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a aun ‘ane emiento de esyuerda sempre atraiu os ses. influenciados que foram pelas belas + sobre um mundo sé, irmanado na igualdade ireitos e de oportunidades para todos. Desde surgiram, socialismo, marxismo e as intimeras intes por eles suscitadas tiveram grande res- incia no pensamento ocidental, originando ntdveis estudos sobre os seus principais ted- . Seriam nece: jas centenas e centenas de nas, apenas para relacionar quem escreveu a “ito de Marx, Engels, Kautski, Berstein, Jaurés tas outros, sobretudo quando, o forte impacto ado pela Revolug&o Russa de 1917 e seus des- amentos, permitiu a muitos, acreditarem na lizagdo do que, anteriormente, era apenas uma ranga, um sonho de visiondrios, uma divaga- teorica. partir de entio, os ideais comunistas como avassalaram © pensamento de esquerda e, em rapartida, provocaram o crescimento do omunismo e a geragdo de um conflito que do- yu OS acontecimentos mundiais do século XX. 3rasil, a criag&o em 1922 do Partido Comunista ileiro, também atraiu quase toda a esquerda, iciando as primeiras manifestagdes dos que se ypunham frontalmente e que buscaram os mais rsos meios para ampliar essa opasig’o. justamente esse 0 objeto do livro de Rodrigo » de SA Motta, que a Editora Perspectiva ora ica, na sua colegao Estudos. Em Guarda con- » “Perigo Vermelho” & um trabalho sobre o -omunismo e sua evolugio no pais, marcada consonancia com 0 rumo tomado pelos su- os histdéricos nacionais e internacionais. Sabe- em © quanto a doutrina cultivou e propagou medo fantasmagérico aos comunistas, alimen- 0-0 com acontecimentos tais como, o triunfo Frentes Populares européias, a guerra civil nhola ¢, no Brasil, a Intentona de 1935, a in- ncia dos comunistas nos sindicatos apés a inda Guerra Mundial, sua expressiva votagado amentar em 1946. Além disso, esté ainda bem ente na memoria nacional quao eficaz foi a uti- io do anticomunismo como argumento para ; das mais sérias rupturas institucionais do odo republicano, sendo que, de uma delas - a 364 —, 0 pais ainda no se recuperou totalmen- No entanto, como assinala o autor na Introdu- gio, * anticomunista para a compreensae da historia do século XX, chama atengdo a escassez de estu- dos sobre o tema”. Quando referido, geralmente nao o € como objeto central de pesquisa e, sim, de forma subsidiaria ou acidental. Realmente, parece que ainda hoje, os pesquisa- dores continuam a se interessar mais pelos revo- lucionarios e pela esquerda em geral. A Colegao Inventério Deops. por exemplo, importante inici- ativa que vem divulgando o acervo da policia politica de Sao Paulo, tem atraido grande nimero de estudiosos, preocupados em recuperar o re- gistro da resist@ncia a periodos autoritérios como foi o de 1964 no Brasil. O préprio Rodrigo Patto pretendia inicialmente embrenhar-se nos temas de esquerda, mas, por razGes que aqui nao vém ao caso, decidiu-se pelo oposto. Foi uma opgao mui- to feliz, pois em pafs onde as elites ainda séo extre- mamente conservadoras, torna-se imprescindivel estudar as diferentes facetas do conservadoris- mo, do qual o anticomunismo 6 apenas uma, bem como suas estratégias e taticas. Além, portanto, de preencher uma lacuna da historiografia, o pre- sente estudo € pioneiro também na estruturagio do tema. Influenciado pelas abordagens da “Nova Histéria”, procura perceber o impacto do nivel cultural sobre a dindmica politica — e vice-versa — analisando 0 anticomunismo no Brasil entre 1917 e 1964, tanto no plano das representagdes quan- to no da “praxis”, Para isso, ao roteirizar a exposi- cao, dedicou o capitulo inicial ¢ os dois tiltimos 4 “narrativa hist6rica no sentido classico”, nos quais trata do periodo em que o anticomunismo comega a se manifestar no pafs e daqueles em que foi ponto central nos conflitos politicos ocor- ridos. Os capitulos referentes as representagdes, nos quais se incluem o imaginario e a iconografia, sdo, a nosso ver, exemplares e revelam 0 preparo. de autor em seu campo. Rodrigo Patto analisa o registro imagético que selecionou, tratando-o, nao como ilustragéo e, sim, como fonte documen- siderando a importincia do fendmeno tal, da qual soube extrair, com eficiéncia, imagina- ¢io ¢ criatividade — qualidades imprescindiveis ao historiador — 0 maximo de possibilidades por cla oferecidas. Suety Ropies Res. DE QUEIROZ, FFLCH/USP Colegao Estudos Dirigida por J. Guinsburg Equipe de realizagio: Revisio ~ Marilena Vizentin: Sobrecapa: Sérgio Kon; Produgao — Ricardo W. Neves, Sérgio Kon e Hed: Marist Lopes. Rodrigo Patto Sa Motta EM GUARDA CONTRA O “PERIGO VERMELHO” O ANTICOMUNISMO NO BRASIL (1917-1964) 0701079304 wi 394 4239 Wy, MY 2 EDITORA PERSPECTIVA Zi A= SFAPESP Dados Internacionais de Catalogagdio na Publicagéio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ee es Motta, Rodrigo Patto Sa Em guarda contra 0 “Perigo Vermelho” : 0 anticomunismo no Brasil (1917-1964) / Rodrigo Patto $4 Motta. -- Saio Paulo : Perspectiva : FAPESP, 2002. -- (Estudos ; 180) Bibliografia. ISBN 85-273-0292-6 (Perspectiva) ISBN 85-86956-06-6 (Fapesp) 1, Brasil - Politica e governo 2. Comunismo - Brasil 3. Movimentos anti-comunistas - Brasil 1. Titulo. IT. Série. 02-2188 CDD-320.532098 1 =a ee OT Indices para catlogo sistemético: 1. Brasil : Anticomunismo : Ciéncia politica 320.5320981 Direitos reservados & EDITORA PERSPECTIVA S.A. Ay. Brigadeiro Luts Antonio, 3025 0141-000 — Sao Paulo ~ SP — Brasil Telefax: (0-11) 3885-8388 wwww.editoraperspectiva.com.br 2002 Mas compreender néo significa aceitar TSA1AH BERLIN Sumario AGRADECIMENTOS! «i. bee. viewers coins Oe HARES Pee mN's XI Lista pg Ficuras . - XV LisTa DE ABREVIATURAS E INSTITUICOES PESQUISADAS ..... 0... 5 XVI INTRODUCED ccs nacumecines secon unineme atime XIX 1. Primorpios po ANTIComuNismo No BrasiL: 1917-1935 ....... 1 2. Marrizes po ANTICOMUNISMO 15 2.1. Catolicismo.......... 18 2.2. Nacionalismo aise z 29 2.3. Liberalismo . iG ARGS Re aS. deans ot! 3. EMAGINARIO ANTICOMUNISTA 2... ..0.0 0005 cee ee eee eae 47 3.1. “DemGnios” ... - 49 3.2. Agentes Patolégicos . 58 3.3. A Ameaga Estrangeira . . 55 3.4. Desafio 4 Moral .... . 62 3.5. Inferno Soviético ....... 69 3.6. A “Intentona Comunis 76 3.7. O “Cavaleiro da Desesperanga” . . . 84 4. TCONOGRAFIA ANTICOMUNISTA 60.6.0 0200020222 c ee eee . 89 4.1. Comunismo Diabélico .......... gp ectence nine sh g1 4.2. Comiunismo ¢ ReligiG0. 101 csvwesrenie wininene acc 96 4.3. Imagens Sinistras: Violéncia, Escravidéo e Doenga.... 102 4.4. Comunismo Internacional , , - 108 4.5. A Insurreigao de 1935 ... 12 4.6. Prestes.. 20.0.2... 120 4,7, Disputas Eleitorais . (23) 4.8. Infiltracio no Govern Goulart . 13] 5. ORGANIZAGOES ANTICOMUNISTAS. . 137 5.1. Cruzada Brasileira Anticomunista . 143 5.2. Sociedade Brasileira de Defesa da Tradigio. Familia e Propriedade..... 0.00.00. e cee eee 149 5.3, Organizag6es Terroristas 0.0... 22.000. e eee 154 6. “INDUSTRIA” DO ANTICOMUNISMO.. 6.6 ooo eee eee 161 7. A Primes Grande “Onna” Anticomuntsta: 1935-1937... 179 7.1. O Levante ..... 7.2. A Reagio . . 7.3. O Grande Engodo 8. O SrGuNpo Granpe Surto AnTicomunista: 1961-1964 .... 231 8.1. A Ascensdio de Goulart 8.2. Os Anticomunistas se Organizam . . 8.3. Representacdes 8.4, Guerra de Posicoes 8.5. A Crise se Agrava. .. 8.6. Desfecho...... CONSIDERACOES FINAIS ...... FonTes & BIBLIOGRAFIA . 283 Agradecimentos Agradego, em primeiro lugar. 4 Prof Suely Robles Reis de Quei~ roz, minha orientadora. Nela encontrei apoio para desenvolver o tra- balho e uma orientacdo segura e ao mesmo tempo trangiiila. Deu-me. liberdade para escolher os caminhos, mas sem se eximir de apontar as. melhores trilhas. O Departamento de Histéria da UPFMG liberou-me de encargos. diddticos durante um ano e meio. licenga sem a qual teria sido dificil levar a termo o trabalho. Registro, com reconhecimento, 0 apoio institucional recebido da CAPES, FAPEMIG e Fapesp. A primeira concedeu-me bolsa de doutoramento, dentro do programa PICD, e a segunda financiou uma bolsa de Iniciagéo Cientifica (IC) associada ao projeto da tese. A Fapesp forneceu os recursos financeiros que viabilizaram a transfor- macio da tese em livro. Agradego, correndo 0 risco de cometer alguma injustiga por falha de memoria, aos amigos Adriano Gama Cerqueira, Eduardo Franca Paiva, Eliana Regina Freitas Dutra, Fabio Faversani, Heloisa M. Starling, Jaime Goifman (in memoriam), Joao Pinto Furtado, Lucilia de Almeida Neves, Luiz Amaut, Luiz Carlos Villalta, Maria Helena Capelato, Modesto Florenzano e Sérgio Ricardo da Mata. Alguns tro- caram comigo idéias e impressGes sobre o trabalho, ou forneceram material documental e indicagées bibliogrdficas: outros me ajudaram a cumprir as obrigagées institucionais junto ao Programa de Pés-Gradua- cao da USP, encurtando a distancia entre Sdo Paulo e Belo Horizonte. XIV EM GUARDA CONTRA 0 “PERIGO VERMELHO” Os ex-alunos Harley Silva, M6nica Mattos, Priscila Brando e Rei- naldo Neves. bem como o pesquisador Luiz Henrique Sombra. facul- taram-me acesso a valioso material de pesquisa. Marisa Ribeiro Silva, minha bolsista de IC, realizou, com afinco, parte da pesquisa empre- endida nos acervos localizados em Belo Horizonte. Os funciondrios das diversas instituigdes cujos acervos utilizei me atenderam quase sempre com presteza e gentileza. Menciono dois nomes, pretendendo homenagear a todos: Licia C. Medeiros. do Ar- quivo Piiblico do Estado do Rio de Janeiro, e Vilma Carvalho de Sou- za, da Biblioteca da FAFICH/UFMG. A banca examinadora da tese, composta pelas professoras Maria Aparecida de Aquino, Maria Celina D’ Araujo, Maria Luiza Tucci Car- neiro e Maria Victoria Benevides, empreendeu uma percuciente argili- ¢4o do trabalho. Agradego os elogios e as erfticas que me dedicaram. Por fim, mas nido menos importante. os agradecimentos a familia. “Seu” Irineu e “Dona” Celma, como sempre, apoiaram e acreditaram no filho. Diga o que disser serd pouco, a eles devo tudo. Meu pai me prestou um servico adicional, prosaico, mas precioso: me ensinou os caminhos e descaminhos de sua amada “Sampa"’. Meu irmio Frederico resolveu 0 espinhoso problema da manipulacdo eletrénica das ima- gens. Anita, cunhada e amiga, ofereceu-me sua hospedagem primeiro em Paris e, depois, no Rio de Janeiro, 0 que tornou as viagens de pes- quisa consideravelmente menos dispendiosas, além de mais agradd- veis. Em Leticia, minha esposa, encontrei apoio para mais essa emprei- tada. Seu amor me sustentou nos momentos dificeis, quando a ansie- dade ameacou sair dos limites. Minha querida “Let” segurou “u barra” em casa nas diversas vezes em que tive de me ausentar. fosse para cumprir créditos ou para pesquisar. Como se nao bastasse ser compa- nheira, foi também minha leitora critica e fez observacées interessan- tes sobre o trabalho. Olivia, minha filhinha, me ajudou e nem tem consciéncia disso: por existir. Lista de Figuras . A Panela do Diabo........... . Alfabetizador Comunista. . Comunista Maligno . . Comunista Profanador . . . Comunismo Destrdi a Religiao . . N. Sra. ¢ o Monstro . . Comunista Marginal . heck ¢ : z oe . O Comunista e a Reptiblica... 6.00... 0. eee cece eee 104 . O Feitor Comunista . . . 106 . O Germe do Comunismo. .. . . 107 . O Urso Russo e 0 Bolchevismo . 109 . Lénin, Judeu Insinuante.. . HO . Fidel Envia Comunismo a Conta-gotas i . Fidel Sugere Revolucao para o Brasil 112 - Os Revolucionarios da Praia Vermelha 113 . Comunistas Assassinando a Traigdo . 115 - Monumento aos Mortos na “Intentona” 118 . Vista Lateral da Monumento.. . 119 . O Bagageiro de Stalin ...... 132 . Prestes, Boneco de Ventriloquo 123 . Prestes, Mico de Realejo . 125 . Vote Contra Isto! .... « 137 . Entrando pelo Cano. . “ 2 138 . A Ultima Chance .......... 2 12D XM 25. 26. 27. 28. 29. EM GUARDA CONTRA © “PERIGO VERMELHO” O Muro de Arraes 660... cece e eee c cece San Tiago Retoma do Oriente com Mala Cheia Papai Noel “Vermelho" Jango, as Reformas ¢ 0 Comunismo Agdo Conjunta Lista de Abreviaturas e Instituigdes Pesquisadas AE/SP. AFM AGV AN APERJ APM BPUC/MG BN BP/MG BC/UFMG CPDOC/FGV DEOPS/SP DOPS/RJ HPE/MG MJNI Arquivo do Estado (SP) Arquivo Filinto Miiller Arquivo Getilio Vargas Arquivo Nacional Arquivo Ptiblico do Estado do Rio de Janeiro Arquivo Ptiblico Mineiro Biblioteca da PUC/MG Biblioteca Nacional Biblioteca Ptiblica Estadual Luiz de Bessa (MG) Biblioteca Central da UFMG Centro de Pesquisa e Documentagio de Histéria Con- temporanea do Brasil, da Fundagiio Gettilio Vargas Departamento Estadual de Ordem Politica ¢ Social/SP Departamento de Ordem Politica e Social/RJ Hemeroteca Ptiblica Estadual (MG) Ministério da Justiga e Negdcios Interiores Introdugao' A definigao de anticomunismo é, em principio, relativamente ele- mentar. Mas tal aparente simplicidade recobre uma realidade bastante complexa. Anticomunistas seriam os individuos e grupos dedicados 4 luta contra 0 comunismo, pela palavra ou pela acdo (Berstein e Becker, 1987:10). A base de sua atuagio estaria centrada, portanto, numa ati- tude de recusa militante ao projeto comunista. Ressalte-se, comunis- mo entendido como a sintese marxista-leninista originadora do bol- chevismo € do modelo soviético. Se a convergéncia entre os diversos grupos anticomunistas era plena na postura negativa em relagdo ao adversdrio comum, 0 mesmo nao ocorria quando se tratava de atitudes positivas: no interior do am- plo arco que compée o anticomunismo podem ser encontrados proje- tos to dispares quanto o fascismo e o socialismo democratico, ou como catolicismo e liberalismo. As diferencgas nao ge restringiam 4s formas diferentes de conceber a organizagdo social, mas também se faziam presentes na elaboragao de estratégias de combate ao comunismo. Considerada esta heterogeneidade, caracteristica inerente a um movi- mento e idedrio que se constituia em ser contra, nao a favor de algo, nao se deve estranhar o fato de que a unido ¢ atuacdo conjunta ocorres 1. Este livro foi apresentado, ori ginalmente. como tese de doutorade no Progr de Pés-Graduagio em Histéria da Universidade de Sao Paulo, em outubro de 2000. 0 texto 6, em esséncia, o mesmo. exceto por alguns cortes realizados na discussie tedrics. que tiveram o objetivo de tornar a leitura mais agi! xX EM GUARDA CONTRA 0 “PERIGO VERMELHO” sem raramente, em momentos criticos. E mais, tal cooperagan envol- vendo as diversas facetas do anticomunismo, verdadeiras “frentes anticomunistas”, tendia a ser ef&mera, durando enquanto o “perigo comunista” fosse considerado grave. Mas, em que pese a heterogeneidade, ou talvez por causa dela. o fato € que 0 anticomunismo tornou-se uma forga decisiva nas lutas politicas do mundo contemporaneo, alimentado e estimulado pela di- namica do inimigo que era sua razio de ser, 0 comunismo. Como imaginara Karl Marx, 0 comunismo foi efetivamente um espectro rondando a sociedade capitalista. No entanto, embora tal afir- magao tenha sido feitaem meados do século XIX, ela se aplica melhor ao século XX, quando o “fantasma” adquiriu um poder sem preceden- tes de amedrontar os setores mais conservadores da sociedade. Du- rante os cerca de setenta anos compreendidos entre a Revolugio de outubro de 1917 € a crise do socialismo real ocorrida na virada da década de 1980 para 1990, o comunismo tornou-se muito mais que um espectro. A ascensiio dos bolcheviques ao poder na Riissia causou um impacto muito forte: 0 que antes era somente uma promessa e uma possibilidade tedrica transformou-se em existéncia concreta. O entu- siasmo e a esperanga dos revoluciondrios, somados a crise da sovieda- de liberal no contexto pos-Primeira Guerra, provocaram considerivel crescimento da influéncia dos ideais comunistas. O que para algumas pessoas era a concretizagio de um sonho dourado, para outras era um pesadelo tomando formas reais. O comu- nismo despertou paixdes intensas e opostas: de um Jado, o dos defen- sores, encaravam-no como revolucdo libertadora e humanitaria. que abriria acesso ao progresso econdmico e social: de outro. 6 des detra- lores, que © encaravam como uma desgraga total. se acreditava que ele traria a destruigdo da boa sociedade e a emergéncia do caos social e do terror politico. A forga do comunismo, consubstanciada na expansao e cresci- mento dos partidos ¢ ideais comunistas. engendrou 0 anticomunismo. Os grupos sociais atemorizados pela “ameaca” ou “perigo” comunista, por sinal expressdes reveladoras de seu estado de espirito, trataram de organizar-se e articular uma contra-ofensiva visando ao combate do projeto revolucionario, Genericamente, pode-se dizer que o sentimen- to anticomunista nasceu espontaneamente, gerado pelo medo e pela inseguranca. No entanto, transformou-se em movimento organizado a partir da necessidade percebida por algumas liderangas conservadoras de conter a escalada revolucionaria. No decorrer do século XX, 0 conflito opondo comunismo ¢ anti- comunismo ocupou posi¢ao central, colocando-se como elemento des- tacado na dindmica politica, cultural e nas relagGes internacionais. Nao € possivel compreender os acontecimentos mundiais dos tiltimos de- c€nios sem levar em consideracdo os embates em torno da utopia co- INTRODUCAO XXI munista. Tal centralidade ficou ainda mais evidente no quadro da guerra fria, momento a partir do qual 0 comunismo tornou-se, de fato, uma forga planetaria, na medida em que Estados da Asia, Américae Africa (além da Europa oriental) comegaram a aderir aos ideais de Marx, rompendo 0 isolamento da Unido Soviética. Como resposta ao crescimento da area sob influéncia soviética, os Estados Unidos se propuseram a desempenhar o papel de principal fortaleza anticomunista, ocupando posigéo de coordenagao na guerra contra 0 “perigo vermelho”, postura que derivava tanto de compro- missos ideoldgicos quanto de interesses geoestratégicos e econémi- cos. Para cumprir a contento 0 objetivo de defender o planeta da ‘‘amea- ga revolucionaria” passou a ser imperativo para os EUA reunir em torno de si os pafses do “mundo livre”, mesmo a contra-gosto de al- guns deles. A guerra fria produziu a intensificagao do anticomunismo, pois o Estado norte-americano empenhou 0 peso de seu poder e rique- Za Na Sustentagdo aos grupos dispostos a enfrentar o “inimigo” comu- nista, oferecendo-lhes suporte ideolégico, politico ¢ material, Voltando a atengao para o quadro nacional pode-se dizer, sem te- Mer 0 exagero, que o anticomunismo teve papel marcante na histéria politica brasileira das ultimas décadas. No perfodo imediatamente pos- terior 4 Revolugao de 1917 e no decorrer da década de 1920, as mani- festagSes contra o comunismo j4 comegaram a aparecer na imprensa, e ‘© assunto entrou para o rol de preocupacGes dos grupos privilegiados. No entanto, a “questao social” e os riscos politicos a ela ligados ainda nao eram associados de maneira predominante ao comunismo, inclusi- ve porque os anarquistas tinham mais forga e visibilidade politica no Brasil que os seguidores de Lénin. ‘Com o crescimento experimentado pelo Partido Comunista Bra leiro (PCB) nos anos de 1930, fato sem diivida ligado, entre outras coi- 4 adesao do popular lider “tenentista” Luiz Carlos Prestes e a for- magao da Alianca Nacional Libertadora (ANL), tal quadro comega a se alterar. O anticomunismo comegou a ganhar maior subst&ncia na mes- ma medida em que se dava 0 processo de expansao da influéncia do Partido Comunista; a partir da transformago do comunismo em “peri- go” real ganharam dnimo e comegaram a organizar-se seus adversarios. Porém, foi a “Intentona Comunista”, em novembro de 1935, a maior responsavel pela disseminacdo e consolidacdo do anticomunis- mo no Brasil. O impacto foi enorme sobre a opiniao conservadora, afinal, ndo era uma rebelido comum: tratou-se de uma tentativa arma- da dos comunistas de tomarem o poder, a qual, uma vez, bem sucedida, poderia ter provoeado grandes transformagées na organizacéio social brasileira. A comogao tornou-se ainda maior quando a imprensa co- megou a divulgar indicios, encontrados pela policia, da participagao de um grupo de estrangeiros ligados a Internacional Comunista (Ko- mintern) na frustrada tentativa revoluciondria. Na insurreic¢do estariam sas XXI EM GUARDA CONTRA 0 “PERIGO VERMELHO" presentes elementos classicos da agao comunista, tal como a represen- tavam e denunciavam os anticomunistas: praticas conspiratérias e envolvimento de agentes estrangeiros guiados por Moscou. Criaram-se, assim, bases para estabelecimento de uma sdlida tradigaio anticomunista na sociedade brasileira, reproduzida ao longo das décadas seguintes através da acao do Estado, de organismos sociais ¢ mesmo de individuos, cujo zelo militante levou & constituigao de um conjunto de re- presentagoes sobre o comunismo, um verdadeiro imaginario anticomunista. Tal tradigao passou a ser elemento constante nas campanhas e nas lutas politicas, 0 que nao significa que suas manifestagdes tenham tido sempre a mesma intensidade. Em determinados periodos a presenga do anticomu- nismo foi fraca, quase residual. Mas houve radicalizacao do fendmeno em algumas conjunturas histéricas, sempre ligadas a fases de crescimento da influéncia do PCB, em particular, e da esquerda, em geral. No que se refere as fases de anticomunismo agudo, trés momen- tos se destacam: primeiro, o periodo entre 1935-1937, j4 mencionado; depois, 0 inicio da Guerra Fria, principalmente nos anos de 1946 a 1950, quando apés breve interregno legal o PCB foi proscrito e voltou a ser perseguido; por fim, a crise de 1964, que levou ao golpe militar. Nos trés periodos referidos. as atividades anticomunistas foram inten- sificadas, sendo que em 1937 e 1964 a “ameaga comunista” foi argu- mento politico decisivo para justificar os respectivos golpes politicos, bem como para convencer a sociedade (ao menos parte dela) da neces- sidade de medidas repressivas contra a esquerda. Para exemplificar a forca e mesmo a longevidade da «i edo imaginario anticomunista basta lembrar um episddie relativ amen- terecente. Quando Tancredo Neves articulava sua candidatura presiden- cial, em 1984, um grupo politico de extrema direita imprimiu e fez cir- cular material de propaganda acusando 0 entéo governador mineiro de possuir vinculos com os comunistas. O objetivo, obviamente. era desqualificar o candidato ante a populagao, tentando despertar ¢ jogar contra ele a fora da tradigio anticomunista, que em momentos interio- res demonstrara notayel capacidade de influir no jogo politico. rgumentacao Considerando a importancia do fenémeno anticomunista para a compreensao da histéria do século XX, chama atengdo a escassez de estudos académicos devotados ao tema. De maneira geral. tanto no Brasil como no exterior (Sternhell, 1978:9), a historiografia e as cién- cias sociais demonstraram maior interesse em pesquisar os revolucio- ndrios € a esquerda que seus adversarios, deixando para segundo plano as propostas ligadas a defesa da ordem. E € interessante observar que. mesmo quando contemplados pela bibliografia, os conservadores G0 freqiientemente tratados de forma esquematica e superficial. quando nao maniquefsta. Muitas vezes, o empenho em compreender e explicar & suplantado pela ansia de denunciar. INTRODUCAO. XXII Nos dias atuais. com a obliteragdo das acirradas disputas ideold- gicas de épocas passadas, estabeleceu-se um quadro propicio a avalia- ¢6es mais imparciais da histéria — embora a objetividade pura conti- nue sendo meta inatingivel — assim como um interesse renovado pelo estudo do conservadorismo. E 0 esforco de pesquisar os grupos con- servadores revela-se extremamente necessirio. tendo em vista que é ssencial avaliar corretamente sua influéncia para compreender nossa historia politica, mormente quando consideramos a centralidade de seu papel na condugao dos destinos do Brasil. O que foi dito genericamente sobre 0 conservadorismo” se aplica ao caso particular do anticomunismo, tema que ainda nao recebeu a atengao devida: nao foi estudado suficientemente nem observado em sua complexidade. A literatura académica devotada ao estudo do an- ticomunisme no Brasil é bastante escassa. A maioria dos autores a lidar com a questo o faz no bojo de obras dedicadas ao Estado Novo ou ao movimento de 1964. O anticomunismo aparece nestes trabalhos como questao subsidiaria, desdobramento analitico operado a partir do enfoque em conjunturas histGricas mais abrangentes que com- poem 0 centro da abordagem*, Poucos estudos foram dedicados inte- gralmente & questao anticomunista e dentre estes quase todos enfocaram um tinico perfodo histérico, normalmente as décadas de 1930 ou 1960, efou uma tinica regiaot. No que respeita ao problema da complexidade, nao raro encontra- MOS apreciagGes superficiais e 4s vezes parciais do anticomunismo, apresentado ora como mera conspiracdo imperialista, ora como sim- ples “fantasma” manipulado pela burguesia dominante, ora como reles manifestagio de irracionalismo e fanatismo. De fato, tais aspectos sao elemento importante para a compreensio do fendmeno anticomunista e nao podem ser esquecidos, Mas, siio facetas de uma realidade com- plexa, que demanda um ofhar mais cuidadoso. Parte da bibliografia tendeu a realcar a instrumentalizagdo do anticomunismo, manipulado por forgas imperialistas ou grupos nacionais (muitas vezes atuando em 2. A rigor, nao € apropriado resumir o anticomunismo a uma pura expressfia do conservadorismo, pois existia uma esquerda anticomunista, ainda que as forgas con- servadoras geralmente ocupassem o lugar principal no combate aes comunistas, espe- cialmente no Brasil. Para uma conceituagao acerca de conservadorismo ver Karl Manheim, Conservative thought, Essays on Sociology and Social Psychology, London, Routledge & Kegan Paul. 1953 3. E 0 caso, por exemplo, dos trabalhos de René Dreifuss (1964: A Conquisia do Extado. 2" ed,, Peti6polis, Vozes. 1981). Eliana Dutra (O Ardil Totalitdrio: Imagincirio Politico no Brasil dos Anes 30, Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1997) ¢ Heloisa Starling (Ox Senhores das Gerais: Os Novos Inconfidentes ee Golpe Militar de 1964, Petropélis, Vo- zes. 1986), cuja importante contribuigdo ao estudo do tema procuramas incorporar 4. Na maioria so dissertagoes de mestrado (conferir na Bibliografia). Destacaria 8 trabalhos de Rodeghero (1998), sobre o Rio Grande do Sul ¢ Mariani (1998), origi- nalmente uma tese de doutorads, sobre 0 discurso anticomunista na imprensa carioca. XXIV EM GUARDA CONTRA © “PERIGO VERMELHQ™ cooperagao) visando a Outros objetivos que nao o combate aos comu- nistas. Com efeito, a “ameaga comunista” serviu como pretexto para justificar golpes autoritarios, reprimir movimentos populares, garantir interesses imperialistas ameacados pelas campanhas nacionalistas, ou Seja, manter inalterado 0 statis quo. Porém, a énfase na dimensao, digamos oportunista do anticomu- nismo, acabou por colocar na sombra outras motivagGes, igualmente significativas. Houve grupos e individuos (nao necessariamente fand- ticos) que sinceramente acreditaram na existéncia de um risco real, Mobilizaram-se ¢ combateram por temor que os comunistas chegas- sem ao poder. E mais, scus temores no eram absurdos, como muitas vezes se supdem. Em algumas situagdes 0 medo era justificado ou ao menos tinha fundamento, quer dizer, os comunistas gozavam de uma forga que os tornava inimigos temfveis. A motivagao anticomunista resultou da intrincada mistura entre instrumentalizagao (ou manipulacdo) e convicgao, que se combinaram em medida diferente ao longo da historia, Para compreender como se deu tal processo é preciso analisar as conjunturas hist6ricas especit cas, pois a riqueza inerente a cada caso singular se perderia em uma abordagem excessivamente generalizadora. Nossa proposta é realizar tal esforgo analitico: estudar o anti- comunismo brasileiro — resguardado seu caréter multifacetado — no decorrer da dindmica histérica, observando as singularidades pre- sentes em cada momento, mas sem descuidar das regularidades. Embora 0 recorte cronolégico nao seja tomade como uma “cami de forga”’ e as préprias fontes pesquisadas apontem para um univer- so temporal mais elistico, o enfoque esté centrado essencialmente em dois periodos, 1935-1937 ¢ 1961-1964. Trata-se, precisamente, dos contextos em que 0 anticomunismo se manifestou de maneira mais decisiva no Brasil, transformando-se em forea politica influen- te, Em grande medida, este trabalho empreende uma anélise compa- rativa entre os contextos referides, observando as regularidades e as especificidades apresentadas pelas manifestacdes anticomunistas nos dois casos. Ha outro aspecto importante a mencionar no que respeita a forma como o tema foi tratado. Aborda-se 0 anticomunismo em duas dimen- s6es distintas, embora complementares: representagdes e agdes. Ana- lisa-se 0 fendmeno, por um lado. como um corpo doutrindrio ou uma corrente de pensamento que constroi um conjunto de representagGes e, Por oulrO, Como uM Movimento politico que engendra a acdo e a mili- {ancia de grupos organizados, Nosso objetivo € estudar 0 anticomunis- Me tanto no aspecto de constituigio de representag6es — principalmente idedrio, imagindrio e iconografia —, quanto no das ages ~ estruturacdo de movimentos e organizag6es anticomunistas, Perseguigdo aos comu- nistas ¢ manipulagdo oportunista do anticomunismo. INTRODUCAO XXV O conceito “representagdes” esta sendo utilizado de maneira a- brangente. entendendo que dele fazem parte o imagindrie, a icono- grafia e as proprias formas mais elaboradas de pensamento, chamemo- las “idéias” ou “doutrinas”. Naturalmente, estamos falando de representagoes mentais. ou seja, do processo de construcao de idéias, signos ou imagens por meio do qual os homens interpretam e confe- rem sentido a realidade, Em esséncia, trata-se de perceber a visio dos anticomunistas sobre seus inimigos revoluciondrios: como eles pensa- vam. sentiam, imaginavam e viam os comunistas e o comunismo, em uma pilavra, como os representavam’. Ressalve-se, representagdes e agdes ndo devem ser entendidas num . so interdependentes: representagdes 0 construidas mediante um processo ativo que envolve militancia, divulgagao e propaganda e. ademais, freqiientemente tém correspon- déncia com interesses sociais (Prost, 1997:139); ¢ as agGes e praticas sofrem influéncia (nado passiva) das representagGes, que muilas vezes moldam os comportamentos dos grupos sociais. Ha que ter cautela, também, para evitar um olhar simplista no que se refere as relagées entre representagoes e realidade. Se, de um lado, nao é factivel acreditar que as representagOes apresentam uma imagem perfeita da realidade. por outro nao se deve supor a inexisténcia total de correspondéncia entre os dois fatores. RepresentagSes so co! Ges embasadas na realidade. ainda que muitas vezes produzam versdes caricaturais e mesmo deformadas do “real”. No caso do anticomunis- mo, como se vera adiante, o cardter complexo dos vinculos entre rea- lidade representagdes é particularmente marcante. Agindo sob o in- fluxo de paixées politicas ¢ religiosas, os anticomunistas, com freqiiéncia, representaram as agdes e idéias de seus adversdrios de maneira deturpaca, nao raro raiande ao grotesco. Mas, ainda assim, parte das caracteristicas atribufdas ao comunismo tinha algo de verda- de, em outras palavras, possufa alguma correspondéncia com o real. No que lange ao recorte teérico, € preciso mencionar uma Ultima questo, importante para a compreensao de uma das facetas do objeto em aprego. A énfase dos cientistas sociais sobre a necessidade de pesquisar os fendmenos estruturais, duradouros, que se reproduzem e permanecem ao longo do tempo, influenciou nosso projeto. O trabalho desenvolvido insere-se nessa linha, na tentativa de olhar 0 anticomu- nismo como um fendmeno duradouro, captando as linhas de continui- dade presentes ao longo da histéria. viés dicotémico, ao cont stru- 5. Segundo Roger Chartier, as repr “4 Bes. divisGes e delimitagSes que organizam a apreensio do mundo social como gorias fundamentais de pervepgaio ¢ de apreciagiio do real”, A Histérie Cultural. Entre priticas ¢ representagdes, Lisboa, Difel, 1990, p. 17. ntagdes dizem respeito | as classifica. ate XXVI EM GUARDA CONTRA 0 “PERIGO VERMELHO” Especialmente no que respeita 4s representagdes anticomunistas, notamos uma forte tendéncia 4 regularidade, ou seja, 8 permanéncia ao longo do tempo de imagens, idéias. mitos etc. Muitas das representa- ges sobre 0 “inimigo” comunista foram reproduzidas durante déca- das, repetindo temas elaborados nos primérdios. Diversos elementos do imagindrio anticomunista construido entre as décadas de 1920 e 1930 ainda eram utilizados na década de 1980, por exemplo. Mas se é patente e positiva a influéncia das pesquisas das ciéncias sociais, forgoso é também destacar as especificidades do “olhar” do historiador. A histéria pode e deve trabalhar com recortes estruturais & com a “sincronia’, mas sem esquecer que sua razao de ser reside no estudo da génese e dindmica dos fenédmenos sociais. A sensibilidade deve estar agug¢ada para perceber tanto a permanéncia quanto a mu- danga, sob pena de, em vez de histdéria, fazer-se “antropologia retros- pectiva”. No caso em questio, o estudo das representacdes anticomunista revela a ocorréncia tanto de permanéncias como de mudangas. Se al- gumas imagens foram reproduzidas e repetidas no tempo, muitas pas- saram por alterag adaptando-se as diferentes conjunturas histdri- cas. Por outro lado, houve casos de singularidade total: determinadas representagées ficaram adstritas a contextos especificos, sem possibi- lidade de serem objeto de repetigao. A op¢ao em enfocar 0 objeto nesta dupla condicao, observando igualmente regularidades e singularidades, permanéncias e mudangas, implicou que © corpo do texto incorporasse simultaneamente estruturas discursivas de tipo sincrénico e diacrénico. Alguns capftulos trazem abordagens mais sincr6nicas, principalmente os dedicados as repre- sentagdes, enquanto em outros se privilegia a diacronia. Na verdade, nao se trata de uma separacio absoluta, posto que isto é quase impo. sivel; ocorre apenas uma Enfase maior ou menor em um ou outro as- pecto. De maneira geral. os capitulos iniciais. devotados ao estudo das representagoes, sé estruturam a partir de um olhar sincr6nico, a exce- gio do primeiro, onde se aborda os primérdios das manifestacSes anti- comunistas no Brasil. Nos dois tiltimos capitulos enfatiza-se a aborda- gem diacrénica, a narrativa histérica no sentido classico, quando se aborda os periodos hist6ricos nos quais 0 anticomunismo foi mais for- te e marcante, constituindo-se em fator central nas lutas politicas entao travadas. Referimo-nos as décadas de 1930 e 1960, mais precisamente aos anos de 1935 a 1937 € 1961 a 1964, que serao enfocados nos capi- tulos 7 € 8, respectivamente. Com esta parte final pretende-se demonstrar athipotese central do trabalho, (qual seja, a de que o anticomunismo foi um dos principais argumentos, sendo o principal. a justificar e a provocar as intervengdes autoritarias mais significativas ocorridas no periodo republicano da hist6ria brasileira. No decorrer das décadas de vigéncia da Reptiblica, INTRODUGAQ, XXVIT os anos de 1937 e 1964 aparecem como marcos de ruptura institucional que deram origem a implantagao de regimes autoritarios de larga dura- cao e conseqiiéncias profundas. Significativamente, as duas experién- cias autoritarias mais duradouras da histéria recente do pafs foram ori- ginadas a partir do estabelecimento de frentes anticomunistas, reunindo elementos soviais diversos (empresidrios, politicos, militares, religio- sos, grande imprensa etc.) em torno do combate ao “perigo vermelho”. Enfim, o trabalho tentard mostrar a importéncia do anticomunis- mo na dinamica politica brasileira das ultimas décadas, com énfase para os dois periodos referidos. Concomitantemente, analisaremos 0 universo de representagGes produzidas ¢ as agGes empreendidas pelos combatentes “em guarda contra 0 comunismo”, que empenharam seus esforgos para destruir qualquer possibilidade de sucesso das idéias comunistas no Brasil. Antes de passar adiante. algumas palavras sobre as fontes utiliza- das para a realizagao deste livro. A pesquisa na imprensa se configu- rou como fonte importante para a efetivagdo do trabalho, devido ao fato de tratar-se de poderoso instrumento de formacio da opiniao, mormente num pafs onde a sociedade civil possui fraca tradigao or- ganizativa. O grau e a forma de comprometimento dos jornais com 0 anticomunismo causou impacto considerdvel sobre a sociedade, ao mesmo tempo em que pode revelar seu estado de animo, embora nao se possa adotar a posi¢do ingénua de considerar os jornais como espelho fiel da opiniao popular. Nao se deve esquecer, claro, a existéncia de fatores que relativizam a forca da imprensa sobre 0 piiblico, como a ocorréncia de clivagens internas na estrutura social e o alto grau de analfabetismo. Mas, mes mo feitas as necessdrias ressalvas, os jornais seguem sendo instrumen- to poderoso de press4o, no minimo influindo para a formagao das idéias das classes médias e superior, Como se veré, em algumas conjuntura os Grgios de imprensa exerceram enorme influéncia na propagagio das representacdes anticomunistas, secundando e as vezes se anteci- pando ao Estado nas campanhas de repressio aos comunistas. Foram pesquisados veiculos da grande imprensa sediados no Rio de Janeiro, Sio Paulo ¢ Belo Horizonte, que fornecem uma boa amos- tragem do cendrio nacional, bem como folhas de menor expressao, que apesar disso so significativas para nossos fins, dado seu empenho anticomunista, Neste caso encontram-se jornais integralistas (Accdo, A Offensiva), catolicos (O Didrio e Por Um Mundo Melhor) e publica- Ges anticomunistas como Maquis e Agdo Democratica, cujo formato estd mais proximo ao de revista que jornal. Devido a limitagGes de tempo e ao proprio recorte analitico, a pesquisa na grande imprensa ten- deu a se restringir aos anos de 1935-1938 e 1961-1964, embora tenham sido feitas breves incursdes em outros periodos. XXVIIL EM GUARDA CONTRA O “PERIGO VERMELHO” E importante registrar que. entre os livros relacionados na Biblio- gratia, uma parcela considerdvel pode ser considerada fonte primdria. Sao obras de doutrinadores, ativistas e publicacdes de organizagoes politicas, todas devotadas 4 Juta contra o comunismo. Ao lado dos livros strict senso, destacamos uma secao de aptisculos e panfletas. publicacGes que desempenharam papel equivalente a literatura na pro- paganda anticomunista, talvez com resultados mais rapidos dado seu cardter de texto enxuto e mensagem direta. Tais livros e opiisculos. que contribufram valiosamente para a andlise do idedrio e da militan- cia anticomunista no Brasil. na maioria constituem publicagées raras e de localizagao dificil, muitas encontradas somente na Biblioteca Na- cional ou nos arquivos puiblicos, Outra fonte interessante utilizada no decorrer da pesquis documentagio produzida pelos 6rgdes de informacio ¢ repressao, 0 acesso a esse tipo de material ainda é bastante delicado, mas existem possibilidades a serem exploradas. Foram consultados os arquivos do DOPS do Rio de Janeiro ¢ do DEOPS de Sao Paulo, recentemente aber- tos consulta ptiblica sob a guarda dos respectivos Arquivos Puiblicos duais. Os organismos policiais se dedicavam com mais afinco a vi- giar € controlar as organizacdes politicas de esquerda, mas também fa- ziam um monitoramento dos grupos radicais de direita, potencialmente subversivos. Encontramos entre sua documentagiio relatérios sobre as ativida- des de algumas entidades anticomunistas, particularmente grupos dedi- cados ao terrorismo. Trata-se de um material informativo modesto. dado o desinteresse patente dos agentes policiais em aprofundar inves- tigagdes nesta drea, porém, nao desprezivel, tendo em vista a quase absoluta escassez de dados sobre 0 terrorismo de inspiragdio antico- munista no Brasil. Além disso, entre as pastas ¢ caixas dos arquivos da policia politica carioca e paulista localizamos valiosos exemplares de material de propaganda de organizagdes anticomunistas, panfletos. cartazes, livretos, hist6rias em quadrinhos e charges. A iconografia anticomunista produzida no Brasil recebeu um tra- tamento especffico, merecendo inclusive um capitulo exclusivo no Ii- vro. A utilizagio de imagens reproduzidas em registro grafico foi um elemento importante nas estratégias de propaganda anticomunista. Sua analise detida em muito auxiliou na tarefa de interpretar as representa- g6es anticomunistas, notadamente no contexto dos anos de 1950 e 1960. O material iconografico foi retirado de diversas fontes. desde capas de livros a ilustragdes de jornais e revistas, passando por registros produzidos pelas entidades anticomunistas ¢ yeiculados em panfleto: “santinhos”, cartazes ¢ histérias em quadrinhos. foi a 1. Primordios do Anticomunismo no Brasil: 1917-1935 No Brasil, pode-se dizer, 0 anticomunismo surgiu logo apés a Revolucao de 1917. O fendmenc teve dimensao intemacional, provo- cado pela reagdo ao advento mundial do bolchevisme ¢ as crises revolu- ciondrias emergentes no pés-Primeira Grande Guerra. Temerosos com © poder de atracdo que © exemplo russe poderia exercer sobre as mas- sas proletérias, num quadre de imstabilidade ligado as dificuldades do pOs-guerra, os governos dos pafses capitalistas dominantes empenha- ram-se na repressiio e na propaganda anticomunista. Seus esforgos ndo foram isolados. pois. complementando a agdo estatal, grupos da socie~ dade civil (empresdrios, intelectuais, religiosos) também se langaram ao campo de batalha, dedicando-se principalmente 4 esfera propagan- distica. Nao causa surpresa nenhuma que as elites brasileiras, habituadas a importar tudo dos paises centrais, de artigos de consumo a idéias. tenham sido caudatérias também em relacio ao anticomunismo. Em grande parte, as visdes sobre o que seria o comunismo & a ameaga que ele significava a ordem social foram decalcadas de modelos estrangei- ros. As representagoes anticomunistas elaboradas e divulgadas no Bra- sila partir de 1917 refletem uma influéncia externa marcante. O mesmo racioc{nio vale para as agGes volladas a combater os co- munistas. Estiveram igualmente ligadas a lagos extermos, muitas vezes reproduzindo © quadro politico internacional. Na década de 1930, por exemplo. as atividades de repressio da policia brasileira contaram com a colaboracio & 0 treinamento dos servigos especializados de outros EM GUARDA CONTRA 0 “PERIGO VER MELHO™ paises (Huggins, 1998:55-57), Apos a Segunda Guerra, no bojo da Guerra Fria ¢ da ascensao dos RUA & condigdo de poténcia hegemdni- ca, 0s esforcos do anticomunismo no pais, tanto na esfer publica quan- (@ privada, guardaram forte ligagdo com a politica norte-americana, A reveréneia dos anticomunistas brasileiros a modelos estrangei- ros acompanhou, compreensivelmente, a dinamica das relagGes cultu- raise politicas do Brasil com o exterior. Nos anos de 1920 ¢ 1930, a tonte cle inspiragio provinha da Europa ocidental, essencialmente da i Franga. A argumentacdo anticomunista era retirada de obras européias. traduzidas ou lidas no original. Os auteres mais citados era nomes como Chessiu, Istrati, Douillet, Marion e Bér aud, entre outros'. Com as transformagées mundiais provocadas pela Segunda Guerra, os Es- tados Unidos foram progressivamente ocupando o lugar da Europa come fornecedores de modelos para a elite brasileira, inclusive na es- fera do anticomunismo. Nao se tratava, é claro, apenas de modisme, Os norte-americanos transformaram seu pais na fortaleza do antico- munismo ¢ empenharam recursos imensos ¢ energia considerdvel na destruigdo da “ameaca vermelha”, Considerando as circunstancias. ¢ natural que tenham assumido a posicdo dos europeus no papel de cen. tral irradiadora de idéias ¢ coordenadera de agGes. Neste perfodo, no- mes como Hoover, Schwarz, James ov Decier, autores de manuais anti- Comunisias, tornaram-se as principais fontes estrangeiras de divulgacao doutrindria no Brasil. No entanto, nao se deve pensar que ocortia reprodugdo pura e simples das influéncias estrangciras, ou que o Estado brasileiro incor porasse 0 papel de mera correia de transmissio de ordens vindas “de cima”. A recep¢io das construges discursivas © imagéticas anticomu- nistas se fazia de forma algo seletiv algumas idéias eram mais bem recebidas que outras e, portanto, eram mais enfatizadas. Por exemplo. étn comparagéo com os EUA, no Brasil os argumentos anticomunistas de inspiraco liberal encontraram acolhida menos entusi tica. Aqui, Jos valores religiosos catélicos constituiram-se a base principal da mo- bilizagéo anticomunista, relegando ouitras Motivagdes a posicdo se- cundaria* Por outro lado, sur iram claboragbes originais, relacionadas as singularidades da dinamica politica brasileira. E 0 caso do imagindrio construido em torno do levante de 1935. a “Intentona Comunist: “que forneceu boa parte do arsenal propagandistico usado pelos anticomu- nistas do Brasil. A forma como © episddio de 1935 foi explorado difi- 1, Referéncias completas das fespectivas obras na Bibliografia, 2, Voltaremos ao tema no préxime eapitulo. Segundo Parenti, nos Estados Uni- dos © anticomunisme era alimentade pela triade: amor i liberdade i dade ¢ a religiio, Ch. Michael Parenti. A Cr lizagdo Brasileira. 1970. PRIMORDIOS DO ANTIC MUNISMO NO BRASIL: 1917-1935 3 cilmente encontra similar em outros paises. A “Intentona’” deu origem nao somente 4 construgdo de um imugindrio, mas ao estabelecimento de uma celebragao anticomunista ritualizada ¢ sistemdtica. Outrossim, contribuiu para solidificar 0 comprometimento da elite militar com a causa anticomunista, por via da exploracio da sensibilidade corporativa do grupo. Quanto a pressao politica exercida por poténcias externas, embo- ra realidade inegdvel. especialmente no caso doy Estados Unidos no decorrer dos anos de 1950 ¢ 1960, hd que ter cautela ao interpretar seu impacto. Os setores dominantes locais ado atuavam de forma mera- mente pissiva, come se combater o comunismo fosse algo estranhe a suas preoeupacées. Em muitos casos, 0 apoio externo era considerado nao apenas bem vindo, mas podix ser também solicitado por alguns grupos. que considerayam a existéncia de poténcias cmmpenhadas num combate mundial ao comunisme uma abengoada fonte de legiumacio ¢ suporte para suas agoe: No caso da “onda” anticomunista relecionada & guerra fria, pode- se dizer que no Brasil ela comegou antes que nos Estados Unidos, Enquanto naquele pais 0 rompimento efctive com a URSS ocorreu a partir de ]947, com a Doutrina Truman ¢ o Plano Marshall. por aqui a perseguigao ao Partido Comunista comegou wm ano antes, quando se iniciou 0 processo de cassagao do registro elcitoral do PCB. Quan- doo governo Dutraresolveu cortar relagdes diplomidticas com a URSS, em 1947, dando prosseguimento a sua cfensiva contra o comunismo, a chancelaria norie-americana considerou a atitude precipitada’, 0 que evidencia a autonomia das autoridades brasileiras no tratamento da questiio, Nessa épeca, o governo dos EUA ainda nao havia colocado 0 anticomunismo como prioridade maxima, independente de outras con- sideragdes. Membros da administragao democrata, entéo no poder, te- miam gue polfticas anticomunisias indiscriminadas levassem a perse- guigdes contra a esquerda democratica (Rabe, 1988:15). Posteriormente, a partir dos anos de 1950, as agéncias estatais dos EUA tomaram uma atitude ofensiva na campanha anticomunista na América Latina, deixando para plano secundario o cuidado em evi- lar ubusos autoritarios. Mas, neste momento. encontraram gevernos brasileivos reticentes quanto & ¢cntralidade do problema comunista, & mais preocupados em resolver os dilemas do cres e do desenvelvimente social. Diferentemente do governo Dutra. as cimento econdmico 3. Mort Bandeita. Prevenga dos Estates Unidas ne Brasil: Doty Séculus de Hisieivie, Rio de Janeiro, Civilizagio Brasileira. 1973, pp. 313 ¢ 314, Quando bouve o rompimeme. mul havianr sé complerade dois anos de estabeleeiments de relagbes en re Brasil e URSS (1945), Ui dos incidentes a justificar 0 publicada pele imiprensa sovicttea, considerada uma agi Exéreitor "No Brasil, generais ommpamento fot vena materia, esse uo Presid nle Dutra e wo nascem nos campos de butlha, mas, sim, nos ele! wis”. Apud Mayuis. a. 232, dez. 1961, pp, 22-31 4 EM GUARDA CONIRA 0 “PERIGO VERMEI > administragdes subseyiientes chefiadas por Vargas e Kubitschek, es- pecialmente no dltime caso, nie consideravam grave 0 “risco” comu- nista, € ndo demonstraram empenho em combaté-lot A ofensiva politico-ideoldgica dos norte-americanos tendeu a con- centrar-se, entio, nos setores mais receptivos & tradicionalmente com- prometidos com o anticomunismo, como as Forgas armadas e policiais. 08 religiosos ¢ os politicos conservadores. O movimento politica-mili- tar de 1964 foi um desdobramento deste quadro, quando setores ex- pressivos da socicdade se deixaram convencer pelas adverténcias e campanhas dos anticomunistas (intemos ¢ extertos). de que © pais cotria sério risco de “comunizag4o"’ sob 0 governo de Joao Goulart, ¢ que a Unica safda para evitar este cendrio era retirar o Presidente a forca do poder, Em resumo, 0 anticomunismo brasileiro foi bastante marcado por influéneias internacionais, tanto no que respeita ds representacSes quan- to as agi Mas isto nao impediu que existisse dindmica prépria ¢ elaboragcs originats no campo das representagées. Na realidade, o anticonumismo no Brasil resultou da interaciio entre fatores enddgenos ® exdgenos, ¢ os elementos desta combinagao variaram dependendo da conjuntura historica, No nosso pats, a campanha contva o comunismo comegou através da imprensa, loge apds a tomada de poder pelos bolcheviques. A ma- neira como a Revolug&o bolchevigue foi recebida pela grande impren- sa brasticira pode ser vista no excerto que se segue: Jé nfo ha absotutamente esperanga de que « Russia se salve. Para nd vanga desappareceu ha muitoy dias, desde quando assignalimos 6 apodrecimento do colossey moscovitu, vuja extensae torrilorial s6 ¢ comparavel & inmensu degrulag haixeza em que culu, wrastado pelos traidares. pelos eovurdes © pelos maximalistas. que no passam de uma assoeit gle de pirates ¢ espides (espides contra u propria patria!) 40 servigo da Allemamha’, Os jomnais eriticaram acidamente aquela que foi a segunda tevo lugao russa, considerando suas consegiléncias ruins nao sé para aquele pais como para a causa aliada na Grande Guerra. A imprensa brasilei- fa acompanhava a opiniao de seus congéneres da Europa ocidental ¢ dos BUA. A primeira revolucio. a de fevereiro, que derrubou o C. rismo ¢ deu inicio a tentative de transformar a Riissia num Estado libe- 4. “Kubitsehek estranhou a preocupacho dos ameticunos com © que. confosme suas palaveas, née constituia perigo algum no Brasil. 0 comunismo. |...| Kubitsche queria capilais, fbricas. deséavalvimento, Dulles reclamava coorden: gto No combate ao comunismo, enirosamento maior da CLA com as son-igos secrelos brasileiros". Ban- deira, op. cit, (1973). pp. S742 ¥ 5. AS cilagdes wilizacles no lived manterdo ay grufies orivinais, Diirie de Minas. DIDI p 2 PRIMORDIOS DO ANTICOMENTSMG NO BRASIL: [917-1935 5 tal modemo, foi tida como positiva e merecedora de aplausos, O epi- sGdio de culubro, ao contrério, despertou antipatias profundas e foi oxecrado devido as intencdes radicais dos protagonistas boleheviques. Aiém disso, um agravante: © grupo de Lénin tinha como objetivo prioritario retirar seu pais da Guerra a qualquer preco, rompendo os compromissos anteriormente assumidos pelo Czar na alianga com O8 paises ocidentais. A retirada dos ex€rcitus russos do contlito signi- ficou um golpe sério no dispositive militar da “Entente”, e isto foi denunciado como uma traicdo vil, Como o Brasil a estas alturas tam- bém participava da guerra contra os alemaes. ainda que a titulo simbé- lico. a imprens: nacional encampou a indignagio contra 0 ato de Lénin, que passou a ser acusado de espido alemio. Neste momento inicial, nota-sc alguma confusfio no que respeita as expressdes atilizadas para destgnar os leninistas, “Maximalistas” foi muito freqiiente durante algum tempo, coneorrendo com “bolcheviques™, de que era provavelmente uma tcntativa de tadugdo para o portugués. Significativamente, o primeiro grupo bolehevista brasileiro a se organizar foi chamado “Unido Maxtmalista” (Dulles, 1977:143), Demorou algum tempo até que @ termo “comunista™ se fi- xasse, acompanhando, alias, uma evolugdo dos préprios bolcheviques. Somente alguns meses apés ascenderem ao poder eles adotaram oficial- mente a expressfo. quando o partido foi rebatizada como Partido Comunista Russo e, posteriormente, Partido Comunista da Unido So- viética. Num segundo momento, passado 0 calor da guerra e & medida que se conhecia melhor 0 que se passava “além-Urais”, as criticas veicula- das pela imprensa comegaram a se yoltar para os resultados sociais e politicos da revolucdo, considerados catastréficos. De um artigo jor nalistico publicado no inicio de 1918, com o sugestivo titulo “A Ligdo da Anarquia Russa”. retiramos 0 seguinie: Faz boje 8m anne que os revolueionaios rassos, [_.| proclamaram at vieloria da Re- volugaio |...] Desde entio a Russia etravessa o periodo mais Cormenosumente tragivo du sua Jone guc ugitada vida. [..] A Russia aan ye cao de precipiciu em precipicio aré que se Lrunsformou no mais vaste Campo de desordem yuie a Memoria do homem recorda® Desordem. anarquia, destruigao c caos eram o retrato da situacéio no ex-Império dos Czares, segundo as imagens transmitidas pelos jor- nais 20s leitores brasileiros. No decorrer dos anos e décadas seguintes, a énfuse em pintar com tintas fortes um quadro tenebroso do que seria a realidade soviética foi uma constante, trabalho empreencido primei- ramente pelos periddicos, mas logo em seguida secundade por uma florescente literatura anticomunista. A caracterizagiio do comunismo GAM . 1B31918 pL.

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