1982 deu ao crime de homicidio privilegiado implicou, aparentemente, a fusio dos dois preceitos citados do Anteprojecto Eduardo Correia, ficando a norma configurada nos seguintes termos: «Sera punido com pena de prisdo de 1 a 5 anos quem for levado a matar outrem dominado por compreensivel emogio violenta, compaixdo, desespero ou outro motivo de relevante valor social ou moral, que diminua sensivelmente a sua culpa». A Comissao de Revisio que elaborou 0 Projecto de 199] alterou a redaccao da norma, embora nao Ihe tenha querido alterar o sentido dogmitico e politico-criminal como resulta das actas respectivas (cfr. @!) Este debate encontra-se analisado em pormenor por Américo Tala DE CaRvALHo, A legitima defesa, pp. 465-468, com notas criticas dirigida as ilagdes que dele se retiraram ilegitimamente, bem como pelo seu acolhimento acritico pela jurisprudéncia nacional. RPCC 8 (1998) 295 JURISPRUDENCIA_CRITICA ACORDAQ DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 Acta n.° 21, de 9 de Janeiro de 1990). Assim, desde 1995 a norma tem uma redac¢io diferente da versio de 1982 e o seu texto € o seguinte, na parte que agora nos interessa: «Quem matar outra pessoa dominado por compreensivel emogao violenta, compaixao, desespero ou outro motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa...» Dos elementos apresentados, resulta que nao pode a Relagiio de Evora fundar na histéria da incriminagdo prevista no art. 133.° do Cédigo Penal a doutrina e a interpretagio que pretende defender. Nada daquilo que foi discutido na Comissio Revisora em 1966, na 2." sessdo invocada expressamente pela Relacio de Evora, conduz a posic&o que este Tribunal acolhe. Pelo contrario. Além de o caso tratado pela Relagio de Evora nfo ter sido referido, 0 que se acentuou foi a importancia da emogio violenta como causa do crime. Nunca se referiu que o causador da emocio violenta tinha de ser a vitima. Por outro lado, a interpretagao feita pela Relacdo de Evora assenta na expresso, usada em 1982 e suprimida em 1995, «quem for levado a matar outrem». Devo esclarecer que considero a alteragio da redaccdo do preceito materialmente irrelevante, como adiante referirei. Contudo, este nao foi o entendimento da Relacio de Evora. Mas, assim sendo, deveria o Tribunal ponderar a supressao do elemento literal em que apoiava a sua interpretago como uma modificagio favordvel a arguida, de acordo com as regras do art. 2.° do Cédigo Penal e art. 29.° da Constituic¢ao, e resolver o problema de sucessio de leis no tempo que as alteragGes 4 norma criavam. Na verdade, se em Abril de 1979 (data da pratica dos factos) estava em vigor 0 Cédigo Penal de 1886, e na altura do julgamento em 1.* instncia vigorava o Cédigo Penal de 1982, em Fevereiro de 1997 (data do Acérdao da Relagio de Evora) tinha entrado em vigor a reforma de 1995, com as modificagGes atras referidas. A questo foi ignorada pelo Tribunal de recurso, embora fosse fundamental no contexto da sua argumentagao. Face ao art. 133.° do Cédigo Penal de 1982, bem como a sua versdo de 1995, e tendo em conta os elementos da histéria legislativa do preceito, deve ainda acrescentar-se que o entendimento defendido é completamente estranho A letra e A ratio do art. 133.° A referéncia feita no preceito ao «dominio da emogiio» e, no texto de 1982, ao facto 296 RPCC 8 (1998) RELACAO_DE_EVORA JURISPRUDENCIA_CRITICA de o agente ser «levado a matar outrem», pretende expressar a intensidade dos efeitos que a emogio tem sobre o agente e nao qualquer relagdo de causalidade entre o causador da emogio e o acto homicida. A norma descreve uma situagéo de menor culpa em que o agente se encontra, por identificago de um estado emotivo que nao Ihe permite um normal controlo ou dominio sobre os seus actos. O que sendo compreensivel ou assentando em motivos moral ou socialmente desvaliosos (neste caso acompanhados de uma culpa sensivelmente diminuida) conduz 4 aplicagao do art. 133.° Pretender atribuir outro significado 4 expressdo é manifestamente forcado perante a letra e 0 fundamento material da atenuacio. Por outro lado, o grau de discernimento exigido ao autor pela construgéo aceite pela Relagio de Evora é também materialmente incompativel com a diminuig&o da culpa que o preceito supée. E substancialmente contrario 4 ratio da atenuacao exigir a um agente que se encontra dominado por uma emogao violenta (ou por outro estado de afecto que Ihe perturba o normal discernimento da realidade) que proceda a uma classificagiio das pessoas que o rodeiam entre aquelas que lhe causaram a emogio e aquelas que o nao fizeram. O segundo «argumento» — de que a diminuigao sensivel da culpa s6 se verificaria quanto ao agente agredisse o causador da emogao — nao tem qualquer valor persuasivo e é perfeitamente circular. Na verdade, a Relagdo de Evora nao argumenta para chegar 4 conclusao sobre o dmbito de aplicagdo do art. 133.° do Codigo Penal, ja que invoca como argumento o préprio resultado a que pretende chegar. Porque raziio é que sé haver4 menor culpa se a vitima tiver provocado a emogdo compreensivel? A esta quest&o nfo se encontra resposta no texto da Relag&o de Evora. O Tribunal nao o diz expressamente mas trata-se, afinal, de uma utilizagiio camuflada da teoria da provocagio injusta, que n&o pode ser utilizada para interpretar o actual art. 133.° por nao ter qualquer apoio literal e histérico (22). O significado do (®) estes termos, ja se pronunciou Fernanda Pauma, Direito Penal. Crimes contra as pessoas, pp. 78-81. Sobre a doutrina da provocagio veja-se Eduardo CorReta, Direito Criminal, II (com a colaboragio de Figueiredo Dias), Almedina, Coimbra, RPCC 8 (1998) 297 JURISPRUDENCIA_CRFTICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 argumento histérico em Direito Penal conduz, no presente caso, a rejeitar qualquer leitura do art. 133.° com base na teoria da provocacio injusta, ja que a luz da actual redaccio do preceito e do seu fundamento material o que se valora ndo é o facto, mas sim o estado emotivo do agente, como entre nds ja foi demonstrado, por exemplo, por Fernanda PaLma (23), Sousa E Brito (24) e FiGuEIREDO Dias (75). O que significa, tudo ponderado, que a Relagao de Evora ao interpretar nestes termos 0 art. 133.° do Cédigo Penal viola o principio da legalidade: cria uma restrigao a aplicagaio do preceito com base em elementos que no constam expressamente da sua letra. Como 0 art. 133.° do Cédigo Penal é uma norma favordvel no contexto dos crimes de homicidio, a interpretagio da Relagao de Evora desencadeia o que CASTANHEIRA NEVES designa por um efeito incriminador indirecto (2): ao limitar uma norma favoravel (com base em elementos que nao constam 1965, pp. 278 e ss.; CAVALEIRO DE FERREIRA, Direito Penal Portugués, Parte Geral, I, Verbo, Lisboa, 1982, pp. 622 e ss. ) Cf, Femanda Pata, Direito Penal. Crimes contra as pessoas, p. 81: «...a tinica conclusio a tirar € a de que, no novo Codigo, uma tal «ldgica» nao poderia subsistir, nfo s6 porque o legislador nos casos de atenuagio especial do homicidio, como © homicidio privilegiado, deslocou literalmente para o estado emocional do agente (a compreensivel emogiio violenta) ou para a sua motivagao, o fundamento da atenuagao, como também pelo facto de a filosofia «humanista» que, em certa medida, inspira 0 Cédigo, implicar que, na concretizagio dos critérios de atenuagio especial, se tenham em conta os limites da livre determinagao ¢ da capacidade de inibigdo dos instintos das pessoas, como a psicologia nos revela». (4) Cfr. Sousa E Brivo, Parecer, pp. 42 € ss., que escreve a dado passo: «O Cédigo de 1982 seguiu uma orientacdo radicalmente diferente. Nao se regula genericamente a provocacao, mas cria-se um tipo de crime, 0 homicidio privilegiado (art. 133.°), em que o fundamento da atenuagiio nio é a provocagaio, mas um intenso estado emocional que tanto pode ser causado por provocagao, como por qualquer outro facto, mesmo licito» (pp. 43-44). : ©) Cfr. Ficueirevo Dias, Homicidio qualificado. Parecer, p. 54: «E, contudo, um sentido inteiramente diverso 0 que subjaz ao art. 133.” O legislador deslocou, de facto, ‘© fundamento da atenuagiio para o estado emocional do agente (a compreensivel emogiio violenta) ou para a sua motivacdo, causa do seu comportamento (0 desespero ou outro motivo de relevante valor social, que diminua sensivelmente a sua culpa)». 5) Cfr. CASTANHEIRA Neves, O principio da legalidade criminal, in Digesta, vol. I, Coimbra Editora, 1995, p. 351 e nota 8. 298 RPCC 8 (1998) RELAGAO DI VORA JURISPRUDENCIA_CRITICA da sua letra) amplia-se 0 campo de aplicagdio da norma geral do homicidio simples (e até do homicidio qualificado). 7. E sabido que a Jurisprudéncia (no sentido de actividade desenvolvida pelos Tribunais na aplicaciio do Direito) nao esta sujeita a regras de congruéncia da mesma intensidade daquelas que vinculam a Doutrina. Esta ultrapassa nas suas construgdes as normas legais € procura enunciados que se harmonizem num sistema, tarefa que é estranha a actividade judicial. Contudo, mesmo em sistemas como o nosso, em que nao existem precedentes vinculativos, nao seria descabido que os Tribunais acolhessem como regra de construgdo légico-juridica pelo menos o principio da nao contradigao. Servem estas considerag6es para introduzir a segunda linha de argumentacio critica sobre esta decisio da Relagio de Evora. O Tribunal admite expressamente, no mesmo Acérdao, e seguindo uma vez mais a jurisprudéncia do STJ na matéria, a aplicabilidade do art. 133.° ao seguinte caso: «No campo das hipéteses é de admitir que haja um erro do agente matando uma pessoa na convic¢iio de que é outra, podendo verificar-se um crime privilegiado, pois a emogao tanto pode assentar em factos reais como putativos» (Ac. do STJ de 30-05-89, BMJ, 337, 237). Depois exclui a possibilidade de aplicar esta solugao A arguida por esta no se encontrar em erro, o que é exacto. O que a Relagio de Evora nio ponderou, tal como 0 STI ainda nfo © fez, € que as duas teses sio radicalmente incompativeis: nao é possivel dizer-se que o art. 133.° nao se aplica quando a vitima nao tiver causado a emogao violenta e aceitar simultaneamente que se o agente actuar em erro, com base nao em factos reais mas sim em factos putativos, a situagdo seré valorada pelo art. 133.° Se ha caso mais evidente de «falta de causalidade» entre a vitima e a emogao, na exigéncia feita pela nossa jurisprudéncia, € quando os factos nio sao reais, mas sim putativos. Nas situagdes em que «os factos sdo putativos» estes nao existem na realidade e, portanto, nao existe causalidade (objectivamente aferida) entre uma ofensa e a emogdo violenta. Nestes casos, a ofensa pura e simplesmente nao existe como dado objectivo, mas apenas na representacdo errénea do agente, e portanto nfo pode ser «causal». RPCC 8 (1998) 299 JURISPRUDENCIA CRITICA ACORDAO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997 No entanto, a jurisprudéncia portuguesa aplica o art. 133.° aos casos em que os factos que dio origem 4 emogao nio sao reais mas putativos. Solug&o com a qual se concorda plenamente (7), pois o que interessa para efeito da aplicagiio do art. 133.° é a identificagdo do estado emotivo que diminui a culpa do agente e nfo o causador desse estado emotivo. Mas, assim sendo, nao se pode — em coerén- cia — limitar a aplicagao do art. 133.° a exigéncia de uma causalidade entre a vitima e o estado emotivo do agente. Esta linha de raciocinio da Relago de Evora, sobre a exigéncia de «causalidade» entre a vitima do homicidio e a emogao do agente, é ainda, como ja se referiu, uma manifestagado indesejével da doutrina da provocagio injusta como fundamento de atenuagao do homicidio, que foi abandonada pelo Cédigo Penal de 1982. No presente caso essa linha de interpretagao é ainda incompativel com 0 fundamento de atenuagio que a Relacio de Evora reconhece ao preceito. Sendo o fundamento da atenuagiio contida no art. 133.° uma menor culpa do agente nio é legitimo condicionar a aplicaciio do preceito a uma apreciagao do facto objectivo (ser a vitima do homicidio a causadora da emogio violenta) materialmente alheio a ratio da atenuacio. 8. Em suma, nenhum dos argumentos invocados pela Relagao de Evora fundamenta de forma suficiente e persuasiva a inaplicabilidade do art. 133.° do Cédigo Penal ao caso em apreco. Por outro lado, a luz das consideragées apresentadas, basta para afastar a aplicabilidade dos arts. 131.° e 132.° do Codigo Penal, como decorréncia do principio in dubio pro reo, a existéncia de indicios de verificagdo de uma das situages descritas no art. 133.° do Cédigo Penal. Frederico de Lacerda da Costa Pinto Assistente da Faculdade dle Direito da Universidade de Lisboa ¢ da Universidade Auténoma de Lisboa () Sobre a bondade desta solugdo e a sua conformidade com os critérios materiais de culpa, veja-se FIGUEIREDO Dias, Homicidio qualificado. Parecer, p. 55 e nota 30. 300 RPCC 8 (1998) » CRONICA LEGISLATIVA

You might also like