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PN ora Od CuLTuRA, EstaDo E SOcIEDADE Novas Perspectivas Organizadoras: Philomena Gebran Maria Teresa Toribio B. Lemos EO) ASSOCINCHO RACIONAL DE PEESTSSDONES DE ANSTORIN LATIVO-ARERIDERY CERTBENH Copyright © ANPHLAC/ CNPq Reproducio proibida sem a expressa autorizagio dos autores ¢ do edior Coordenagio Editorial Maria Teresa Toribio Brittes Lemos e Philomena Gebran | Projeto Grifico e Capa Cecilia Leal Editoragdo Eletrénica Rosania Rolins Revisio : Marcelo Soares Impresso_ na Gréfica da UER Ficha Catalografica Asi2 ‘América Latina: culture, estado ¢ sociedade: ‘Rovas Perspectivas. Organizadoras, Philomena Gebran, Maria Teresa Torfbio Brittes Lemos. — Rio de Ja- neiro: ANPHLAC, 1994, 184p. Incl bibliografa ISBN 85-85723-.01-7 med Amen Latina — Histo. 2 rice. Latina — Condigses socials. Gebron, Philomena. Il. Lemos, Marla Teresa Toribio B. cDU 97/98 Editado no Rio de Janeiro, 1994 pela ANPHLAC APRESENTACAO pesar da riqueza de suas culturas, a América Latina foi sempre uma regido meio esqueci- .da pelos estudidsos brasileitos de Historia, que dirigiam seus estudos e pesquisas visando a realizagdo de uma Hist6ria nacional, brasileira, ou, em outras areas, com um olhar voltado mais para 0 Atlantico que para a realidade latino-americana. Essa questo agravou-se com os anos das ditaduras, vi- vidas pela maioria dos paises, que terminaram por fsolar-se cada vez mais, tornando a sonhada inte- gragio uma utopia. Nas décadas de sessenta, setenta ¢ até mez. dos da de oitenta, a reflexo sobre os problemas tebrico-metodologicos ¢ epistemologicos sobre a re- alidade da América Latina foi praticamente banida das universidades brasileiras. estudo € 0 ensino sobre a América Latina, baseavam-se muito mais em publicagdes de origem européia do que numa historiografia de producto latino-americana; brasileira, nem pensar. Ninguém ‘ousava sair do Brasil para pesquisar nos paises vi zinhos. Assim, na mesma propor¢i0 que cresciam as pesquisas sobre o passado brasileiro e europeu, decrescia ou nao havia interesse em pesquisar a América Latina. Tiesren diteeries cumdimennes oromeivee wens. = América Latina: Cutura, Estado @ Sociedade sito de contribuir para um melhor entendimento desta fase da conquista da América no século XVI, onde os alemies se fizeram presentes. = Maria Isabel de Siqueira_= Professora da Universidade Gama Filho Mestranda da UG, BiBLIOGRAFIA 1, BLANCO-FOMBONA, R. El Conquistador Espana! del Siglo XVI. Madrid, Editorial Mundo Latino, 1922. 2. ESPINOSA CORDERO, N. Historia de Espaiia en America. Madrid, Compania Ibero-Americana de Publicaciones, 1931 3, FRIEDERICI, G. Caréter da Descoberta e Conquista da ‘América pelos Europeus. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1967. 4, MORALES PADRON, F. Historia de America. Madrid, Espasa- om 1975, vol. V1 —. Gran Enciclopedia de Espatia y America. Ei Descubrimicato, siglo XV." XVL Mada, Espaa-Calpe, 1983, Tomo IV. 6, OVIEDO Y BANOS, Historia de La Conquista y Poblacion de La Provincia de Venezuela, 1885. 7. OTS CAPDEQUI, J.M. El Estado Espafiol en Las Indias. Mexico, Fondo de Cultura Economica, 1957 4. PEREYRA, C. Breve Historla de America. Mexico, Aguilar, 1949: 9. PUIGGROS, R La Espafia que Conquisté al Nuevo Mundo. Mexico, B. Costa-Amic Editor, 1976. | UNIVERSIDADES E SOCIEDADES NA AMERICA LATINA COLONIAL questdes iniciais, que se inserem dentro de um trabalho de pesquisa mais abrangente, sobre a historia das diversas concepgdes de universidade, suas relagbes com as sociedades € 2 producao cultural da ‘América Latina no periodo colonial. £ interessante comegar comparando 0 compor- tamento das Coroas espanhola e portuguesa com re- lagao a alguns aspectos da educacao. Por que a Espa- nha promoveu o desenvolvimento de um amplo sis- tema educacional na América, incluindo a criagio de universidades ¢ a instalacao da imprensa, enquanto que Portugal — como quase todos os poderes impe- riais europeus — nao apoiow a introducao de univer- sidades € da imprensa no Brasil? Em geral, critica-se Portugal por nao haver per- mitido 0 nascimento de universidades em sua col6- nia, tendo como referéncia o exemplo espanhol. Mas esta politica, ainda que indefensével, era a norma entre as metropoles que desejavam manter 0 controle so- bre seus dominios. A questio deve ser invertida, ou melhor, € preciso compreender 0 que levou a Espa- nha a organizar tal sistema educacional. Portugal apenas autorizou a fundacdo de colégios, mas 0 ensino uni- versitério estava restrito aqueles que podiam pagar ‘uma viagem 4 Europa. Sem divida, uma politica cons- Es texto tem por objetivo apresentar algumas a = Améica Latina: Cultura, Estado @ Sociecode jeme — pelo menos a partir do século XVII —, como Srostra a resposta da Goroa a um pedo pra ae erat inas Gerais, em 1768, uma 1 SpatiNegando a peueto, 2 meopole delarava que tim dos lagos ma foes que manna 2 pend Jénia em relacdo a ; i se oe ceslnoe brasieiros tem a Europa pars os studs supetiores véem 2 auséncia de univers des no Brasil como uma indicagio do auaso ¢ #6 fgnorincia de Portugal. O contraste com a Espanha ¢ Rrediato e impressionante, quando lembramos que ota fundou 32 universidades durante o periodo Co- Tonial, ainda que algumas tenham tido uma curta xisténcia e que outras permanecessem apenas con eerewo real Ha também a perspectiva, num esforgo para defender ejuslica l poliic de que Fora ue pode, dentro see oe Gispuaa, tus Antonio Cunha, fecentemen's Sfereceu uma interpretagio altesnativa para a dues: tho, afrmande que os eoléglos e seminsrios jesutas no Brasil equivaliam as universidades da, Américe Espanhola, Assim, apenas a nomenciatura distingui tz Seminarios de Olinda ¢ Mariana de uma verdadey ta universidade,e 0s colegios da Bahia, Rio de Jane ro, Maranhio ¢ Par eram, com ef, Rua si jo México ou Peru ; emis perpeniva sou de entender a de cisvet das Coroas dentro de parimetros « limites etabelecidos pelo tempo e espaco hist6ricos; procu- fo compreender as universidades, suas concepgoes © Saas relagdes com as sociedades colonials a pai 2 percepgio de seus contemporineos, vale dizer; 00 ioe eigmificava para eles a universidade. Assim, [Teuado por Galo € Boschi, A Universidade de Cotmbra 1 tado por selected elles mincias, colon es formato Intivcreniade so, Congresso S0B76 aie cor nerndade, Coimbra, 190. es ver agueda Maria Rodrigues Cruz, Historia de las Jarerstdades ispanoamericanas. Periodo hisps Sogees ro y Cuervo, 197? Before Insuso Caro y ie route em Lois Antonio Guana, A universidade Ver o debate em Luis Antonio vit i Oo tives, 1986. Universicacies © Sociediades na América Latina Colonial = bremos que Portugal encontrou no Brasil sociedades semi-némades, com as quais, no principio, desejava apenas estabelecer relacdes comerciais, a semelhanca do que fazia com outras regides de seu vasto império, que se estendia pela Africa e pela Asia e que Ihe Proporcionava resultados muito lucrativos. Os portu- gueses eram comerciantes com uma maneira pratica de enxergar seus interesses imediatos de lucro, Em segundo lugar, Portugal tinha uma populacao peque- na — aproximadamente um milhdo ¢ meio de habi tantes — ¢ havia em seu territ6rio apenas uma uni- versidade, Coimbra, no dispondo, portanto, de um néimero abundante de professores. A segunda uni- versidade portuguesa, Evora, 6 foi fundada, pelo jesuitas, na metade do século XVI, sendo fechada 200 anos mais tarde, quando da expulsao dessa ordem do pais, a partir daf, permaneceu Coimbra como Gnica insti- tuiedo no género, até 1911. AEspanha, pelo contrario, ao conquistar a América, teve que subjugar sociedades indigenas ricas, forte- mente organizadas, com instituigdes hierarquizadas, religido elaborada, economia estruturada, com uma populagéo — os cilculos variam — entre 50 ¢ 100 milhdes de pessoas. Por outro lado, a Espanha tinha uma longa tradicao universitiria, que remontava aos tempos das primeiras expulsbes dos arabes da penin- sula, Salamanca, a mais velha universidade espanho- la, teve sua origem no comeco do século XIII, rece- bendo reconhecimento do rei Afonso X em 1248 ¢ a sangao do Papa em 1255, que Ihe concedeu o titulo de Studium Generale € Ihe permitiu outorgar graus universitérios. Na segunda metade do século XV, a Espanha tinha 6 universidades e durante o reinado de Isabel de Castela e Fernando de Aragio, o niimero © 0 prestigio das universidades cresceu ainda mais; entre 1474 € o comeco do século XVII, foram criadas 17 novas universidades. Outro ponto merece ser res- ‘saltado: os espanh6is chegaram 4 América no mesmo ano da tomada de Granada, ponto culminante da vi- toria da Espanha sobre os drabes; era 0 tempo da afirmago do império, de sua unidade, e as novas terras “descobertas” além-mar eram pensadas como Parte integrante do império, da mesma forma que 0 América Latina: Cuttura, Estado @ Sociedade eram Napoles ou 08 Patses Baixos. Como se sabe. as felagdes posteriores entre 0 Novo ¢ o Velho Mundos be alteraram © as Américas se transformaramn — de parte do império com direitos iguais 4s das demais — parte Slénias que deviam satisfazer as necessidades econémicas basicas de sua metropole. ‘Os “Reis Catélicos” também amarraram as ual versidades 2 burocracia real. Em 1493, eles orde tetam. "Nenhum letrado pode ter qualquer posto fa justiga, Conselhos, Tribunais ov Chancelarias 6 nenhuma cidade ou vila de nosso reino, a menos qque tenha um documento que certifique que tenha a Gado leis candnicas ou civis por um minim Se fer anos numa Universidade do reino ou de teens estrangeiras" + Como afirma Richard Kagany teaeu estudo sobre os estudantes espanhbis des, Se perfodo, as universidades tinham um vincu!o formal Sehr a administragao real, ainda que os dez anos som ciudo nem sempre tivessem sido obedecidos Esta perspectiva de pensar a universidade com bm centro de formacio de quadros burocrstices esempenhou um papel importante na decis2o de ‘criar universidades na América. Voltando 4 proposi¢ao de Cunha sobre a seme- hanga entre as universidades hispano-americana. © os colégios jesuitas do Brasi, que tinham cursos esPecis os Chamados de estudos superiores, de filosofia ¢ te Glogia, ereio que 2 comparacio no se sustenta. = jamos, tomando apenas 0 exemplo da Nova Espanha Gneluindo Chiapas e Yucatan, isto €, 0 territOnio actual See éxico), 08 jesuitas — nao fazendo referencia as ceens ordens — dirigiam 30 colégios, 3 casas, 1 hnospicio, e 102 misses, além disso, ensinavam if sow pa cidades ¢ lecionavam cursos superiores de fir favofia e teologia em pelo menos 13 cidades. O$ je voscas unham no Brasil 17 colégios e 8 deles ofere- Stam os ditos cursos de filosofia ¢ teologia. Assim, ciao me parece adequada a equiparacio dos coléBios jeouitas do Brasil 2s universidades hispano-ament Mas, pois estas colonias possuiam além das univers! paabiagneeiaeS [Trecuado por Richard L. Kagan, Students and soclety 1 te eiae deen Spain, Baltimore, John Hopkins University EE Unvversiciaces © Socleciades na América Latina Colonia! dades, uma rede mais dudes, uma rede mais extensa de eoléptos que a Quanto as universidades, ae , @ primeira a funcio- nar fo do Mexico, cj cedla de fundagio € de 21 de 1551, mas que iniciou seu dois anos mais tare Ae Lay ands qu tee Jo eriada anteriormente (12 de maio de'1551), so. mente dev inicio aoe estudos em 1551, Houve ainda, uma Bula papal, de 28 de outubro de 1538 monde iniversidade em Santo Domingo, mas teve possbldades de funcionar caoialgune exon los mats: em 1621 foram fundadas as unversidades ; ra Argentina), a Javeriana de B i, 4 de Sto Franco aver de Choque (hoje Sucre, Boi) em 1676, 2 de Sto Caos da Genie gem 1721, de Caracas © ade So Jergnimo de ‘ane. ; ; 10 Felipe, em Santiago do Chi . i ve ant mande outro pont importante para pense 45 icrnesseducacona ecu, insstamos na le que a Casa Impressora de Ju: chegou de México, com a lcenga da ‘coon em 1553, ¢ em 1594 desembarcou no Peru, Durante ‘o periodo colonia cass impressoras foram esabelecas © Pucbla (1640, Guatemala (1660), Paraguai 1705), Havana (170P, Osxace (1720), Bogotd (1729), Quito 1760), Cordoba (1766), Buenos Aires (1780, ‘Samia- 0 (1780, para tomar alguns exemplos, coquante que) omo ¢sabido, a imprensachegou 20 Bras, pens 808, com a vinda da fama real portuguesa ¢ sienna BOs He altmar a5 diferencas entre as po- Ices priicas educacionais e cultura das an méricas, cabe anal vetsidade colonial nas soctedades omer nas. Qual a concepedo de universidade? Qual seu 5 Para o Bras, ver L ver by A. Cunha xico, ver Ignaci |, op. elt., © para o Mé- Heo, ver Igntclo Otorlo Romero, Colegioe y euteeee! (372-1769), Mexico, UNAM, 1979, NUCY# Espana 6 Fas infomacoes sobre amen, vero trabalho Tonibio Medina, Historia de la imprenta en los antiquos dominios espafioles de America y Oceania, 2 vols., 24 ed., Santiago, 2 vols 2 ed. Santiago, Fondo Historic y Biblogrtico ee ——“—OC;*t————”—CU = América Latina: Cutura, Estado © Sociedade impacto? Que relagdes.com a politica, a ideologia, a cultura? 'A universidade era acima de tudo uma insti- tuigao religiosa, fundada e mantida por ordens re- ligiosas, particularmente, dominicanos ¢, posteri- ‘ormente, jesuitas (nesse sentido, nao muito dife- tentes dos Colleges da América do Norte colonial, criados por grupos religiosos protestantes). AS Universidades coloniais tinham em geral os mes- ‘mos privilégios que os da universidade de Salamanca ‘Como se sabe 2 Universitas medieval recebia, como qualquer outra corporacao, certos privilégios para seus membros. Os de Salamanca, por exemplo, isentavam seus membros do pagamento de impos tos e determinavam que todos 0s crimes, com ex- cegio de crimes de sangue, fossem julgados pelas autoridades universitarias. ‘© modelo de ensino baseava-se na escolastica tomista, que, alicercada na l6gica aristotélica, pre- ‘ocupava-se com a forja de provas racionais, com uma comprovacdo de tipo argumentativo ou per- suasivo. Todas as disciplinas estavam diretamente ligadas a filosofia e esta, por sua vez, era tutelada pela teologia; segundo 0 tomismo, nao se tratava mais de esclarecer pela razio os mistérios da fé, ‘como propunha Santo Agostinho, mas de separar a filosofia da teologia. Para Sao Tomés, a filosofia estava referida ao campo da razo, a qual perten- ‘cia toda verdade conhecida com evidéncia intrin- seca, por experiéncia ou por demonstragao. A teo- Jogia se dedicava 20 campo da fé, que se detinha sobre toda verdade conhecida sem evidéncia in- trinseca, vale dizer, toda verdade revelada. Para se ter uma idéia da subordinagao do saber cientifico 2 teologia ¢ 20 controle da Igreja, tomemos um fexemplo do que aconteceu na Universidade do México, no século XVII. Para se obter o grau de licenciado, mestre ou doutor, era necessério fazer um juramento, proclamando a pureza da Virgem Maria, concebida sem pecado original. O juramen- to foi introduzido na Universidade do México em 1618, seguindo 0 exemplo do Colégio de la Concepcion, fundado em Salamanca, em 1608. Desde ————— ti Universciacles @ Socleciades na América Latina Colonial 1645, este juramento passou a ser por iniciatwa de jesuitas © fanclscenoa; tom epoe sigdo dos dominicanos — a todos aqueles que re- cebiam graus concedidos pela universidade, Nas aulas de Matemética, os estudantes deviam provat através de teoremas, a existéncia de Deus ea imor- talidade da alma ae ‘Aprender, na concep¢io escol cava memorizar os textos ‘adios eo volver os argumentos e contra-argumentos estabe- lecidos a respeito de um determinado ponto. Ha um famoso exemplo de um certo Frei Francisco Naranjo, que despertou a admiragio de todos, pois conhecia de meméria os quatro volumes da Suma Teologica de Sio Tomés. Por esses méritos, aca- bou por conseguir uma cétedra na Universidade do México, em 1635 ”. Quem entrava para a universidade? £ verdade que no principio, pelos Estatutos, as universidades estavam abertas 2s indios. Mas muito rapidamente, ainda no proprio século XVI, as portas se fecharam a cles (com raras excegdes) €’ ensino superior ficou restrito aos espanhis e criollos, todos do sexo mas- culino, j4 que nao era permitida 2 entrada de mulhe- res. Dessa maneira, 20 grupo dos exclufdos pertenci- am, além das mulheres ¢ dos indios, judeus, protes- tantes, negros ¢ demais castas Em 1775, quando as Constituigbes da Universi- dade do México foram reimpressas, o autor do Prélo- go, Padre Vincente Lopez, ofereceu alguns dados interessantes sobre 0 niimero de alunos que cursa- ram essa instituigdo. Afirmava ele que, até aquela data, haviam se graduado na Universidade do México, 29 882 Bacharéis, e 1162 Mestres e Doutores, dos quais 84se tomaram arcebispos e bispos, sendo 3 deles, indios. Esta foi a tnica referéncia a estudantes indigenas no texto, o que da uma medida da forga da exclusio *, 77 sabre Frei Naranjo, ver G. RG. Conway (rg), Fela Francisco Naranjo and the old University of Me México, s.e., 1939. ‘ ea 8 - Constituciones de la Real y Pontificia Universidad Mexicana, 2! ed., México, D. Felipe de Z0Aigo y Ontiveros, Men Felipe de Z0siigo y Ontiveros, = Améica Latina: Cuttura, Estado @ Sociedade © preconceito contra alunos ndo brancos pode, ain- da, ser acompanhado numa peticao apresentada em Lima, em 1701, pelos médicos da cidade, que pediam que “mulatos, sambos € quarterones’ nio fossem ad- mitidos como estudantes, ja que as Leis de Indias os ‘excluiam legalmente. Louvavam 0 fato de que conti- nuava vedada a entrada aos julgados pela Inquisic4o, ‘mas criticavam a frouxidio no que dizia respeito @ admissao das castas. Os médicos de Lima insistiam no cumprimento rigido da lei, restringindo apenas 20s aque tivessem 0 atestado de “sangue limpo" a entrada na universidade ° ‘Durante todo o periodo colonial, a univer- sidade esteve vigiada pela Inquisicao; as atitu- Ges de professores e alunos, a impressao de li- ‘yros, folhetos e panfletos, a proposta de novas cAtedras, os conteddos dos cursos, os livros de textos, tudo passava sob o olhar inquisitorial ‘Aqueles que tentavam escapar a ortodoxia, $0- friam as penas e os castigos de praxe. No ja citado Prélogo do Padre Vincente Lopez também se afirmava que os formandos da Univer- sidade do México se tornaram funcionarios das Au- digncias, da Inquisigao e serviram nos tribunais civis e religiosos. A universidade colonial educou com Exito uma elite que preenchew as fungdes adminis- trativas na burocracia civil e religiosa ¢ contribuiu eficazmente para a manuten¢ao do sistema coloni- al. A Universidade nao era uma institui¢ao desco- lada da sociedade, enfeitando algumas cabecas escolhidas com um conhecimento initil ¢ supér- fluo. A Universidade, em verdade, correspondia a determinadas necessidades da Coroa espanhola no que se refere a formacdo de pessoal especializado, funcionando, a0 mesmo tempo, como uma peca importante de controle social ‘Exemplificando esta diltima afirmagio, tomemos os acontecimentos que abalaram a Cidade do Méxi- co, no dia 8 de junho de 1692. Por razdes ligadas 20 desabastecimento da cidade — particularmente "Ver John Tate Lanning, Academle culture in the Spanish 9 - Ver Job Tate Lanning, Aeetevoh Press, 1969. Unlveridades @ Socledades na Améiica Latina Colonial = a falta de milho, alimento basico da populagdo indigena — houve uma rebelido urbana com in- céndios saques, rapidamente reprimida. Carlos de Siguenza y Gongora, catedritico de Matematica da Universidade, a tudo assistiu ¢ descreveu os acontecimentos, em que culpava primordialmente 0s indios pela desordem. Segundo seu relato, os indios estavam acostumados ao pulque — tradici- onal bebida fermentada, retirada das folhas do maguey —e sua embriaguez levava a desordens. Talvez apoiado nessa opinido, o Vice-Rei decidiu, como medida preventiva, proibir a bebida do pulque na Nova Espaiia ¢ solicitou ao Claustro da universida- de que se pronunciasse sobre 0 assunto. Num jogo arrazoado, sustentado pela autoridade de tedlogos, filésofos € de outras autoridades eclesidsticas, 0 Claustro manifestou-se inteiramente favorével a proibicao, indicando a corre¢ao da ordem do Vice- Rei ®. ‘A universidade tinha vinculagdes muito es- treitas com 0 poder constituido, legitimando, como no exemplo que acabo de citar, com o seu saber, © controle da Coroa sobre as populacdes indige- nas. Outro exemplo interessante est4 num texto do j4 citado Carlos de Siguenza y Gongora, que publi- cou varios trabalhos cientificos, além de muitos li- ‘vros de poemas. Foi cle quem idealizou o arco triunfal, construido na cidade do México para receber 0 vice- rei Conde de Paredes, em 1680. © arco primorosa- mente trabalhado com flores, pinturas € versos de Siguenza foi erguido nas ruas da cidade. O tema por ele escolhido foi um “Teatro de Virtudes” com 12 quadros com versos que cantavam a virtude fundamental de cada imperador azteca e que devia servir como um espelho para o vice-rei. Paz, cle- méncia, fortaleza, persisténcia, prudéncia, esperanca eram algumas das virtudes por ele atribuidas aos imperadores. Este texto € especialmente significa- tivo para discutir outro tema, do qual nao me ocu- parei aqui, qual seja, 0 nascimento de uma consci- 10 - Ver Carlos de Siguenza y Gongora, Seis Obras, Ca- racas, Biblioteca Ayacucho, 1983, 2 América Latina: Cultura, Estado @ Sociedade ancia ou de um sentimento mexicano que estabe- lece continuidades entre o periodo pré-conquista € 0 periodo de colonizagio espanhola, Siguenza indicava semelhangas entre os dois periodos, mos- trando que a sociedade mexicana necessitava de governantes com as mesmas virludes, quer no passa- do, quer no presente *. Quero, no entanto, salientar ‘outro aspecto da questio, isto € como um catedratk co da universidade estava imerso na vida politica de ‘coldnia, contribuindo com seus escritos para a legitimago dos poderes constituldos coloniais. Portanto, néo numa postura passiva de aceitagao do poder metropolitano, mas sim, ativamente, construindo e justificando, com seu saber, 0 dominio colonial ¢ a ordem social exis- ‘emt universidade, estavam excluidos, como jA afirmei, as mulheres, 0s indios, 0s judeus € os pobres em geral; € certo que houve excecdes, mas a regra geral indica que a universidade era ‘um lugar para os filhos dos privilegiados da colénia. Por um lado, isto poderia significar uma institui- Gao isolada do resto da sociedade, fechada so- bre si mesma e mantendo relagbes estreitas ape~ nas com a Igreja e 0 poder politico. Por outro lado, penso que a universidade repercutia mais amplamente sobre a sociedade, levando-se em conta o que ela representava simbolicamente, vale dizer, 0 valor religioso, politico ¢ cultural que Ihe atribufam, ao lado da distingio conferida aos seus graduados. Ainda que lugar de poucos, enquanto instituigdo, ela era vista pela socieda- de colonial com respeito ¢ consideracao. Senti- mento que, de uma certa forma, permanece até © presente. Imagino o impacto nas grandes cida- des coloniais, das cerimOnias rituais cheias de pompa ¢ ostentacdo, quando da entrega dos graus de mestre ou doutor. As ceriménias mais sole- nes incluiam o passeio a cavalo do candidato paramentado, acompanhado com masica, por um 7 Sobre este tema, ver Anthony Pagden, “deny formation In Spanish mene in Anthony ogden ¢ Neveay any ir Colonial identity in the Atlantic world, 1500- Corgs.), ey ae Universidacies © Socleciades na América Latina Colonial = cortejo formado pelo Claustro da universidade, demais professores e alunos, desde o prédio da universidade até a catedral, onde o grau era rece- bido. La 0 esperavam 0 vice-rei e 0 bispo e, depois de juramentos, entrega de simbolos como o anel, 0 barrete e a espada (esta 86 para os leigos), o titulo de doutor estava outorgado. O impacto deste acon- tecimento, tdo solene e raro para apenas alguns escolhidos, trabalhou no imaginario dos menos pri- vilegiados, imputando a universidade um alto va- lor e prestigio Depois destas consideragdes, volto a0 ponto inicial, isto €, 0 Brasil deve lamentar nio ter tido um sistema educacional superior, mesmo sendo a universidade colonial na América Espanhola uma instituigao predominantemente religiosa, formado- ra de quadros para a burocracia colonial, censura- da pela Inquisicao ¢ fechada a maior parte da so- ciedade? O argumento decisivo quando se chega a essa questao é a afirmativa de que a universida- de foi o celeiro das novas idéias que culmina- ram com a independéncia politica. John Tate Lanning, historiador norte-americano, devotou boa parte dos seus escritos 4 demonstracao de que a América Espanhola nao era o lugar das trevas em termos educacionais € culturais. Seu classico trabalho sobre a Universidade de Sao Carlos da Guatemala mostra que, no século XVIII, os estu- dantes defendiam teses em que demonstravam conhecimento de Descartes, Locke, Copernico, Newton e, até mesmo, Franklin. Relacionando a universidade com as novas idéias politicas, afir- ma ele que dos 13 homens que assinaram a ata da independéncia das Repablicas Unides: da América Central, 9 tinham recebido graus da U: versidade de Sao Carlos #. Também a Univers dade de Chuquisaca (hoje, Sucre) ficou famosa por ser considerada um espago “revolucionério” © historiador boliviano Gumucio diz que, dos 28 deputados que declararam, em Tucuman, em 12 ~ Ver John Tate Lanning, The Eighteenth-Century Enlightenment in the University of San Carlos de Guatemala, Ithaca, Cornell University Press, 1956. a Amédea Latina: Cuftura, Estado © Sociedade 1816, a independéncia das Provincias Unidas da ‘América do Sul, 14 haviam sido antigos alunos de ara inea bates historiograficos em torno do impac- toda educagio sobre a sociedade indicam que € possivel pensé-la tanto como libertadora, quanto como opres- aera, Lawrence Stone, por exemplo, mostra em um grigo sobre o analfabetismo na Inglaterra, que a educagdo pote ser entendida como uma poderosa forca que busca preservar as diferencas sociais, tomando qual- quer proposta de mudanga como tema poltico a Shente explosivo € que resiste as alteragbes de forma Fessentida e amarga “. Quando se trabalha com uma instituigdo como a universidade que, em sua finalida- ide de formar jovens estudantes, determina o que deve 0 que ndo deve ser conhecido € ensinado, 0 pro- blema se toma ainda mais agudo ¢ complexo. "até esta etapa da pesquisa, € possivel apresen- tar algumas conclusdes preliminares. A primeira € que tha América Espanhola, apesar de a universidade ser feligiosa e conservadora € atuar como reprodutora do sistema, houve ainda espaco, particularmente nos primérdios de sua existéncia no século XVI ¢, mais Grde, no final do século XVIII, para um debate de fdéiag ¢ de criatividade intelectual. Sem dGvida, em termos compérativos, a produgao cultural ¢ intelectu- al dos hispano-americanos, durante o perfodo colo- nial, € mais abundante e mais rica que a dos brasilei- fos. é dificil, entretanto, precisar qual o papel que a luniversidade desempenhou nessa produgio. A des- peito da esmagadora maioria dos professores ter ide Bs profundamente conservadoras, a propria universi dade, enquanto instituigdo, por suas caracteristicas tfo partigulares — colocar juntos um grupo de jovens, ae nari Une i iene i ie rn one Lawrence Stone, “Literacy and society in England, 14 - Ver Lawrence Stone, “Literacy 200 oe ey de 1969. Univarsicades © Socledades na América Latine Colonial = propor o estudo dos autores clissicos, incentivar os debates, ainda que em moldes escolasticos —, ofereceu condigdes propicias para que espiritos rebeldes ¢ inconformados se desenvolvessem. Na minha opiniao, a universidade continua sendo, até © presente, o lugar em que o saber tradicional se reproduz atendendo as necessidades do sistema vigente e, a0 mesmo tempo, um espago para a diivida, a critica ¢ a rebeldia Mas uma grande questdo permanece. Como avaliar 0s estragos que a auséncia de universida- des teria feito ao Brasil? Em primeiro lugar, lem- bremos que, a despeito da inexisténcia de univer- sidades, havia alguns personagens, como o Céne- g0 Carlos Vieira, conhecido por sua atuagio na cons- piragio pela independéncia em Minas Gerais, em 1789. Como mostrou Eduardo Frieiro, em seu O Diabo na Biblioteca do COnego, nos confins do Brasil, um pobre padre tinha uma biblioteca de centenas de volumes, com autores ingleses e fran- ceses, defensores das idéias iluministas . Em se- gundo lugar, o Brasil, ignorante ¢ sem universida- des, chegou 4 independéncia politica a mesma época que suas irmas latino-americanas; além disso, as uni- versidades na América Espanhola, depois da inde- pendéncia, viveram uma aguda fase de decadéncia, ois sofreram a perseguicdo dos liberais que as viam ‘como uma instituicdo colonial, religiosa e retrograda, Portanto, no século XIX, no estavam muito distantes do Brasil, onde se mauguravam as primeiras escolas profissionais supeniores As respostas ficam ainda mais Complicadas quando se pensa que hoje, na América Latina, 0 Brasil tem um dos melhores sistemas univer- sitérios, comparavel apenas ao do México, Em verda- de, tanto a América Portuguesa como a Espanhola softeram de alguns mesmos males, isto €, 0 caréter litista ¢ exclusivista da cultura, certamente mais exclusivista no Brasil, onde era preciso ir 4 Europa para se obter um titulo universitério ou importar li- vros para ler. Em ambas, o analfabetismo foi a regra 15 - Ver Eduardo Frieiro, © Diabo aa Biblioteca do C8- nego, 24 ed., Sao Paulo, EDUSP, 1981 = América Latina: Cuttwra, Estado © Sociedade geral ea idéia de que saber muito era perigoso, uma perspectiva comum. ‘Aqueles que proclamam o terrivel mal que foi a auséncia de universidades no Brasil, durante o pert odo colonial, muitas vezes transportam a concep¢ao liberal de educagao ¢ de universidade — a entrada da humanidade na idade da razio, a alavanca do pro- gresso e do conhecimento cientifico — para o mundo colonial, dominio da filosofia escolastica ¢ do pensa- mento religioso. Enredam-se, ainda, numa concep¢a0 evolucionista da Historia, pensando que o presente © resultado linear da acumulaco quantitativa € pro- gressiva do saber e do conhecimento. Assim, a u yersidade, no periodo colonial, deveria ser a pré-his- t6ria da universidade contemporinea Entretanto, para se entender a importancia do papel da universidade sobre as sociedades coloniais hispano-americanas ¢ dimensionar o impacto da au- séncia de universidades ¢ da imprensa no Brasil, € preciso avancar na pesquisa. As dividas desta apre- sentagdo traduzem o estégio em que meu trabalho de investigacio se encontra. = Maria Ligia Coelho Prado # Departamento de Hist6ria — USP CO | CIENCIA E IDENTIDADE nya AmEeRICA ESPANHOLA (1780-1830) INTRODUGAO cia da Ciéncia no desenvolvimento de qualquer pats, seja nos seus aspectos sociais, econémi- cos ou politicos. Assim como nao se pode desconsiderar a interagdo destes aspectos, extemos a Ciéncia, no processo de produgio da mesma Entretanto, 0 reconhecimento da existéncia de uma tradicao cientifica na América Latina nao € pratica corrente, pois tradicionalmente a histo- riografia prioriza a produgio cientifica dos cen- tros europeus e 0 seu processo de difusao pelas colénias americanas, caracterizando, por sua vez, as sociedades latino-americanas como simples receptoras de modelos cientificos alheios. Esta abordagem € produzida e reproduz o etnocentrismo € 0 colonialismo cultural. Buscando romper com esta vis4o, estudos mais recentes tém procurado adotar outra forma de abor- dagem da questéo cientifica na América Latina, qual seja, a busca da upificagao da idéia de ciéncia entre 08 seus cientistas, evidenciando as concepgées que utilizavam e a significagdo das mesmas em termos da totalidade social. Procura-se, igualmente, ndo restringir a investi- Z E fato que nao se pode subestimar, a importin-

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