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Paola Mion Sant Sabrina Mazo Dafoe, brs ane! Reyes Oreo e Lia Cavaean Albuguargue Wiliams VIOLENCIA DOMESTICA E ENCARCERAMENTO: UM ESTUDO DE CASO* Paolla Magioni SANTINE. brina Mazo D’AFFONSECA? Gabriela Isabel Reyes ORMENO* Lucia Cavalcanti de Albuquerque WILLIAMS‘ RESUMO: 0 presente trabalho tem como objetivo apresentar um estudo de caso no qual sio avaliadas as relagdes entre o histérico de violéncia e o ingresso na vida criminal de uma mulher, bem como descrever uma intervengao psicolégica realizada coma mesma, por meio do “Projeto Parceria”. Tal programa aborda aspectos psicoterapéuticos ¢ experiéncias traumiticas (Médulo 1) e praticas parentais educativas positivas (Médulo 2). Foi aplicada uma Entrevista Inicial, bem como os instrumentos: Inventario de Potencial de Abuso Infantil (CAPT), Inventario de Estilos Parentais (IEP), e Inventario Beck de Depressio (BDI), nos momentos pré-teste, pés-teste e follow up. Além disso, foram coletados semanalmente registros didrios de bem-estar e competéncia parental. Os dados foram analisados de maneira qualitativa e quantitativa. Os resultados indicaram uma melhora em todos os escores dos instrumentos aplicados, bem como nos registros didrios; a participante relatou melhoras no relacionamento com os filhos, apresentou indicativos de melhoras nas habilidades sociais e de resolugao de problemas, em sua autoestima e passou a ficar engajada em atividades que poderiam the gerar renda. Tal intervengo parece indicar estratégias importantes de serem utilizadas com essa populag3o, embora estudos futuros com maior niimero de participantes possam oferecer dados mais sélidos PALAVRAS-CHAVE: violéncia doméstica; fatores de risco; mulheres encarceradas. 1 Este estudo teve como base parte da dissertagio de mestrado da primeira autora, que contou. ‘com 0 apoio da FAPESP, 0 projeto foi aprovado pelo Comité de Etica em Pesquisa com Seres Humanos da UFSCar, Processo n° 23112.004432/2008-25. 2 Universidade Federal de Sao Carlos ~ UFSCar, Rodovia Washington Luis, km 235 - SP-310, So Carlos - Séo Paulo. E-mail: paolla_@yahoo.com. 3 Universidade Federal de Sio Carlos ~ UFSCar, Rodovia Washington Luis, km 235 - SP-310,, So Carlos - Sdo Paulo. E-mail: samazo@hotmail.com, 4 Universidade Federal de Sio Carlos ~ UFSCar, Rodovia Washington Luis, km 235 - SP-310, Sao Carlos - Sao Paulo. E-mail: gabyreyes2@gmail.com 5 Universidade Federal los 1, Rodovia Washington Luis, km 10, ‘So Carlos - Sao Paulo, E-mail: williams@ufsear br, 212 Multicigneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 ‘VIOLENCTA DOMESTICA F ENCARCERAMENTO: LIM ESTUDO DE CASO A Organizagdo Mundial de Saiide (OMS) reporta que, a cada ano, mais de 1.6 milhées de pessoas ao redor do mundo perdem suas vidas em razio da violéncia, além daqueles que sobrevivem a atos violentos e convivem com suas consequéncias prejudiciais em sua satide fisica, reprodutiva e mental. Portanto, a violéncia ocupa um encargo financeiro altissimo para as economias nacionais, seja no sistema de saiide, em aspectos legais e/ou em quedas de produgao no trabalho (OMS, 2012). Embora, cotidianamente, a midia nos leve a refletir sobre a violéncia urbana na sociedade (roubos, assaltos, sequestros) ou em guerras, grande parte da populagao tem que lidar com a violéncia que ocorre no Ambito familiar, no espago privado, sendo que diferentes terminologias tém sido utilizadas na literatura para deserever tais fenémenos, como por exemplo: violéncia doméstica; violéncia intrafamiliar; violencia entre parceiro intimo; violéncia conjugal e maus-tratos infantis. No presente trabalho utilizaremos o termo violéncia doméstica, a qual é definida como violéncia, explicita ou velada, literalmente praticada dentro de casa ou no émbito familiar, entre individuos unidos por parentesco civil (marido ¢ mulher, sogra, padrasto) ou parentesco natural pai, mae, filhos, irmaos ete, (CAVALCANTI, 2007). As vitimas mais frequentes desse tipo de violéncia so as mulheres e criangas. Os episédios de violéncia contra a mulher comumente ocorrem em suas casas, ¢ 0 os agressores, em geral, so homens, na maioria das vezes o parceiro, sendo os principais responsaveis pelas agress6es e ameagas, seguidos pelos ex-maridos e ex-companheiros (VASCONCELOS, 2002). Em relacdo as criangas, 0 abuso ¢ geralmente imposto pelos préprios pais ou responsaveis, presentes indistintamente em todas as categorias socioeconémicas, nao respeitando credo, raga ou cor. Pesquisas na drea da psicologia tém apresentado fatores de risco que podem atuar como estressores ou facilitadores para o desencadeamento dos abusos. Tais fatores estdo presentes em diferentes niveis, como proposto por Slep e O'Leary (2001), bem como por Tolan, Gorman-Smith e Henry (2006), e podem ser sistematizados da seguinte maneira: a) Fatores de risco contextuais: neles encontram-se a pobreza ea experiéncia de estresse (0 qual pode ser desencadeado por desemprego, falta de moradia, rotinas de trabalho, padrées disfuncionais de pensamento). b) Fatores de risco de relacionamentos sociais: incluem-se 0 histérico de agressio na familia de origem, a parentagem pobre na familia de origem, discérdia entre os pais, violéncia entre os pais e pouca satisfagao com o relacionamento atual ©) Fatores de risco pessoais: destacam-se a impulsividade, agressividade, poucas habilidades de resolugio de problemas, sintomas de depress, abuso de substancias, histéria de comportamento antissocial (problemas de conduta e delinquéncia) ea idade. Em relacdo ao comportamento antisocial, os autores observaram que nivei altos de comportamento antissocial em ambos os parceiros aumenta o risco de violéncia conjugal. Alm disso, hipotetiza-se que 0 mesmo possa ser um elo na transmissao intergeracional dos maus-tratos infantis (caracteristicas de pessoas antissociais so Multiciéneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 213 Paola Mion Sant Sabrina Mazo Dafoe, brs ane! Reyes Oreo e Lia Cavaean Albuguargue Wiliams parecidas com as caracteristicas dos pais e das maes que abusam fisicamente de seus filhos). A respeito da idade, no que diz respeito da violéncia conjugal, os autores destacam que a vitimizagdo de mulheres na adolescéncia e préximo aos 20 anos de idade é trés vezes maior do que para mulheres acima dos 30 anos. Em relag3o aos maus-tratos infantis, quanto maior for a idade da mae, menor a probabilidade de ela maltratar seu filho, especialmente quando a mie tem mais de 20 anos e o pai mais de 30 anos (SLEP & O° LEARY, 2001; TOLAN, GORMAN-SMITH & HENRY, 2006). Outro fator de risco, geralmente citado na literatura devido a sua recorréncia, consiste na intergeracionalidade — fendémeno pelo qual criangas expostas 4 violéncia doméstica, de modo repetitive e intencional, tornam-se adultos que submeterdo criangas as mesmas experiéneias pelas quais passaram. Tal fenémeno pode ser explicado a partir da teoria de aprendizagem social, postulada por Bandura (1977), a partir da qual a crianga ao estar exposta a um modelo significativo que utiliza violéncia como forma de resolugio de conflitos pode passar a utilizar a mesma estratégia para lidar com as situagdes adversas vivenciadas ou até mesmo para educar os filhos, na vida adulta, Ou seja, estar exposto 4 violéncia levaria a crianga a aprender modelos de relagao agressivos ou a ter uma modelagao pobre de comportamentos adequados. Contudo, nem todas as eriangas que foram expostas a violencia doméstica esto destinadas a repetir os padrdes comportamentais dos pais. Muitas criangas rejeitam completamente 0 uso de violéncia quando se tornam adultos, tentando romper esse ciclo. Estudos mostram que os pais que quebraram o ciclo de violéncia tiveram contato com suportes sociais com mais frequéncia ¢ amplitude; em sua prépria infancia experimentaram um relacionamento préximo nio abusivo e de suporte com um dos pais enquanto crescia; conseguiram desenvolver um repertorio de expressar a agressio de forma adequada; foram capazes de realizar deniineias de forma mais detalhada coerente sobre seu abuso precoce; tiveram menos sentimentos ambivalentes sobre a gravidez e tiveram bebés mais saudiveis (PEARS & CAPALDI, 2001). No entanto, os pais incapazes de romper o ciclo de violéncia costumam carecer de outras habilidades sociais, nfo possuir apoio social adequado ou vivem com elevados niveis de estresse (BEF, 2003). Isso demonstra que a questo da intergeracionalidade continua sendo preocupante, principalmente num pais como o Brasil, onde a realidade social contribui para o desencadeamento desses fatores, ou seja, a falta de assisténcia para criangas vitimas, o baixo nivel de qualidade de vida da populagao e o alto indice de violéncia urbana, principalmente nas grandes cidades. Tal problema é ainda mais premente quando pensamos em uma populagdo de alto risco e comumente negligenciada: as mulheres encarceradas. Em uma revisdo da literatura realizada por Ormefio, D’Affonseca e Williams (submetido), observou-se que, no Brasil, so poucos os estudos realizados com essa populagio, e ainda mais escasso o trabalho realizado com os filhos dessas mulheres, buscando compreender os fatores de risco que as levaram a cometer algum delito. Vale destacar que o mimero de mulheres encarceradas no Brasil vem aumentando 214 Multicigneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 ‘VIOLENCTA DOMESTICA F ENCARCERAMENTO: LIM ESTUDO DE CASO consideravelmente, Em dezembro de 2010 0 mimero de mulheres encarceradas no Estado de Sdo Paulo era de 8,491, jé em dezembro de 2011 tal nimero passou para 9,762 — ou seja, um aumento de 1,271 mulheres em um ano (MINISTERIO DA JUSTICA, 2012). A populagao feminina brasileira encarcerada é composta por mulheres jovens, solteiras, com pouca ou baixa escolaridade, afrodescendente e com filhos. Em relagao ao tipo de crime realizado, ha uma predominincia no envolvimento com drogas, seja como usuaria ou com trifico (ORMENO, D’AFFONSECA & WILLIAMS, submetido). Dados preliminares indicam histérico de maus-tratos na infincia e vitimizago por violéncia doméstica como fatores de risco comumente presente nessa populagio Portanto, ¢ necessario realizar intervengdes com as mulheres encarceradas, pois em 80% dos casos elas so maes ¢ expdem seus filhos a riscos (ORMENO & WILLIAMS, 2011). Diante do exposto, presente trabalho tem como objetivo apresentar um estudo de caso no qual so avaliadas as relagdes entre o histérico de violéncia e o ingresso na vida criminal de uma mulher com histérico de encarceramento, bem como descrever uma intervengio realizada com a mesma no sentido de aprimorar suas habilidades no manejo do comportamento de seus filhos e empoderd-la em relagao a violencia sofrida, Caracterizagio e queixa Na época da intervengdo, Janete (nome ficticio) tinha 43 anos de idade, apresentava nivel educacional até 0 ensino médio completo, estava desempregada, era vitiva, tinha quatro filhos, relatou histérico de violencia doméstica pelo ex-marido (falecido), com 0 qual conviveu por 12 anos e softeu trés tipos de violéncia por parte dele (fisica, psicolégica e sexual), de frequéncia semanal. Permaneceu em tal relacionamento por medo, pois o parceiro fazia ameagas caso ela se separasse dele, além de dificuldades financeiras. Relatou que 0 seu relacionamento com os filhos era ruim, pois sempre teve dificuldades financeiras em manter os quatro filhos e, com isso, ficava muito nervosa ¢ estressada, Além de historico de violéncia pelo ex- marido, Janete também relatou ter softido de violéneia fisica ¢ psicolégica na infancia por parte de sua mie, sendo 0 pai ausente, Apés 0 falecimento de seu ex-marido, Janete passou a se relacionar com um ex-presididrio ¢ mantinham unio estdvel. No entanto, as dificuldades financeiras perduraram e Janete aceitou uma proposta de uma conhecida para levar droga de um ponto até outro da cidade em troca de duzentos reais. Em tal ocasido, Janete foi presa em flagrante por tréfico de drogas e, no periodo da intervengdo psicolégica, estava respondendo ao julgamento em liberdade. Janete procurou o servigo de psicologia porque se sentia deprimida. Queixava-se de que ela ¢ seu parceiro ndo conseguiam um posto de trabalho devido ao histérico em suas fichas criminais e isto a deixava triste e irritada, Além disso, no tinha paciéncia com os filhos, e acabava por utilizar o castigo corporal para educé-los, Multiciéneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 215 Pass Mion Santini Sabrina Mazo D’affonsess, Gb Albuguargue Wiliams nate! Reyes Ormstoe Lis Cavaean Procedimento Janete participou de um Programa de intervengdo a mulheres vitimas de violéncia doméstica, 0 “Projeto Parceria”, desenvolvido pelo Laboratério de Anilise ¢ Prevengdo da Violéncia (Laprev), situado no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sao Carlos (UFSCar). O objetivo do Projeto Parceria consiste em trabalhar os aspectos emocionais relacionados ao histérico de violéncia doméstica sofrido por maes (Médulo 1), bem como orientar as maes participantes sobre praticas parentais educativas positivas (Médulo 2). Para o presente estudo, foi adotada a técnica de mesclar ambos os médulos nas sessdes alternadamente, assim como proposto por Santini (2011), a fim de maximizar os resultados da intervengdo. Portanto, a cada sessio era trabalhado um capitulo de cada Médulo: em uma sesso 0 capitulo | do Médulo 1, na préxima sesso 0 capitulo 1 do Médulo 2, em seguida o capitulo 2 do Médulo 1, na outra sessao 0 capitulo 2 do Médulo 2, e assim por diante, totalizando as 16 sessdes, oito de cada médulo. Foram realizados 20 encontros semanais ¢ individuais com Janete, com duragio de cerca de 50 minutos cada, conduzidos da seguinte maneira: 1. As duas primeiras sessdes envolveram coleta de informagdes gerais ¢ aplicagdo dos seguintes instrumentos: Entrevista Inicial com Maes Vitimas de Violéncia Doméstica (WILLIAMS ET AL 2010); Child Abuse Potential Inventory - CAPI (Inventirio de Potencial de Abuso Infantil) (MILNER, 1994); Inventdrio de Estilos Parentais - IEP (GOMIDE, 2006); e 0 Beck Depression Inventory - BDI (Inventario Beck de Depressao) (BECK, RUSH, SHAW & EMERY, 1979). 2. As sessdes seguintes foram de intervengdo, apoiadas nas cartilhas do Projeto Parceria, ¢ contabilizaram em 16 encontros. Cabe ressaltar que Janete também entregou, semanalmente, registros contendo notas de zero a 10 acerca de seu bem-estar e competéncia parental. As técnicas utilizadas nas sessdes eram baseadas no relaxamento, role-playing, reforgo positive e diferencial, estabelecer limites e regras, Habilidades Sociais, time-out 3. Por fim, foi realizada uma sesso para reaplicagdo dos instrumentos no momento pés-teste e uma sessdo de follow up (trés meses apés a data do pés-teste). Anilise dos dados Os dados da Entrevista Inicial foram sistematizados e categorizados. Os 216 Multicigneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 ‘VIOLENCTA DOMESTICA F ENCARCERAMENTO: LIM ESTUDO DE CASO instrumentos foram analisados de acordo com os seus respectivos manuais, de forma ase ter informagdes sobre o desempenho parental (IEP e CAPD) e bem-estar (BD) da participante. Sobre os Registros Didrios, os dados (notas) referentes as duas varidveis foram tabulados e calculada média em cada categoria por semana, ¢ 0 resultado foi disposto em uma figura de frequéncia, Resultados e Conclusdo Inicialmente sero descritos os dados pré/pés/follow up dos instrumentos aplicados. Em relago ao BDI, Janete apresentou o escore 17 (depressao leve) no pré- teste, 12 (depressao leve) no pés-teste e 7 (auséncia de depressio) no follow up. A respeito do CAPI, Janete apresentou 0 escore 272 (comportamento potencialmente abusivo) no pré-teste, © escore 211 (comportamento no abusive) no pés-teste, retomando a apresentar comportamento potencialmente abusive (escore 267) no follow up. Por fim, no TEP, Janete apresentou 0 escore 17 (estilo parental de risco) no pré- teste, mantendo o mesmo padrao no pés teste (escore 20), e no follow up apresentou o escore 50 (estilo parental regular e abaixo da média). 300 zou 200 wm Préteste aso mPésteste 100 = Follow up 50 a lll BD cap ep Figura 1: Escores de Janete nos instrumentos BDI, CAPI e IEP nos trés momentos da aplicagdo do Programa, Multiciéneia, Sdo Carlos, 11: 212 - 222, 2012 217 Paola Mion Sant Sabrina Mazo Dafoe, brs ane! Reyes Oreo e Lia Cavaean Albuguargue Wiliams we INTERVENGAO iy, Notas SEGUNDA PARTE oF auton) PRINEIRA PARTE nuat=m2) Semanas Figura 2: Registros Diarios de Janete. LB = Linha de base; M1 = Médulo 1; M2 = Médulo 2; BE Bem-estar; CP Competéncia parental. Nos dados dos Registros Didrios (Figura 2), Janete atribuiu a si mesma notas baixas no momento pré-teste (entre 3-5) em ambas as variiveis, bem-estar € competéncia parental, Na primeira metade da intervengdo, notou-se um aumento das notas nas primeiras sessdes e movimento decrescente nas notas préximas metade. ‘A partir da 13* sesstio as notas aumentaram, mantendo-se entre 8-9 até o final da intervengao. Pode-se notar que as menores médias foram observadas na variével Competéncia Parental, sendo que ambas as varidveis apresentaram semelhanga na média das notas na maior parte dos registros avaliados, com destaque nas iiltimas semanas da intervengo. A diferenga encontrada nos momentos pré-teste e final da intervengao pode ser avaliada como expressiva (de 3-5 para 8-9). Portanto, verificou-se melhora nos escores dos instrumentos BDI ¢ IEP aplicados, sendo que os escores do instrumento CAPI retornaram ao status clinico semelhante ao anterior da intervengao. Isso pode indicar que, embora Janete estivesse aplicando estratégias parentais mais adequadas, a falta de auxilio da terapeuta e a continuidade dos estressores (falta de emprego, dificuldades financeiras e problemas de comportamentos dos filhos) favoreceram para aumentar o seu potencial agressor. Nos registros didrios, houve melhora na sua autoavaliagdo ao longo da intervengao. Além disso, ao final da intervengao, a participante relatou melhoras no relacionamento com 0s filhos, apresentou indicativos de melhoras nas habilidades sociais e de resolugao de problemas, melhoras na sua autoestima e estava engajada em atividades que poderiam Ihe gerar renda. Discussio No caso apresentado, ¢ possivel observar os riscos aos quais as criangas esto expostas quando ha violéncia entre seus pais, uma vez que até mesmo criangas que no 218 Multicigneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 ‘VIOLENCTA DOMESTICA F ENCARCERAMENTO: LIM ESTUDO DE CASO esto presentes durante os conflitos parentais podem sofrer consequéncias negativas a curto, médio e longo prazo (BRANCALHONE, FOGO & WILLIAMS, 2004). Além disso, as maes vitimas de violencia apresentam dificuldades no que se refere & educagaio dos filhos, pois podem apresentar sintomas de depressdo, Transtorno de Estresse Pés- Traumatico, ansiedade, entre outros. Com isso, tais mes podem apresentar ora um estilo parental autoritario, ora negligente, o que pode prejudicar o relacionamento com seus filhos, bem como inffuenciar no desenvolvimento saudavel dos mesmos. Tais criangas podem apresentar problemas de aprendizagem, de relacionamento com os colegas na escola, de comportamento em geral, maior frequéncia de agressdes aos irmaos e pares, podem apresentar sintomas relacionados a transtomos psicolégicos, como a depressio ansiedade. Caso no recebam ajuda, essas criangas poderio propagar a violéncia sofrida, mantendo o ciclo vicioso da violéncia (MALDONADO & WILLIAMS, 2005). Além disso, ao estar exposta a um ambiente violento, a crianga acaba nao aprendendo habilidades adequadas de resolugao de problemas, recorrendo a um padraio de passividade e aceitagdo da violéncia imposta por um terceiro, ou, no outro extremo, langando mao de comportamentos agressivos para lidar com as situag6es (WILLIAMS, 2003). Ambas as estratégias levam a prejuizos nos relacionamentos sociais, os quais so estabelecidos de maneira que o individuo se vé imerso em uma situago que ele acredita ter pouco controle e, com isso, recorre a solugdes que trazem um beneficio imediato, mas que apresenta consequéncias graves em longo prazo ~ como quando Janete aceita levar drogas para receber um dinheiro e pagar algumas contas, mas acaba ficando presa por conta do ato ilicito praticado. Assim, o histérico de violéncia de Janete (violéncia pelo parceiro conjugal tratos na infncia), associado a fatores de risco como a precéria condigao financeira, falta de habilidades parentais ¢ estar um ambiente aversivo, podem ter sido preditores para a dificuldade de manejo de comportamento dos filhos, seu envolvimento na vida criminal e, também, com um parceiro presidiério, e, consequentemente, inclus4o na vida criminal, tal como apontado por Dalley (2002). Vale destacar que apesar de todas as dificuldades enfrentadas por Janete, ela foi capaz de reconhecer que precisava de ajuda para lidar com a situagao, buscando apoio em érgios piblicos do Municipio (posto de satide, Centro de Referéncia de Assisténcia Social, Unidade Saiide Escola, Conselho Tutelar), © que pode ter auxiliado no seu engajamento na intervengdo proposta e nos ganhos conseguidos ao longo do processo. Os dados de follow-up indicaram que alguns ganhos foram mantidos apés a intervengo, destaque especial para auséncia dos sintomas de depressio ao final da intervengdo e 0 escore de estilo parental indicando que ela apresentava praticas educativas regulares ou abaixo da média esperada. Considerando as situagées de vulnerabilidade vivenciadas por Janete e seus filhos e os escores obtidos no inicio da intervengio, tais dados so positives ¢ indicam que, quando a mie melhora, tanto subjetivamente quanto aplicando estratégias disciplinares mais adequadas ¢ reforgam e maus Multiciéneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 219 Paola Mion Sant Sabrina Mazo Dafoe, brs ane! Reyes Oreo e Lia Cavaean Albuguargue Wiliams positivamente os comportamentos adequados de seus filhos, estes, consequentemente, comegam a apresentar um aumento dos comportamentos apropriados e uma diminuigao dos comportamentos inadequados, o que pode contribuir para um aumento do senso de competéncia parental e melhora no estilo parental apresentado pela mde, Com isso, espera-se que diminuam as probabilidades de Janete utilizar maus-tratos infantis e, consequentemente, interromper o ciclo da intergeracionalidade. Poucos dados so encontrados sobre 0 histérico ou familia de origem do preso brasileiro, dados sobre 0 adolescente em conflito com a lei indicam que hi um consideravel nimero deles provenientes de familias monoparentais dirigidas por mies com histérico de violéncia (GALLO & WILLIAMS, 2008). Desta forma se considerarmos que estas mulheres esto expostas a um ambiente de violéncia se faz necessario um atendimento, tanto com as mulheres em situagdo de encarceramento, tanto com os filhos destas mulheres visando prevenir a intergeracionalidade da violéncia, Tal fato nao significa estigmatizar esta populagdo (tanto mulheres ou criangas) ¢ sim de apontar as iniimeras situagdes de vulnerabilidade as quais esto expostos, visando a realizagio de programas preventivos para minimizar os problemas enfrentados por eles. Domestic Violence and Incarceration: A case-study ABSTRA( is paper aims to present a case study which assessed the relationship between a woman’s history of violence and her entry into the criminal life, as well as to describe a psychological intervention with her. The participant completed the “Partnership Project”, which endorses aspects of psychotherapeutic and traumatic experiences (Unit 1) and positive parental educational practices (Unit 2). It was applied an initial interview, as well as the following instruments: Child Abuse Potential Inventory (CAPI), Parenting Styles Inventory (IEP) and Beck Depression Inventory (BDI), which were evaluated at pre-test, post-test, and follow up phases. In addition, a Daily-Record of Wellbeing and Parental Competence Sense was collected weekly. The data were analyzed qualitatively and quantitatively. Results showed an improvement in all scores of the instruments applied, as well as in the daily records, and the participant reported better relationship with her children, showing indications of improvements in social skills and problem-solving, as well as in their self-esteem, In addition, she started to engage herself in activities that could generate income. This intervention seemed to indicate important strategies to be used with this population, although further studies with a larger number of participants could provide stronger results. 220 Multicigneia, Sao Carlos, 11: 212 - 222, 2012 ‘VIOLENCTA DOMESTICA F ENCARCERAMENTO: LIM ESTUDO DE CASO KEYWORDS: domestic violence; risk factors; incarcerated women. Referéncias Bibliogrificas BANDURA, A. Social Learning Theory. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. 1977. BECK, A. T., RUSH, A. J., SHAW, B. F. & EMERY, G. Cognitive Therapy of BEE, H. A crianga em desenvolvimento. ‘Tradugao: Maria Adriana Verissimo Veronese. % edigao. 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