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RACISMO E DESIGUALDADE Falar sobre raga e economia ¢ essencialmente falar sobre desigualdade. Tanto para aqueles que a consideram como a ciéncia que se ocupa da escasse7, como aqueles que a vem como 0 conjunto das relagdes de produgao. A economia deve responder a uma série de questées que mobilizam muito mais do que célculos matemticos ou planilhas: como a sociedade se organiza para produzir as condigdes necessérias para a sua continuidade? Como 0 trabalho social & dividido? Qual o cri- tério para definir o pagamento de salérios? Estas questoes demonstram, em primeiro lugar, que a ideia, de desigualdade é um ponto nodal das teorias econdmicas, que terio que lidar com ela, de um jeito ou de outro, e em segundo lugar, que a economia s6 pode tentar responder a estas questées apelando para a politica, aética, a sociologia e 0 direito, A desigualdade pode ser expressa em dados estaisticos ‘ quantificada matematicamente, mas sua explicacdo esté na compreensio da sociedade e de seus iniimeros conflitos. PIURAIS FEMINISMOS (0 QUE € RACiSMO ESTRUTURAL? Peguemos o exemplo dos salirios. Por meio de nimeros ;posso constatar que hé pessoas que recebem salérios menotes do que outras, ainda que com a mesma formagio, exercendo as mesmas fungdes e com jornadas superiores. A explicagio para esta distingdo tera que ir além dos nimeros, cuja impor- tincia nio se nega. Nesse sentido, a explicagao mais vulgar atribui a desigual- dade salarial ao mérito, ou seja, ao desempenho individual do trabalhador ou trabalhadora. Pode ser que exercendo a mesma fungio, nas mesmas condigdes contratuais ¢ ainda que com jornada inferior, um trabalhador ou trabalhadora seja mais eficiente, o que justificaria um salario maior, condizente com sua produtividade, Por este prisma, a desigualdade vista nos niimeros tem fundamento moral ¢ juridico, ja que 0 mérito, expresso na eficiéncia e na produtividade dos individuos, torna natural a desigualdade. O problema todo é quando a produtividade ea eficiéncia no podem ser invocados como fatores explicativos das diferencas salariais, E quando as estatisticas mostram que, independen- temente da produtividade, pessoas de um determinado grupo social, como negros ¢ mulheres, ganham salérios menores? Como explicar o fato de que pessoas negras e mulheres encon- tram-se majoritariamente alocados nos postos de trabalho de baixa remuneragdo e considerados precérios? Como explicar as maiores taxas de desemprego entre pessoas negras? Ha anos imimeras pesquisas tém demonstrado que a raga é um marcador determinante da desigualdade econémica e que direitos sociais e politicas universais de combate a pobreza € Adistribuicdo de renda que nao levem em conta o fator raga/cor ‘mostram-se pouco efetivas."* Desde o fim da segunda guerra mundial e seus efeitos devastadores, alguns pesquisadores tém Silvio Almeida buscado dar atencao ao fator racial no ambito econémico. Nos EUA dos anos 1940, portanto no periodo em que vigorava a segregacio racial naquele pais, duas obras marcantes e pole: micas se debrugaram sobre a relagdo entre raca e economia ‘An American Dillema: the Negro Problem and the American Democracy,’® de Gunnar Myrdal, de 1944, e Caste, Class and Race,'® de Oliver Cromwell Cox, de 1948. Em An American Dillema, Myrdal, que em 1974 viriaa dividie © prémio Nobel de economia com Friedrich Hayek, aponta a profuunda contradicio da sociedade estadunidense, que se divide entre a crenga nos valores liberais e democriticos e, a0 mesmo tempo, sustenta a discriminagao racial contra a populagio negra. Embora Myrdal a problemiética e limitada redusao do mo a um dilema moral, a andlise de Myrdal é de grande importincia, pots conseguiu descrever de forma ampla o pro- blema racial nos EUA, inclusive em seus efeitos econdmicos. Para Myrdal, a situagao da populagéo negra pod explicada pelo que denominava de causas cumulativas. Um exemplo: se pessoas negras sao discriminadas na educacio, éprovavel que tenham dificuldade para conseguir um trabalho. A educagao precaria também leva a desinformagio quanto aos ccuidados que se deve ter com a saiide. O resultado é que com ‘menos dinheiro e menos informagio relativos aos cuidados coma satide, a populagio negra terd maiores dificuldades nao apenas para conseguir um trabalho, mas para nele se manter. Além disso, a pobreza, a pouca educagio formal ¢ a falta de cuidados médicos ajuda a reforgar os esterestipos racistas, tais como a esdriixula ideia de que negros tem pouca propensio para trabalhos intelectuais, completando-se assim um circuito fechado em quea discriminagao gera ainda mais discriminacio. PLURAIS FEMINISMOS FEMINISMOS PIURAIS (OOUE RACISMO ESTRUTURAL? Para Myrdal, o tratamento dispensado aos negros pelos nor- te-americanos era incompativel com uma economia avancada ¢ ‘que pretendia ser democratica. Por seus efeitos deletérios, 0 pro- bblema racial deveria ser visto como também dos brancos, e de toda a sociedade dos EUA. Utilizando lentes keynesianas para olhar um mundo conformado pelo fordismo, Myrdal propoe que as instituigdes como o Estado, as escolas, os sindicatos € as igtejas, de maneira compativel com a crenga americana nos valores da liberdade e da igualdade, atuem para reduzir o pre- conceito contra os negros. Ha em Myrdal uma evidente crenga na possibilidade de racionalizagio da sociedade, que marca 0 pensamento econdmico desenvolvimentista, Por isso, Myrdal considerava essencial para o rompimento do circulo vicioso do racismo a integragao da populagéo negra a sociedade industrial. Ainda nos EUA, 0 sociélogo negro Oliver Cox em seu vul- toso Caste, Class and Race propde a tese de que o racismo é derivado das relagies econdmicas capitalistas e compoem um aspecto essencial da luta de lasses. De orientacéo marxista, Cox considera que 0 antagonismo racial é um fendmeno surgido na modernidade, nao verificado em sociedades pré-moder- nas. Segundo o estudioso, a exploracdo racial ¢ 0 preconceito racial desenvolveram-se entre europeus com o surgimento do

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