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5 PROPOSTA DE CARACTERIZACAO DOS PROCEDIMENTOS TECNICOS DA TRADUCAO A revisaéo da literatura efetuada no capitulo anterior (q.v. 2) mostra que os procedimentos técnicos da tradugao so propostos como uma tentativa de responder 4 pergunta “como traduzir?”. O trabalho pioneiro a enumerar esses procedimentos foi o de Vinay e Darbelnet (1977), sendo que os trabalhos subseqiientes aqui examinados ou se reportam diretamente a esse trabalho, ou fazem uma reformulagaéo do mesmo. Constatando que os procedimentos descritos por Vinay e Dar- belnet (1977) nao eram suficientes para dar conta de todos os modos de traduzir empregados nas tradugdes, os autores examinados (q.v. 2) acrescentaram outros a eles, ou eliminaram alguns que nao conside- ravam pertinentes. Existem discrepancias também no modo como os autores exa- minados (q.v. 2) descrevem e recortam os procedimentos técnicos da tradugao, sem falar na divergéncia terminoldgica entre eles. Neste capitulo, apresento uma proposta de caracterizagao dos procedimentos técnicos da tradugéo onde procuro combinar as visdes dos autores examinados, acrescentando procedimentos aos lis- tados por Vinay e Darbelnet (1977) e, ao mesmo tempo, reagrupando e eliminando alguns dos procedimentos descritos posteriormente, por considerar que estao, na realidade, embutidos em outros. Procuro, também, adotar uma terminologia que considero mais adequada, visando a eliminar algumas das dificuldades ocasionadas por sua variacéo entre os autores examinados. 63 Acredito que, assim, podera estar facilitada a tarefa do tradutor, que teré & sua disposig&o uma série de procedimentos que efetiva- mente recobrem o que acontece no ato da traducao. A clareza terminolégica, acredito, poderd também facilitar a ta- refa de professores ¢ alunos de traducao, que nao mais se verao diante de uma série de discrepancias entre diversos autores. Espero também que esta recaracterizacio seja til em futuros estudos sobre a tradug&o, j4 que os problemas terminolégicos podem ter uma influéncia negativa em alguns trabalhos, conforme mostro em 4.1. Além disso, na minha segunda proposta de recategorizacaio dos procedimentos técnicos da tradugao, j4 utilizo a recaracterizagao que apresento a seguir, acredito que com resultado positivo. Considero, em minha proposta, um total de treze procedimentos, a saber: a tradugGo palavra-por-palavra, a tradug@o literal, a trans- posigao, a modulagado, a equivaléncia, a omissao vs. a explicitagdo, a compensacao, a reconstrugGo de periodos, as melhorias, a transferén- cia — que engloba o estrangeirismo, a transliteragdo, a aclimatagao e a transferéncia com explicaga@o — a explicag@o, o decalque e a adap- tagao. Estes procedimentos sao descritos abaixo. 3.1. A TRADUCAO PALAVRA-POR-PALAVRA A tradug@o palavra-por-palavra corresponde a expectativa que muitos tém a respeito da tradugao. Enquanto procedimento tradutério, é definida por Catford (1965), Newmark (1988) e Aubert (1987). E caracterizada aqui segundo a definig&o de Aubert (1987:15): a tradug&o em que determinado segmento textual (palavra, frase, oragéo) é expresso na LT mantendo-se as mesmas categorias nu- ma mesma ordem sintdtica, utilizando vocdbulos cujo semanti- cismo seja (aproximativamente) idéntico ao dos vocdbulos cor- respondentes no TLO, por exemplo: 64 he wrote a letter to the mayor foo thd saabnc bie} ele escreveu uma carta para 0 prefeito sans retard sem demora Seu uso € restrito, porém, pois € rara uma convergéncia tao grande entre as linguas. A esse respeito, comenta Aubert (1987:16): “E relativamente facil perceber que, encarado como um todo, a tra- dugéo de um texto de certa extensio (dois ou mais periodos compos- tos) jamais poderé ser empreendida” palavra-por-palavra. 3.2. A TRADUCAO LITERAL A tradueao literal corresponde a idéia mais difundida a respeito da tradugfo, e é definida por todos os autores examinados para o presente trabalho (q.v. 2). E caracterizada aqui tomando por base as definigdes de Catford (1965), Newmark (1988) e Aubert (1987). Aubert (1987:15) considera a traducdo literal como “aquela em que se mantém uma fidelidade semantica estrita, adequando porém a morfo-sintaxe 4s normas gramaticais da LT”, Cita como exemplos os segmentos textuais abaixo, onde € possi- vel observar as alteragdes morfo-sintdticas a que foram submetidos, sendo que essas alteracdes é que distinguem a traducao palavra-por- palavra da traducao literal (cf. Aubert, 1987:16), is a known fact ees =~ é g fato conhecido il est allé, en ville (ele) foi a cidade Muitos autores, notadamente Vazquez-Ayora (1977), parecem repudiar totalmente a tradugdo literal como a fonte de todos os erros 65 na traducao. No entanto, como apontam Aubert (1987) e Newmark (1988), ela pode ser necesséria, ou até obrigatéria. Pode ser neces- séria em um tipo de tradug&o que tem como objetivo a comparagao com o texto original, como em certas edigdes bilingiies. Pode ser obri- gat6ria na tradugio de certos documentos. Nesse caso, observa Aubert (1977), a tradugao literal — ou mesmo palavra-por-palavra — deixa de ser meramente um reflexo de uma coincidéncia estrutural e cul- tural entre duas linguas, para tornar-se um procedimento tradutério deliberado. Segundo Newmark (1988), é o procedimento recomendé- vel sempre que for possivel. 3.3. A TRANSPOSICAO A transposigéo consiste na mudanga de categoria gramatical de elementos que constituem o segmento a traduzir, como se observa nos exemplos abaixo: she said apologetically — adyérbio (ela) disse desculpando-se — verbo reflexivo (ela) disse como justificativa — adjunto adverbial she said reproachfully — advérbio (ela) disse censurando — verbo (ela) disse em tom de reprovagaéo — adjunto adverbial Observa-se que h4 mais de uma opcdo de tradugao para cada segmento, 0 que indica que a transposi¢ao nao é um procedimento obrigatério. Muitas vezes serd possivel também uma tradugdo literal (tal como definida aqui, g.v. 3.2) do segmento. No segundo segmento citado acima, por exemplo, existe no por- tugués a possibilidade de se manter um advérbio na traduc&o, como se vé abaixo, tornando a traducio literal. she said reproachfully — advérbio (ela) ‘disse repreensivamente — advérbio (ela) disse recriminadoramente — advérbio 66 Assim sendo, a transposigao pode ser obrigatéria, quando é im- prescindivel para que a tradugao se atenha as normas da LT, ou fa- cultativa, quando é realizada por raz6es de estilo, como para se evitar © excesso de advérbios com sufixo mente, na tradugao do inglés para © portugués, considerado deselegante e que, na minha experiéncia, Constitui uma recomendagéio expressa de editores brasileiros. Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, g.v. 2.1), Vazquez-Ayora (1977), Newmark (1988) e Catford (1965). 3.4. A MODULACAO A modulagao consiste em reproduzir a mensagem da TLO no TLT, mas sob um ponto de vista diverso, o que reflete uma diferenca no modo como as linguas interpretam a experiéncia do real, como nos exemplos abaixo, na tradugdo entre o inglés e o portugués. like the back of my hand___como a palma da minha mao keyhole ——_,buraco da fechadura Nos casos apresentados acima, a modulagao € obrigatéria, encon- trando-se- inclusive dicionarizado o segundo exemplo (keyhole = bu- raco da fechadura, cf. Houaiss, 1981:319). Este procedimento pode também ser facultativo, refletindo entao uma diferenga de estilo, as- pecto abordado por Vinay e Darbelnet (1977). Vé-se abaixo um exem- plo de modulagao facultativa: It is easy to demonstrate E facil demonstrar (tradugao literal) Nao € dificil demonstrat (modulagao) Este procedimento € definido por Vinay e Darbelnet (1977, qv. 2.1, p. 28), Vazquez-Ayora (1977) e Newmark (1981, 1988). 3.5. A EQUIVALENCIA A equivaléncia consiste em substituir um segmento de texto da LO por um outro segmento da LT que nao o traduz literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente. 67 Este procedimento é normalmente aplicado a clichés, expressdes idiomAticas, provérbios, ditos populares e outros elementos cristaliza- dos da lingua, como nos exemplos abaixo: God bless you! i Satide! Gesundheit! ‘Deus te crie! It’s a piece of cake, —_________» Ef sopa. UTS Ey fears ————> Atenciosamente Sincerely yours +» Este procedimento foi defendido por Vinay e Darbelnet (1977, qv. 2.1, p. 29), Vazquez-Ayora (1977:313-322) e Newmark (1988: 90-91), Newmark (1981, 1988) considera o equivalente cultural, 0 equi- valente funcional e o equivalente descritivo como procedimentos inde- ; pendentes, mas estes procedimentos estao englobados aqui sob a equi- valéncia, considerada como um procedimento mais geral. 3.6. A OMISSAO VS. A EXPLICITACAO A omissdo consiste em omitir elementos do TLO que, do ponto de vista da LT, sao desnecessdrios ou excessivamente repetitivos. Na traducéio do inglés para o portugués, este procedimento é usa- do, por exemplo, em relagéo aos pronomes pessoais. Em inglés ocorre aquilo que, em portugués, seria considerada uma repetigao excessiva deles, j4 que o portugués, auxiliado pelas desinéncias verbais que deixam claro a que pessoa se refere o verbo, costuma omitir o pro- nome pessoal na posig&o de sujeito, ao contrério do inglés, onde é obrigatéria sua presenga. Na tradug&o do inglés para o portugués seria usado, para o mes- mo caso, o procedimento inverso, a explicitagao do pronome, pois sua presenca € obrigatéria em inglés. Estes dois procedimentos foram definidos por VA4zquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p. 46). 68 3.7. A COMPENSACAO A compensacao consiste em deslocar um recurso estilistico, ou seja, quando nao € possivel reproduzir no mesmo ponto, no ele um recurso estilfstico usado no TLO, o tradutor pode usar um outro, de efeito equivalente, em outro ponto do texto. Os trocadilhos, por exemplo, quando no podem ser efetuados com um mesmo grupo de palavras, podem ser feitos em outro ponto do texto onde sejam possiveis, para equilibrar o texto estilisticamente. E comum dizer-se, ao criticar as tradugGes, que “empobreceram” 0 texto. Este empobrecimento seria a auséncia no TLT dos recursos estilisticos empregados pelo autor no TLO. Cito abaixo um trecho de Alice in Wonderland (cf. Carrol, s/d: 53), por Fernando de Mello (cf. Carrol, 1976:89-90) onde podem-se notar perdas e compensacées: THE RABBIT SENDS IN A LITTLE BILL It was White Rabbit, trotting slowly back again, and looking anxiously about as it went, as if it had lost something; and she heard it muttering to itself, “The Duchess! The Duchess! Oh my dear paws! Oh my fur and whiskers! She'll get me executed, as sure as ferrets are ferrets! Where can I have dropped them, I wonder?” Alice guessed in a moment that it was looking for the fan and the pair of white kidgloves, and she very good-na- turedly began hunting about for them, but they were nowhere to be seen — everything seemed to have changed since her swim in the pool; and the great hall with the glass table and the little door, had vanished completely. O COELHO MANDA-LHE O LAGARGO PELA CHAMINE Era o Coelho Branco que 14 vinha, aos saltos, devagar e as voltas como quem perdeu alguma coisa; e Alice ouviu-o murmu- rar: “A Duquesa! A Duquesa! Ai as minhas patinhas, ai as minhas suigas e os meu bigodes! Vai mandar-me executar, tao certo como eu me chamar Coelho! Onde é que eu os teria deixado cair?” Alice adivinhou logo que ele andava a procura do leque e das luvas brancas de pelica e, como era boa por natureza, comegou 69 também a procuré-los, mas sem os ver em nenhum lado — via-se que tudo tinha mudado depois que ela tinha comegado a nadar no lago: o 4trio com a mesa de vidro e a porta pequena, tudo tinha desaparecido por completo. Este procedimento é examinado por Nida (1964), Vazquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p. 47) e Newmark (1981, 1988). 3.8. A RECONSTRUCAO DE PERIODOS A reconstrugao consiste em redividir ou reagrupar os perfodos e¢ oragdes do original ao passé-los para a LT. Na tradugdo do portugués para o inglés é muitas vezes necessdrio distribuir as oragdes complexas do portugués em perfodos mais curtos em inglés. Na traducdo do inglés para o portugués ocorre o inverso. Observo isso com freqiiéncia quando traduzo manuais do usuario do inglés para o portugués. De modo geral, meus clientes nao aceitam os perfodos curtos do inglés, achando que dao ao texto em portugués um tom excessivamente infantil. Um exemplo de reconstrugéo de perfodos realizado por mim pode ser visto abaixo em 3.9. Este procedimento é descrito por Newmark (1981, g.v. 2.1.5, p. 55). 3.9. AS MELHORIAS As melhorias consistem em nao se repetirem na tradugado os erros de fato ou outros tipos de erro cometidos na TLO. E este o procedimento que utilizo quando traduzo para o inglés os relatérios de bolsistas de uma instituigéo beneficente. Alguns deles, ao escreverem seus relatérios, cometem varios tipos de erro. Como o relatério visa apenas a informar aos supervisores da entidade nos Estados Unidos acerca do desenvolvimento dos projetos dos bolsistas —e nao a refletir seu idioleto — corrijo automaticamente tais erros, como no exemplo abaixo (cf. Farias, 1988): 70 O trabalho seré desenvolvido em 04 etapas a 1.° etapa do tra- balho consta da sensibilizagdo dos professores, nesta etapa cada grupo apresenta relize de seus trabalho que serao discutidos em reuniao com todas as diretoras e professores de educacio artfs- tica, comunicagao e expresso e Estudos Sociais. (sic.) The work will be developed in four stages. The first is to make teachers aware of the issues. At this stage each group will present an oral summary of their work to be debated at meetings whith the school principals, and art, language, and social studies teachers. Este procedimento foi definido por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55, 1988). 3.10. A TRANSFERENCIA A ftransferéncia consiste em introduzir material textual da LO no TLT. A denominagio “transferéncia” para este procedimento é a preferida por Newmark (1988:81-82). A transferéncia pode assumir as formas abaixo: 1) estrangeirismo 2) estrangeirismo transliterado (transliterago) 3) estrangeirismo aclimatado (aclimatag4o) 4) estrangeirismo + uma explicagao de seu significado, que pode ser: a) nota de rodapé b) diluig&o do texto. Esses procedimentos serao descritos a seguir. 3.10.1. O Estrangeirismo O estrangeirismo consiste em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocdbulos ou expressdes da LO que se refiram a um conceito, técnica ou objeto mencionado no TLO que seja desconhe- cido para os falantes da LT. 1 O vocdbulo ou expressio apareceré no TLT entre aspas, em itlico ou sublinhado marcando o itélico — isto é, com uma marca grafica de que se trata de vocdbulo estranho a LT — o que é obri- gatério nas normas brasileiras de editoragao (cf. Silva, 1984; Houaiss, 1975). Este procedimento € definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 25). Ao defini-lo, denominam-no “empréstimo,” apropriando & teoria da tradug&o um termo ja utilizado pela lingiifstica, dando-lhe uma acepgao diferente, pois falam de um “empréstimo” tomado no proprio ato da tradugao, e nao da utilizag&o de yocdbulos j4 incor- porados ao léxico da LT: “o que interessa ao tradutor sao os em- préstimos novos e mesmo os empréstimos pessoais” (Vinay e Darbel- net, 1977:47), observagao feita também por Nida (1964:137). Aquilo que entendem por “empréstimo”, portanto, outros autores chamam de estrangeirismo, como observa Yebra (1984:333). Concei- tuado pela lingiifstica, o estrangeirismo vem a ser um empréstimo vocabular nao integrado & lingua que o toma, conservando da outra os fonemas, a flexfo e a grafia. Com o passar do tempo, sendo o vocdbulo da lingua estrangeira amplamente aceito pelos falantes da que o acolheu, tende este a se adaptar & fonologia e a morfologia desta tiltima, caso em que se transforma em empréstimo (cf. Camara Junior, 1977:111), através de um processo denominado aclimatagao (cf. Pei, 1966: 3-4). Exemplos de empréstimos do inglés aclimatados no portugués sao: chulipa, escrete, nocaute, piquenique, sinuca, time. Suas formas em lingua inglesa sao: sleeper, scratch, knockout, pic-nic, snooker e team (cf. Ferreira, s/d, 321, 557, 975, 1091, 1037, 1378). O empréstimo lingiifstico, por sua vez, consiste, como foi dito acima, na incorporacéo de elementos de uma lingua em outra, “tais elementos podendo ser, em princfpio, fonemas, afixos flexionais, afi- xos derivacionais, vocdbulos ¢ tipos frasais” * (cf. Camara Junior, 1977:104). Embora o termo empregado por Vinay e Darbelnet (1977) nao seja estritamente correto, pelos motivos examinados acima, j4 adqui- riu livre curso entre tradutores, professores e tedricos da traducao Ao realizar o presente estudo, senti a necessidade de marcar a dis- ting&o entre os termos “empréstimo” e “estrangeirismo,” correntes na 72 lingitfstica, como foi visto acima, e 0 procedimento descrito por Vinay e Darbelnet (1977). Foi encontrada a mesma preocupacio em Newmark (1981:178-179), que sugere o uso dos termos “transcri- ao,” “transferéncia” ou “adogdo.” Proponho utilizar o termo trans- feréncia para 0 macro-procedimento que engloba outros que utilizam o elemento lexical do TLO no TLT. Reservei o termo estrangeirismo para aquilo a que Vinay e Darbelnet (1977) denominam “emprésti- mo,” a fim de evitar ir de encontro a terminologia tradicional em lingiiistica. 3.10.2. A Transliteragao A transliteragéo consiste em substituir uma convencdo grafica por outra (cf. Dubois et al., 1978:601; Pei, 1966:282), como no caso de glasnost, uma transliterag@o do alfabeto cirilico para o romano, e que nao deve ser confundida com a transcrigéo fonética (cf. Dubois et al., 1978; Pei, 1966). Como procedimento de traducdo, ocorre em casos de extrema divergéncia entre duas linguas, que nem sequer tém um alfabeto co- mum. Este procedimento € descrito por Catford (1965:26). Na traduco entre o inglés e o portugués normalmente nao ha- vera lugar para este procedimento, uma vez que as duas linguas uti- lizam o alfabeto romano. Podem ocorrer, contudo, elementos j4 trans- literados na LO. Sendo este o caso, é preciso obedecer as normas de transliteragao adequadas para cada Ifngua (cf. Maillot, 1975:147; Associacao Brasileira de Normas Técnicas, 1961:1). 3.10.3. A Aclimatagaéo A aclimatagdo é 0 processo através do qual os empréstimos sao adaptados a lingua que os toma (cf. Pei, 1966:3-4). Este processo pode também ser denaminado “decalque” (cf. Pei, 1966:34; Crystal, 1980:51). Através desse processo, um radical estrangeiro se adapta 4 fonologia e a estrutura morfolégica da lingua que o importa (cf. Camara Junior, 1977:105). Enquanto procedimento tradutério, a aclimatagao consistiria em o tradutor realizar, ele mesmo, essas transformagdes a que o emprés- timo estaria sujeito durante o uso pelos falantes da lingua que o adota. 73 Seria, portanto, um passo além do estrangeirismo (q.v. 3.10.1) em que a palavra estrangeira é simplesmente copiada da LO no TLT. Aqui, o vocabulo ja estaria sujeito a alguma transformagio, a ser efe- tuada pelo tradutor. Observo que, em meu trabalho de tradutora e de professora de tradugao, nunca tive a oportunidade de realizar este procedimento, de modo que concluo que o tradutor raramente o realiza: normalmente s6 depois que uma palavra é tomada de empréstimo pelo conjunto de falantes de uma lingua é que passar4 pelo processo de aclimatagao. Tal como observa Alves (1983), este procedimento s6 pode ser detectado em uma tradug&o através de uma andlise diacrénica, para determinar se jd havia sido utilizado anteriormente ou nao. 3.10.4. A Transferéncia com Explicagao A condig&o necesséria para o emprego da transferéncia na tra- dugao € que o leitor possa apreender seu significado através do con- texto. Muitas vezes 0 TLO nao permite esta compreensio, sendo ne- cessdrio acrescentar ao TLT procedimentos adicionais 4 transferéncia para proporcionar ao leitor um entendimento do significado do mesmo. Esses procedimentos adicionais, que se dividem em notas de ro- dapé e explicagées diluidas no texto, foram examinados em detalhe por Nida (1964) e Newmark (1981, 1988). Newmark (1988) enumera as trés formas que podem tomar as notas do tradutor: 1) notas de rodapé, 2) notas no final do capitulo e 3) notas ou glossdrio no final do livro. Além disso, a explicagao da transferéncia pode ser diluida no texto, assim evitando-se o emprego da nota de rodapé. Nesse caso, a explicagao pode aparecer entre virgulas, entre travessdes, entre aspas ou entre parénteses, como no exemplo abaixo: SAT, Scholastic Aptitude Test, exame de avaliagéo a que se submetem estudantes norte-americanos ao final do segundo grau como requisito para a entrada nas universidades,. . . 74 A explicag@o pode também tomar a forma de um “equivalente cultural” (cf. Newmark, 1988:82-83), por exemplo: Night School, © Supletivo americano,. .. ICM, the Brazilian sales tax... Ou pode tomar a forma de um “equivalente funcional” (cf. Newmark, 1988:83), livre de conotages culturais, como nos exemplos abaixo: High School (Escola Secundéria)... Cambono, an acolyte,... Surgeon General — Ministro da Satde — ... Wall Street, 0 mercado financeiro de Nova Iorque,... 3.11. A EXPLICACAO Havendo a necessidade de eliminar do TLT os estrangeirismos para facilitar a compreensfo, pode-se substituir o estrangeirismo pela sua explicagdo. Isso pode acontecer em uma pega de teatro, por exem- plo, em que, por uma questao de ritmo cénico, é preciso que 0 espec- tador tenha uma compreensao imediata da situagao. Este procedimento € descrito por Nida (1964), que o recomenda ao invés do estrangeirismo, particularmente quando comenta a tra- ducdo da Bfblia para leitura em voz alta, a qual geraria a mesma necessidade de compreensfo imediata que o teatro. Os exemplos oferecidos acima (q.v. 3.10.4) podem ser repetidos aqui, omitindo-se 0 estrangeirismo: . exame de avaliagZo a que se submetem estudantes norte- americanos ao final do segundo grau como requisito para a en- trada nas universidades.. . . © Supletivo americano... . the Brazilian sales tax... . Escola Secundaria. .. . acolyte . Ministro da Satie... . 0 mercado financeiro de Nova Jorque... 75 3.12. O DECALQUE O decalque consiste em traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais da LO no TLT, abandonando a confusio que se criou em torno do termo empregado por Vinay e Darbelnet (1977, g.v. 2.1.1, P. 27), j4 que, como foi visto, muitos autores interpretam o decalque como sendo uma aclimatagao do empréstimo lingiifstico. Tal como o estrangeirismo e a aclimatagao, 0 decalque s6 pode ser detectado em uma traducdo existente através de uma andlise dia- crnica, que determine se j4 havia sido usado ou nao, como observa Alves (1983). Newmark (1981, 1988) define dois tipos de decalque. Um deles € 0 empréstimo de tipos frasais Propriamente dito e o segundo é 0 decalque empregado na tradugéo de nomes de instituicdes, conforme nos exemplos abaixo: a) decalque de tipos frasais task force grupo tarefa textbook livro texto case study estudo de caso b) decalque de tipos frasais ligados a nomes de instituigdes INPS — National Institute for Social Welfare The People’s Republic of China — A Reptblica Popular da China 3.13. A ADAPTACAO A adaptacao € o limite extremo da tradugao: aplica-se em casos onde a situacéio toda a que se refere a TLO nao existe na realidade extralingtifstica dos falantes da LT. Esta situagao pode ser recriada por uma outra equivalente na realidade extralingiiistica da LT. Este procedimento foi descrito por Vinay e Darbelnet (1977, qv. 2.1.1, p. 30) e por Vazquez-Ayora (1977), além de ser comen- tado por Newmark (1988). 76 Tive a oportunidade de utilizar este procedimento ao traduzir manuais de treinamento de pessoal americanos para uma firma bra- sileira. Foi exigéncia do cliente que os nomes dos personagens citados nas histérias de caso, das entidades mencionadas (tais como universi- dades e firmas), bem como cidades, fossem substitufdos por outros bem brasileiros, a fim de aproximar da realidade dos empregados bra- sileiros as situagdes citadas como exemplos, sem, no entanto, alterar © contetido da teoria de trabalho em equipe que desejavam veicular. © mesmo deu-se em relacdo a situagdes tipicamente americanas, tais como hordrios de refeicgdes, tipos de alimentos, esportes prati- cados, que foram substituidos por outros mais comuns no Brasil. 77

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