You are on page 1of 24
O “lobby” nordestino: novos padres de atuagao politica no Congresso brasileiro Axtént0 Cani.0s Pojo po Reco Assessor Legisiativo da Camara dos Deputasos, Soci6logo, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande dp sul, 1871, ¢ Pés-Graduado em Soriologia, Universidade de $f Puulo, 1973. Introdugéo Quando se analisa o papel do Legislative nym determinado sistema politico, um dos primeiros objetos de indagagao é ajrelagao de representagao existente entre o membro do Legislativo e os setores da sociedade civil que © elegeram. Na verdade, 0 nexo privilegiado em ‘qualquer proposta deste sentido é 0 Parlamento como via de comunicagao entre o Estado e a socic- dade, & ele um orgao a nivel do Estado, mas conj caracteristieas especiais face aos outros poderes, j4 que retira sua legitimidade nado da competéncia técnica ou da possibilidade de aio eficaz sobre o Bistema econdmico como setores da burocracia e do aparalo do Estado, mas pelo conhecimento de que dispoe sobre as necessidades e as aspiragdes de setores do eleitorado a que representa. ‘ Tal constatagio, que é classica em ciéncia polftica, nos leva, necessaria- mente, a discutir que situagao passa a existir quando um Parlamento convive com um Estado caracterizado pelo autoritarismo, como identificamos no Brasil, na ultima década, sobretudo, Uma das definicoes mais precisas sobre o Estado brasileiro pés-AL-5 foi a de que se tratou de um “autoritarismo desmobitizador”, isto 6, de um regime fechada, com alta centralizacio do processo de decisio politica e que, a0 mesmo tempo, utilizou o seu poder sobre a sociedade nao para levi-la a um projeto de nagio que the era proprio. mas, ao contrério, para reforcar-ihe a apatia e a desmobilizagao politica. Podemos argumentar, sem medo de erro, que neste contexto, a agio do Parlamento se reveste de caracteristicas peculiares, que sdo diversas dos Parlamentos e dos Partidos que encontramos nos; regimes totalitarios, onde a agao de tais organizagdes se d4 no sentido de reforcar a mobilizagdo de segmentos da sociedade em apoio ao projeto do Estado, representado pelo programa e pela doutrina do Partido dnico. Num ambiente politico como o da Russia Soviética ou da Alemanha Nazista, a ado parlamentar, na medida em que ela existe, procura pautar-se pela obediéncia aos ditames da ideologia dominante, que se serve da instituigao parlamen}ar como um dos mecanis- mos de mobilizacao. < 21 n. BY jan./man “349 J& nos Estados autorit4rigs do tipo brasiieiro, 0 Parlamento exerce. antes de mais nada, uma funcdo legitimadora do regime, j& que, em se mantendo aberto e funcionando uma Casa legislativa eleita pelo sufragic Popular, caracteriza-se 0 e como representativo, mesmo que nao se submeta, em seus centros poder, ao teste eleitoral. A eleicao indireta para a Presidéncia da Republica, instituida pela Constituicéo de 1967, coloca 0 centro decisério fora do alcance dos eleitores, j4 que 0 controle do Colégio Eleitoral se processa de maneira bastante simples para o Sistema. O Parla mento, por outro lado, desprovido de grande parte de seus poderes, inclusive e principalmente, a sua prerrogativa de introducao de matérias financeiras (art. 57 da Constituigao), torna seguro o vinculo de representag3o, do ponto de vista dos detentores do poder, ja que significa uma valvula através da gual setores mals esclarecidos da populagso, principalmente urbanos, podem lemonstrar o seu descontentamento, sem que isto leve necessariamente a uma alteraco de politics publicas que estio sendo implementadas pela administracao. Um dos pontos que nos parecem importantes neste sentido é o de que © vincuio de representagio, dentro da sua definicio cldssica, comporta a nogio de informasio. O representante eleita por determinado setor da sociedade civil, quer através do critério de proporcionalidade, quer através de um distrito, deve informar o aparetho do Estado das demandas que os setores que Tepresenta fazem a este aparelho. & evidente que, na formula original, o papel do representante no fica sé af, Além de informar, ele também age como poder, isto é, na medida em que dispde dos votes neces sarios no Parlamento, o representante consegue efetivamente fazer valer as demandas de seus representandos, e transform4-las em normas e decisdes politicas e administrativas. Com a passagem de umia situagao democratico-liberal para uma situagio autoritaria, todavia, o componente de poder que est4 implicito na relagdo de representagao desaparece, e as decisées sobre a slocacdo de bens e servicos tio Estado passam a ser feitas a partir de critérios que nada tém a ver com demandas especificas e sim a partir de uma suposta racionalidade adminis. trativa, exercida pela burocracia dirigente e seus apéndices técnicos. E claro que, na pratica, as decisées nao sfo tomadas tecnicamente e, portanto, sem qualquer aporte polftico. Elas sio tomadas a partir de negociacoes politicas. mas, para participar-se delas, ndo mais se exige o velho contrato de repre- sentacdo, o mandato eletivo. Agora o poder e a influéncia se realizam de modo mais encoberto, mesmo quando a burocracia parece aceitar o principio do colegiado, como ocorre, por exemplo, nos diversos Conselhos de Desen- yolvimento (Econémico, Industrial ete.) que surgem apés 1988 no Brasil. © processo de admissio nestes féruns & o da cooptacio e no o da elei- sao, Neles permanece o verticalismo das decisdes buroctéticas: a eles cabe aconselhar, raramente decidir, ficando a decisao normativa a cargo da auto ridade superior (Ministro ou Presidente da Repablica). Como o assento em tais Conselhos é, como dissemos, fruto da cooptagao, nao existe a possibilidade de que neles ingressem elementos de areas perifé ricas ou contestatérias A orientagéo dominante, o que faz que exista uma grande previsibilidade das decisdes tomadas. Nao tendem a haver aportes 350 R. Int. lagisl. Brasilia o. 23 n. 81 jem./mor. 1986 para a decisio vindos de éreas que nao sejam centyais ao modelo de desen- volyimento adotado; falta, portanto, uma gama ‘de informacdes para o processo decisério. # neste sentido que podemos observar uma sobrevivencia funcional do representante eleito. numa situagao autoritaria, nid mais como ator provi de poder, mas sim como elemento fornecedor de informagdes para o proces- 80 decisério. Como as informagées que ele traz pata a decisio s4o informa- gées que expressam interesses de seus representagos, podemos dizer gue 0 parlamentar, no autoritarismo, passa a exercer, real ou potencialmente, a fungdo de “lobby” dos centros de deciséo do Executivo, ao invés de consti- tuir, ele proprio, um centro de poder que é submetido aos varios “lobbies” dos’ interesses especificos, Tal fungfo 6 aceita e reconhecida pelos patlamentares mas, muitas vezes, sofre cerceamentos por parte do Executivo. Este, na medida em que assume a ideologia “tecnoburocratica”, espera qué suas decisdes sejam to- madas a partir de critérios racionais e técnicos q nao sujcitas a qualquer tipo de influéncia de interesses particularisticos. 0 objeto deste artigo é observar como grupos fle Deputados e Senadores brasileiros, em dois momentos distintos destes dkimos dez anos, tentaram atuar como “lobby” organizado, veiculando reivindjcagées de uma area suje- ta a condicées de vida extremamente precarias: o Nordeste. Estes dois mo- mentos séo 1971, quando o modelo tecnocratico e autoritario no Brasil esté no auge de seu i presto, e 1979, auanda, com o processo de liberalizaca nao por coincidéncia, com a crise econémica. tal modelo esta em visivel deserédito, Em 1971, parlamentares da ARENA, o Partido oficial do regime, orga- nizam a COCENE, a Comissio de Estudos do Mordeste, que tinha como objetivo, segundo seu documento oficial. “propor subsidios ao Governo magna tarefa de solucionar o mais grave problenta da Nacdo, representado pelo atraso econémico e as disparidades regionais prevalentes no Nor- deste” (*). Como se vé, o objetivo 6 informar o Governo ofereeendo. como afirmou o Presidente da Comissio, Senador Dinarte Mariz. “sua visao poli- tica de conjunto sobre os diversos problemas” (4), Em 1979, j4 com o conjunto de medidas liferalizadoras que ficou co- ahecido como “abertura politica”, posta em cufso pelo Governo Ernesto Geisel, um outro grupo, composto iambém de Deputados arenistas, foi orga- nizado no Congresso, Ja agora, com o recesso db autoritarismo, 0 objetivo era mais explicitamente politico. Como diz o convjte para a primeira reuniao do grupo, pretendia-se “deixar claro que as Bancadas da ARENA do Nor- deste (...) podem dar uma contribuigdo maior e!mais efetiva aos planos do Governo é do Pafs, Basta que estejamos unidos ¢ saibamos, com grandeza, mas com respeito, reivindicar em bloco, negociar na proporgao da validade daquilo que representamos nesta Casa e na polftica nacional” (1) Apud Fotha de S$. Paulo, 228-71. 7. 3. £2) Declaracdes dadas & Folha de S. Paulo, 2-8-71. 18) Ducumento elaborado pelo Depitado Albérico Cordbiro para a reuntio das Banca- das do Nordeste, 10-8-79. ~ 351 Como podemos observar desta citago, existe um misto de énfases na posig’o adotada. Se, por um lado, ainda permanece 0 aspecto do subsidio, da “contribuigéo aos planos do Governo” (informagdo), podemos também observar expressdes come “reivindicagao” e “negociacao”, que estio muito mais no Ambito da agio politica do que da mera veiculagdo das necessidades regionais. De uma visio r4pida destes dois momentos, consideramos que ser& possivel observar o surgimento de novos padrées de acdo politica no Con- gresso brasileiro e, da reacao do Governo federal a ambas as tentativas, intuir a ideologia dominante e as formas como tal ideologia condicionou a agio politica do governo vis-hvis o Parlamento. 2. O episédio da COCENE Como condigéo bésica para que entendamos o que significou a criacdo. © trabalho, as conclusdes ¢ a agao governamental face 4 Comissao de Estudos do Nordeste (COCENE), é preciso que nos detenhamos sobre a situagao poli- tica e econémica do Brasil no inicio da década de 1970. A década anterior havia se encerrado com a sociedade civil brasileira submetida, de forma completa, ao arbitrio do Estado. 0 Governo, ocupado pelo General-de-Exército Emilio Garrastazu Médici, exercia um controle total sobre a Nacao, apoiado em instrumentos como o Ato Institucional n® 5, promulgedo em dezembro de 1968, e que permitia uma agio sem obstaculos Governo sobre a sociedade. Com os poderes conferidos pelo AI-5. 0 Presidente podia cassar mandatos parlamentares, suspender direitos politi- cos, praticar a censura 4 imprensa, legislar sem 0 Congresso, prender oposi- tores sem culpa formada. Nao parece haver qualquer diivida de que, ao menos formalmente, tal gama de poder fazia do Presidente um verdadeiro ditador e de seu grupo politico o dirigente incontaste do Estado. Paralelamente a este fortalecimento do Executivo, apoiado pelas Forcas Armadas que constitulam, numa frase do ex-Presidente Costa e Silva, “o pano de fundo” da administragao revolucionéria, surgiram, j4 no final da década, as primeiras manifestagoes da guerrilha urbana, recrutada entre os grupos de ultra-esquerda do movimento estudanti! e operario e que havia ingressado no cendrio internacional com 0 seqiiestro do Embaixador ame- ricano Charles Burke Elbrick, em setembro de 1989. Os movimentos de oposi¢éo com certo apoio de massa, que haviam mo- bilizado dezenas de milhares de manifestantes no Rio de Janeiro e em Sao Paulo, na verséo brasileira do “chie-en-lit” parisiénse do segundo semestre de 1963, haviam sido sistematicamente destruidos pelas forcas de seguranca, Grande parte dos lideres e quadros destes grupos passou para a clandestini- dade e, repentinamente, a “primavera” liberalizante de Costa e Silva fora substituida por um regime duro e inflexivel para com seus adversarios. Nesta atmosfera de virtual guerra civil, néo é de admirar que a ativi- dade politica tivesse sido relegada a um virtual esquecimento. A administra- 352 TR inf, teat, Brasilia o, 21m, BY jan./mor. 1984 Gao federal, seguindo o seu modo de “seguranca e desenvolvimento”, formou seus quadros técnicos com pessoal capacitado e ideologicamente confiavel e, com a criago desta “tecnoburocravia”, procurou administrar a Nacdo a par- tir de critérios pretensamente racionais ¢ neutros, sem qualquer lugar para a barganha e a negociacdo politica. Neste inicio da década de 70, 0 Brasil trilhou o mesmo tipo de caminho que um grupo de nagées do Tereeiro Munda, submetitias a regimes militares modernizantes (Chile, Argentina, Indonésia, Nigéria; entre cutros), sob os olhares simpaticos do Departamento de Estado, sob & orientagao da politica de “benign neglect” da administragdo Nixon. A prdcura da eficiéncia eco- némica a qualquer custo e a tentativa de alcancar altos indices de cresci- mento do PIB marcaram os anos Médici, refictinda externamente naquilo que foi denominado de “milagre brasileiro”, sucessor do “milagre alemao” e contemporaneo ao “milagre coreano”. Embora convocado apés nove meses de recesso que se seguiram 4 edigéo do AI-5, 0 Congresso Nacional era obrigado a conviver com severas limitagdes a sua autonomia, representadas nao s6 pelo AI-S como também pelas extensas alteragées na Constituicdo de 1967 (que ja fora ela propria bastante menos liberal do que a que a antecedera, promulgada em 1946). Estas alteragées faziam parte da Emenda Constitucignal n° 1, outorgada em. 1969 pela Junta Militar que sucedera a Costa e Site, afastado apés sofrer um derrame cerebral em agosto de 1969. Nao desejando perpetuar uma sizuagao anémala (a Junta assumira o poder impedindo que o Vice-Presidente Pedro Aleixo, um civil liberal, assumisse a Presidéicia), os militares conse: guiram estabelecer um consenso em torno do nome do Comandante do Il Exército (e antigo Chefe do SNI), Emilio Médici, para a Presidéncia. A indicagio de Médici, resolvida a nivel do Alto Comando do Exército, precisava dispor de uma legitimidade que a Junta nao Ihe podia dar. Para isto, e temos ai um bom exemplo do misto de respeito e aversdo que os militares dedicavam as instituighes representativasj vonvoca-se 0 Congresso para “eieger” o candidato indicado pelas Forgas Armadas e que fora apre- sentado pela ARENA, A eleigao se faz, com Médi mo candidato unico. e os generais passam a dispor de um Presidente eleito pela sistematica cons tucional. Trata-se, porém, de um Presidente que tem como base de apoio os quarléis e nao aparatos politicos. A agao parlamedtar se dé no sentido de legitimar a decisao dos militares, mas nao existe qhalquer tentativa, mesmo ao nivel do discurso oficial, para fazer crer que os politicos haviam parti- cipado da decisao. Ausentes da escolha do Presidente. os politicos irao continuar margina- tizados dos centros de decisdo sobre a politica ecanémica, posta sob o con- trole do grupo de tecnocratas sob a lideranga do Ministro da Fazenda Anto- nio Delfim Netto. A atividade politica atinge o ponto mais baixo de seu pres- tigio junto a opinido publica e continua sob a sugpeigao dos militares, que nao perdoam os congressistas por sua ‘deslealdad¢” ao Governo no episodio Moreira Alves, o Deputado cujo processo por difamacao as Forcas Armadas, negado pela Camara em dezembro de 1968, dera origem 4 crise que desem- bocara no ALS. Nesta ocasiao, mesmo parlamentares proximos das oposicoes 221 a. 81 jam/mar, 191 "353 do Governo, como o atual Vice-Presidente da Repiiblica, o entio Deputado Aureliano Chaves, haviam votado contra a concessdo de licenca para 0 proceso, Em termos de opiniéo pfiblica, a censura 4 imprensa e a aparente inér- cia do Congresso face ao controle militar sobre o Executivo deram origem a atitudes de apatia e mesmo de rejeicao aos movimentos de oposigao, que tinham sua expressdo legal no MDB, Movimento Democrdtico Brasileiro, 0 Partido legal de oposi¢so. O MDB sofre um repiidio do eleitorado oposicio- nista dos grandes centros, que Ibe permitira um relativo crescimento (em termos das bancadas anteriores) nas eleigGes legislativas de 1966, as primei- ras que haviam sido realizadas com o quadro politico-partidario dividido entre Governo (ARENA) e Oposicao (MDB). Em 1970. nas novas eleigoes legislativas que se realizam em novembro, os votos nulos e brancos sio em numero superior aos dados a candidatos da oposicao em varios Estados. A extrema esquerda sobrevivente, desiludida com a via parlamentar, faz cam- panha pelo voto nulo (*), O Congresso que surge da eleic¢io de 1970 é dominado incontestavel- mente pelo Partido do Governo, que consegue eleger 223 entre 310 Depu- tados e 40 entre 46 Senadores. A oposicio resta muito pouco a ndo ser 0 desespero e mesmo posigées favorveis & autodissolugao, 34 que ndo existem condigdes para o jogo polftico. & neste ambiente que vamos encontrar as primeiras tentativas de agéo parlamentar, organizada para “trazer subsidios” a atuagdo do Governo no lordeste. 1969 foi um ano de uma forte seca no Nordeste. Em determinadas regides a estiagem significou a quebra das safras em até 90 por cento, com resultados previsiveis sobre as populagdes de baixa renda. Aumentou o éxodo de populagdes do Nordeste para o Centro-Sul do Pais, sempre intenso na medida em que tais contingentes imaginam encontrar acolhida dos empregos indvstriais que surgem no eixo Rio—Sdo Paulo. Muifos, sem qualificagao e sem recursos, vao apenas engrossar os contingentes margina- lizados das periferias urbanas, No Nordeste, a situagdo ¢ de calamidade piblica. Visitando a regio, 0 Presidente Médici afirma o seu horror (devidamente documentado na tele- visio nacional) diante das condigoes que encontra. Mesmo 6rgéos da imprensa, como o Financial Times, se referem 2 situagao critica do interior brasileiro. Numa matéria de 14 de maio de 1971, © correspondente do jornal, David Lascelles, refere-se A dificil situapdo na regiao. Lascelles d4 ao seu artigo o titulo bem caracteristico de “Médici helps the Northeast”, No regime claramente personalista em que vive o Pais, tudo parece provir da figura (paternal e mesmo algo populista) do General- Presidente, Bsta € nao s6 a visto da imprensa estrangeira, mas representa igualmente o tipa de enfoque que é dado pelos jornais brasileiros. (4) Esta campanhe pelo ycto nufo obtém um relative sucesso, na medida em que, enize 22435501 eleitores que comparecem as urnes (en un eleltorado de 289 railn6es) 108 mithées yotam no Governo, 47 milhdes na oposicio e €,7 milhées vyotam em branco ou alam seu voto 354 RL inf. fegiat. rani 21 n. 61 jan./mor. 1966 Apesar da figura do Presidente e da movimentagdo dos tecnocratas no combate a seca e As suas conseqiiéncias, os politicgs da regio, eleitos com alguma facilidade em 1970, procuram também apresentar a sua contribuigao para o debate sobre 0 Nordeste. £ importante que se tenha em mente que o Nordeste nao é um proble- ma novo na consciéncia nacional brasileira. Desde 4 década de 1870, ainda durante o Império, as periédicas secas do Nordeste tém chamado a atencao dos governantes e da opinido piblica. Durante ddcénios a tendéncia dos diversos governos foi de construir obras de irrigacad nas zonas mais sujeitas 4 seca, Na década de 1920, foi criado o DNOCS —'Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, que tinha como responsabilidade a implantacao de projetos de irrigacao e a construgdo de agudes na regiao. As diversas Consti- tuigGes republicanas estabeleceram percentuais fixos da arrecadacao federal que deveriam ser empregados em projetos de desenvolvimento da regiao, yariando de 3 a 6 por cento. Em dezembro de 1959, através da Lei n? 3.692, foi criada a Superin- tendéncia de Desenvolvimento do Nordeste — SUDENE, que deveria, pela coordenagio dos esforgos governamentais e privados, diminuir a distancia existente entre o Nordeste e o resto do Pais, eliminando os bolsées de pobreza absoluta e aumentando o ritmo de crescimento da regiao, Na realidade, os problemas da regio, que nap eram poucos em 1959, nao deram mostras de terem sido resolvidos nos vite anos de existéncia do érgio. Com 1,6 milhao de km*, o Nordeste tem hoje 36 milhdes de habi- tantes, vivendo em sua imensa maioria em situagdg de grande caréncia. Em 1976, para dar apenas um exemplo, 45% da populagao economicamente ativa recebia menos de um salario minimo, na época Cr§ 602,40. Segundo dados da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica intitulada PNAD — Pesquisa Nacional por Amostragens de Domicilios, realizada, portanto, por um érgio oficial, em 1976 a renda média da populacio econo- micamente ativa equivatia a 54% da brasileira ¢ o Produto Interno per capita do Nordeste, a 40% do brasileiro. Nao obstante, a intencio do Governo Juscelino Kubitschek, ao enviar ao Congresso, em 2 de fevereiro de 1959, 0 projeto‘de lei criando a SUDENE era influir decisivamente na alteragio deste quadro. Na mensagem presi- dencial que acompanhou 0 projeto proposto, afirma o Presidente: “Dentre os grandes problemas de Governo cuja solucao recla- ma reformulagao ampla, fugindo aos critérios tradicionais, nenhum oferece no momento presente maior gravidade e transcendéncia que o da crescente disparidade de grau de desenvolvimento e de nivel de vida entre as diferentes regides do Pais.” Belas palavras, sem diivida, mas desde logo hs condigdes politicas que davam embasamento a tais propésitas foram profundamente alteradas. Com a revolugdo de 1964, os militares no poder procuram alterar as condigées de atuacdo da SUDENE. que passa a ser vista como drgao viabili- zador de industrializacdo da regio, nao mais através de recursos do Tesouro, como os previstos nas Constituigdes anteriores, mas de incentivos fiscais, f = R. Inf. legisl, Brasilia a, 21 0, 81 jan./mar. 1984 : 335 recursos que sao transferidos diretamente das empresas, em geral do Centro-Sul, para o Nordeste, com isengao de impostos. De uma politica de criagdo intensiva de empregos e de implantacdo de grandes obras piblicas, que caracterizara o periodo do DNOCS e do inicio da SUDENE, passamos para a iransferéncia de fAbricas modernas, portanto, capital-intensivas, do Sul para o Nordeste, com o surgimento de distritos industriais importantes em torno das principais cidades da regifio, mas sem alterar fundamentaimente a situagdo da maiorla da populagdo. Ao mesmo tempo, os movimentos pela reforma agraria, que haviam surgido na regido no inicio dos anos 60 e que haviam reforgado a alianga dos proprietarios rurais conservadores com a direita politica e militar, foram desorganizados pela acao das forgas de seguranca. Grandes contingertes de populagao con- tinuam a fluir do interior para as cidades e do Nordeste para o Sul, fugindo das péssimas condigoes de vida no campo e da impossibilidade de os campo- heses conseguirem terras, © “boom” econémico da década de 70, por outro lado, néo atinge o Nordeste, tendo mesmo alguns pontos negativos no que respeita as condi- des de vida das populacdes de baixa renda. Com o aumento dos pregos do agicar e do Alcool, mais e mais terras séo plantadas com cana-de-agiicar, 0 que faz com que as culturas de subsisténcia vejam reduzidas ainda mais a sua 4rea. Cria-se na regio uma situagao social ¢ politicamente explosiva. Em termos polftico-partidérios, com a desorganizagao da esquerda e dos setores a ela aliados de tendéncia moderada, os conservadores exercem umn 1 predominio total. O MDB nao consegue eleger um tnico Senador no Nordeste. Entre a5 46 cadeiras em disputa, pois renovavam-se dois tercos do Senado, a oposigao faz apenas seis Senadores, todos eles no Centro-Sul, Guanabara, Rio de Janeiro e Sdo Paulo. Entre os 310 Deputados federais eleitos, a ARENA conquista 223 e a Oposigao apenas 87. Nos nove Estados do Nordeste, podemos observar a situagao precéria da Oposigao no quadro abaixo: RESULTADO DAS ELEIQOES DE 1970 (*) (Camara dos Deputados) Deputades eleitos Estado ARENA MDB Alagoas 4 Bahia 19 Ceara 12 Maranhao 8 Paraiba 5 Pernambuco 12 Rio Grande do Norte 4 Sergipe 5 73 TOTAL (5) Tribunal Superior Eleitoral, Dados Estatisticos, 9.° vol., p. 25. S| ccm 356 BR. Inf. legisi. Bresilia a. 21 n. 81 jon./mar, 1004 0 predominio da Situacdo no Nordeste, todavia, nio representa sendo o reconhecimento da situagao de atraso politico e dependéncia econdmica em que vive a regio, com a Oposigdo totalmente incapaz de se organizar nas regiées do interior, que se encontram, via de regra, submetidas a influéncia dos chefes politicos ou “coronéis”, de forma similar 40 que ocorrera durante a Primeira Reptiblica (1889/1930). Um observador isento, 0 Prof. NELSON DE SOUSA SAMPAIO, em estudo encomendado pela Fundacao Milton Campos, da ARENA, assim se refere ao fendmeno: “Depois de 1964, os pleitos vém sendp distorcidos no sentido do autoritarismo. Sem haver anulado nas eleigdes a influéncia econémica, que ainda se mantém muito forte, o poder politico assumiu a preponderfncia, através da pressio direta ou difusa do Partido dominante e das limitagdes, ostensivas ou veladas, & pro- paganda oposicionista (°).” Se levarmos em conta que o artigo do qual tiramos esta passagem se refere especificamente as eleighes de 1978, poderhos perceber como esta preponderancia do poder politico se fez sentir no interior do Nordeste em 1970, Apurades os votos, a ARENA obtém 55% dos sufrégios para a Camara federal na regifo, enquanto o MDB tem apenas 17%, ou seja, pouco mais da metade dos 28% de votos nulos ou em branco. Mais uma vez tinha funcionado 0 chamado “voto de cabresto”. isto é, a capacidade de os chefes Jocais conduzirem grandds contingentes de eleito- res até as urnas para votarem em quem shes fosse indicado. Em um outro estudo, também publicado pela Fundacdo Milton Campos, o Prof. ARY GUIMARAES analisa as eleigoes no Estado da Bahia (*): “As distorgSes do processo eleitoral, entretanto, so as mais graves a nivel da falta de liberdade do sufragio, que existe, sobre- tudo, em relac&o ao eleitor pobre do interior: 0 voto de cabresto. 0 voto’ condicionado pelas contingéncias, mesmo de sobrevivéncia, que falseiam 0 processo e para que nem i cédula oficial unica tem remédio, dependendo da libertacao deste pleitor de um proceso de desenvolvimento global.” Terminada a eleic¢ao, a bancada arenista do Nordeste vem a Brastlia, onde a nova Cmara retime-se a 1° de margo de 1971 com um inegayel com- prometimento, nio sé com o Governo central qua havia definido as condi- des para o processo eleitoral mas, principalmente, para com as elites polf- ticas locais, sem as quais nao seria possivel a sua eleicdo. Instala-se a Sétima Legislatura num ambiente de completa desvalorizacao dos polfticos, quando as decisées mais importantes sobre a politica e a e¢onomia do Pafs sio toma- (6) NELSON DE SOUSA SAMPAIO, “O Processo Bleitdral ¢ Suas Distorgées", in As Fleigées Noclonals de 1978, Fund Milton Campos. ; (1) ARY GUIMARAES, “As Bleigdes de 1978 na Babja”, in Aw Eleigdes Nacionais de 1978, Fundagio Milton Campos, ¥. 11, p. 84. resilia @. 21 n, 81 jan./mor. 1984 . 387 das nos gabinetes de Brasilia por funciondrios nao eleitos e, acima de tudo, quando mesmo os representantes eleitos 9 sao de modo carente de legitimi- ade, numa eleigao quando a alienagdo e a apatia do eleitorado sio a norma geral. A COCENE Abertos os trabalhos, os 73 Deputados e os 24 Senadores da ARENA nordestina vao atuar num panorama de profunda crise econémica na regiao. ‘As promessas da campanha, na medida em que houve promessas, esto todas elas ligadas 4 agio do Governo federal para resolver a situagio de peniiria extrema existente na regido, agravada pela seca. 0 Governo federal, por outro lado, parece, aos nordestinos, estar muito mais sensivel as reivin- dicagées apresentadas pelo Centro-Sul. Nao sé é desta regido que provém ‘0 estorgo de crescimento industrial que tem gerado os altos indices de aumento do PIB mas, principalmente, ¢ de 14 que provém os principais diri- gentes da politica econdmica, a comecar do Ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto. O Ministro do Planejamento, Joao Paulo dos Reis Velloso, é piaulense, mas a sua a¢do no ministério 6 secundaria diante do predominio exercido pela pasta da Fazenda na formulacdo da polftica econdmica. Face a isto, comegam os nordestinos a sentir que é necessario ter outros canais de informacdo e de pressao sobre Brasflia. Este tipo de opiniao fica bem clara numa conferéncia proferida palo Governador da Paraiba em Recife, 2 capital de Pernambuco e a mais importante cidade da regiao, um férum privilegiado, portanto. Esta conferéncia tem repercussao nacional, sendo relatada nos jornais do Centro-Sul. Diz JOAO AGRIPINO: “0 Nordeste esta sendo prejudicado por autoridades que o Tepresentam no Governo federal e que nao conhecem a realidade regional e que insistem nos dados otimistas apenas para manter-se no cargo. O Superintendente da SUDENE nao tem acesso direto a Presidente da Reptiblica e, por isso, os problemas no Nordeste con- tinuam a ser equacionados a partir do ponto de vista da Regiao Sul. Os representantes do Nordeste nao traduzem para o Presidente a verdadeira e complexa problematica do Nordeste e, quando se tornam Ministros, parece que se esquecem dele (*).” Existem alguns pontos que devem ser enfatizados nestas posicées. Como Governador da Parafba, JOAO AGRIPINO é um politico governista, mas, ao contrario da maioria de seus colegas, ele foi eleito, pelo voto popu- jar, nas Wltimas eleicées diretas para governador. realizadas em 1965. Ele est4 em fim de mandato, mas continua como um politico influente em sua regio. Dois outros pontos devem ser observadas: o conceita de represen. tante, pata ele, @ “ministro originario da regido”. o que significa, sem davida. uma critica aberta a Reis Velloso, cujas predigdes otimistas sobre (@) Jornal do Brasil, 12-2-71, p. 3. 358 R. inf. boginl, Brasilia a. 21 n, 81 jon./mar, 1984 a economia brasileira s4o do conhecimento geral. Elq diz. em ultima anélise, que o sistema de cooptacdo nio é compativel com uma visio objetiva dos problemas das regides periféricas. A solugao apontada para 0 problema por JOAO AGRIPINO é a seguinte: “as associagdes de classe e os clubes de servigg (a palestra foi proferida no Rotary Club de Recife) devem se unir para expor a verdadeira realidade do Nordeste ao Governo e lutar em sua defesa.” Como se vé, tipicamente uma estratégia de “lobby” que esté sendo proposta. Informar o Governo federal e carrear suporte da sociedade civil para medidas que melhorem a situacdo das populgies ‘A representacdo no Congresso, todavia, nado ¢ lembrada, nem como culpada da “traicao” nem como um canal de articulagao destas reivindicagées fia sociedade. Nao fazem parte nem do problema nem da solugdo. E por certo o reconhecimento de um fato, num homem que teve assento no Congresso desde 1950. A idéia de mobilizagio da sociedade para “lutar'em defesa” do Nordeste nao parece mais do que uma pos‘gao retorica, j4 que neste momento uma censura extremamente rigida 4 imprensa impede, inclusive, que se déem noticias sobre a crise econdmica, O meétodo viavel parece ser mesmo o de “expor ao Governo a verdadeira realidade do Nordeste”, o que é exatamente © que os parlamentares que compéem a COCENE nretendem fazer. A idéia de fundar uma Comiss&e Coordenadorg de Estudos do Nordeste surge com a chegada do novo Congresso em margo, vindo do necessario contato com a realidade do interior, durante a campanha eleitoral do final do ano anterior. Existe uma preocupacdo generalizada com a situacdo e é a primeira Portaria do Presidente Nacional do Partido, Deputado Baptista Ramos, gue cria a Comissao, em 11 de maio, uma :decisao rapida. portanto, pelos padroes parlamentares. Os lideres da Comissio, seus Presidente, Vice-Presidente, Coordenado- Tes, sio Deputadas e Senadores antigos e conservadares: o Senador Dinarte Mariz, do Rio Grande do Norte, é 0 Presidente e o Deputado Manoel Novaes, da Bahia, o Vice. O Relator, um cargo chave na medida em que dele depende em rauito o contetido final do relatério, 6 o Senador Virgilio Tavora, do Ceara. A forma de implantacio da Comissao é claramente burocratica (através de decisio formal da Presidéncia do Partido, sendo que o Presidente ¢, informalmente, designado pelo Presidente da Republica). A idéia ¢ de Dinarte Mariz, um anticomunista histérico, que fora um dos primeiros a organizar a resisténcia a uma tentativa de rebelido liderada pelo Partido Comunista em 1985 no seu Estado. Em todo ¢ episddio da criagao da COCENE nota-se 2 preocupagio de, mesmo levantando problemas altamente controvertidos, nfo o fazer de modo a levantar resisténcias num Governo politicamente fechada e resistente a critica. Como agir para informar o Governo? A resposta foi o levantamento da situagio, através de viagens dos congressistas, debates e estudos enco- 20 n. 81 jan./mor, mendados a areas de assessoria, interna e externa ao Congresso, ainda em 1971, ap6s ter sido encaminhado so Presidente Emilio Médici, em setembro. Constam dele recomendagées nas areas de agricultura, pecudria, inddstria, habitagéo, desenvolvimento urbano e local, finangas ptblicas e exportagio. A importancia intrinseca do relatério, apesar do seu viés conservador, pode ser observada nos elogios que o mesmo recebe da imprensa, mesmo dos jornais independentes. O Governo federal, todavia, tem uma atitude bastante peculiar. J4 antes da entrega do relatério, comecam a surgir “leaks” (bastante dificeis numa imprensa submetida a censura) sobre os planos que o Executivo est desenvolvendo para o Nordeste. 0 Governo pro- move um conjunto do que denomina de “medidas de impacto” para o Nor- deste, modificando a sistematica dos incentivos fiscais, prometendo dar mais énfase & atividade agricola, criando um extremamente timido programa de reforma agraria (0 PROTERRA), e liberando recursos para obras contra a seca na regiaa. ‘Um dado interessante das noticias sobre a entrega do relatério a Médici a 23 de setembro 6 de que os jornais teriam publicado um “press-release” da COCENE, em que os congressistas afirmam que o documento é a “mais dignificante resposta 4 angustiante indagagao do que podemos fazer pela regio para que ela venha a mudar de fato ()”. Nés também nfo iremos encontrar, seja nestes jornais ou nos préximos dias, qualquer noticia oficial sobre a reagao do Governo ao relatério da COCENE. Aparentemente, 0 que ocorreu na audiéncia foi o seguinte: o Presidente receheu o relatérig, disse que ia estuddlo e interrompe a reuniao. © tnico estudo académico que procura analisar 0 episédio da COCENE do ponto de vista das relagdes entre o Legislative e o Executivo é o trabalho “The Brazilian Congress and Human Rights”(*), apresentado na Conferéncia sobre Legislativos e Direitos Humanos, realizada em Dublin, na Irlanda, em 1976. Neste trabalho, os seus autores, um professor universitario norte-ame- ricano e dois funcionérios do Legislativo brasileiro observam que: “as recomendagoes do relatério da COCENE foram seguidas; toda- via, a resposta (dada a ele por um porta-voz do Governo durante uma sessdo de acompanhamento realizada em 1976) estava redigida em termos muito diferentes dos que constavam das recomendagées do relatério. O Executive nao afirmava taxativamente: “nds segui- mos as suas recomendagoes de 1971”. Ao invés disso, foram apre- sentados estudas detalhados, dos quais se afirmava que tinham dado origem a certos programas, os quais eram precisamente os programas recomendados pela COCENE.” (9) Jornal do Brasil e Correo da Manhé, de 2-9-7! as ncticies sto virtualmente iguais. (0) JAMES HEAPHEY, ROSINETHE M, SOARES e THEO PEREIRA DA SILVA, ‘The Brazilian Congress and Homan Rights, Dublin Conference on Legislatures ‘and Human Rights, Dublin, 1976. (mimeo.) 360 OR, Ink Brosilis 0. 21 m, 81 jan./mar, 1986 A conclusio a que se pode chegar a partir destes fatos é a de que a Comissao da COCENE foi um instrumento utilizado pelos congressistas do Nordeste para demonstrar ao Poder Executive uma série de problemas de sua regigo, que eles consideravam que o Executiyo, por si sé, nao teria forma de conhecer. De fato, 0 que os legisladores da ARENA estavam fazendo era exercer uma agao de “lobby” em face-do Governo Médici, em favor de sua regiao. E preciso que tenhamos em mente que a diferenca entre 0 que os congressistas estavam fazendo e 0 que, por exempla, a Associacie Comercial de Recife fez para informar o Governo federal na acasiao é que os congres- sistas tinham uma extrema necessidade do tipo dq reconhecimento de sua atuagdo que o governo nao jhes propiciou. Eles necessitavam, para assegurar a sua reeleicao, entre outras rasoes, que o porta-voz do Governo afirmasse que “as recomendacées de 1971 haviam sido seguidas”. E necessitavam de que tal tipo de colocacao fosse divulgada o mais possivel. Desta forma, ainda que concorde de modo geral com as conclusées do trabalho mencionado, acredito que existem alguns pontos no relacionamento do grupo COCENE com o Executivo que devem ser, enfatizados. Em primeiro lugar, existia o sentimento, referido de forma bastante ampla peia imprensa. de que a Comissio havia sitio esvaziada pela reagao piblica do Governo as suas recomendacdes. Dois:meses apés estas terem sido apresentadas, cinco Senadores da ARENA doNordeste, todos os quais haviam participado do grupo da COCENE, tornaram publicas crilicas A poli- tica econémica do Governo em relacdo ao Nordeste, feitas em termos muito préximos aos do relatorio. O Governo Médici nao aceitou o relatorio como um instrumento legiti- mo para influenciar 0 processo decisério de formulagéo da politica econd- mica, e nda agiu ou permitiu que se agisse, face ao problema, de nenhuma forma que reforcasse a posicio do Congresso face A opiniao ptblica. Na verdade, a posicao adotada pelo Governo parecia demonstrar cabalmente © preceito de que os “lobistas”, para serem eficazes, devem ser silenciosos, Todavia, necessitam de grande auxilio da publicidade para seus atos, se é que desejam continuar na politica. Por estranho que possa parecer, a sobre- vivéneia politica dos parlamentares da ARENA, de quem o governo dependia pata manter a sua maioria no Congresso, nao parecia preocupar o Presi- dente da Republica e seus analistas politicos. Pouco tempo depois, tanto a ARENA quanto © Governo iriam pagar caro por esta atitude. Em 1974 realizaram-se novas eleigdes gerais, para a eleicio de um tergo do Senado e da totalidade da Camara dos Deputados, além das Assem- bléias Legislativas dos Estados. Apesar do clima politico vigente, caracteriza- do pela presencga da censura 4 imprensa e pela: limitagao das liberdades ptiblicas pela agao do Ato Institucional n° 5, que o' Pais havia experimentado nos seis anos anteriores, estas eleigdes, as primeiras realizadas na adminis- tragao do novo Presidente, Ernesto Geisel, foram surpreendentemente livres. Todos os candidatos tiveram livre acesso ao radio ¢ a televisao, através do 361 horério politico gratuito sob a responsabilidade da Justiga Eleitoral. A im- prensa ainda estava sob censura, 0 que é bem demonstrado pelo fato de cerca de um terco das matérias publicadas na primeira pAgina do jornal © Estado de S. Paulo, durante as duas tiltimas semanas da campanha, te- rem sido substituidas pelas j4 conhecidas citagdes de Os Lusiadas, ou seja, tratavam-se de matérias cortadas pela censura prévia. A maior parte das noticias politicas de importancia, orem, conseguia ser publicada, e a cen- sura prévia, que permanecia em O Estado e em mais alguns jornais parti. cularmente de oposigao, j4 havia sido retirada da maioria dos demais. Apesar de todos os obstdculos, da pressio exercida pelo Governo sobre seus candidatos, a vitoria da oposi¢ao foi insofismavel. Das 22 cadeiras em disputa no Senado, dezesseis foram conquistadas pelo MDB. Mesmo no Nordeste, onde o MDB nao conseguira eleger um Gnico Senador em 1970, foilhe possfvel eleger cinco dos nove Senadores da regido, nos Estados do Ceara, Paraiba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. O que é muito importante nesta regio, onde as oligarquias locais ainda mantém controle sobre grandes contingentes do eleitorado, foi o fato de que muitas das tradicionais liderangas da situagéo decidiram simplesmente nao participar da campanha. No Cear4, o poderoso Senador Virgilio Tavora, no meio de seu mandato de oito anos, decidiu viajar para a Europa, deixando que o candidato da ARENA ao Senado, Edilson TAvora, fosse fragorosamente derrotado. No Rio Grande do Norte, o candidate da ARENA na eleicdo majoritaria, Djalma Marinho, que havia sido consultor de assuntos juridicos da COCENE, foi batido por um candidato do PMDB totalmente desconhecido no proprio Estado € cujo unico curriculum politico havia sido uma eleic¢do como ve- reador. ‘Ao mesmo tempo em que as liderangas politicas tradicionais néo se movimentavam de maneira decisiva para trazer votos para a ARENA, a atuagio dos candidatos oposicionistas na televisio e no radic fazia com que a sua imagem e voz penetrassem mesmo nos mais distantes recantos do interior. O Deputado Marcos Freire, candidato do MDB ao Senado em Pernambuco, consegui. muitos votos {anulados, é claro) em Estados vi- zinhos, onde sua imagem aparecia na televisio. As 4reas urbanas votaram macigamente na Oposigao e a lealdade polftica dos “coronéis” do interior, gue fraquejava, nao foi capaz de completar a diferenga e assegurar, como ra em 1970, e anteriormente, a vitéria da situacao. Na Camara, a maior bancada continuava a ser da ARENA, JA que, embora muitos grupos da oligarquia se dispusessem a ndo apoiar os can- didatos nas eleigdes majoritdrias, isto ndo significava que fossem se afastar da politica e continuaram carreando votos para seus candidatos, nas eleigses proporcionais. Assim, como podemos observar no quadro abaixo, a ARENA ainda continuava 2 controlar 0 Nordeste, pelo menos no que respeita a sua 3 RO Tnts Togisl, Brosilia @. 21 nm, BT jon,Jmar, 1984 bancada na CAmara dos Deputados. Todavia, a situagao do Governo nao era absolutamente confortavel. DEPUTADOS ELEITOS NO NORDESTE (1974} ("7 Estado ARENA MDB Bahia 21 5 Ceara 13 3 Pernambuco 13 5 Maranhao 8 1 Paraiba 7 4 Piaui, 7 1 Rio Grande do Norte 3 3 Alagoas 4 2 Sergipe 4 1 Nordeste 82 25 Brasil 204 159 Se compararmos os resultados globais para o Pais com os do Nordeste, 6 f4cil verificar que a regiio nao apenas votou no Governo na elei¢ao proporcional, mas que ela garantiu a maioria situacionista na Camara dos Deputados. Mesmo que o Governo federal nao autiliasse os seus represen- tantes no Congresso na manutencio de sua imagem face aos eleitores, a esperanga da ARENA ainda era o Nordeste. Os votos na eleiggo majoritéria para o Senado.e na eleico proporcional para a Camara podem ser comparados, para que se observe como a atitude dos eleitores foi diferente em cada caso, mesmo que a eleigao tenha sido simulténea para estes dois postos. Como, pela legisiacao vigente na época, ‘© voto s6 era vinculado para a Camara e para a Assembléia Estadual, a tendéncia de muitos eleitores foi votar em candidatos de diferentes Partidos na éleigo majoritaria e na proporcional, o que levgu o MDB a ter um milhdo a mais de votos na eleigko majoritaria no Nordeste do que na proporcional. NORDESTE 1974 (votos vAlidos) Camara dos Deputados Senado Federal ARENA MDB ARENA MDB 3.774.088 1.900.430 8.034.205 2.892.987 O indice de renovagio na Camara dos Deputados foi de 43,4%, um pouce inferior ao de quatro anos antes, quando fora de 45,8% (12). Como resultado das eleigoes de 1974, 0 Gaverno tornou-se extrema- mente preocupado com ns resultados das eleicées municipais de 1976, e, principalmente com os das eleigdes gerais, que’ se realizariam em 1978. {GD Dados de Tribunal Superior Eleitoral, 1976, (02 DAVID V. FLEISCHER, "Os Bleitos & Camara Federal — 1978, Renovagio ou imobilidede”, in As Eleloes Nacionais de 1978, p. 160. Brosilia @. 21m. 81 jon/mor. 1984 363 Havia o sentimento de que, mantendo-se as regras do jogo, tal como era em 1974, 0 resultado poderia ser ainda mais negativo para o Governo, Assim, ficou decidida a alteragao de alguenas Tegras eleitorais, com 0 objetivo de garantir um desempenho melhor para os candidatos do Go- verno, nao importando os problemas que tal caminho teria em termos de um sistema eleitoral dotado de legitimidade. © teste de 1976 era reiativamente facil: devido ao fato de a maioria dos Municipios ser totalmente dependente de recursos federais e estaduais, devido a estrutura tributéria altamente centralizadora que impera no Pats, os Prefeitos e Vereadores tendiam, na sua imensa maioria, a ser pro- venientes do Partido majoritério. O Governo decidiu no correr riscos desnecessarios, Uma nova re- gulamentacao da propaganda eleitoral gratuita no radio e na TV. que ficou conhecida com o nome do Ministro da Justiga de Geisel, Armando Falcao, foi aprovada por um Congressa que demonstrava a sua preocupagao com a forma como a mesma seria aplicada. Na verdade, havia a promessa explicita de que a regulamentagio valeria apenas para as eleicdes locais, j& que nao haveria, segundo os porta-vozes governamentais, condigées de dar acesso justo aos milhares de candidatos a Prefeito e Vereador nos meios de comunicagao de massa. Assim, o debate politico foi substituido pelas malfadadas colegées de fotografias ¢ de “curriculum vitae”. A cam- panha de 1976 tornau-se, por isto e pela sua propria natureza localista, exiremamente quieta e. em geral. nao ideolagica, exceto nas grandes lades, A eleigao geral de 1978, todavia, representava um teste muito mais duro para o Partido do Governo. Nao apenas dois tercos do Senado estavam em jogo mas o total das cadeiras da Camara dos Deputados, o que ‘significaria que o Partido que viesse a vencer a eleigao controlaria as duas Casas do Congresso. Como o Presidente da Repuublica seria eleito pela antigo Congresso, aquele eleito em 1974, o Pais corria o risco de ter o Poder Executivo controledo por um Partido e o Legislativo com maioria oposicionista, o que ceriamente teria um efeito bastante grave nas anémicas instituigées democraticas nacionais, apesar de ser um acon- tecimento bastante corriqueiro em qualquer pais de regime presidencia- lista e com eleigdes intercalares, como os Estados Unidos. Devemos recordar que o Governo Geisel aproximava-se do seu término, havendo um grupo grande de candidatos a sua sucessdo, entre os quais 0 Ministro do Exercito, SOvio Frota, que realizava uma campanha bastante intensa contra as medidas liberais postas em pratica por Geisel. L{der da chamada “linha dura” na ocasiao, Frota ia se impondo como forte candidato a substituir Geisel e aparentemente decidido a pér cobro a0 programa de liberalizacio, Distenséo lenta e gradual Apesar de seu estilo autoritario, nao hé davida de que, durante o Governo Geisel, o Brasil ia se movendo, vagarosamente, de um Governo militar clissico para uma era de compromisso politico, semelhante em 364 R. Iné. tegisl. Bresitia 0. 21 n. 81 jon./rver. 1984 objetivo, embora digerente em velocidade, 2o prégrama adotado na Es- panha pés-franquista. A censura foi sendo retirada da maior parte dos jornais, mesmo quando continuava no radio e na, televisao. Um dos pontos mais polémicos na sitvagdo’ politica brasileira nos anos anteriores, ou seja, 0 das violagées dos direitos humanos. principal- mente no tocante ao tratamento dos presos politicos, diminuiu sensi- vyelmente, tornando-se excecao ao invés de regra. Algumas alteragées im- portantes foram introduzidas na politica externa, do Pafs, no programa denominado “pragmatismo responsavel", que sighificou, na pratics, um afastamento do alinhamento automatico com as pdsicdes norte-americanas e maior didlogo com paises do Terceiro Mundo e do bloco socialista. Mesmo uma anélise superficial mostrava que o Pais que Gcisel recebera de Emilio Médici em margo de 1974 fornara-se quase ireco- nhecivel, Algumas destas modificagdes foram sendo reblizadas ientamente. No final de 1975, por exemplo, a morte de dois presos politicos nas dependén- cias do DOFCODI em Sao Paulo Jevaram a substituicgao do comandante do Il Exército pela intervencac pessoal do Presidente da Republica, o que, claramente seria impensavel durante 0 Governo Médici. Tal fato, bem como uma série de outras medidas liberalizantes, geraram muito descontentamento nos setores mais “duros” das Forgas Armadas, v que reforcava, cada vez mais, a candidatura do Ministro do Exército. Geisel e seu principal estrategista politico, Golbery do Couto ¢ Silva, tido pelos analistas politicos como o cérebro da politica de abertura gra dual, comecaram a ser objeto de ctaques da direita, dentro e fora das Forcas Armadas. Desde logo. tornow-se evidente que. se Geise) realmente pretendia levar o Pals a inscituicées politicas democréticas, era preciso que ele tivesse condigdes de conter os radicais a flireita do processo, bem como, por uma questio de meihoria de sua imagem junto aos seus prin- cipais grupos de apoio militar, conter também o$ grupos a esquerda, S6 assim poderia presidir o proceso de sua sucess4o e dar prosseguimento a0 programa de liberalizacao. Sem uma aiterag3o das regras eleitorais, a Oposi¢éo seria capaz de eleger, em 1978, uma boa parte dos governadéres. entre cles, os dos Estados mais importantes, podendo mesmo conseguir a maioria nas duas Casas do Congresso. Com um “duro” como o General Silvio Frota no Ministério do Exército, isto poderia ser o estopim de um novo pronun- ciamento militar e a reedi¢ao do mesmo tipo de: situagzo que levara aos Atos Institueionais nos 2 e 5. ‘A direita radical esiava bastante ativa. néo apenas no meio militar. Sua posigao era forte na Congresso. ende a eandidatura Silvio Frota tinha adeptos declarados em nimero cada vez maior. Em varias ocasiées, num eco do que ccorrera com Mércio Moreira Alves em 1968. d:scursos oposicionistas geravam uma escalada. pela acéo de parlamentares con- servadores, colocando o risco de incidcntes entte o Congresso e os mi- iitares. : inf. legit 21 n, 81 jen/mor 1986 363 Em margo de 1977, 0 Presidente enviou ao Congresso um projeto de Emenda A Constituigéo que tinha por objetivo permitir a reforma do Poder Judiciario, cuja necessidade era um consenso nacional. 0 MDB, fiel ao seu programa, desejou introduzir no Projeto emendas que restau- Trassem prerrogativas dos magistrados, que haviam sido suspensas pela Revolugao. Este parece ter sido o estopim da crise entre o Executivo e 0 Congresso, na medida em que nao havia, por parte daquele, disposigio para negociar tais pontos e, com a necessidade de dois tergos para emendar a Constituigao, um acordo era necessério. Usando os poderes que She dava o AI-5, Geisel moveu suas baterias contra o Legislativo, decretando em abril o recesso do Congresso e fazenda aprovar, nao s6 a reforma do Judicidrio, a qual, pelo fato de nao ter sido regulamentada, parece nao ter passado de um pretexto, mas muitas outras alteragdes na Constituigio e na legislagio comum, de objetivos clara- mente politicos. Foram feitas modificagdes extensas na legislacdo ele toral e partidéria, permitindo ao Governo indicar um tergo do Senado, todos os Governadores estaduais (mantendo para estes e introduzindo para aqueles a eleigao indireta), além de aumentar a representagdo, na Camara, dos Estados menos populosos e tradicionalmente situacionistas. Isto e a proibigéo da propaganda eleitoral gratuita, também para as eleigdes gerais, contribuiram decisivamente para melhorar o desempenho gover- nista nas eleigdes de 1978. Abril foi claramente um mau més para os moderados e para a es- querda, A direita teria de esperar até qutubro para seu dia negro. Em 12 daquele més, Geisel demitiu Silvio Frota, cuja articulagao politica vi- sando 4 sucessio se fazia cada vez mais as claras. Este movimento e a posterior desarticulagio da tentativa de resisténcia do Ministro demitido deu ao Presidente controle efetivo sobre o Exército. Isto abriu cami- nho para a candidatura oficial do chefe do SNI, Joao Baptista de Oliveira Figueiredo, a presidéncia e para o prosseguimento do programa de “abertura”. © Grupo do Nordeste Nas circunstancias totalmente diversas que foram fruto da realiza- 40 do programa politico da “abertura”, como veio a se manifestar o relacionamento entre as bancadas estaduais e o Executivo, nos termos ue o estamos examinando? Apesar de tudo, de toda a liberalizagio po- itica, da abolicao da censura e das prisdes por delitos politicos, em termos de politica econdmica, os mesmos processos de tomada de decisao conti- nuavam a prevalecer. Se a imprensa atuava livremente e, em conse- qiiéneia. a opinido publica podia ser informada do que ocorria dentro do aparato estatal, os mesmos grupos tecnocriticos e os mesmos colegiados cooptados seguiam tomando decisées que, na forma e no contetdo, eram muito semelhantes as dos anos Médicl. As decisées sobre a alocagao de recursos publicos se tornavam ainda mais dificeis, j4 que a crise do petréleo mostrava que os dias do “milagre econdmico” haviam termina- do, Desta forma, as decisdes a serem adotadas foram se tornando ainda 366 RR. Inf, fepial. Brasilia «. 21 nm. 81 jan./mar, 1984 mais cruciais, simplesmente porque n4o havia recursos suficientes para atender as necessidades minimas de todas as regiées. Nao sé os métedos de tomada de decisao n& area econdmica eram semelhantes aos do perfodo Médici. as mesmas pessoas, em grande me- dida, tornaram-se novamente responsaveis pela politica econémica, com Antonio Delfim Netto sendo chamado de seu exjilio dourado como em- baixador cm Paris, para dirigir a equize econémica do Governo Figuei- redo, apés um periodo bastante curto cm que a mesma fora coordenada pelo antigo Ministro do Planejamento de Geisel, Mario Henrique Simonsen. __ Assim, com o Nordeste tio distante como sempre do centro das de- cisdes econdmicas, as bancadas da regiao no Comgresso comecaram no- vamente a movimertar-se. . 1979 foi o ano em que a SUDENE celebroujo seu vigésimo aniver- sdrio. Todas as tentativas de andlise de sua atuacgo. comuns na imprensa em perfodos como este. afirmavam claramente que esta deixara muito a desejar. Mesmo o Ministro do Interior Mario Andreazza admitiu que: o Governo federai ainda ten de enfrentar muitos desafios na regiao, a fim de diminuir a: distancia que separa o Nordeste das outras regiées do Pais e: mesmo no interior do proprio Nordeste. Esta distancia pode ser vista na desigualdade de renda, na falta de oportunidades de emprego e na pobreza absoluta que se observa em muitos es:ratos sociais, principa'- mente nas areas rurais” (1). Certamente esta nao ¢ uma visao trangiiilizadora da situagéo da re- giao, principalmente na medida em que 6 exposta pelo responsavel pelo Ministerio encarregado da maioria dos programas da drea. Acerca das causas destes dosafios. a afirmagio seguinte foi feita na mesma reuniao, ocorrida em Recife, em 14 de flezembro de 1979. pelo antigo relator do documento da COCENE, Virgiliq Tavora: “Tao logo foi fundada, a SUDENE teve sua autonomia se- veramente limitada pela centralizagio técnica, administrativa ¢ financeira adotada no Pais, 0 que comprpmeten irremediavelmen- te 0s seus objetivos. A organizacao foi esvaziada, perdeu a maior parte de seu corpo téenico e hoje nao ¢ mais do que um outro departamento atuando na regido. indigno de seu status especial como responsavel pela Iideranga no processo de desenvolvi- mento” (-#). Sao palavras fortes, sem divida, e aqui nds “encontramos uma acusa- $0 clara sobre a faléncia da SUDENE. A culpa caberia aos tecnocratas que, de Brasilia, fixavam as regras nao sé para a SUDENE, mas para todos os projetos regionais de desenvolvimento realizados com recursos federais. Todos os diseursos nas comemoracées das vinte anos da SUDENE tiveram aproximadamente a mesma linha de argumentacao. 0 Governador de Pernambuco, Marco Maciel, falou da necessidade de aumentar a ~auto- (13) Jormal de Brasilia 15-12-79. p. 5. (14) Sornal de Brasilia, 15-12-79, p. 5. R. tf, legial. Brasilia 6. 21m, 81 jen./m: 1984 . 367 nomia administrativa” da SUDENE e darthe “controle sobre os investi- mentos” na regido. O empresdrio Alfeu Simées Pedreira, que falou na ocasiéo em nome das classes produtoras, condenou a “centralizagao po- litico-administrativa” imperante no organismo. No Congresso Nacional a critica das medidas centralizadoras adota- das desde 1964 e, especialmente, desde 1968, foi se tornando cada vez mais violenta. No inicio, tal posicionamento era adotado pelos represen- tantes da Oposicao, exclusivamente, aos poucos, porém, foi sendo adotado por membros da ARENA. Talvez o més de agosto de 1979 possa ser considerado um ponto de inflexio neste contexto. O recesso de meio de ano do Congreso ocorre no més de julho e os parlamentares normalmente retornam aos seus Estados para contatos mais préximos com suas bases eleitorais. Este Con- gresso havia sido eleito em novembro de 1978 © tomara posse em feve- reiro, Esta era, portanto, a primeira ocasido em que eles entravam em contato com seus eleitores, apds um semestre em que o Parlamento se preocupara principalmente com problemas politicos e institucionais. A anistia fora votada, bem como uma revisdo da lel salarial. Um pouco incerto sobre sua autonomia, 0 novo Congresso realizara simpésios e discussdes so- bre uma série de aspectos relevantes da cena brasileira que iam da energia nuclear 4 censura a imprensa, da situacéo financeira das cidades a televisio por cabo. Agora os congressistas iam renovar os contatos com os eleitores e, no Nordeste pelo menos, as preocupagdes mais imediatas eram com a crise econémica, o emprego e sobretudo a seca. No Nordeste a seca esteve particularmente forte em 1979, e a questo da eficdcia dos congressistas face aos problemas econémicos da regido foi claramente colocada pelos eleitores (#5), Entre os muitos simpésios realizados ge Camara dos Deputados durante este periodo, estaya um sobre o desempenho da SUDENE. Pa- trocinado pela Comiss4o do Interior, o simpésio foi presidido pelo Pre- sidente da Comissao e Vice-Presidente da COCENE, Manoel Novaes, No seu discurso de abertura, em 29 de maio, Novaes estabeleceu a linha dos trabalhos, dizendo que os recursos da SUDENE haviam sido desviados para o Centro-Sul, deixando o Nordeste mais pobre do que nunca. Nos Ultimos dez anos, afirmou ele, 3,8 bilhdes de délares em recursos federais foram investidos no Nordeste. Se as antigas regras que determinavam que o Executivo investisse 6% de sua receita no Nordeste continuassem em vigor, nada menos de 35 bilhées teriam sido aplicados. Concluiu dizendo que a SUDENE “nao pode continuar desta forma. Precisa tornar-se no- vamente o centro das decisdes do Governo federal sobre o Nordeste, recuperando sua responsabilidade na coordenacdo e na direcdo do pro- cesso de desenvolvimento da regiao (...) apenas pedimos de volta o que nos foi tirade em 1967” (6), (15) Deputadas centactados apds o recesso de futlho colocatam a questéo das preceupa- oes de seus eleitores no Nordeste exatamente desta forma. <6) Discurso do Deputado Manoel Novaes, em 29 de malo de 2979, na primeira sessio do Simpésio “Papel e Desempenbo da SUDENE no Procesto ‘de Desenvolvimento do Nordeste”, pp. 10, 12 € 13. 368 R inf, legial, Brasilia a, 21m. 81 jan./mar. 1984 © simpésio da SUDENE, assim como uma CPI sobre o desempenho do 6rgao, realizada na Camara no final de 1978, ndo receberam a atencdo devida, seja da imprensa seja do Governo. Ambos tinham outros assuntos que pareciam mais urgentes, principalmente num ano crucial para 0 pro- cesso de liberalizago do regime. A situagio era diferente no segundo semestre de 1979, todavia. A seca ia atingindo areps cada vez maiores e a crise econémica impedia que o Governo federal agisse coordenadamente contra a situacio, Com os recursos disponiveis cada vez mais limitados, era preciso introduzir novas variéveis no processo de tomada de decisio do Governo, para forcar tais recursos em direcao ‘do Nordeste. Assim, em meados de agosto, um grupo de Deputados da ARENA do Nordeste decidiu reunir-se informa!mente com: 0 objetivo de trocar opinides sobre uma forma de ago mais eficaz em relagdo ao Executivo. Um dos primeiros pontos na sua agenda cra a idéia, levantada no discurso de Manoel Novaes, mas que certamente nao era nova, de aprovar uma Emenda a Constituigéo restaurando a obrigatoriedade de aplicagao de um percentual fixo na receita da Unido no Nordeste, ‘Um dado peculiar sobre este grupo foi que, a0 contrério da COCENE, nao se tratava de Deputados antigos, na sua maioria, nem de parlamen- tares conhecidos por suas posigdes conservadoras, De fato, a maior parte dos que assistiram a primeira reuniao, em % de agésto, era de Deputados que cxerciam o seu primeiro mandato i”). A sua ‘motivagio estava rela- cionada com a necessidade que sentiam em seus eleitores para que exer- cessem algum tipo de presséo institucional sobrd 0 Executivo, com o objetivo de aumentar a participacio da regio na receita governamental. Iniciado de modo quase espontaneo, uma das primeiras preocupacées dos membros do grupo foi a forma como 0 mesmo seria recebido por outros Deputados da regido. Eles tinham consciéncia da sua falta de antigiii- dade politica e de apoio. mas, quase sem que percebessem, comegaram a contar com o interesse de outros Deputados. da imiprensa e do Executivo. Nos dias que se seguiram ao primeira encontro, a assescoria_parla- mentar do Ministério do Interior, ao qual a SUDENE est4 subordinada, entrou em contato com o Presidente da Comisséo do Interior, Deputado Manuel Novaes e com o Deputado Albérico Cordeiro, da ARENA de Ala- goas. que sugerira a idéia do grupo e que funcionava como seu coorde- nador de faeto. A preocupagio da assessoria era de que 0 grupo no fizesse criticas severas 28 politicas do Ministério para o Nordeste, ja que tal critica poderia trazer problemas para o Ministro ¢ seus programas. prin- cipalmente quando originaria de Deputados governistas. A estratégia entio acordada entre 0 Deputado Novaes e 0 Exe- cutivo cra de usar a Comissao do Interior como um forum para as criticas que fossem feitas, minimizando, desta forma, quaisquer criticas que fossem feitas em outras Areas. menos sujeitas ao’ controle da estrutura partidaria. (7) Esta reunifo teve lugar numa das salas da Comissio do Inter.or © cela participa- Tair, 18 Deputados, a corvite do Deputada Albérico Cordeiro. R. inf. legis], Bravilia 0, 21 n. 81 jon./mor, 1984 369 Em 29 de agosto, realizou-se uma reuniao mais ampla no Auditério Nereu Ramos da Camara, 4 qual compareceram nada menos de 48 Depu- tados da bancada nordestina da ARENA, além de um Senador (o ex-Su- perintendente da SUDENE José Lins de Albuquerque) e 0 Lider do Go- verno na Camara, Nelson Marchezan (ARENA-RS). © primeiro a falar foi Albérico Cordeiro. no seu papel de lider in- formal do grupo. que afirmou o fato de o grupo nao se constituir num “grupo de pressio” que deseja “impor solugdes ao Governo”. Seu objetivo principal, concluiu, “é auxiliar de modo eticiente na solugéo dos problemas do Nordeste, oferecendo alternativas, sentando 4 mesma mesa, falando a mesma tingua’ dos que tomam as decisdes. Marchezan iniciou a sua faia afirmando que o fato de 14 estar repre- sentava “‘o apreco do Governo pelo grupo” que se formava. A lideranca desejava alcancar um entendimento com o grupo, que era visto por ela nao como “um grupo de pressdo mas como um grupo para apresentar pro- postas”. Nas palavras do Lider, 0 objetivo do grupo deveria ser “auxiliar o Presidente a cumprir as promessas por ele ieitas, livremente, sobre 0 desenvolvimento do Nordeste”. Na verdade, o que o Lider da Maioria estava tentando aparente- mente fazer era caminhar uma linha estreita entre 0 reconhecimento de que o grupo de fato existia, pelo menos no momento, e nao dar margem a interpretagdes de que ele teria condigdes de modificar a acio do Exe- cutivo, forcando-o a fazer algo que este nao faria se 0 grupo nao existisse. Na verdade, ele estava apresentando o ponto de vista do Executivo, que pode ser descrito pela expressao: nds nao negociamos sob pressao. Dando-se seqiiéncia A reunido, houve discussio sobre o relatério final do trabalho da Comiss4o do Interior sobre a SUDENE, que fora apresentado e aprovado, naquele mesmo dia, pela Comissdo. O relatério era de autoria do Vice-Lider da ARENA, Edison Lobio (MA) e altamente critica do desempenho da SUDENE. Todavia, houve grande controvérsia sobre o relatério, nao em fungao de seu tom critico, mas devido ao fato de alguns Deputados acreditarem que ele previa certas propostas que, se adotadas, beneficiariam outros Estados da regio e nao os seus. Esta parece ter sido uma tdnica nos debates, em varios momentos, ou seja, a tendéncia de alguns parlamentares em considerar nao tanto a distribuigdo dos re- cursos entre as varias regides do Pais mas internamente, entre os Estados da mesma regiso. Iniciouse, igualmente, uma discussio sobre o que foi referido como as causas do “fracasso” da COCENE. O Senador José Lins mencionou a antiga Comissio de Estudos do Nordeste, dizendo que o grupo deveria “levar soludes coneretas quanto a programacao”, e nao “fazer como a COCENE”. Nisto eie foi contestado pelo Deputado Manoel Novaes para quem ‘a COCENE falhou justamente devido ao demasiado detalhamento das sugestoes apresentadas. O relatério deve-se ater a aspectos gerais” que afetam toda a regio. evitando. desta forma, as disputas entre os diversos Estados por programas especificos, que diminuiriam a coesio do grupo. 370 R. Inf, lepial. Brasilia a. 21 n. BT jan./mar. 1984 © Deputado Wilson Braga, da Paraiba, sintetizou a posicao do grupo, afirmando: “O importante é a conscitneia do peso politico dos repre- sentantes da regiao, que se traduz num movimento politico. 0 problema do Nordeste é um problema social e deve ter solucées que aceitem a nossa probreza como base, Deve ter um enfoque politico e ndo um enfoque administrativo, j4 que Deputado nao 6 assessor de Ministro para apresentaf ‘solugoes téenicas. £ representante politico e deve estar positionado em termos do poder de que dispde. Devemos ser fiscais ‘da atuagéo do Governo quando os interesses da regido estiverem em jogo. O PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) é tima lei e como tal vai ser discutido no Congresso. Neste caso,'a bancada deve votar a favor do Nordeste ou de acordo com a brientagio do Partido?” Desde logo o grupo percebeu que o uso d¢ pressio politica para obter alteragoes de certas posigges do Governo hao era bem-vinda. Na mesma reuniéo houve referéncias a uma reacéo supostamente irada do Presidente da Republica quando ele foi informado da agenda estabele- cida para a reuniao. No conjunto permaneceu o sehtimento de que a aga0 como grupo politico, no sentido de trocar apoio em determinadas votacdes pelo atendimento de suas reivindicacdes, poderia por em risco suas car- reiras politicas, Assim, ao final da reuniéo, embora a retorica: tivesse ido mesmo aos limites de referéncias a um “novo separatismo”, a consenso do grupo foi da necessidade de se trabalhar dentro dos limites aceitaveis, no Congreso, tentando influenciar o Governo na allcracao de algumas prioridades do IM Plano Nacional de Desenvolvimento, que seria votado pelo Congresso. No ar permaneceu, todavia, uma ameaca sutil, formulada por um Depu- tado de Pernambuco. “Se nao formos atendidos stra preciso modificar a estratégia de aco" (1). Seis grupos de trabalho foram estabelecidos: para o II] PND. para os orgamentos, para a avaliagao de documentos em ttamitacao no Congresso, de Emendas Constitucionais, de elaboracao de documentos a serem subme- tidos as bancadas do Nordeste, de documentos ‘de reciprocidade (para Jevantar os convénios em estudo ou assinados com bs Estados do Nordeste). Todos os Deputados da ARENA da regiio foram ,convidados a participar de algum desses grupos de trabalho. nao importando que tivessem ou nio participado da reuniao. Organizados nesta base, nao havia_ mesmo condigéo de que estes grupos viessem a funcionad. Nao apenas nio a sentaram nenhum resultado objetivo, mas a maigr parte nem se reuni © grupo de parlamentares do Nordeste permancceu merecendo a atengdo da imprensa por mais algum tempo. Em térmos da reacao do Exe- cutivo foi noticiada uma declaragao do Presidente da Republica afirmando que no aceitava tal tipo de pressao. “8) Todas as citagbes so de notas feitas durante a reunlao, A. Inf. legist. Brositio o. 21 n. 37T Cerca de um més apés, 0 projeto da nova Lei Organica dos Partidos Politicos comecou a receber as atengdes de todos os parlamentares e afastou as atengdes da imprensa sobre o assunto. Conclusao © que podemos concluir desta nova experiéncia de acio coordenada das bancadas nordestinas? Os tempos eram diversos como também o foram a natureza e o contetido dos discursos. As necessidades da regido e, em conseqiténcia, as demandas feitas ao Executivo permaneceram muito se- melhantes, Um epitafia do grupo poderia ser o de um Deputado por Pernam- buco, feito no proprio dia da reunio do grupo, da qual nao participou: “© chamado grupo do Nordeste nao tem importancia e vat desaparecer no momento em que se sinta quaiquer pressio por parte do Governo. Mesmo quando o Congresso tinha realmente forga, era impossivel organizar um grupo coeso de Deputados do ‘Nordeste, j4 que a regio tem problemas tao dispares. O Gnico dado importante no Brasil de hoje é a doutrina da segu- ranga nacional e esta esti claramente contra o grupo, porque, a longo prazo, ele significa alguma forma de autonomia para a regido, o que & inaceitavel. Eles sio Deputados novos e loga eles manterao contatos com a Oposiggo e desta forma nao havera meio de influenciarem o Governo.” A COCENE e o Grupo do Nordeste foram duas experiéncias rela- cionadas entre si na medida em que apontam para novos padres de relacionamento entre o Legislativo e o Executivo em situagdes autoritarias. Nao houve alteragoes reais na estrutura de poder, como resultado de suas agées. Todavia, embora o poder de tomar decisbes tenha permanecido nas mesmas maos, a possibilidade de influenciar as decisdes foi ampliada pela presenca de um novo ator, um grupo de pressdo que nao desejava Ser identificado como tal. Tanto em 1971 como em 1979, o Governo federal pos em pratica programas especiais para o Nordeste apés a acio dos grupos examinados e, sem que se tenha feito oficialmente nenhuma ligacao entre os dois fatos. Semelhante aos “programas de impacto” de 1971 foi a decisdo, anunciada pelo Conselho de Desenvolvimento Econé- mico em 17 de outubro de 1979, de destinar 80 milhées de délares em auxilio 4s vitimas da seca. Na mesma reuniao foram feitas alteragdes no sistema de incentivos fiscais, heneficiando a SUDENE, outra das deman- das que o Presidente “nao podia aceitar” (*), Quanto destas alteragées se deveram ao aparecimento, por breve que tenha sido, do grupo no Congreso? Os porta-vozes do Governo insistiram em que nao havia relagio entre os acontecimentos. Deputados consulta- dos afirmam que oxistiu uma relagio, Nao é suficiente saber que algumas das reivindicagdes foram aceitas? Nao é isto, e nao a publicidade, que marca 0 fato de um “lobby” ter sido bem sucedido? 8) Jornal de Brasilia, 18-10-79, p. 9. 372 R. Inf, legisl. Brositia a. 21 n, 87 jan./mar, 1984

You might also like