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Nao ha diivida de que Boas (1858-1942) foi a forca individual mais importante na formagao da antropologia americana na primeira metade do século XX. (..) Para ele, a semelhanga e a classificagao dos efeitos nao eram o ponto de partida da investigagdo, mas uma meta a ser ardua- mente alcangada. Nao era uma questo de definigao ou analogia: tanto na origem como na descoberta, era um problema mais histérico que logico. $6 era possivel elaboré-lo atravessando as aparéncias, transcendendo o ponto de vista do obser- vador e desemaranhando a complexidade histérica dos processos que afetam a vida humana para chegar a categorias que nao eram fundadas “na mente do estudioso’ mas de alguma forma derivadas dos pré- prios fendmenos, coerentes com eles € em certo sentido neles embutidas. George W. Stocking, Jr A formacao da antropologia : americana 1883-1911 ANTOLOGIA | ORGANIZAGAO E INTRODUCAO < George W. Stocking, Jr. jodoxue ep opseunojy seog zuesy rane BINS CONTRAPONTO + EDITORA UFR ° = Es » = 2 5 S a 2 8 - s vi B85 0h ll 7 Boas nasceu em Minden (Ale- manha) em 1858. Depois de estudar nas universidades de Heidelberg, Bonn Kiel — onde obteve o doutoramento cm fisica —. freqientou as reunides da Sociedade Antropolégica de Berlim, Alterou entdo, radicalmente, 05 seus planos, em busca de “compreender natureza como um todo", Aproximou- se das ciéncias humanas e iniciou sua prépria formacio em antropologia Passou dois anos no Artico, entre os cesquimés. Aprendeu suas linguas, es- ccutou suas lendas, observou seus cos- ‘umes, Imigrou depois para os Estados Unidos, pais em que se fixou, publicou seus principais trabalhos, realizou no- vas viagens de estudos e fez Tonga car- reira docente, Torou-se um dos fon- dadores da modema antropologia cul- tural. Em 1899, foi contratado como primeiro professor de antropologia da Universidade de Colimbia, onde per- ‘maneceu até 1937. Em 1921, recebeu como aluno um jovem brasileiro — Gilberto Freyre — que mais tarde, no preficio primeira edigio de Casa grande & senzala (1933), escreveu: “O professor Franz Boas € a figura de ‘mestre de que me ficou até hoje maior impressio.” ‘Boas também se destacou como of- ‘ganizador e desbravador. Foi curador de etnologia do Museu de Histéria Na- tural. Presidiu a Sociedade Americana de Antropologi Ciencias de Nova York. Viveu entre os ea Academia de Aformagao da antropologia americana 1883-1911 Aloisi Teixeira FORUM OE CIENCIA E CULTURA Carlos Antonio Kalil Tennus Carlos Nelson Coutinho Ceetia Moreira coonnewanona o¢ enoDvcKo ‘Ana Carer Franz Boas A formagao da antropologia americana 1883-1911 ANTOLOGIA CORGANIZACKO E INTRODUCKO George W. Stocking, Ir. Teaoucho Rosaura Maria Cime Lima Bichenberg ‘Marco Anténio Teixeira Gongalves (César Benjamin ‘CONTRAPONTO EDITORA UFRJ “Talo uigonl: The Shaping of American Amthopoogy, 183-11: Fran: Boat reader Copygh © 1999 by The University of Cieago Fras Dist duis par ing pogo pla iors UFR Universe Feder do Ri dene Forum de Clea Cir, 'EDITORA UFR ‘Paes, 250/ sla 107 Pri Vr ‘CEP 2085900 oni ‘Tax (21) 2542-76166 22956046 (21) 2285-18884 1242127 ptwoweice be emt ediom@ eon. [CONTRAPONTO EDITORA LTDA, ‘ric Portal $066 ‘ce 22092.970- Rode acc, RS ‘Telia (21) 2544-0206 apt conapotcediors oat be mull: coaraponteniors@ysoacombr noe SP seznam edad, oe emos da repo ttt opr ate iro sem stars da ors Projo gio Reina Fras Revi ogi Tvs da Rocha Proprio ndice Cece Morin igo, al 2004 ‘Tiger: 3000 exempaes conaeast. camuncaghoxA rowre Sat Boa, Fone. 888.1982 Afonso aeplgia erin, 185-191 scala Bow: gio ease GeapeW Steg, eet Remar ‘Mata Ce Lin Bente: eis ozs Mao Aino Tee Gongs CérBejnia ode ano = Congas ors ‘rf de The Shaping of American Anieology, 1819-3 Fre aren Tec ogtia ISBN 545910607 (Conznons) SBN 8571082723 stom UP) |.Boss, Fran, 1561942 2. Anopolpa I. Stcig, Gears Je 1838. IL Ta. ‘Sumario Prefécio intRoDUGAO Os pressupostos bisicos da antropologia de Boas ~ paRTE 1 As premissas da antropologia de Boas L.A hist6ria da antropologia 2. O trabalho antropolégico de Rudolf Virchow _— 3.0 pano de fundo dos meus primeiros pensamentos” 4. A vida psiquica a partir de um ponto de vista mecanicista 5. Um ano entre os esquimés — PARTE M1 Pontos de vista antropolégicos basicos 6. Do meio ambiente geogrfico aos fatos histéricos 7. Os principios da classificacdo etnolégica — 8. 0s objetivos da etnologia — 9, Sobre sons altemnantes 10. Comentérios sobre a teoria da antropometria, = PARTE 111 Uma amostra do trabalho de campo de Boas 11, Dos esquimés para a ila Vancouver 12, Trabalho de campo para a Associaco Britdnica, 1888-1897 13. A expedicdo Jesup ao Pacifico Norte 14, Textos kathlamet 15. A fungéo documental do texto 16. Um retrato verdadeiro para os tempos futuros 17. “Este livro contém 0 meu discurso” PARTE Iv O folclore e a critica a0 evolucionismo 18, As “adesdes” de Tylor e a distribuigo dos elementos-mitos 19. As mitologias dos indios 20. A mitologia dos indios bella coola 39 a 31 8 6 Resaee ut us 7 139 148 193 194 195 161 163 167 183 paRTev Oestudo analitico da lingua 21. Classificagdo das Linguas da costa do Pacifico Norte 22. Um compéndio das inguas norte-americanas 23, Esbogo da lingua kiwakiutl 24, Um estudo puramente analitico da lingua 25. A relagio do tlingt e do athapascan 26. Os maneirismos da fala de grupos sociais 27. Alguns aspectos filol6gicos da pesquisa antropol6gica — PaRte vi A critica ao formalismo na antropologia fisica 28, A antropologia do {ndio norte-americano 29, Mudancas na forma corporal dos imigrantes 30, Instabilidade de tipos humanos — Parte vit Capacidade racial e determinismo cultural 31. A capacidade humana conforme determinada pela raga 32. Problemas psicolégicos na antropologia — pane vin Panoramas antropolégicos 33, A religido dos f 34, Antropologia ~ PARTE 1X A difusdo da antropologia 35. O plano de Boas para a antropologia americana 36. O ensino de antropologia na Universidade de Colimbia 37. O seminério de p6s-graduagio de Boas 38. Apelo por uma grande escola oriental 39. As fungdes educativas dos museus antropolégicos 40. Planos de pesquisa na América Central ¢ na América do Sul 41. Um residuo de amargura 193 195 203 247 219 22 22 29 231 244 258 265 293, 309 a 323 3a 345 349. 353 383 357 361 363 — PARTE x Antropologia e sociedade 42. A perspectiva para o negro americano 43, Mudando as atitudes raciais dos americanos brancos, 44, Problemas raciais na América 45. O nacionalismo americano e a Primeira Guerra Mundial 46. Um voto de protesto para o Partido Socialista 47. Os cientistas como espides — 48, Liberdade para ensinar Bibliografia indice 367 370 378 380 304 399 400 401 401 47 Diante do nimero de textos de Franz Boas publicados nos sitimos anos,! a arriscada aventura de reimprimir mais textos de Boas requer alguma explicagéo, Em poueas palavras, essa explicagio se reduz ao seguinte: ‘fo existe nenhum volume que trate de forma abrangente do esforco antropolégico de Boas durante as décadas em que ele remodelou a an- ‘ropologia americana e definiu as principais linhas de seu subseqiiente ‘desenvolvimento até a metade do século XX. A publicagdo mais préxima deste volume talvez.seja a selegdio que 0 préprio Boas fez, no final de sua carreira, dos seus escritos antropol6gicos curtos que considerava mais importantes (Boas 1940). Evidentemente, essa selegdo continua a ser a referéncia definitiva de seu ponto de vista antropolégico, tal como ele de- sejava que fosse preservado. Nao é surpreendente que dé maior impor- ‘ancia a dltima metade da sua longa carreira, Mais de 2/3 dos 62 textos selecionados foram originalmente publicados depois de Boas ter feito 50 anos, isto é, depois que seu ponto de vista bisico estava definido, que suas obras mais influentes estavam escritas e que sua autoridade na pro- fissdo jé estava estabelecida. Essa énfase —e as mudancas pequenas mas significativas introduzidas em alguns textos mais antigos — parecia justi- ficada para uma pessoa que se manteve ativa até morrer aos 84 anos. ‘Mas, trinta anos mais tarde, quando se tomou possfvel ver Boas como uma figura histérica (Stocking 19688) e como foco de uma controvérsia 1. Em todo este volume, usei o estilo de citagto parentético das revistas de antro- pologia, indicando simplesmente o autor, o ano € o aimero da pagina (sempre que necessrio). As citagbes completas serdo encontradas na bibliografiano final, © que inclu referéncias&s seguintes publicacdes recentes de Boas: Boas 1888 (eimpres- so 1964); Boas 191 la (reimpressio 1966); Boas 1938 (reimpressio 1965); Boas 1940 (ceimpress8o 1966); Boas 1945 (reimpressio 1969); Boas 1966; Rohner 1969. PRerAcio teérica (Harris 1968; White 1963), pode-se argumentar que sua prépria selegto necessita de um suplemento. Ha um problema: perdemos de vista o momento de plenitude de uma Pessoa que permaneceu tio vigorosa por tanto tempo. Hié uma tendéncia ‘ pensar em Boas como uma figura da década de 1920, quando seus estu- dantes mais antigos, ainda vivos, tiveram os primeiros contatos com ele. Mas, pelos padres atuais, ele estava entio na idade de se aposentar. Na verdade, 0 apogeu de sua carreira ocorreu nas duas décadas que cer- cam a virada do século. Em 1906, ele ja tinha recebido a honra de um Festschrift (Laufer 1906); 1911 foi o ano em que ele publicou sua obra ‘mais importante em cada uma das trés reas de seu interesse antropol6gi- co (Boas 19112, b,c). Este volume tenta apresentar Boas no seu contexto ¢ no seu apogeu, Tenta apresenté-lo na sua totalidade. Embora Race, Language, and Cul- ‘ure (Boas 1940) tenha reunido os principais aspectos de seu trabalho an- tropol6gico substantivo, 0 foco definido pelo titulo exclufa aspectos de sua carreira que talvez sejam to importantes e freqiientemente t20 ab- sorventes quanto seu verdadeiro trabalho cientifico. Por isso, incluf algu- ‘mas selegdes que pretendem mostrar o papel de Boas na propagacio da antropologia e na aplicacéo da disciplina a varias questdes de interesse piiblico geral ‘Tendo definido os objetivos deste volume em termos ambiciosos, é ne- cessério fazer duas adverténcias, Por um lado, nfo tentei retratar Boas na plena extensio da biografia pessoal — embora tenha escolhido para © frontispicio um retrato em que suas cicatrizes de duelo sio vistveis. © foco foi ajustado para a vida profissional de Boas. E desnecessério di zer que, mesmo assim, boa parte de sua personalidade é revelada nesse processo. Por outro lado, minha tentativa de contextualizar é limitada pelo fato de que esta é uma coletinea de Boas; todos os textos so seus. Nos limites dos objetivos acima definidos, o problema da selego foi ‘muito dificil. Antes do final de 1911, hé cerca de quatrocentas entradas na bibliografia de Boas (Andrews et al. 1943). Entretanto, como a pr6- pria selegfo de Boas ainda est em processo de publicacéo, e como o pre~ sente volume s6 pode ser considerado suplementar, 0 problema foi sim- plificado pela exclustio de tudo o que aparece em Race, Language, and ‘Culture — bem como de outros textos recentemente reimpressos em ou- PREFACIO tras publicagdes. Evidentemente, um prinefpio de exclusto nfo soluciona © problema da selegio — especialmente se significa omitir exposig&es cruciais como “As limitagdes do método comparativo em antropologia” (Boas 1896a), Mas, em conjunto, acho que fui capaz. de encontrar textos ainda nio reimpressos que iluminam os aspectos principais de seu ponto de vista global. Esse principio foi um estimulo para recuperar um consi-

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