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Equipe de realizagio: ‘Assessoria edicorial de Mara Valles Revisio de Iracema A. Lazar Capa de Ana Luisa Escorel Catalogacio na Publicacio (CIP) fen do Livro, SP, Brasil) ISBN 85.295-0022-7 1. Ensaios brasileiros 2. Literatura e sociedade 1. Titulo. 98.0052 cpp 869.945 369.045, 369.915, ANTONIO CANDIDO O DISCURSO E A CIDADE a fl LIVRARIA DUAS CIDADES 6. Resumo e esperanga O lugar-comum sufoca a mensagem in« absorve no coletivo. A repeticao mata a possi de renovar a visio e a obriga a reconsiderar os mesmos objetos. O prové a e impée uma norma ideolégica ct da. Sufocagao, portanto, de todos os modos, traduzida por um cédigo petrificado. Como solugao tinica, a violagdo. No exemplo final que acaba de ser analisado, a frouxa tentativa de ruptura se faz paradoxalmente com apoio nas formas mais rigidas do codigo, que é a negacao das rupturas eventuais. Nes- te caso, pensaria um rebelde, s6 a revolugao poderia dar fluidez ao cédigo, isto é, romper as estruturas. 12. De Cortigo a Cortico Hoje esta na moda dizer que uma obra literéria é constituida mais a partir de outras SBT, que a prece- derani, do que em Rinio de estimulos dirctos da reali- dade -, pessoal, social ou fisica. Deve aver boa dose “Ge yerdade nisso. Todas As vezes, dizia Proust, que um_ grande artista nasce, € como se 0 mundo fosse criado de novo, porque nés comecamos a enxergélo conforme ele o mostra. E ha o dito de Oscar Wilde, que depois de ter mostrado Corots e Daubignys, a natureza da Fran- ga mostrava naquela altura Monets ¢ Pissarros. Lembro estes dois autores porque sucedem ao Na, turalismo e reagem contra ele. E para o Naturalismo a yra era essencialmente uma transposigao direta da rea lade, como se 0, escritor conseguisse ficar diante dela na situagao de puro sujeito em face do objeto puro, registrando (tedricamente™sein Interferéncia de~outto texto) as nogées ¢ impress6es que iriam constituir o seu proprio texto. A estética findesiécle de Rémy de Gour- mont, teoricamente téo pouco naturalista, repousa nessa utopia da originalidade absoluta pela exp. diata, que o levava a desconfiar da influéncia mediadora das obras ‘Mas nés sabemos que, em! ‘obra é um mundo, € que convé Sa mela mesma as raz6es que a sustém come tal. A sua razéo & a disposi¢ao dos niicleos de significado, forman. do uma edmbinagio sui generis, que se for determinada peli afidlise pode ser traduzida num enunciado exem- 128 plar. Este procura indicar a férmula segundo a qual a realidade do mundo ou do espirito foi reordenad: transformada, desfigurada ou até posta de lado, pa dar nascimento ao outro mundo. Ver ctiticamente a obra é escolher um dos momen- tos deste processo como plataforma de observacao, Num exifemo € possivel encaréla como duplicagio da reali- dade, de maneira que o trabalho plasmador fique redu- zido a um registro sem grandeza, pois se era para fazer igual, pér que no deixar a realidade em paz? E possivel, noutro extremo, véla como objeto manufaturado com arbitrio soberano, que significa na medida em que nada tem a ver com a realidade, cuja presenga eventual seria um restolho inevitavel ou, de qualquer modo, um trago sem categoria hermenéutica Entre os dois extremos, talvez 0 segundo seja ape- sar de tudo mais favordvel & andlise literaria, porque © primeiro dispensaria o olho critico, j& que a obra é vista como algo que (para raciocinarmos até o extremo) po deria ser apreendido com os meios normais da percep- a0 ou do entendimento, por equivaler & realidade do ito e do mundo. Mas seria melhor a visio que pu- desse rastrear na obra 0 mundo como material, para” surpreender no processo vivo da. montagem a singula- ridade da fSrmula segundo a qual é nado hi mundo novo, que da a ilusio_de bastar_a si. mesmo. Associando a idéia de montagem, que denota artificio, & de processo, que evoca a marcha natural, talvez seja pos- sted eectaecer 4 nature ambigua, nao apenas 40 tex to (que é € nio é fruto de um contacto com 0 mundo), mas do seu artifice (que é € ndo é um criador de mun dos novos) Neste ensaio o interesse analftico se volta para um problema de filiagio de textos ¢ de fidelidade aos con- textos. Aluisio Azevedo se inspirou evidentemente ein FAsonimoir, de Emile Zola, para escrever O cortica 14 (1890), € por muitos aspectos o seu livro € um texto segundo, que tomou de empréstiito-1ao apenas a idéia de déicrever a Vida do trabalhador pobre no quadro de uni cortico, mas um bom niimero de motivos € porme- nores, Thais ou menos importantes, Em ambos sobres- saem as lavadefras e sua faina, inclusive com uma briga homérica entre duas delas. Em’ambos um regabofe triun- fal serve de ocasiao para um encontro de futuros aman- tes, cujas conseqiiéncias serio decisivas. Em ambos ha um policial solene, morador do cortigo, onde € uma espécie de inofensiva caricatura da lei, embora os des- tinos respectivos sejam muito diferentes. Estes poucos exemplos, apenas mencionados, servem para mostrar a derivacao de que falei. Mas ao mesmo tempo Aluisio quis reproduzir e interpretar a realidade que 0 cercava, € sob este aspecto elaborou um texto primeiro. Texto primeiro na medida em que filtra 0 meio; texto segundo na medida em que vé 0 meio com lentes tomadas de empréstimo, O corti € um romance bem realizado ¢ se destaca na sua obra, geralmente medio- cre, pelo encontro feliz dos dois procedimentos. Se pu- dermos marcar alguns aspectos desta interagao talvez possamos esclarecer como, em pafs subdesenvolvido, a elaboragio de um’mundo ficcional coerente sofre de maneira acentuada © impacto dos textos feitos nos paf- ses centiais e, ao mesmo tempo, a solicitacio imperiosa da realidade natural e social imediata. Do coitigo pari- sicnse a0 cortigs earioea ("Timinense”, no tempo de Aluisio) vai uma corrente que pode ajudar a andlise conveniente da obra, vista a0 mesmo tempo como Ji- berdade ¢ dependéncia, 1. Diferenciagao e indiferenciagéo ‘Como L’Assommoir, O cortigo narra histérias de tra- balhadores pobres, alguns miseréveis, amontoados nu- ma habitagio coletiva. Como 4, um elemento central da 125 narrativa € a degradagio motivada pela promiscuidade. Lé, agravada pelo Alcool, aqui, também pelo sexo e a violéncia. O cortico € tem: te mais variado, porque Aluisio concentrou_no mésino livro uma série de pro- Dlemias e ousadias que Zola dispersou entre os varios romances da sua obra ciclica. Na sociedade francesa, a diferenciagSo senido mais acentuada requeria maior espe- izagio no tratamento literdrio e quase sugeria 20 escritor a divisdo de assuntos como nticleos de cada romance: vida politica, alto comércio, comércio mitido, bolsa, burocracia, clero, especulagao imob rosti- tighoy vida mit, lavoura, mineragao, ferrovias aloo. 10 €tc. Nos paises pouco desenvolvidos, como o Bra- sil, esta especializagio equivaleria talvez a uma diluicio, Alencar, tencionando seguir o levantamento de Balzac, resolveu o problema pela variacio no tempo € no espago geografico, ndéo na complexidade do social. O nosso regionalismo nasceu em parte como fruto da dificuldade de desdobrar a sociedade urbana em temério variado para o romancista. Por isso, O cortigo “abrange” mais que L’Assommoir ¢ Aluisio foi buscar sugestées nao apenas neste, mas em Nana, em La Joie de Vivre, talver em La Curée, ser dti- vida ei Pot-Bouille, que serviu até certo ponto para des- crever a vida no rico sobrado vizinho e suas torpezas, como L’Assommoir serviu para descrever a vida na habi- taco coletiva. E por isso foi possfvel associar & vida do trabalhador a presenga direta do explorador econdmi- co, que no livro de Zola aparece vagamente sob a forma do senhorio cobrando aluguéis nos momentos mas que n’O cortico se torna o eixo da narrativa. A ori. ginaljdade do romance de Aluisio esta nesta coexisté cia fiitima do explorado e do explorador, tornada logi atureza elementar da posto o capitalista longe do trabalhador; mas aqui eles ainda estavam ligados, a comecar pelo regime da escra- 126 vidio, que acarretava no apenas contacto, mas ex] das suas fases mais modestas lagio tstrefta coma nature- rada no munde europeu do trabalho urbano. No seu romance o enriquecimento é feito At custa da exploracio brutal dé trabalho servil, da renda O corti narra com efeito a ascensio do taverneiro\\ Portugués Joao Romao, comegaiido pela exploragao de Oni escrive fugiaa que usou como amante e besta de alforriado, ¢ que se mata quando devolver ao dono, pois, uma vez enriquecido, | precisa liquidar os ma do seu éxito € 0 cortico, do qual ti de lucro sob a formirde aluguéis e venda de géneros. econémico de um*ganhador de din romancista pds ao lado da habitagio coletiva dos pobres © sobrado dos ricos, meta visada pelo esforgo de Joi 8 rias do in , tornando 0 exemplo francés uma formula capaz de funcionar com liberdade e forga criadora em circunstancias diferentes. 2. Uma lingua do pé "No Brasil, costumam dizer que para o escravo sio necessdrios tr&s P.P.P., a saber, Pau, Pao e Pano” — dizia Antonil no comeco do século XVIII, retomando 0 que estd no Edlesiastes, 33:25, como assinala Andrée Mansuy 197 a edicéo erudita ("Para 0 asno forragem, chicote 1g Pata o servo pio, corregio ¢ trabalho”). No fim ¢ *lgculo XIX era corrente no Rio tle Janeiro, como do “humoristico, uma variante mais brutal ainda: “Para att og¥és, negro € burro, trés pés: pio para comer, P P oro para vestir, pau para trabalhar" A estruturacao ternaria é tao forte, que o primeiro uls0 € transforméJo num (fécil) poema Pau-Brasil, imbrneira de Oswald de Andrade: am Maisvalia crioula Para Portugués negro € burro és pes: po para comer * pano paia vesti Pau para trabal Deixandlo de lado a anise minucioss, que inclusive raria (sobretudo no segundo membro) a incrivel ion go de violéncia das labiais aliteradas, sublinhemos fayas © resultado sutil de uma contaminagio ideolégt- #f°Gom efeito, o pio € alimento do homem, mas esten- Gio 2© animal de maneira quase profanatéria aproxima y do outro, © pano, sende metonimia da vestimenta, wep pode ser estendido nem de maneira figurada se nao pou, também figuradamente, uma confusio ontol6- “ra entre animal e homem, possivel por meio da anta: apse implicita: burro (animal) e burro (pessoa sem ‘jeligencia, por isso animalizada). O pau € admissivel "2nd0 aplicado ao animal, mas, gragas ’s extensdes icedentes, reflui sobre o negro € dele sobre o portu- #6, Resulta uma equiparagio dos trés, refletida estru- Srlimente na confusio fénica da parancinisia (pio, , Pav), que por assim dizer consagra no plano so- ee ‘ceimantlesde) a confusto economia e socal visa fee enunciado, cujos sujeltos, uma vex nivelados, er- 128 tram por meio dela na atmosfera ambigua dos jogos verbais, liberando varias séries de combinacées possivei portuguéspao, negro-pano, burro-pau; portugués-pau, negro-pao, burro-pano e assim por diante. Conseqiiéncia: 0 que ¢ préprio do hiomem se es- tende ao animal e permite, por simetria, que o que é proprio do animal se estenda 20 homem. Pio para o homem e também para o burro; pano para o'homem e também para 0 burro; pau para o burro e também para © homem. Conclusao: no se trata de uma equiparagio graciosa do animal ao homem (3 maneira das fabulas), mas, ao contrério, de uma feroz equiparacao do homem ao animal, entendendo-se (e af esta a chave) que nao é © homem na integridade do seu ser, mas o homem = trabalhador. O dito nio evolve, portanto, confusia on- toldgica, mas sociolégica, e visa ocultamente a defini umaTelacio d 0 (ligada a certo tipo de acumi Iago de riqueza), na qual o héiiem pode se confundido cdltre-bicho e watido de acordo com état confusio. Por isso este dito nos serve de introdugio ao uni- verso das relagdes humanas 4’ cortigo, no apenas por causa do sentido que acaba de ser indicado, mas porque encerra também utna ilusio do brasileiro livre daquele tempo, que é 0 seu emissor latente € que no enfoque narrative do romance se manifesta com uma curiosa migtura de lucidez e obnubilacio. Penso no brasileiro ti déncia mais ou menos acentuada para o écio, favoreci do pelo regime de escravidio, encarando 0 trabalho ; como derrogacao e forma de nivelar por baixo, quase até 4 esfera da animalidade, como esté no dito. O por- ' tugués se nivelaria ao escravo porque, de tamanco ¢ camisa de meia, parecia depositar-se (para usar a ima- gem usual do tempo) na borra da sociedade, pois “tra- balhava como um burro”. Mas enquanto.o negro es- cravo € depois libertado era de fato confinado sem 129 lio &s camadas inferiores, o portugués, lado a ele pela prosdpia leviana dos “filhos da eventualmente acumular dinheiro, subir e exploragio dura vai tirando os meios que o elevam no fim do livro ao andar da burguesia, pronto para ser Comendador ou Visconde. Ri melhor quem ri por tlki- mo. Quem ri por tiltimo no livro é ele, sobre as vidas destrogadas dos outros, queimados como lenha para a acumulacao brutal do seu dinheiro. O brasileiro livre que riu dele pela piada € o dichote fica, como se dizia no tempo, “a ver navios”, porque em geral tendia 4 boa vida ¢, nessa so% i imalizagio do portu, n'O cortigo sio formas primitivas de amealha- de muito pouco ou quase nada, exigindo de rigoroso ascetismo inicial ¢ a aceitagio de modalidades diretas ¢ brutais de exploracao, incluin- do 0 furto como forma de ganho ¢ a transformagio da mulher escrava em companheira-maquina. E visivel que a carreira-de Jodo Romo tem para © romancista um caréter de ma, inclusive devido a reagio suscitada no brasi Ou menos ressen- tido pela constituigio das fortunas portuguesas daquele tempo. Aliés, Aluisio foi, salvo erro meu, o_psimeiro dos nossos romancistas_a descrever minuciosamente 0 mecanismo. de. formagao da fiqueza individual. Basta comparar o seu ii 6: ias de il Macedo, Alencar ou Machado de Assis, 1 nheiro aparece com freqiiéncia, mas adquirido por he- ranga, dote ou outra causa fortuita. Pesando, determi- nando, € certo, mas como um dac pronto no entrecho. N'Q cortizo ele se torna implicitamente objeto f@, cujo ritmo acaba se ajastando a0 ritmo da sua acumulagao, tomada pela primeira vez no Brasil como eixo da composigao ficci Ora, essa acumulagao assume para romancista diosa dacexplofagio. do nacional pelo estran- que n’0 cortico hd pouco sentimen ial e nenhum da exploracio de. fonalismo € xen6fobia, ataque ao abuso.do imigrante “que vem tira 0 nosso sangue”. Daf a pre- Sengaduma espécie de Iuia de ragas € nacionalidades, hum romance que nfo questiona os fundamentas-da ordem, O Toubo € a exploragio desalmada de Joio ‘Romi sfio expostes como comportamentorpadrio do portugués farasteiro, ganhador de fortuna a custa do natiiral da terra, denotando da parte do romancista uma curiosa visio popular e ressentida de fregués en- dividado de empério. A presenga do /portugués é portanto decisiva, en- quanto alternativa ou antagonismo do brasileiro; de tal modo que um dos fatores determinantes da narrativa é © comportamento de um ou outro em face do Brasil, tomado essencialmente como natureza, como disponi bilidade que condiciona a agao e, portanto, 0 de: nbigua, pois nao encontrando nas obras aa Glllizago apoio Suficiente para justificar o orgulho nacional, éles recuavam para a natureza como segunda incheirando-se numa posicdo que era tam- bém capitulagao, 20 ser um modo coloniabe pitoresco 131 Aluisio, como se diré melhor adiante, ndo escapa a esta e outras contradigGes, ¢ seu livro d4 grande im- porténcia & natureza, mas concebida como meio dete! minante, & moda naturalista, estabelecendo imp! citamente para a atuagao dos personagens trés possi- ides que Jembram no plano individual as (Futuras) alternativas de Toynbee: 1. portugués que chegae vence o 2. portugués que chega ¢ € vencido pelo | meio 3. brasileiro explorado adaptado a0 3. A verdade dos pés Mas a esta altura é preciso voltar a0 _.pés_ndo 56 para reafirmar o al to dos trés ado, isto & que pode para compreender 0 universo d’O cortizo, mas, para insistir no seu baixo cardter de formulagio ideo- légica, O tipo de gente que.o.enunciava sentiase confir mada por ele na sua propria superioridade. Essa gente 6 ser branca, brasileira e livre, trés cate; rigs bem.relativag, que por isso mesmo precisavantr ser afirmadas com énfase, para abafar as diividas num pafs conde as posigdes eram to recentes quanto a prépria nacionalidade, onde a brancura era o que ainda é (uma convengio escorada na cooptacao dos “Romens Bons), onde a liberdade era umia forma disfargada de depen- + déncia, da formulagao, feita para : livre, branco, nio posso me confundir com o homem de trabalho bruto, que € escravo e de outra cor; e odeio o portu- gués, que trabalha como ele e acaba mais rico ¢ mais importante do que eu, sendo além disso mais branco. Quanto mais ruidosamente eu proclamar os meus dé- 132 beis privilégios, mais possil rado branco, gente bem, candidato viavel aos beneficios que a Sociedade © 0 Estado devem reservar aos seus prediletos. Se estiver na camada de cima, asseguro deste mo- do a minha posigio e desmascaro os que estio por baixo: portugueses pobres, gente de cor, brancos do meu tipo que podem cobicar o meu lugar. Se estiver | em camada inferior, devo gritar ainda mais alto, para | me fazer como os de cima e evitar qualquer confusio com os que estio mais abaixo. Por isso eu empurro 0 meu vizinho de baixo e sou empurrado pelo de cima, todos querendo sofregamente ganhar o direit rem reconhetidos nos termos implicitos do iri tuoso. Uma espécie de brincadeira grossa de gata-pariu, onde cada um procura desalojar.o. vizinho ¢ do qual saém sempie expulsos o mais fraco, o menos branco, 0 giie se envolve mais pesadamente no processo de pro- _dugio. Sérdido jogo, expresso neste ¢ outros mots d’es- ! “prit, que formam uma espécie de giria ideolégica de classe, com toda a tradicional grosseria da gente fina. ee Por isso eu dizia que romance, cuja vigléncia social os impulsos, mse aos da terrae perdem a vez a1 Sio variedades do branco europeu, desprezado de a ambivalente pelo nativo mas pronto para-suplat agente no processo de espoliar e acumular. Segundo figurante é o negro, mais o mestigo, que i sendo pobre € desvalido € do a ele: 0 capoeira ‘mo, Rita Baiana, a arraia mitida dos cortigos, que 133 mesmo quando etnicamente branca é socialmente negra. Terceiro figurante seria um-animal; mas onde esté ele? ~a, £ justamente o que veremos, ao Constatarmos que a u redugao biolégica do Naturalismo vé todos, brancos € negro%, como animals~E-sbrétudo que a descrigao das relagdes de trabalho revela um nivel mais grave de ani- malizagao, que transcende essa redugio naturalista, pois € a prépria redugao do homem & condigao de besta de carga, explorada para formar o capital dos outros. — /~_. Mas 0 desdobramento do dichote mostra que, afi- nal de contas, dos figurantes a que caberiam os trés pés © portugués nao é portugués, 0 negro nao é negro ¢ 0 burro nao é burro. Em plano profundo, tratase de uma trinca diferente, pois a verdade ‘estio em presenga: primeiro, o explorador capitalista; segundo, o trabalha- dor reduzido’a escravo; terceiro, o homem sociamente alignado, rebaixado 20’nivel do animal. 4. Espontiineo e dirigido natureza e,sobé verticalmente com os seus seis andares a palsigem urbana espremida pela falta de terreno. O cortico brasileiro é horizontal a0 mod embora no fim, quando o proprietario progride, adqui- ra um perfil mais urbano e um minimo de verticalizacio nos dois andares de uma parte da vila nova. Além disso, cria frangos ¢ porcos, convive com_as hortas, a drvore £0 capim, invade terrends baldios e vai para 6 lado da pedreira, que Joio Romao também explora. O.corticgo francés em L’Assommoir £-seeremade. da Ligado.A.natureza, que no Brasil ainda era presen- Gq_a ser domada, ele cresce, se estende, auinenta de Volume € é conseqiientemente tratado pelo romancista como realidade orginica, por meio de imagens organi- £28 que 0 animam e fazem dele uma espécie de contr Tuagao do mundo natural. 194 Mas este crescimento vai sendo cada vez-mais_di- a je se acentua a vontade orientada tigido, 3 Tied que se_acent ade orienta: 'igis ee. \do_ganhador dé dinheiro (emboraapareca na maior parte do nO como Ghtidade que escapa a ele para ter vida prépria, fazendo 0 processo econéinico pare- cer natural). Dirfamos entio que a vontade do ganha- dor de dinheiro é forga racional, designio que pressu- pde_um plano e tende a extrair um projeto do jogo do¥ Fatores Maturkis, No comero é como se 9 fosse regido_por lei binlbgiem ertretante a ontade Ge Jose Romas pr rece ir atenuando 6 ritmo espontirieo, en Woerde-am cargter mimes igjament&-Os dois ritmos esto sempre presentes, mas o dservolvimento da nar- ativa implica lento predominio do segundo sobre o primeiro, como se a iniciativa do capitalista estrangeiro fosse enformando e orientando o jogo natural das con: digdes locais. Ele usa as forcas do meio, no se submete a elas; se 0 fizesié, perderia a possibilidade dé Se tornar Zapitalista e se wansformaria num episddio do processo natural, como acontece com o seu patricio Jerdnimo, o cavougueiro herctileo que opta pela adesi0 & terra e é tragado por ela. - Isso leva a pensar que é importante no livro certa dialética do espontineo_¢..do..dirigido, que pode ser pereebida no desdobr Se at “is cortigo depois do incéndio, quando Joio Roméo reconstréi as casas ‘com mais largueza e num alinhamehto melhor, estabe- Tece horas de entrada e suprime a antiga incoordena- so. Os moradores inadaptados sio expulsos ou se expulsam, indo éontinuar o ritmo da desordem no cor tigo préximo e ri ado Cabecade-Gato. O cortico renovado é descrito por uma imagen de cu- nfio, mécanico, quando o antigo sempre o fora por meio de imagens orginicas, que continuam a ser usadas para © cortigo deoiganizado que recebe o8 seus rebota- Ihos. A ‘passagem do espontineo ao ditigido manifesta 135 2 acumulagao do capital, que disciplina & medida que se disciplina, enquanto sistema metaférico passa do organico da'natureza para o mecanico do mundo ur- banizado. Esquematizando, teriamos que o cortigo velho, cha- mado Carapicus, era um aglomerado de aparéncia es- pontdnea, que todavia continha em gérmen o elemento racional e dirigido do projeto. A partir dele hé um des- dobramento, do qual surge 0 coftigo novo chamado Vila__ S0_Romip, limpo e ordenado como um triunfo do ditigido; e h4 um reforco do cortico rival, o Cabecasle- Gato, que mantém a espontaneidade cadticas6bre"a qual ‘atuou no outro cortigo, como forca racionalizadora, 0 projeto de acumulacao monetéria do portugués. Mas 0 triunfo desse projeto ¢ 0 sobrado que Joao Romao cons- tréi para si ao mesmo tempo que reforma o cortico, marcando a sua entrada nas classes superiores e desban- cando 0 sobrado do vizinho Miranda, com cuja filha acaba por casar, 5. O cortico ¢/ou o Brasil © leitor d'O cortigo fica duvidando se ele € um romancé naturalista verdadeiro, que nao deseja ir além da Tealidade observavel, ou se é nutrido por uma espé- cic de realismo alegérico, segundo o qual as descrigoes da vidd-quotidiana-contém implicitamente um outro plano de significado. Lukes diria que isto se dé por causa daquilo, e que o mal_do Naturalismo foi nio*es- pelhar” de modo correto a realidade, mas usila para chegar4 um vistoreificada e deformadora, que a subs titul_ de maneira tidevida e €@ alegoria. Nao creio que assim S€}7-€ Tegistro-que'a alegoria no ocorre no Na- turalismo em geral. Nés n4o a encontramos, por exem- plo, na obra de"Verga nem nos romances naturalistas de Eca de Queirés; mas a encontramos sem diivida nos de Zola, cabegadeturco de Lukées, que a partir deles 136 a) te procedeu a uma extrapolacio. Talvez por influéncia de Zola nés a encontramos também nos de Aluisio, sendo ‘em ambos 0s casos, a meu ver, elemento de forga e nao de fraqueza. dreira (qué ainda IA esta, no fundo da rua Marechal Niemeyer, explorada a dinamite como no tempo de Jerénimo), é uma habitagio coletiva que penetrou em todas as imaginagdes e sempre tirou o seu prestigio do fato de parecer uma imagem poderosa e direta da rea- Tidade. Mas em outro nfvel, nao sera também antinatu- ralisticamente uma alegoria dé Brasil, com a sua mistu- rad ragas,.o chogue entré las, a natureza fascinadora ¢ dificil, o capitalista estrangeiro postado na entrada, vigiando, extorquindo, mandando, desprezando ¢ par- ticpando? Talvez a forga do livro venha em parte desta con. taminacio do plano real e do plano alegérico, fazendo penéar imediatamenie numa relagao caisal de sabor na- turalista, que na cabeca dos teéricos e publicistas era: Meio + Raga + Brasil; e que no projeto do ficcionista foi: Natureza tropical do Rio > Racas ¢ tipos humanos misturados -+ Cortigo. Isto é: no intuito de Aluisio a natureza que cerca 0 cortigo de todos os lados, com 0 sol queimando no alto, condiciona um modo de rela- cionamento entre os diversos grupos raciais, que por sua vez fazem do cortigo o tipo de aglomerado humano que é. E esta série causal encarnaria o que se passava na escala nacional, segundo as conceprdes do tempo. Esbogando jé aqui uma visio involuntariamente pe- Jjorativa do pafs, 0 romancista traduz a mistura de racas ‘¢.a sua convivéncia como promiscuidade da habitacao colétiva, qué deste modo se torna mesmo um Brasil em miniatura, onde brancos, negros € mulatos eram igual- mente dominados e explorados por esse

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