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AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL NAS SOCIEDADES MODERNAS 25 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL OS MEIOS DE COMUNICACAO SOCIAL NAS SOCIEDADES MODERNAS Dr. Daniel Proenga de Carvalho Entre os extraordindrios progressos técnicos que o nosso século conheceu, poderemos sem diivida colocar em lugar destacado os novos meios de comunicagao social, a radio e a televisdo, cujos desenvolvimentos tiveram uma influéncia marcante nos modos de vida, opinides, valores e visio do mundo que hoje partilhamos. Como em geral sucede, a par dos imensos beneficios do progresso técnico, bem expressos no aumento extraordindrio do nivel de vida das sociedades industrializadas, com consequéncias positivas na qualidade de vida dos homens e mulheres que dele tém beneficiado, podemos também detectar efeitos nefastos e perversos do desenvolvimento técnico. Um dos aspectos que distinguem os conservadores (ou pessimistas) dos progressistas e liberais (ou optimistas), serd justamente no modo como julgam o saldo entre os aspectos positivos e negativos da civilizagdo que o desenvolvimento técnico dos tltimos séculos tem vindo a desenhar. Ao procurar, despretensiosamente, caracterizar 0 estado actual dos meios de comunicag4o social nos paises democraticos industrializados — entre os quais poderemos incluir Portugal —, fugirei 4 tentagao de emitir um juizo global sobre o sistema mediatico. Estou profundamente convicto de que os progressos alcangados no dominio da Imprensa, da Radio e da Televisdo, traduzindo-se numa 27 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCACAO abundancia de informagio e de conhecimentos para a generalidade dos cidadios, na pratica do confronto pacifico de ideias, e na democratizagao da cultura, constituem aquisigdes incomensurdveis para os valores permanentes da liberdade, da dignidade dos cidadaos, da melhoria do Estado e do progresso econémico e social. Esta afirmagao, porém, nao esconde alguns desequilibrios que estio a verificar-se no relacionamento entre o poder politico democratico e o sistema medidtico e entre este e os cidadios, desequilibrios geradores de distorgées ao principio da representagao democritica e na proteccao de direitos fundamentais dos cidadios. A tradigao democrdtica, assente nos princfpios da diviséo de poderes, da representagdo e na declaracdo e respeito por direitos politicos e civicos atribufdos constitucionalmente aos cidadaos, imaginou a Imprensa, e mais tarde os meios audiovisuais, como instrumentos de liberdade de expresso, como um contra-poder aos poderes politicos, e também como intermedidrios entre os agentes politicos e a sociedade civil. Esta concepgio classica dos media foi ultrapassada na pratica pelo continuo e impardvel fortalecimento da influéncia dos media, especialmente da televiséo, sem que o Estado ou os politicos tivessem sequer tomado consciéncia de que, de contra-poder, a Comunicagao Social passou hoje a acumular, directa ou indirectamente, o maior poder sobre a sociedade. O sistema mediatico esté a ocupar nas nossas sociedades um lugar preponderante na Politica, a substituir-se insidiosamente 4 familia e & 28 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL escola na Educag&o (enquanto transmissio de conhecimentos ¢ formagiio de valores), a julgar os cidadaos antes dos Tribunais. Vivemos naquilo que alguns chamam de Sociedade Mediatica. O sociélogo Gerard Mermet, ao descrever os trés tipos de sociedades que hoje coexistem, em fungao da correlagao entre actores politicos, publico e media, define-os do seguinte modo: - Nas sociedades com poder politico autoritério (ditaduras) as relagdes entre as trés componentes do sistema — politicos, publico e media —, estabelecem-se verticalmente, de cima para baixo, exercendo os media o mero papel de porta-vozes (amplificadores) das decisdes dos primeiros; - Seo piblico esté em posigio dominante, o regime aproximar-se-4 do modelo democrético na acep¢ao liberal cldssica; os politicos, em principio, representam os cidadaos eleitores, detém o poder em nome do povo soberano; os media estabelecem uma saudavel intermediagdo entre ambos, fiscalizam os politicos, informam 0 ptiblico dos factos e desenvolvem o pluralismo das opinides. - No terceiro sistema — estaédio em que se encontram os paises mais desenvolvidos economicamente em regime democratico —, sfio os media que exercem a influéncia determinante. Eles detém um real poder sobre os politicos, na medida do poder que exercem sobre o piiblico, a quem servem uma informagao confeccionada, opinides formadas, € a distracgao de que o publico se tornou dependente. 29 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO Para o autor desta andlise social, nao se trata de uma ditadura dos "media", mas mais de um estddio pés-democrético, que mistura as vantagens da democracia com os vicios da ditadura. A par do crescendo de influéncia dos meios de comunicagiio social, estamos a assistir a uma espécie de paralisia do poder politico e a um défice de representagio das instituigdes tradicionais da democracia: Partidos Politicos, Parlamento, Governo. E mesmo as forgas sociais, como os sindicatos, e as suas formas cldssicas de actuagiio e de luta perdem terreno em beneficio da Comunicagio. Este deslizar da influéncia e do poder das instituigdes da representagao assente no sufrdgio, para os novos poderes, entre os quais ocupa lugar destacado a Comunicagiio Social, terd resultado da convergéncia de dois factores: 0 desenvolvimento tecnolégico das comunicag6es e as pesquisas da opiniao pelas técnicas das sondagens. E certo que, em alguma medida, todos os sistemas politico mais ou menos democraticos assentaram desde sempre na opinido publica, mas esta manifestava-se pelo voto, através dos mecanismos de Tepresentagdo, ou, por vezes, através de convulsdes sociais quando os primeiros nao garantiam adequadamente os equilibrios da sociedade. Nas sociedades actuais a situagdo modificou-se radicalmente. A rapida evolugao das sondagens, a criagdo de institutos ou empresas especializadas na sua realizagio e a ligacdo que estabeleceram com os meios de comunicacio social, dio a conhecer o estado da opiniao publica em tempo real. 30 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL O mesmo sucede com a informagao pela imagem. Os progressos na transmissdo da imagem e do som via satélite tornam possivel uma informacao simultinea com os acontecimentos, como sucedeu, por exemplo, relativamente a factos histéricos tao significativos como a queda do Muro de Berlim, a guerra do Golfo, o ataque 4 Casa Branca em Moscovo, etc. A alianga entre estes instrumentos conduziu a quase simultaneidade entre a informagdo e o conhecimento da opiniao publica; e esta é permanentemente pesquisada e medida, quanto ao seu moral, as intengdes de voto, As opgdes em todas as matérias da esfera piiblica € privada, as afeigdes ou desafeigdes dos eleitores relativamente aos politicos, tal como se medem as preferéncias pelas marcas de detergentes ou 6leos alimentares. Opinido - sondagem - media, a Santa Trindade da Comunicagao, a quinta esséncia dos media-choc, como a caracterizou Alain Minc. A politica e os politicos estdo a enredar-se nas malhas do novo sistema opinido - sondagem - Meios de Comunicagdo Social. A arte da politica ja nao reside tanto no exercicio do Poder, ou nas opgées ideoldgicas, ou nos sistemas de crengas, valores, convicgdes, mas na arte de manobrar os factores de que dependem, ao menos na aparéncia, os sucessos eleitorais. S6 as sondagens fundamentam o mito da opiniao, mas os media nao se limitam, obviamente, a transmiti-las; os media tornaram-se Clientes privilegiados das empresas de sondagens, fixam-lhes os temas, poem em cena os resultados, usam a liberdade de interpretagao que os nimeros permitem. Se o desejarem, os meios de comunicagio social 31 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO fazem das sondagens um espelho mais ou menos deformador da opiniao piblica. Por outro lado, a informagio que nos é fornecida pelos jornais das grandes estagdes de televisio afastou-se quase radicalmente dos modelos estabelecidos pela deontologia do jornalismo convencional. A informagdo-espectéculo visa, fundamentalmente, captar a qualquer prego a atengiio dos telespectadores, tornou-se escrava do audimetro, a preocupagao dos seus editores esta fixada na audiéncia na competi¢ao com as estagées concorrentes. Numa sintese um pouco brutal, Jean Baudrillard ("La Guerre du Golfe n'a pas eu lieu") escreveu que a "informagiéo € um missil errdtico, com destino "flou", que procura a sua presa mas se prende a todos os engodos. Ela bombardeia em redor do alvo, sem resultado certo. Ela nao sabe onde toca e talvez nao tenha por miss4o tocar, mas, como o missil, tem por missao essencial, ser langada. De facto, as tinicas imagens impressionantes, de m{sseis, foguetées € satélites, sio as do langamento." A informacdo-espectdculo vive dos factos mais brutais e dos juizos sumérios; quase sem palavras, sem nuances, ela serve-se das imagens, se possfvel intensas, violentas, mesmo sangrentas. E a informagdo-espectdculo tornou-se preponderante, fruto da ambiguidade estabelecida entre o direito & informagao, a evolugio tecnoldgica e a pressio do mercado. P6r em causa os seus métodos constitui ainda heresia de que devem abster-se quantos alimentem alguma ambico politica. 32 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL O direito a informagiio inscreveu-se entre os direitos fundamentais dos cidadaos, ao mesmo nfvel constitucional que as velhas liberdades politicas e civicas. Na nossa matriz democrdtica, informagio é sinédnimo de conhecimento, logo, quanto mais informagao tivermos, melhores cidadados seremos. Os detentores acriticos dos instrumentos da informagdo-espectdéculo, nao se cansam de nos convencer de que a democracia moderna passa por informagao mais abundante, mais diversa e mais rapida. Nao deveremos, no entanto, esquecer que, sob o pretexto da “legitimidade da informagdo", poderemos estar a deixar construir uma democracia vigiada, em que 0 sistema medidtico - sem estatuto particular, sem posicionamento institucional - submete a sua propria hierarquia todos os outros sistemas de valores e coloca sob a defensiva os poderes com base no sufrdgio popular. E sem esquecer que 0 tinico critério da informagdo-espectdculo é 0 audimetro e o mercado que ele representa. Com o audimetro, as televis6es obtém uma informagiio do mercado de que nenhum outro sector econédmico dispde, ou seja, um conhecimento do mercado também quase em tempo real. A competi¢do transforma-se em obsessio. Os vicios do sistema comegam a ser observados ¢ criticados. 33 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO Alain Minc langou um libelo acusatério contra o sistema, em que sao réus nao apenas os detentores do poder medidtico, mas também os responsdveis pela faléncia das instituigées cldssicas, partidos, sindicatos, igrejas, escolas, familias. Contra a informagcdo - espectéculo Alain Minc langa a acusagao de criar a ilusdo do directo, maximizando a emogio, mas que pode derrapar para o erro, a ineficdcia, a delapidagao do tempo, e a anestesia dos telespectadores; acusa-a ainda de fabricar a uniformidade e 0 sensacionalismo - sangue, sexo, dinheiro -; acusa-a da provocagio de efeitos perversos na politica, no poder judicial, no mundo econdémico, na vida intelectual. E langa uma especial atencéo 4 arrogdancia dos novos donos da Informagio. Dotados de notoriedade, gléria e vaidade, serao necessdrias as vedetas da informagdo - espectdculo grandes doses de bom senso, virtude, cultura ¢ humildade, para escaparem 4 tentagao da arrogancia. O dom{nio de um instrumento tio poderoso fa-los crer que estdo investidos de uma missdo, na esséncia superior aos outros poderes, polftico e econdémico, cujos agentes esto submetidos ao seu juizo, aos seus meios de investigagio, 4 sua possivel condenagdo sem Tecurso. Colocado sob suspeita, 0 sistema politico ameaga ficar paralisado, num mundo em evolugio répida. Vejamos, neste contexto, a situago particular da Europa. A crise econémica que atingiu duramente a Europa reveste contornos estruturais cuja superagdo exige reformas profundas, as 34 A EDUCAGAO EOS MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL quais inevitavelmente atingem direitos, privilégios e comportamentos instalados e que erroneamente se julgavam adquiridos. Sabe-se que os paises da Europa em geral, e Portugal em particular, sofrem de uma baixa produtividade quando comparada com os E.U.A. ¢ as economias mais performantes do Extremo-Oriente, com as quais terdo de competir; Sabe-se que as economias europeias nao tém sido capazes de gerar novos empregos que substituam os postos de trabalho perdidos com as restruturagdes em curso na generalidade das suas empresas, 0 que faz do desemprego uma ameaga a estabilidade das pessoas e das familias, fendmeno que porventura sé poderd ser atacado pela maior desregulagio do direito laboral, com maior liberdade de contratagao e de despedimento; Sabe-se que os sistemas ptblicos, pesados e custosos, da Educagiio, da Satide, e da Seguranga Social, atingiram rupturas insuportéveis que implicam medidas dificeis e duras, pois sacrificam direitos e regalias antigas; Sabe-se que os cidadios e as empresas produtivos dificilmente suportargo mais encargos fiscais e sociais, pelo que o Estado nao pode fazer crescer a carga fiscal sob pena de afectar o investimento e 0 crescimento econémico; Sabe-se que as dificuldades no Leste da Europa e ao sul da Europa esto a pressionar surtos imigratérios que péem em perigo a coesio social nas democracias europeias do Ocidente, gerando fenémenos de xenofobia, de violéncia e de criminalidade que exigem dos Governos Tespostas prontas e sofisticadas. 35 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCACAO Terminado 0 conflito ideolégico socialismo/capitalismo, gerado consenso na economia de mercado, e assumida a consciéncia de que 0 Mundo estd a caminhar para um mercado global no qual os paises asidticos detém uma posigdo cada dia mais influente ¢ cujas economias crescem a um ritmo impressionante, a generalidade das forgas politicas responsdveis na Europa, de direita ou de esquerda, sabem que as reformas a empreender apontam para uma maior flexibilidade ¢ mobilidade do emprego, diminuigéo dos custos dos aparelhos burocraticos prestadores de servigos publicos, privatizagao em varios dominios, diminuigio de direitos e regalias sociais. Em suma, as teformas nao sdo "populares", pois exigem sacrificios de mudanga, adaptagdo, e tém a aparéncia de constituirem regressos, gerando sentimentos de perda e inseguranga. Nao obstante esta partilha de convicg6es quanto ao sentido das reformas, as respostas dos Governos tém sido timidas e 0 ataque aos problemas quase nunca feito frontalmente, com verdade, coragem e transparéncia. Mesmo sendo timidas as reformas, os Governos esto submetidos a uma onda de hiper-criticismo que abala a credibilidade dos seus autores; as reformas so emperradas por miltiplas resisténcias, corporativas ou particulares, amplificadas pelos media; o clima geral € de pessimismo e derrotismo, constituindo excepgdo a abordagem dos problemas numa perspectiva racional. As ondas de choque emitidas em cada jornal das televisdes colocam 08 politicos numa posigdo de inibigdo, destroem-Ihes a criatividade e o entusiasmo, conduzem-nos ao imobilismo e ao adiamento das reformas. 36 A EDUCAGAO EOS MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL O clima instaurado pelos media mudou a natureza dos politicos e est4 a conduzir, no momento, & capitulagao da Politica perante a Opiniao Publica tal como as sondagens e os media a apresentam. Instalou-se a ideia de que os Governos deverao conduzir as reformas apenas quando elas "passam" na Opinido Publica. Para 0 sucesso dessa visio da politica, o primeiro atributo de um polftico € a sua capacidade de comunicar, o seu espirito de sintese para deixar a mensagem certa nos segundos em que tem a "chance" de penetrar pela camara da televisio e chegar ao piiblico defronte dos écrans. A informagao-espectdculo corresponde a politica espectéculo. A classe politica, porém, no seu relacionamento actual com os media, sofre uma outra contrariedade, que a coloca numa posigao de inferioridade absoluta, em que o duelo entre o politico e o jornalista é desigual e injusto. E assim nos "escandalos" que quase diariamente sao langados e atingem os membros da classe politica ou as figuras de notoriedade. No passado, a informagdo seguia o processo conduzido pela entidade competente, acompanhava o seu desenrolar, aguardava o seu desfecho, Agora, a informagio precede o proceso, faz a investigagao, dita a sentenga e sé depois 0 processo legal segue o seu curso. Para o politico, pouco ou nada importard o desfecho processual do caso. Os media ditarao o julgamento perante a Opinio Piiblica. 37 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCACAO Neste combate, o politico assume todos os riscos, o jornalista no assume nenhuns. Daf o sentimento natural de impunidade dos meios de comunicagao social; o sentimento que o jornalista tem, consciente ou inconsciente, de deter 0 monopélio da verdade, sentimento que o politico perdeu em definitivo. Desta diminuigdo dos direitos 4 dignidade e a integridade moral sofrem, n&o apenas os politicos mas os cidadaos em geral, vitimas frequentes de noticias deficientes, de imputag6es injustas e ofensas graves aos seus direitos morais. E certo que a resposta classica aos abusos reside no Poder Judicial. Direi, com franqueza, que nesta matéria, os juizes, como os politicos, sentem-se manietados pela simples ideia de serem acusados de liberticidas, e a pratica jurisprudencial mostra que os dispositivos repressivos, ou a mera indemnizagio civel, tém sido utilizados com uma indulgéncia tal que esto longe de constituir resposta adequada aos erros e ofensas sofridos por quem ousa recorrer a Justiga. Os cidadaos, em boa verdade, nio tém qualquer defesa perante a poderosa Comunicagiio Social. Nesta matéria, o poder dos meios de comunicagio social levou também, de certo modo, & subalternizagao do poder judicial, quando ndo a prépria manipulagdo de alguns dos seus membros, ou a cumplicidades suspeitas entre ambos, em especial no tratamento dos "escAndalos" afectando politicos, empresdrios, ou figuras com notoriedade, em que frequentemente os dois aparelhos se namoram e 38 A EDUCAGAO EOS MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL seduzem, trocando informagdes ou denincias, agindo concertadamente, por vezes com motivagdes comuns. O balango sobre os meios de comunicagao social na actualidade nao tem apenas rubricas no passivo; as suas perspectivas de evolugéo apresentam motivos de esperanga, € penso que o importante é abrir uma discuss4o objectiva e desapaixonada sobre as quest6es que os afectam, sem constrangimentos a partida, evitando o simplismo de julgar como atentados & liberdade de informar toda a critica ao modo como ela é exercida. A crédito do sistema da Comunicagio Social podemos, desde logo, inscrever a responsabilidade dos politicos no desenvolvimento dos seus defeitos, em especial nos patses latinos. Ao ensaiar, alternadamente, técnicas de subordinagao, intimidagdo, sedugdo, ou manipulagio, os politicos desacreditaram-se eles préprios junto da classe jornalistica e promoveram a sua revolta e o seu desejo de afirmagio. Ao prolongarem excessivamente 0 monopélio do Estado sobre a televisio, os Governos (de esquerda e de direita, com maior responsabilidade para os primeiros) provocaram um efeito perverso, pelo destapar da tampa que longamente conteve a informagdo das televisées do Estado, subordinadas em maior ou menor grau ao poder politico. Ao manterem - casos de Portugal, Espanha, Italia, Franga - cadeias de Televisdo do Estado em competigiio com os privados, abdicando em absoluto da prestagdo de um servigo ptiblico nio submetido aos constrangimentos da publicidade, desencadearam no sector uma 39 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCACAO concorréncia selvagem e desenfreada na conquista do mercado, na qual todas as estagdes - ptiblicas e privadas - se langaram no estilo da informacdo-espectaculo. Ainda a crédito dos media, poderemos inscrever a possibilidade de uma maior transparéncia na acgao de politicos, agentes do Estado e agentes econémicos, na luta pela moralizagéo dos comportamentos nessas dreas, de que em grande parte depende o sucesso do sistema politico e da economia de mercado. Se evoluirmos progressivamente para um capitalismo liberal, aberto, transparente, mais respeitador dos direitos de accionistas ¢ obrigacionistas, e em geral mais virtuoso nos seus costumes, essa evolugao em grande parte a devemos A Informagio independente e ica de que dispomos. Acreditando, como acredito, nas virtualidades do mercado, em liberdade, acredito também que os cidaddos consumidores dos produtos da informagao acabardo por impor os padrées de seriedade, independéncia e qualidade a que aspiram. Doutor Anténio Barreto O Dr. Daniel Proenga de Carvalho, logo no inicio da sua intervengio, disse que um dos aspectos que mais distinguem os conservadores e pessimistas dos progressistas liberais e optimistas era a atitude perante o desenvolvimento técnico, ou o desenvolvimento da civilizagdo, no seu aspecto técnico e tecnolégico. 40 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL Ouvi-o com uma espécie de barémetro filos6fico, ou "oscilémetro" filos6fico, tentando ver onde ia acabar. Curiosamente, acabou como um progressista pessimista. Detecta-se em toda a sua intervengao uma atitude de entusiasmo, de adeso ao progresso da tecnologia, da velocidade e dos novos meios de comunicagao mas, por outro lado, tem uma atitude muito negativa, muito apreensiva, perante os modos de funcionamento, de exercicio e de utilizag&o desses meios. Ele receia as possibilidades de comunicagao aberta e permanente. O comentdrio que vou fazer, e nao escondo que tenho também uma ou duas observagées preparadas antes mesmo de conhecer a sua comunicagao, vai incidir sobre dois ou trés aspectos que andam & volta deste pessimismo. Antes de argumentar, contudo, vou tentar caracterizé-lo com mais precisio. Daniel Proenga de Carvalho mencionou-nos o desequilibrio existente entre 0 sistema politico e 0 sistema medidtico. Neste desequilibrio, que é real e do qual eu partilho pelo menos a conclusio de que hd um grande desajustamento entre os dois sistemas, é infelizmente minha convicg&o que ele colocou excessivamente o 6nus nos meios e nos profissionais da comunicagiio. Ao mesmo tempo, exprimiu uma espécie de desejo de um estado de equilibrio e de harmonia entre os dois sistemas, os dois profissionais. Quase nos disse que um dos elementos, se no um dos mais importantes, da crise dos sistemas polfticos democraticos actuais residia neste desequilfbrio entre 0 sistema politico e o sistema mediatico. Sintetizando, e de uma maneira nao provocatéria, mas que tem 0 seu qué de caricatura, a minha conviccao é quase oposta, isto é: gragas a Deus, ha conflito, ha fricgdo entre o sistema politico e o sistema 41 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCACAO medidtico! E gragas a existéncia desse permanente conflito que nés podemos ter uma politica melhor e uma comunicagao melhor, ou que temos algumas possibilidades de melhoramento de uma e de outra. Qualquer procura de harmonizagio entre o sistema politico e o sistema medidtico vai conduzir 4 subjugagdo de um dos dois ao outro. E neste permanente conflito, ¢ néo na sua harmonizac4o que eu encontro a virtude. Nao advogo, evidentemente, que devam existir conflitos violentos entre os dois sistemas, ou que deva existir uma total e absoluta falta de respeito de um por outro. Estes conflitos surgem do facto de que as fungGes, os papéis, a natureza e a esséncia do offcio do politico e do oficio do jornalista, a génese da legitimidade politica e a génese da legitimidade da informagao ou da comunicagao sao muito diferentes, nao se podendo misturar. Por outro lado, a intervengao de Daniel Proenga de Carvalho faz-nos pensar que 0 oficio do politico e 0 sistema politico se ttm vindo a atrasar na sua evolugio, no melhoramento das suas fungdes relativamente ao sistema mediatico, de comunicagio e de informagaio (estes trés termos nao sio o mesmo, mas utilizo-os indiferentemente, para abreviar). Isso é verdade. Nos tltimos trinta, quarenta ou cinquenta anos, é evidente que a televisdo tem vindo a desempenhar um papel importante. Mas também todos os outros meios de transmissio automatica e imediata de informagdo criaram uma velocidade de mudanga e um melhoramento do acesso e do exercicio do officio de informaciio, a que o sistema politico ndo se conseguiu adaptar pois nao conseguiu encontrar os respectivos novos modos de funcionamento. 42 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL ‘Um outro ponto, a que tentarei ainda voltar, resulta da tiltima parte da comunicagao do Orador. Daniel Proenga de Carvalho nfo utilizou 0 termo "legitimidade", no que lhe fago justiga, pois estava 4 espera disso e tinha mesmo a certeza de que ele 0 ia utilizar. Acho que ele aqui foi fino, como nos habitudmos a que seja. Embora nfo tenha utilizado o termo "legitimidade", creio que estava a pensar nele. O problema reside no facto de que existe um conflito de legitimidades, a meu ver irresoltivel. Poderd eventualmente ter uma solugéo por via da coexisténcia ou, sobretudo, pela via do reconhecimento da diferente natureza de legitimidades. A legitimidade do representante do sufrégio, a legitimidade do agente politico, do deputado, do autarca, do governante, do ministro, do primeiro-ministro ou do presidente da reptiblica, € uma legitimidade diferente da legitimidade a que poderio ambicionar os profissionais da comunicagao, para nao falar de outras profissdes, como os jufzes. Ha muitas outras formas de legitimidade que nio tém nem os mesmos critérios de aferic¢do nem as mesmas géneses. O que definird a legitimidade do terceiro anel no Estddio da Luz? O que definiré a legitimidade dos artistas? Dos amantes? Em nenhum destes casos a legitimidade é democratica, no sentido de que a democracia serve para legitimar os representantes do povo por uma via e métodos que sao os da eleigdo e o do respeito da maioria pelas minorias. Ora, estes critérios aplicam-se muito pouco, ou nao se aplicam mesmo, a outras formas de actividade, nomeadamente 4 comunicagio. E verdade que a comunicagio alterou quase todas as actividades humanas e a comunicagio - ou a informagio - deixou de ser algo que se acrescenta a essas actividades, para ser ele propria uma actividade 43 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCACAO humana intrinseca a outras actividades, nomeadamente a politica. Hoje em dia, muita da polftica que se faz € feita por causa da comunicagio. Antes de eu me reformar da politica, as: Ppreparagdo de um discurso, 4 preparagdo de um comicio, de um gesto ti durante muitos anos a politico, de um acto populista ou de um acto de majestade, e a prepara¢ao desses gestos j4 tem muito pouco a ver com a politica em si, tem antes a ver com os hordrios da RTP, da SIC ou da TVI, e coma presenga ou auséncia de jornalistas. Tem a ver com 0 momento em que se diz a frase boa, quando é que se diz a frase md, quando é que se tem © bom pensamento, o que é que se guarda para quando nao esté a informagio. Esta verdade aplica-se também a outros niveis. O Secretdrio de Estado, Dr. Joaquim de Azevedo, mencionou na sua intervengdo 0 papel da comunicagao na Escola. A comunicagdo € substituta de uma parte das actividades escolares, politicas ou desportivas. Decerto verificaram que o futebol hoje em dia, e assim ser4 cada vez mais daqui a trinta anos, j4 ndo se organiza em fungao dos estddios: o futebol organiza-se em fungao da televisdo, em fungdo da comunicagdo imediata e € isso que domina a concepgiio do especticulo, do desporto, da competigéo econémica, da educagio, etc. A comunicagio transformou estas actividades em actividades imediatamente transmissiveis ¢ universais, caracteristica que a politica ainda ndo tem. O fendémeno politico ainda nao é imediatamente universal e nado € imediatamente transmissivel, decorrendo dai uma das disfungGes entre politica e comunicagio. O Proenca de Carvalho mencionou de passagem a relagdo entre a comunicacao e a opinido. Gostava de introduzir e enfatizar a minha opiniao sobre o assunto: a comunicagio social nao é a opinido publica. 44 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL A comunicacio social influencia a opinido publica, pode até ser considerada como uma das mtiltiplas manifestagdes da opiniao publica, mas confundir comunicagio e opinido piiblica é um erro. Os érgios de comunicagao e os seus profissionais traduzem opinides de grupos. Quanto mais livre e independente for um 6rgdo de comunicagao social, mais essa opinido é a do préprio grupo que faz ou que produz esse 6rgao de comunicagao social. Quanto menos independente esse 6rgio for, mais serd a de quem lhes paga: o poder econémico, politico, religioso, cultural ou outro. Hé uma diferenga importante entre os 6rgaos de comunicagio e a opiniao publica, que € um outro fenémeno. Neste contexto, tenho tendéncia a considerar a actividade da comunicagao como qualquer outra grande actividade humana especial. Nao é uma actividade totalmente 4 margem delas. O poder politico, mas também os grupos de interesses econémicos, sociais e culturais tendem a gostar de ter uma comunicagao social mais fiel ao que dizem, pensam ou fazem, Esta fidelidade € a grande armadilha das concepgées sobre a comunicacao social. Exigir da comunicagao a fidelidade ao que se quer € ao que se pretende significa, na maior parte dos casos, exigir a dependéncia. Deparamos com um "catch 22": 0 que se faz para a comunicagio estd preparado para a comunicagao e é evidente que hé um sentimento de adultério quando, de repente, o que eu dou 4 comunicacao, nos meus termos, nao € 0 que ela transmitiu exactamente. Mas nao se fagam de inocentes, porque quem quer utilizar a comunicagao preparou as coisas para ela, porque queria deliberadamente uma coisa e um efeito. Se toda a comunicagao fosse independente, livre e rigorosa - porque é evidente que nao € - também teria o dever de demonstrar 0 que é a encenacgao. Uma grande parte do que se lhe da é, sim, encenado. 45 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO O Daniel Proenga de Carvalho falou varias vezes da politica e espectéculo e eu concordo que a politica se estd a transformar em espectéculo. Quase que culpa a informagao - ou a comunicagio - de fazer essa polftica-espectaculo por causa da concorréncia, por causa do sensacionalismo. S6 Ihe respondo que os 6rgios de comunicagao e de informagao terao certamente muitas culpas, mas nem se calcula as que tém os politicos, os empresdrios, os agentes culturais, na preparagio da encena¢ao para a comunicacao. As culpas, se existissem, seriam partilhadas. Neste contexto € muito particularmente em Portugal, o que eu espero, reconhecendo embora que € muito dificil, € que o seu mundo, o mundo da informagio e da imprensa, possa vir a melhorar os seus cédigos de comportamento, os seus cédigos deontoldgicos, as suas regras de rigor e de qualidade e a sua formagio profissional. B a tnica maneira de evitar que entidades exteriores Ihe venham formular ou impor cédigos de comportamento, nomeadamente leis sobre a liberdade eo uso da imprensa. Nao quer isto dizer que eu aceite que o tinico critério para aferir a qualidade e a deontologia da profissio sejam as suas prdprias regras; isso seria o corporativismo no estado perfeito. Nao digo isso, mas também nio digo o contrério, e nao tenho receio, porque h4 nomeadamente o mercado, 0 consumidor, 0 leitor, 0 espectador, 0 ouvinte. O grau de satisfagdo das necessidades daqueles que recorrem 4 comunicagdo é, a meu ver, um dos critérios mais importantes para que esse cédigo deontolégico nao seja feito em circuito fechado, nao seja feito simplesmente dentro da prépria comunicagao e tenha assim a influéncia da sociedade envolvente. Além disso, h4 o sistema das leis do pais. O Daniel Proenga de Carvalho nao foi tao radical como eu esperava que ele fosse; apenas 46 A EDUCAGAO EOS MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL levantou algumas dividas sobre a aplicagao ao mundo da comunicagao das leis gerais do pafs, da constituigdo, da lei geral e do sistema judicial que ele conhece bem e no qual ele vé defeitos ou dificuldades de agir directamente em cima dos problemas. Pessoalmente, preferiria que 4 comunica¢gdo, ao uso da liberdade de imprensa, e a defesa da privacidade da imagem, de que todos conhecemos os grandes problemas, se aplicassem as leis gerais do pais, as leis da Constitui¢ao, as garantias e direitos fundamentais do cidadao ¢ 0 sistema judicial, quigd preparado para responder rapidamente a essas questdes. Nao gostaria de modo algum de ver leis e um sistema judicial especialmente concebidos para a imprensa e para a comunicagao, que constitufssem uma especial ameaga ou uma especial tutela sobre a comunicagao. Por isso, penso que a regulamentagdo ptblica da comunicagio deve ser o menos especifica possfvel e o mais partilhada possfvel com as leis gerais do pats, tendo em conta que a principal preocupagao que eu espero das leis do pais em relagdo 4 comunicagio seja a defesa dos direitos do cidadao e nao a defesa da impunidade ou da imunidade dos agentes politicos, econémicos ou outros. Nas tiltimas controvérsias ocorridas tanto em Portugal como em outros paises europeus, relativamente 4 defesa da privacidade, houve sempre a ideia implicita, defendida por algumas pessoas, de que os politicos, por exemplo, tém direitos especiais relativamente a sua vida privada, 4 sua privacidade e aos seus gestos. E um ponto de vista que nao aceito. Para terminar, nfo quero que concluam que me limito pura e simplesmente a defender os direitos e prerrogativas dos érgdos de informagao ou dos profissionais da informagao. Defendo-os, esses direitos e prerrogativas da actividade, com mais veeméncia do que defendo os direitos e prerrogativas da actividade politica, pelo simples 47 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO facto de que me parece que ainda hoje sio mais frageis os direitos e prerrogativas da comunicagio do que os direitos e prerrogativas da classe politica. E se a comunicagio pode ter mais influéncia sobre mim ou pode manipular-me mais do que a politica, a verdade € que a politica manda mais em mim do que a comunicagao. E verdade que h4 a tentagado da parte dos profissionais da comunica¢ao em transformar a informagio em espectaculo, com tudo 0 que isso tem de positivo ou de negativo. E algo de inevitdvel: a nova sociedade de massas assim o faz e assim o exige. Mas, pior do que isso, se reconhego o muito que h4 a fazer no mundo da comunicagiio ¢ da informagdo, uma vez mais me elevo na defesa da liberdade de expresso e de informagio, com os riscos que isso tem. E elevar-me-ei contra aquilo que est4 um pouco em curso, pelo menos na reflexdo de muita gente - disto nao acuso, pelo menos até agora, o Daniel Proenga de Carvalho - que € a tentagao dos politicos, ou do poder econémico e de outros, de acusar ou matar o mensageiro. E um velho mito que nés conhecemos. Dr. José Pacheco Pereira Nesta matéria, tenho talvez a posigéo mais radical de pessimista-pessimista, porque penso que estamos perante uma mudanga qualitativa sem retorno e que a face das democracias ocidentais industrializadas esté a ser marcada por esta nova realidade dos media. Nao se trata propriamente de um fenémeno complementar ou de uma continuidade de outros fendmenos que marcam essas democracias, mas sim de um fendémeno novo cujos efeitos ainda estao 48 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL no inicio e que provavelmente marcaré a face das democracias ocidentais no préximo século. Esforgo-me por ter muito pouca ingenuidade sobre esta matéria e, beneficiando da circunstancia favordvel de ser o iltimo comentador, notei muitas ingenuidades naquilo que disse 0 meu companheiro de debate que, por exemplo, acha que os jornalistas recusam a politica-espectéculo. Est4 bem enganado. A politica-espectéculo beneficia os politicos que a fazem. Quando um politico resolve sair de barco e chama ao seu passeio "Campanha do Mar", isto néo tem do ponto de vista politico substantivo nada de relevante, mas 0 que € certo € que do ponto de vista comunicacional é um bom golpe ¢ tem resultados positivos em termos de comunicagio. Beneficia 0 infractor. N§o adianta um d4tomo ao nosso conhecimento da realidade, nem adianta um dtomo a actividade politica em geral, mas o que € certo é que se isto € uma infracgdo, é uma infracgao que traz vantagens, porque é correspondida pela atengdo por parte da comunicagao social. Em relagao 4 substincia da intervengio do Dr. Proenga de Carvalho, com que estou genericamente de acordo, irei um pouco mais longe. Em primeiro lugar, penso que houve uma revolugio tecnolégica nos meios de comunicagiio, que lhes dio um papel completamente novo na sociedade moderna. Desde o seu inicio, essa revolugdo chamou a _ atengiio do mundo politico para a possibilidade da utilizagdo dos meios de comunicagao social como complemento - chamemos-lhe assim, utilizando uma expressao datada dos anos vinte - de manipulagao das massas. Nao esquegamos que quando a televisao, o cinema e a rddio apareceram, as grandes ditaduras do séc. XX tentaram utilizar estes 49 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO meios de comunicagio para reforgar o controlo sobre a opiniao publica, o "controlo sobre as massas". Tanto a Alemanha nazi como a Rissia de Estaline foram pioneiras na utilizagio dos meios de comunicagio social modemos com esse objectivo; utilizaram o cinema e a radio desde a sua origem e se a televisdo tivesse estado a sua disposigdo desde muito cedo té-la-iam utilizado, exactamente porque compreenderam o que hoje algumas pessoas tendem a esquecer-se, que € a possibilidade manipulativa da utilizagdo dos meios de comunicagio. Pode dizer-se que esta capacidade manipulativa pelos regimes totalitérios € um fenédmeno do passado, mas eu nao penso que assim seja. O potencial manipulativo estd 14. Embora o que hoje acontece nas democracias seja algo de muito diferente, seria mau se a nossa meditagdo esquecesse os exemplos que temos tendéncia de arrumar no passado da utilizagao da radio, do cinema, dos meios de comunicagao e propaganda moderna pelas grandes ditaduras, que se caracterizavam essencialmente por serem ditaduras tecnolégicas. Ou seja, a nossa andlise sobre o nazismo ou sobre o estalinismo nao pode esquecer que uma das razdes porque estas sio ditaduras tipicas do século XX € porque utilizaram as tecnologias modernas e as revolugoes tecnolégicas ao seu alcance para melhorar a capacidade de manipular as massas. Numa das grandes anti-utopias do nosso século, que é 0 "1984" de Orwell, a televis&o era exactamente utilizada no seu duplo sentido: quer para transmitir a mensagem que se pretendia, quer para espiar quem via essa mensagem, na medida em que a televisdo permitia também observar o interior das casas. Esta € uma metéfora sobre os riscos da utilizagdo dos meios de comunicagao social modernos e muita da meditago que nés temos que fazer sobre esta matéria nao pode esquecer estas potencialidades, tanto mais que os meios de 50 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL comunicagio homogeneizaram alguns aspectos da opinifio ptiblica. Nas democracias ocidentais existe uma aldeia global, ou seja, as agendas politicas, sociais, culturais e econémicas s4o tanto quanto possivel uniformizadas essencialmente pela televisdo. E preciso ter em conta que um dos elementos essenciais desta revolucdo tecnolégica é que uma imagem televisiva no transporta somente informagdo num sentido quantitativo. Quem conhece a informatica sabe que inserir uma sequéncia de video num computador ocupa uma grande quantidade de espaco dentro dele, ou seja, existe uma grande quantidade de informagdo em meia diizia de minutos de video, mesmo que medida em termos meramente quantitativos, e que exerce, ou pode exercer, um efeito qualitativo. Um exemplo recente sao as imagens dos pilotos americanos capturados na Guerra do Golfo, mas também poderiamos recordar a Guerra do Vietname ou os acontecimentos da Somélia. A transmissio dessas imagens na televisio nado é um mero acto informativo, ou seja, nao se passa através daquelas imagens apenas uma informagao sobre algo que aconteceu num processo de confrontagao militar, passa-se também um sentimento. A produgdo deste tipo de imagens é um mecanismo do préprio conflito militar, ou seja, € a utilizagao de um meio de comunicagao para obter também resultados em termos de um conflito, que nao é apenas informativo, mas de controlo sobre a opinio e sobre os sentimentos. Um acto de guerra. Ora, aquilo que hoje essencialmente caracteriza os érgios de comunicagéo social modernos nio é apenas a transmissio da informagiio. A ideia de que a informagdo que circula tem a capacidade de ser utilizada pelos utilizadores de forma livre, melhorando a sua 51 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO capacidade de cidadania é, quanto a mim, uma ingenuidade pura. Os meios de comunicagio social, em particular a televisdo, transmitem-nos hoje essencialmente afectos, sentimentos, e os sentimentos sido algo do mais manipulatério que ha. De facto, é possfvel hoje ganhar ou perder uma guerra pela apresentagdo de uma imagem televisiva particularmente desfavordvel a quem € considerado o responsdvel por a ter produzido. Como sabem, isso aconteceu na Guerra do Vietname e na Nicarégua ou em Sao Salvador em que a opinido publica americana mudou, quando se viu os jornalistas serem mortos diante das cAmaras de televiséo. A profunda capacidade manipulativa actual, em particular na televisdo, nao € apenas através da transmissio pura e simples de informagao, mas também através da capacidade que determinadas imagens tém de gerar afectos ou sentimentos. A interactividade de televisdo assenta eventualmente ai. E por isso que as matérias de comunicagao sao cruciais no debate politico contemporaneo, mais importantes talvez do que quaisquer outras, € O seu tratamento € a coisa mais volatil que hé. Nas democracias ocidentais, aqueles que tém directamente a ver com questdes de comunicagio e de informagao manusciam os materiais mais explosivos ¢ volateis possiveis. O certo € que a percepgdo publica de um acontecimento pode mudar de um dia para o outro em fungio de umas meras imagens televisivas. O efeito da televisio e dos érgdos de comunicagao nas sociedades ocidentais tem a ver com varios fendmenos. Por um lado, com a prépria complexidade dessas sociedades, porque existe hoje uma pluralidade de opgdes, de gostos, de modos de vida, uma riqueza material que permitiu 4 maioria das pessoas aceder a uma cultura de 52 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL massas transmitida essencialmente pelos meios de comunicagao social, aos quais uma parte substancial da populagao nao tinha acesso hé meia duzia de décadas. Evidentemente, isso dissolveu grande parte da pluralidade cultural antiga, aquela que tinha origem ou na produgdo ou na situagdo de classes - utilizando uma terminologia de tipo marxista -, ou na diferenciagio da educagio, criando-se hoje uma globalizagao cultural de que a televisdo em particular e os jornais em complemento sio ao mesmo tempo o principal mecanismo de fusio e o principal mecanismo de alimentagao. A este peso e importancia dos 6rgiéos de comunicagao social soma-se uma crise profunda dos mecanismos de representagao politica tradicional. Nao penso que esta seja uma consequéncia directa da importancia dos meios de comunicagio social, ndio vejo que exista uma relagao de causa-efeito, penso, sim, que as mesmas causas esto a dar origem a estes efeitos. Hé hoje indubitavelmente uma crise da representagdo parlamentar; os parlamentos sao actualmente instituigdes que nao correspondem a muitas das caracteristicas e das potencialidades da vida nas sociedades ocidentais modernas actuais. Tém um peso de tetérica, tm um tempo lento de aproximagdo As questées, encontram-se muitas vezes ultrapassados pela especializacao funcional dos executivos e, portanto, a instituig&o parlamentar € sem dtivida uma instituigéo que sobrevive muito dificilmente numa democracia medidtica. O mesmo acontece com os partidos, particularmente com aqueles que pretendiam tradicionalmente representar ou ideologias ou interesses de classe, os que se apresentavam como partidos de classe ou com forte identidade ideoldgica. Esses, que traduziam estas fungdes enquanto partidos de aparelho, encontram-se também numa situagdo de crise em 53 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO todas as sociedades ocidentais, como acontece com os sindicatos e com um conjunto de instituigdes de representacio tradicional. Esta crise do sistema de representacdo politica tem a ver com varios factores, em primeiro lugar, com a aceleragdo do tempo real da vida politica. Usando um exemplo portugués: a vida politica local, nas pequenas terras, vivia ao ritmo da safda do jornal, que nalguns casos era o jornal paroquial ou ligado aos meios da igreja, que safa normalmente para os emigrantes e que dava noticias dos casamentos, das formaturas, de trés ou quatro acontecimentos da terra. Este ritmo lento da vida politica local, j4 para nao discutir a vida polftica nacional, funcionou bem até h4 meia diizia de anos, deixando de todo de funcionar com o aparecimento das radios locais. As radios locais produziram uma aceleragao do tempo real na politica da comunidade que nao tinha paralelo com a vida anterior. Por exemplo, as eleigdes para as juntas de freguesia tinham, pela primeira vez, um tratamento completamente distinto. Lembro-me das eleigdes de 1989, em que era quase preciso arrancar os candidatos a presidentes das juntas para irem a debates nas rddios locais, coisa que nunca lhes tinha passado pela cabega terem que fazer. Esta realidade pressionou a escolha do pessoal politico pela primeira vez de maneira muito distinta das anteriores eleigdes, na medida em que pela primeira vez foi preciso escolher candidatos a 6rgios de poder local téo pequenos como as juntas de freguesia, em cujos méritos teria que passar também a capacidade de fazerem um debate numa rddio, critério nunca até entio presente. Se se ganha ou se se perde com isto, € uma discussao a ter. A verdade é que 0 modo de escolha da representagio politica tinha que responder aos mecanismos da opiniao publicitada e também em alguma parte aos mecanismos da opiniao piiblica local, 54 A EDUCAGAO EOS MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL mudanga radical surgida nos tiltimos anos com o aparecimento dos 6rgaos de comunicagao social. Recordo um incidente muito caracteristico desta mudanga na vida politica portuguesa: os acontecimentos a volta de um conflito sobre a exploracao de uma pedreira de caulino no centro da vila de Barqueiros, no concelho de Barcelos, e que provocaram a morte de uma pessoa. Estes acontecimentos, hd meia diizia de anos, foram uma repetigao dos que haviam ocorrido trés ou quatro anos antes e que culminaram também com a morte de uma pessoa no mesmo sitio. O impacto nacional que ambas as situagdes tiveram foi completamente distinto, pela circunstancia de anteriormente nao haver rddios locais e, depois, haver. As radios locais transmitiram 0 acontecido praticamente no mesmo dia, ouviram testemunhos, transformaram um evento a nivel local, cuja génese de desenvolvimento e consequéncias tinham sido absolutamente idénticas poucos anos antes, numa noticia de dimensao nacional. Em conclusio, estévamos perante uma dimensdo nova em que o tempo real da vida polftica conheceu uma considerdvel aceleragio. O que faz este tempo real aos mecanismos representativos? Torna-os muito diffceis de funcionar. Em primeiro lugar, porque o mecanismo de representagao, pelas suas préprias caracterfsticas, precisa de um tempo de escape as pressdes da opiniao publica. A razaio por que existe um espago de quatro, cinco ou sete anos, conforme os governos, para a eleigaéo de um representante era, na origem do pensamento democratico e como se vé nos debates da Constituigado americana, essencialmente para fazer escapar os mecanismos da representagdo - e era por isso que nao se vivia em democracia directa - as pressdes da demagogia. Considerava-se que se alguém que tinha 55 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO sido escolhido como representante teria que responder permanentemente a um veredicto de quem o tinha escolhido. Nessas circunstancias muito dificilmente esse alguém tomaria qualquer decisio impopular. As democracias parlamentares representativas e os executivos necessitavam de um tempo antes de responderem perante 0 eleitorado que os tinham escolhido, em grande parte para terem a possibilidade de tomarem as decisées politicas impopulares necessdrias sem terem que de imediato responder perante a impopularidade dessas decisdes. No debate da constituigéo americana delineia-se muito claramente esta necessidade. Ora, esta necessidade € posta em causa se © tempo real da vida politica e as pressdes sobre os representantes se fazem em tempo real dos acontecimentos. Isto gera aquilo a que o Dr.Proenca de Carvalho chamou, ¢ bem, a paralisia da decisao politica, em particular naquilo que so decisdes dificeis. Se existe hoje uma tendéncia, quer pelas sondagens, quer pelo julgamento dos 6rgéos de comunicagao social, para introduzir quotidianamente uma avaliagdo das decisées polfticas tomadas, os agentes politicos vio responder perante o quotidiano imediato e nao vio apenas seguir 0 ciclo politico normal, ou seja, nos primeiros anos tomar as decisdes dificeis e, nos ultimos, tomar as decisdes que saio eficazes eleitoralmente. E 0 que em todas as democracias os governos democraticos fazem. Podemos condené-los por tomar as mais féceis no fim, mas a verdade é que eu dou de barato que o fagam, se houver possibilidade de tomar as mais diffceis no principio; é assim que funcionam os sistemas democraticos. Ora, se isto deixa de acontecer, 0 sistema democratico passa a ser um sistema demagégico (no seu sentido etimolégico original, nio no sentido depreciativo global). 56 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL Os classicos da democracia perceberam desde o inicio que a demagogia e a democracia eram irmas gémeas e que sé se arrancava a democracia da demagogia se se introduzissem instrumentos de mediagao. A prevaléncia dos media e do seu poder sobre a opiniao pUblica evidencia a necessidade de mediagio que é a necessidade de um tempo de decisio, a ser salvaguardado. Essa medig&o tem que ser “discreta" - os 6rgdos de comunicagio social, consideram que hoje tudo deve ser ptiblico, numa ideia de transparéncia levada até & sua Ultima consequéncia, contra a qual eu me coloco. Discordo desta atitude porque nao é possivel tomar decisées, particularmente as que devem ser salvaguardadas da presso ptiblica (nao falo dos segredos de Estado, que sio outra questo), sem haver um perfodo de discrigaio que © garanta. E 0 que acontece nos concursos piiblicos e num conjunto de outras decis6es que necessitam nao s6 de tempo como de discrigao que proteja a decisao durante esse tempo. A ideia de que os jornais e as pessoas devem saber tudo A medida que as coisas se estéo a fazer pode parecer, do ponto de vista dos cidadaos, um reforgo de cidadania, mas tem um custo em termos do sistema politico, que € a cada vez maior dificuldade de tomar decisdes livres da pressdo popular. E, em muitos casos, a pressio popular nao é verdadeiramente a pressdo popular, mas a de quem tem instrumentos de acesso mais simples aos meios de comunicagao social para exercer pressio através deles - em muitos casos os grupos econémicos. A capacidade que os jornais tém de se auto-criticarem em relagdo aos seus préprios donos é pequena. Nao é preciso ir muito longe - factos recentes mostram que os érgéos de comunicagio social e os jornalistas nado tém grande capacidade para se distanciarem dos donos dos préprios jornais, o que é compreensivel, pois ninguém paga uma 57 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO coisa que se vira contra si. Assim, o problema da posse e da propriedade dos meios de comunicagao social vai-se tomando cada vez mais importante. Discute-se muito o problema do financiamento dos partidos politicos, sem dtivida relevante nas sociedades contempordneas mas, téo importante, ou talvez mais, como este, em fungiio dos poderes reais circulantes na sociedade, € o problema da posse dos meios de comunicagao social, ou seja, quem tem capacidade, através dos mecanismos de posse, de decidir a linha editorial nfo no sentido positivo, mas a linha editorial no sentido negativo, ou seja, aquilo que nao se public: Também ndo penso - € aqui estou de acordo com o Antdnio Barreto € provavelmente também com o Dr. Proenga de Carvalho - que estes novos problemas gerados pela prevaléncia dos media nas sociedades modernas tenham resolugio através de legislagéo. Penso que, pelo contrdrio, a pior maneira de defrontar estas questdes € pela via administrativa ou pela via juridica. O problema de legitimidade, neste caso, é intrinsecamente politico, de legitimidade democratica, nao juridica, ou seja, saber se em termos das opgdes democraticas a sociedade que nds estamos a criar €é uma sociedade mais democratica ou uma sociedade mais demagégica; saber se € uma sociedade mais dependente de mecanismos sem dtivida precdrios, necessitados de vigilancia permanente, mas que introduzem uma distanciagdo entre a opiniao comum e a capacidade de decisao, ou se, pelo contrério, caminhamos no sentido de uma democracia directa e de um mau governo. Para mim, este € que € 0 risco; 0 que os 6rgdos de comunicagdo social ¢ esta revolugao tecnolégica estao a criar nas sociedades ocidentais € uma grande oportunidade para o reforgo dos 58 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL mecanismos de democracia directa e para uma degradagao da qualidade da governacio. Nao € por acaso que nas tltimas eleigdes americanas se levantou 0 problema da democracia electrénica, assunto tratado como um "fait divers", mas que eu penso que nfo €. Percebo perfeitamente que seja l6gico que um dia os cidadiios perguntem: mas porque razo é que eu nao posso ter agregado ao meu televisor a possibilidade de decidir as opinides dos politicos, votando sobre todas as matérias, todos os dias e a qualquer hora? Até agora, podia-se argumentar quanto A democracia directa, dizendo que ela € impossivel nas grandes sociedades modernas, que era s6 concebivel na cidade grega ou na Comuna de Paris ou em pequenos grupos sociais. Mas hoje nao, hoje a democracia directa é possivel nas sociedades contemporfneas, uma vez que hd meios tecnolégicos que o permitem. E, de facto, o ideal para que empurram todos estes mecanismos mesmo inconscientemente € para 0 ideal da democracia directa. Se os jornais e as televisdes transmitem teoricamente tudo o que acontece, 4 medida que acontece, o problema pée-se na selecgdo do que eles transmitem. Mas hd que saber até que ponto os jornais transmitem informagao ou opiniao. Pessoalmente, tenho levantado muitas vezes 0 problema de que cada vez mais hoje eles so jornais de opiniao e nao de informagio. Efectivamente, néo penso que os cidadaos estejam hoje melhor informados do que dantes, pelo contrério, a prevaléncia da expressao opinativa dos jornalistas é altamente selectiva da informagao que chega ou podia chegar aos cidadaos. Pode-se sempre debater se hd objectividade de informagao, mesmo estando todos de acordo que € muito dificil definir o que é a 59 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO objectividade de informagdo. Mas uma coisa eu sei o que € - € a vontade de dar informagiio objectiva, de se limitar aos factos e relatd-los com verdade, isso eu sei! Trata-se de, tanto quanto possfvel, fornecer As pessoas os dados para julgarem sobre uma matéria e estamos todos de acordo que a maioria dos jornais actualmente nao faz isso. A maioria dos jornais hoje oferece em grande parte artigos assinados ou nio em que jornalistas transmitem factos e os interpretam ao mesmo tempo. E, quando isso nao acontece, nao custa nada ver que sobre esses factos os jornalistas tém opiniado, na medida em que em muitos casos os jornais hoje tém colunas de opiniiio dos préprios jornalistas, em que € possivel ver 0 que eles pensam sobre 0 que proprio jornal noticia e, nalguns casos, € notéria a pequena distanciagao entre aquilo que eles pensam e a forma como as noticias sio dadas, através dos titulos, através do contetido... Nao penso - e aqui também me distingo do Anténio Barreto - que hoje as pessoas estejam melhor informadas. Bem pelo contrério, basta pensar nas.informag6es que sao relevantes para o conhecimento da coisa piiblica que nao s4o dadas pelos jornais, ou que sao dadas de uma forma tio pequena que passam completamente desapercebidas. Evidentemente que os jornalistas respondem que sao os critérios jornalfsticos. Pois sim, mas o problema reside em saber se os critérios jornalfsticos, na medida em que so critérios de opiniao, nio poem em causa 0 direito das pessoas de terem acesso a informagGes que seriam relevantes para o conhecimento e para a sua capacidade de decisao. Encontramos a mesma questéo em relagdo ao voto. O voto, até hd pouco tempo em Portugal, fazia-se pelo modelo do Senhor Joaozinho das Perdizes. Mais ou menos elaborado, aquele era 0 modelo, ou seja, os mecanismos clientelares, particularmente a nivel local, tinham um 60 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL peso importante nas votagdes. O que € certo é que o mecanismo do patrocinato, os mecanismos clientelares, exerciam e exercem ainda em parte, por exemplo nas eleigdes locais, peso importante sobre 0 comportamento dos cidadaos. Nos nossos dias, esta situagio mudou com os media que controlam a gest&o das expectativas. Assim as decisdes de voto dependem em grande parte deles, nao digo de todo, porque de facto aqui ainda nao coincidem inteiramente a opiniao publica ea opinido publicitada. Mas cada vez mais. Uma das coisas mais engragadas de ver € a irritagdo interior profunda dos jornais quando os resultados eleitorais nao correspondem aquilo que andaram a dizer trés meses antes, durante 0 processo eleitoral. Percebe-se que ha ali qualquer coisa que provocou uma enorme irritagio, que é, no fundo, porque é que os Portugueses nao votaram como os jornais diziam que iam votar. As vezes, isso torna-se transparente, porque os jornais dao classificagdes 4s campanhas e é possivel ver, assim, qual foi o seu entendimento qualitativo. E por isto que os meios de acgdo dos politicos sio cada vez mais tecnologicamente tao ultrapassados, a sua dependéncia dos meios de comunica¢do social modernos € tanta que moldam efectivamente a propria actividade politica aos mecanismos comunicacionais ¢ isso traduz-se por um profundo empobrecimento da actividade politica.O Anténio Barreto referiu - dizendo, alids, algo que eu acho que nio corresponde a realidade - que os politicos querem um estatuto privilegiado em relagao, por exemplo, ao direito de privacidade. Isso é falso! Bem pelo contrdrio, o que hoje existe é a pressdo publica para que os politicos sejam uma espécie de cidadaos de segunda, com direitos diminufdos em relagdo aos outros cidadios no que diz respeito A defesa da privacidade. Isto tem um enorme efeito também sobre o 61 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO perfil dos politicos, que cada vez mais tem uma grande parte de superficialidade. E um perfil feito para corresponder as necessidades comunicativas: a famflia, a esposa, a vida prépria... Acaba por ser perversamente o triunfo das ideias mais conservadoras sobre a vida pessoal. Isso vé-se nas eleigdes americanas, mas também se vé cada vez mais nas eleigdes europeias. Os jornais apresentam-se frequentemente como sendo uma forga de progresso e muitos jornalistas nunca admitiriam este papel conservador mas, na pratica, os jornais tem um papel profundamente conservador na criagio das imagens e dos rituais da vida publica, culpabilizando e penalizando 0 seu desvio. Para terminar, o principal problema consiste no facto de estarmos ou nao a substituir uma repiblica democrdtica por uma reptblica demagégica, em que a opiniao ptiblica produzida e expressa pelos media pesard progressivamente mais, introduzindo uma perda de qualidade acentuada nos mecanismos de representagao politica. Para mim, isto conduz directamente ao mau governo, ao pior governo, conduz a uma degradaciio do exercicio da fungdo governativa e a uma perda de qualidade da democracia, sem se traduzir por nenhum aumento da capacidade de cidadania da maioria das pessoas. Muito Obrigado. 62 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL Prof. Doutor Afonso de Barros Professor do Instituto de Ciéncias do Trabalho e da Empresa Achei muito interessante e extremamente actual escolher o tema da educaciio e dos meios de comunicagao social para este Coléquio. Devo dizer que nesta sesso, que teve por titulo Os Meios de Comunicagdo Social nas Sociedades Modernas, fiquei um pouco surpreendido por se ter tratado o problema dos meios de comunicagiio a revelia do problema da educagao. A minha expectativa era que houvesse um cruzamento entre estes dois aspectos, porque, na verdade, o que se vive hoje na educagao dos cidadios é a intervengdo de uma pluralidade de sistemas e de instituigdes. O sistema educativo, no fundo relativamente recente, acompanha 0 nosso século. No final do século, o sistema de informagaéo vem adquirir uma importancia muito grande, nao apenas na informagao, mas também na educagao. E como é que se conjugam ou se desconjugam estes dois sistemas, 0 de educagao e 0 de comunicagao? Prefiro alids, falar no sistema de ensino € nao no sistema de educagao, porque me parece que a questo da educacio tem a ver justamente com 0 sistema de informacdo e com outras instituigées que tm uma importincia nao substancialmente diminuida como, por exemplo, a familia. Esta tiltima mantém um papel extremamente importante como sistema de socializacio. Ora bem, o que eu pretendia, muito brevemente, era deixar um apontamento no sentido de uma reflexdo que me parecia necessdria, de facto, entre o sistema de ensino e o sistema de comunicagio, em aspectos como o informar, o transmitir, o adquirir conhecimentos, a 63 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO questio do significado e, por Ultimo, a questio geral da socializagao-aculturagao dos cidadaos. Muito Obrigado. Prof. Doutor Eduardo Margal Grilo Presidente do Conselho Nacional de Educagdo Muito obrigado ao Professor Afonso de Barros. Fago apenas um pequeno esclarecimento - a ideia deste semindrio estd expressa e consubstanciada no conjunto das quatro sessdes. O objectivo da primeira sessao, para a qual nés conviddmos o Dr. Daniel Proenga de Carvalho, o Doutor Anténio Barreto e o Dr. Pacheco Pereira, néo era - como n§o foi - 0 de tratar o problema da comunicagio social na sua articulag&o com a educagdo ou a educagdo com os meios de comunicagio social mas, sim, o de tratar os meios de comunica¢ao social nas sociedades modemas, sem o ligar ao problema da educagao. Isso é 0 que faremos na sessao da tarde. A ideia para esta sessao foi a de enquadrar globalmente o problema. Pretendiamos com ela que sobretudo nés, as pessoas da educagao, ficdssemos com uma ideia dos meios de comunicagao social e da sua influéncia nas sociedades modernas, ideia essa transmitida através de alguém que esta fora do sistema de ensino e do sistema educativo, como sao estes nossos trés convidados, que rio tém propriamente fungdes especificas e que nao estao aqui na sua qualidade eventual de professores ou de investigadores em matérias educativas. 64 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL Dr. Joaquim SimGées Redinha Inspector de Educacéo Bom, eu praticamente estava para prescindir da minha pergunta, porque ela ia um pouco no sentido da intervengio anterior. No entanto, gostava de frisar o seguinte: € que os meios de comunicagao social, que tém sido o objecto fundamental das intervengGes desta sessao, nao sio mais do que um canal, um meio, como o préprio termo diz. Em determinada altura, suponho que na intervengao do Dr. Daniel Proenca de Carvalho, pareceu-me que havia algo de contraditério porque, em primeiro lugar, parece ter afirmado que a comunicagio social pretendia substituir-se 4 escola e 4 familia, e suponho que utilizou inclusive 0 termo "insidiosamente". Depois, mais a frente, referiu que "quanto mais comunicagio, melhores cidaddos". Suponho que hd talvez aqui qualquer contradigao e penso que, efectivamente, tanto neste debate como nos que se vao seguir, nos deviamos ter preocupado um pouco mais nao propriamente em abordar o problema da comunicagio e da educagio, mas em nao nos termos alheado totalmente dele. A pergunta que eu formulo é esta: entdo quais sio, de facto, os detentores do poder, falando j4 em termos gerais? A comunicagao nio €, porque se trata de um canal e hd um emissor e um receptor. Infelizmente este canal tem praticamente um sentido tnico e af € que reside o perigo. Havendo um emissor, penso que serd ele o poder, mas onde é que ele estard realmente? Para mim isso nao ficou claro, ao longo destas intervengoes. Serio os profissionais da comunicagdo? 65 CCONSELHO NACIONAL DEEDUCACAO Todos sabemos que a comunicagio é sempre educagao. Gostaria de referir que educagdo em sentido lato é algo diferente da educacaéo-formagao porque, quando a pessoa estd formada, nao ha qualquer problema em que os meios de comunicagéo usem frequentemente os paralogismos em vez de silogismos. E isso que fazem os politicos ou todos os empresérios que pretendem vender o Tide ou qualquer outra coisa. Eles estio a educar, pois pretendem o objectivo de "conduzir a", de conduzir 4 venda de um produto ou de conduzir, inclusivamente, a que 0 cidadao vote em A, B ou C. Para isso, utilizam-se com frequéncia paralogismos em vez de silogismos, ou seja, tiram-se conclusGes que aparentemente estado correctas, mas que partiram de premissas falsas. $6 0 cidadio que esté formado identifica este sistema e, entio, 0 objectivo fundamental do pais reside nao na educacao em sentido lato, mas sim na educagdo em sentido Testrito, no formar o cidadao. Aj, que servigo estd a prestar A comunica¢ao? Essa é uma segunda pergunta bdsica central, que ser4 provavelmente mais prépria para a sessio da tarde. Que espaco providencia a comunicagao social para apoiar o esforgo que o pais tem que fazer na tal formacao do cidadao, objectivo de todos nds? Penso que este € um problema basico ¢ era esta exactamente a quest@o que eu queria deixar bem expressa. Nao me parece que tenha sido clarificada a situagdo da comunicagao social perante 0 cidadao em geral. Para mim, que sou da educagio, isso nao apresenta grandes problemas nem me preocupa muito, porque acredito que logo que o cidadao esteja formado, a comunicagao social pode ser de qualquer forma; morrerd se nao for boa, sobreviverd se for correcta. 66 AEDUCACAO B 0S MBIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL. Prof. Doutor Eduardo Margal Grilo Presidente do Conselho Nacional de Educagéo Muito obrigado, Senhor Doutor. Nio me parece que a sua pergunta deva ser colocada sé na sessio da tarde. Penso que se dirige muito bem a cada um dos nossos trés convidados que, como politicos e como “opinion makers", tm certamente uma resposta a dar. Dr. José Baltazar Professor de Iniciagdo ao Jornalismo na Escola Secunddria n°] do Montijo O titulo da comunicagiio do Doutor Daniel Proenga de Carvalho foi Os Meios de Comunicagéo Social nas Sociedades Modernas. Nao sei se certa ou erradamente, ouvi-a sempre como se ela tivesse outro tema, que € 0 das relages entre a politica e os meios de comunicagio social. Nao sei se bem, se mal, foi esta a leitura que fiz. O tema das relagGes entre a politica e a comunicagao social tem um histéria longa, que € um pouco triste para o lado da politica. Verificamos que 0 aparelho politico sempre inventou processos de controlar, se nio mesmo manietar, os meios de comunicagao social. Desde sempre, a comunicagio social surgiu como suspeita 4 classe polftica dominante, que apenas desejou utilizar em seu favor esse seu poder suspeito. Digamos que a liberdade de expresso foi uma conquista e uma imposigdo dos mediadores contra a vontade da classe politica. 67 ‘CONSELHO NACIONAL DE EDUCACAO Assim, pergunto: de que lugar é que se faz a critica do Doutor Daniel Proenga de Carvalho? Podia pensar que seria do proprio lugar dos meios de comunicago social, porque ao longo da sua histéria temos visto que eles sao suficientemente heterogéneos para proferir uma auto-critica - e ja o tém feito. Em varios momentos houve homens na comunicagao social capazes de denunciar os seus aspectos negativos e de inverter tendéncias, dignificando-a deontoldégica e funcionalmente. Ou devo perguntar se € do lado politico que se faz essa critica? Nesse caso, interrogo se estamos apenas perante uma reedigao da incorrecta atitude para com os media que sempre, ou quase sempre, 0 poder politico teve. Parece-me que estas perguntas enfermam do mesmo pressuposto da intervencio, que é a "estanquicidade" das duas dreas. Pareceu-me que havia esse pressuposto e nas minhas préprias palavras noto que estou também a incorrer nesse erro porque, perguntando de que lugar, parece que hd um e outro lugar e que eles nado se misturam. Concluindo, sou de opiniao que essa estanquicidade nio existe e penso que os problemas que foram focados derivam muito mais da promiscuidade dos dois niveis, penso que eles derivam da parte politica dos media ou - nfo sei se deva dizer - da parte medidtica da politica. Prof. Doutor José Esteves Rei Director do Curso de Ciéncias da Comunicagdo do Instituto Erasmus de Ensino Superior Pegando nas duas tiltimas intervengdes, gostaria de recuar um pouco e lembrar que, de facto, o fenémeno da comunicagao € bastante 68 A EDUCAGAO EOS MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL recente. Numa altura em que o poder, os valores ¢ os oficiantes de ambos estavam casados, isto é, no antigo regime, o problema da comunicagio, tal como hoje 0 conhecemos, nao existia. Assim sendo, como recente que é e dado o modo como actualmente se planta, lembraria que ela depende de quatro actores: os politicos, os jornalistas, mas também os empresdrios - que foram muito bem mencionados anteriormente - e, sobretudo, o piiblico. Diria que os menos tratados em termos de comentérios, de observagio e até de objecto da propria comunicagao, sao os empresdrios e 0 piiblico e nao sei se ndo sero os mais activos, os mais interventores, aqueles que motivam mais a prépria comunicagao. Dai, a minha questo é a seguinte: quem forma cada um dos actores e segundo que politicas, normas ou cédigo? Dr? Estrela Carvalho Professora da Escola Secunddria de Alenquer Quando o Doutor Pacheco Pereira falou em como as ditaduras ocidentais manipularam a informagao, parece-me que se esqueceu de dizer que as democracias também o fizeram. Muito recentemente, temos 0 periodo entre as Guerras e temos agora o problema da Guerra do Golfo. Na realidade, hé manipulagdo informativa, porque existem imagens intencionais dirigidas a um consumidor desprevenido. Penso que quando se falou em poder, ambiguamente se esqueceram de dizer que hé uma clivagem latente e evidente entre 0 poder politico visivel ¢ 0 poder politico submerso, subordinado 4 69 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO pressdo dos grupos econdmicos. Neste momento, penso que os grupos econémicos sentem o grande peso da informagao e, através de técnicas de comunicagio, tém tido grande poder na sociedade portuguesa. Isto terd necessariamente o prego do sistema social. Outra quest&o que eu queria levantar era a da cultura de massas. Desde 1967 que esta questiio tem vindo a ser discutida, principalmente pelos americanos e pelos franceses. A televisdo, a comunicagao social, € ou proporciona uma cultura de massas? Ou apenas o € porque oferece a sua comunicagio a todos, sem que por estes sejam consumidos? Dr. Antonio Ponces de Carvalho Director da Escola Superior de Educagdo Jodo de Deus O problema que eu queria colocar era o da transmissao de valores. Que valores € que nés estamos a transmitir 4 nossa populagaéo? Que valores é que nés estamos a transmitir 4s nossas comunidades mais isoladas no interior do pais? Vemos a televisdo passar toda uma série de telenovelas brasileiras e de filmes americanos, sem realmente trabalharmos para manter um conjunto de valores nacionais, que sao cada vez mais importantes quando nos estamos a integrar na Comunidade Europeia. Que é feito da cultura portuguesa? 70 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL Dr* Maria Joao Boléo Tomé Representante do Partido do Centro Democrdtico Social (CDS) no Conselho Nacional de Educagéo Gostei muito de ouvir todas as intervengGes, nomeadamente a do Dr. Proenga de Carvalho e muito particularmente 0 comentario do Doutor Anténio Barreto. Gostei um bocadinho menos do Dr. Pacheco Pereira, a quem pego desculpa, mas "cheirou-me" a campanha eleitoral para as autarquicas de uma das cores das flores que esto na mesa. Por isso € que quando as Associagées de Pais organizam alguma sessio publica colocam sempre na mesa flores de muitas cores, para néo haver a possibilidade de as pessoas se reverem nelas. Mas, passando a frente... A comunicago social ndo se substitui & familia, mas, insidiosamente ou nao, ninguém pode contestar que a televisio tem um papel de “baby-sitter", a mais barata de que as familias dispdem. Eu sou contra o controlo, pois estamos num regime de democracia e de liberdade, mas penso que, mesmo sem outras leis € apelando sé a Constituigaéo da Reptiblica, se deve considerar a proteccdo dos menores. Os jornalistas e os directores de produgdo deveriam pensar nisso, pois se a televisio é€ efectivamente uma “baby-sitter", quer se goste, quer nao, entdo ela tem que ter algum cuidado durante as horas em que exerce essa fungao. E s6. Muito obrigada. 1 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO Dr? Estrela Serrano Professora de Comunicagdo Social na Escola Superior de Comunicagdo Social e Assessora de Comunicagdo Social do Presidente da Republica Em primeiro lugar, queria dizer que os oradores tocaram praticamente em todos os aspectos fundamentais para o debate desta questo e penso que, no fim, haveré alguém que fard a sua sintese, pois € preciso relacioné-los. Queria pegar numa das afirmagdes do Dr. Pacheco Pereira, fundamental em relagdo a este problema, que € 0 modo de financiamento dos 6rgdos de comunicagao social. Este parece-me ser 0 ceme da questdo, porque vivemos numa sociedade de consumo, numa democracia ocidental na plena acepgao da palavra, onde impera a lei do mercado, a livre concorréncia, que se aplica a todos os aspectos € a todas as instituigdes e, sobretudo, a todos os érgios de comunicacaio social. A concorréncia relaciona-se com a educagao e com os professores, porque as televisdes, jornais e rédios transmitem e mostram aquilo que © ptiblico quer para poderem responder 4 chamada guerra das audiéncias. Ora, as audiéncias sio o ptblico, os jovens, os velhos, os adultos, todos aqueles que os professores formam. Portanto, no fundo, © que nds questionamos com todas as perguntas que foram feitas e com tudo aquilo que o Dr. Pacheco Pereira disse, é a prépria sociedade que estamos a construir, questionamos as democracias ocidentais e as economias de mercado. A comunicagdo social em geral e os canais de televisao, inclusivamente a televisio publica, séo financiados pelo poder 72 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL econémico e pela publicidade, que s6 investe onde ha audiéncias. E 0 que € que querem as nossas audiéncias? O que é que o publico portugués quer das televis6es? Se analisarmos os estudos de audiéncias € os graficos, verificamos que os picos de audiéncia se encontram nas telenovelas, na "Marina, Marina", no Herman José, na Catarina Furtado com o seu programa da SIC, enfim, nao esto nos programas formativos, na Universidade Aberta, nos programas de teatro e nos culturais. Isto significa que 0 piblico que estamos a formar talvez nao seja exactamente 0 ptiblico que gostarfamos de formar, e isso passa pela educacao - que tipo de programas, que tipo de ensino - e por um outro aspecto fundamental referido pelo Anténio Barreto, que é a formagado dos jornalistas. O sindicato dos jornalistas fez aproximadamente hd dois anos um inquérito sobre o "curriculum" profissional e a formagao escolar dos jornalistas. Tive acesso a esse estudo e devo dizer que os resultados sao deprimentes, porque, de facto, muitos dos jornalistas que esto hoje em dia a trabalhar fizeram a tarimba no préprio 6rgio de comunicagdo social onde trabalham e fizeram-se a si préprios. Pelas fungdes que exergo como assessora de comunicagao social do Presidente da Republica sou obrigada a trabalhar com muitos jornalistas e fico estupefacta com perguntas que me sao feitas e coisas que se passam. Portanto, € importante sabermos que tipo de ensino de jomalismo e de comunicagio social € que vamos fazer. 3 (CONSELHO NACIONAL DEEDUCAGAO Dr. Vitor M. Reis Baptista Professor da Escola Superior de Educacdo da Universidade do Algarve - Responsdvel pela drea de Tecnologia e Comunicagdo Educativa Achei bastante curiosa a percepgio de uma das intervenientes anteriores de que o comentario do Doutor Pacheco Pereira "cheirava" um bocadinho a campanha para as autdrquicas. Acho isso muito interessante porque, efectivamente, embora nao tenha sido colocada a nota dominante nesses aspectos, parece-me que uma das caracteristicas mais sintomaticas da sociedade moderna actual e dos media € 0 facto de nao mais conseguirmos dissociar coisas de coisas, ou seja, tudo € a mesma coisa. Decididamente, o Doutor Pacheco Pereira e o Doutor Anténio Barreto foram investidos na qualidade de Comentador-Mor do Reino e, portanto, quer as tergas a noite, quer neste semindrio, séo ouvidos com estas expectativas. Se por um lado é€ relativamente facil associar 0 Doutor Anténio Barreto a situagdo de reformado da politica, nas suas proprias palavras, é um bocado mais dificil fazer essa associagio com o Doutor Pacheco Pereira, que ainda se mantém no activo. Como disse, este facto condiciona todo e qualquer comentério, quer seja feito terga 4 noite, quer seja feito num auditério perante uma assembleia relativamente preparada para a discusso deste tema. Numa perspectiva mais global, também me parece relativamente dificil que o espectador comum faga qualquer distingdo deste tipo, ou seja, os dados do jogo esto permanentemente a ser viciados e muito dificilmente nos apercebemos de onde é que esté a batota. Ela reside em varios momentos do jogo, reside nas diferentes mangas dos jogadores 74 AEDUCAGAO E 0S MEIOS DE COMUNICAGAO SOCIAL e € muito dificil termos nogiio de onde € que esté exactamente o trunfo escondido. E um facto, e isto provavelmente deverd ser colocado nas outras sessdes deste semindrio, que a educagdo poderd ter um papel importantissimo na formagio dos cidaddos capazes de detectar a batota. Termino dizendo que me pareceu por outro lado, e na sequéncia da intervengao do Doutor Proenga de Carvalho, que seria relativamente 6bvio propor a criagdo de uma sociedade protectora dos politicos, que os defendesse das maldadezinhas ou dos maus-tratos que os meios de comunicagio social lhes vao fazendo. O Doutor nao propés isto, mas pareceu-me relativamente Iégico. O que a mim me parece provavelmente necessdrio é criar uma sociedade protectora do espago comunicativo virgem, ou do espago comunicativo piiblico, porque sendo nés uma na¢ao que assume a necessidade de servigo ptiblico de comunicagdo, ndo temos nenhuns mecanismos reais para assegurar a gestio desse espago. Miguel Sousa Lobo Representante das Associagées de Estudantes do Ensino Superior no Consetho Nacional de Educagdo Gostaria de expressar uma opiniao pessoal. Penso que, se tem havido algum excesso na actividade de controlo e na agressividade dos media ou da comunicagiio social em relago ao poder politico, isso se deve em grande parte a falta de responsabilizagao politica que existe na nossa cultura. Ou seja, eu penso que existe uma resposta natural dos jornalistas perante casos consecutivos de impunidade, que se traduz num exagerar das criticas e das imputagdes, procurando assim 75

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