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otivacao das decisées jurfdicas eo contraditério: identificagao das decisdes imotivadas de acordo com o NCPC. Paulo Henrique dos Santos Luco Sumario 1. Presimbulo ¢ objeto de investigagio 2. Jurisdigao e poder: limitagées impostas pela motivagao 3. O contraditério na teoria dos prine‘pios 4, Identificagao das decisbes imotivadas no NCPG 5Ag Bibliografia Preambulo ¢ objeto de investigagao No ordenamento brasileiro, a motivagio consti- tui requisito de validade das decisdes juridieas por expressa determinagio constitucional. O Cédigo de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), ademais, estabelece como um dos requisitos das decisdes juridieas a exposigao pelo juiz dos fundamentos que conduzem ou nao ao acolhimento do pedido do autor, Na tentativa de dar concretude a esses sderal (STF) aboraram, dispositivos, 0 Supremo ‘Tribunal 0 Superior Tribunal de Justica (S algumas méximas para orientar a aplicagio des sas normas. O STF, por exemplo, considera moti- vada decisio mesmo que dela nao conste exame de cada uma das alegagées ou provas suscitadas ¢ produzidas pelas partes. © STJ, a seu turno, nfo considera nula a decisio motivada de maneira su- cinta ou deficiente. Da anilise que se faz. dessas entifieagso das decistes NePe, Motivagto das devisbes juridieas ¢ 0 comtraditér imotivada Revista do Advogado maximas, constata-se que esses tribunais preo- cupam-se sobremaneira em nao sobrecarregar os magistrados no exerefeio de sua fungio judicante. Este artigo procura analisar a adequagao da moti- vaio, niio sob essa perspectiva, preocupada com © gerenciamento do Poder Judiciario, mas sim sob a stica dos jurisdicionados, com o propésito de demonstrar o seguinte teorema: nao pode ser considerada motivada decisio que impossibilite o exercicio do contraditério. EB luriscigao ¢ poder: imitagées impostas pela motivagao A necessidade de justificar determinada esco- Iha impoe restrigdes 20 subjetivisma de qualquer claborador racional de decisées. Ciente de que deve explicitar seu convencimento, o formulador de decisdes que pretende ser racional € constrito a no decidir com base em fundamentos que nao podem por ele ser expostos. Se essa légica deve ser aplicada em qualquer Ambito decisional, com maior razao isso ocorre nos casos em que se estar belece uma relagio que revela determinada forma de manifestagao do poder estatal, Essa tarefa, con- tudo, torna-se cada vez mais complexa nos dias atuais diante de contexto marcado por uma hipe- rinflagao legislativa e pela utilizagao de termos juridieos indeterminados para regulamentagio de condutas sociais. A mera aplicagao da lei a0 caso conereto, a exigir do julgador a explicitagio do nexo de pertinéncia entre as fattispecie abstrata © conereta, & entio substituida por uma ativida- de complexa de justficagao em que 0 magistrado deve, dentre outras atividades, i) demonstraro sig- nificado por ele atribufdo a cada um desses ter- mos indeterminados, ii) realizar juizo de ponder 0, quando diante de conflito entre normas com carater de prinefpio e iii indicar o estado ideal de coisas a ser promovido com a sua decisio, Caso assim nao proceda, o magistrado tende a justficar suas decisdes com base em expresses varias que bem poderiam ser empregadas em uma mitfade de casos diversos e esti com isso tragado 0 cami- ho da arbitrariedade A necessidade de justificar determinada escolha impose restrigées ao subjetivismo de qualquer claborador racional de decisées. Independentemente desses novos desafios, algumas nogées a respeito da atividade de justi- Jo das decisées judiciais possuem carter atemporal, como, por exemplo, a necessidade de a motivagio ser: i) expressa, sendo vedada moti- vacao implicita, por conta da violagdo que isso representaria a0 imperative da publicidade dos atos estatais; i) clara, ou seja, desprovida de am- biguidades © contradigies; ¢ iil) logicamente sustentavel' Atendidos esses requisitos minimos, pode-se afirmar que a motivago cumpre as fun- gaes que dela sio esperadas. A motivagio, sob 0 aspecto politico de legitimacao do poder estatal, € uma garantia contra o arbitrio judicial ¢, sob © ponto de vista endoprocessual, ¢ um instituto que assegura um melhor funcionamento do me- canismo processual, isso porque, a0 persuadir as partes da justiga da decisio, a motivagio reforga a autoridade da decisio tomada e, com isso, deses- timula a parte sucumbente a impugné-la? Se isso nfo ocorrer e a parte decidir se insurgir contra a decisio que Ihe & prejudicial, € a motivagio que permitiré sejam individuados os vicios a respeito dos quais versario as razdes recursais. Por isso, nfo deve ser considerada motivada decisio que subtraia da parte que sucumbin informagdes ne- cessarias a0 exercicio do contraditério, Se o direito 1. Ver CRUZ B TUCC, 1987, p12 2. VerTARUPPO, 191, 9.374375. Arexpet dos ecapot da moti ‘asto=sbieto, nie epublie =f novamente CRUZ. ETUC, 1987.0. 5,p 2124 de agio, compreendido como o direito de prati- car todos os atos processuais previstos em lei para oblengio de tutela jurisdicional definitiva, nao comport restrigdes de qualquer ordem, nao pode 0 Poder Judicisrio limitar 0 exercicio desse dire to deixando de fornecer informagao necessaria & parte que deseja se insurgir contra decisio que Ihe foi desfavorivel Se ao recorrente é imposto 0 nus de explicitar os motivos para que seja pro- ferida nova de io, sob pena de o recurso nio ser conhecido, dele nao pode ser cerceado 0 acesso as razdes determinantes do julgamento que Ihe foi desfavorsvel, ou entio estaria 0 jurisdicionado submetido a uma verdadeita situagaio kafkiana, jf que nao Ihe seriam fornecidas condigaes de ele se ver livre do jugo estatal O contraditério na teoria dos principios A concepgio de processo como procedimen- to em contraditério* ressalta 0 caréter estrutural desta norma para o instrumento estatal de resolu- gio de controvérsias. Ausente contraditério, ine- xiste proceso, Se ha contraditério, mas este nao 6 respeitado como deveria, esti-se, entio, diante de um processo que nao pode ser definide como justo, Enquanto principio juridico,* o contradité- rio produ efeitos sobre outras normas juridicas de forma direta e indireta, Por conta da eficdcia dire- ta, 0s prinefpios exercem uma fungao integrativa, pois agregam elementos nao previstos em sub- regra expressa determinando a oitiva das partes a respeito de ato judicial com poteneial de influir na esfera juridica de uma delas, deverd ser opor tunizada a sua manifestagio Além dessa eficscia SICA, 201, p. 254, 1: BARBOSA MOREIRA, 1958, p. 1010 5. Ver FAZZALARI, 19%, p28, 6 Ver: AVILA, 243.9. 7839, 7. Ver AVILA, 24812. p.97e 8. Ver AVILA, n24813.p ee direta, © contradit6rio também exerce uma efi cia indireta sobre outras normas juridicas. Uma dessas fungées € a chamada fungao definitéria, segundo a qual o contraditério cumpriria 0 papel de definir, ou seja, delimitar, 0 comando de um sobreprincipio que the é axiologicamente supe- rior Sob essa stica, temese que o contraditério concretiza 0 principio da soberania popular, na medida em que assegura a participagao dos cida- dios na administragio da Justiga, Além dessa fun= 40 definitéria, também por conta da eficdcia in- direta dos prinefpios, o contraditério desempenha uma fungao interpretativa, uma vez que cle é ulilizado na atividade de intetpretagao de normas construidas a partir de outros textos normativos, restringindo ov ampliando seus sentidos. Por fim, cesta € a fungao do contraditério que mais de per- to nos interessa, tem-se que os prinefpios jurfdicos exercem uma fungao bloqueadora, que consiste na capacidade de afastar elementos incompativeis com 0 estado ideal de coisas a ser por eles promo- vido. Desse modo, caso uma determinada regra, por exemplo, preveja a concessio de certo prazo para a pratica de um ato processual, mas sendo cle incompativel com a natureza do ato a ser pra~ ticado, para garantir 0 regular exereicio do con- traditéria e a efetiva protegio dos direitos do cidadao, um prazo adequado devers ser garantido pelo uz, Da mesma forma, em virlude dessa fan- go bloqueadora do contraditério, é que se deve considerar ndo motivada decisio que de alguma ‘mancira impossbilite 0 exercicio do contraditério. Isso ocorrer quando a parte que sueumbiu resta impossibilitada de se insurgir contra decisio que Ihe foi desfavorsvel por conta de alguma omissio do julgado: uae deixou de explicitar como des 6 seu convencimento. Vale dizer, a fungio blo- queadora do principio do contraditério faz com que seja considerada imotivada a decisio que leve a parte que sucumbiu a nao dispor de informa- ges suficientes para se insurgir contra a decisio que Ihe foi desfavorivel. Usualmente, a violaga0. icapdo das decisdes i id idicas © 0 con! NePe. Revista do Advogade entifieagso das decistes NePe, z Motivagto das devisbes juridieas ¢ 0 comtraditér imotivada Revista do Advogado a0 contraditério ocorre quando 0 juiz se des cola das particularidades do caso. A motivagao © 0 contraditério, portanto, estio interligados de modo que a primeira nfo pode ser considerada adequada se 0 segundo nao puder ser exercido. ‘Trata-se de um liame estrutural Ely centiticagao das decisées imotivadas no NCPC Fixadas essas premissas, estabelecido que no se pode considerar motivada decisio que de algu- ma forma impega o exercicio regular do contradi- ‘6rio, cumpre-nos identificar aquelas decisdes que devem ser consideradas imotivadas de acordo com © Novo Cédigo de Processo Civil (NCPC) a) indicagao, reprodugao, ou pardfrase de ato normativo sem explicitar sua relagao com a causa ou a questio decidida (CPC, art. 489, § 1° inciso 1}, Os magistrados costumam por vezes jus- tifiear suas decisdes reportando-se apenas ao tex- to normativo aplicavel a0 caso, seja por meio de mera indicagao, reprodugao literal, ou entao, nos casos de maior sofistieagao, por meio de simples pardfrase. Justficativas dessa natureza nada sig- nificam, porque nao aportam a decisio qualquer informagio significativa a respeito da incidéncia ou nao de referido dispositive legal ao caso con- cereto, Se o juiz, a0 justificar sua decisio, se limitar a indicar a norma aplieavel ao caso e nao indicaro porgué de sua ineidéneia ao caso conereto, a par te que sucumbiu nao terd condigdes de conhecer qual € o bem da vida efetivamente outorgado & parte vitoriosa, nao conhecerd qual o fato prin- cipal que levou aquela decisio nem tampouco a prova que foi determinante para esse resultado. b) utilizagao de conceitos indeterminados sem explicar 0 motivo conereto de sua incidé cia no caso (CPC, art. 489, § 1", inciso I). A utili. zagiio de termos juridicos indeterminados implica © deslocamento de competéncia deciséria do Le- gislative para 0 Judicisrio, que passa, portanto, a ter o dever de materializar esses termos a luz das especificidades de cada caso concreto que Ihe é submetido, Por exemplo, o art. 422 do Cédigo Ci- vil estabelece que “os contratantes sio obrigados a guardar, assim na conclusio do contrato, como em sua exccugio, os principios da probidade © boa”. Referidos prinefpios, contudo, manifes- tamsse de maneira diversa em cada espécie con- tratual, por isso incumbe ao magistrado em sna fundamentagao explicitar cada um dos deveres de conduta esperados em fungao da incidéncia desses principios. Se no for explicitada a mate- rializagao atribuida pelo juiz ao termo juridico in- determinado, a parte que sucumbi nao ters, em suma, conhecimento da conduta reputada como reprovavel pelo magistrado Algumas decisdes sao, infeliz- mente, compostas por frases que nada trazem de novo «) invocar motives que se prestariam a justi ficar qualquer decisto (CPC, art, 489, § 1 inci- so TID). Apenas frases prontas na motivago merecem reptidio, porque nada elucidam e dio a nitida & frustrante impressio de que o julgador nada exa- minou nos autos. Algumas decisdes sto, infeliz~ mente, compostas por frases que poderiam estar em. todo e qualquer ato decisério e nada trazem de nove. 4) nao enfrentar todos os argumentos ded dos no proceso eapazes de, em tese, infirmar a conclusio adotada pelo julgador (CPC, art. 489, 51°, inciso IV). Esse vicio de motivagao representa acima de tudo uma negativa de prestagio da tute la jurisdicional e uma violagio direta ao prinefpio do contraditério, pois este também deve ser com- preendido como o direito das partes de obterem manifestagao judicial a respeito das alegagSes que elas reputam sustentar suas pretensbes juridicas. inal, de que adianta as Conslituigdes demoerde ticas consagtarem 0 acesso a justiga como um de seus direitos fundamentais se os Juizes deixarem de cumprir a sua missio de resolver os conflitos com justiga, respondendo sim ou nao aos anscios das partes? ¢) utilizar (ou deixar de utilizar) enunciado de stimula, jurisprudéncia ou precedente invocado sem identificar seus fundamentos determinan- tes nem demonstrar que 0 caso sob julgamento se ajusta (ou nao) aqueles fundamentos (CPC, art. 489, § I", incisos V © VI). Sejam as manifes- tagdes judiciais consideradas fontes de diteito ou rio, fato € que cada ver mais a elas se faz refe- réncia nas decistes judiciais, Os magistrados, contudo, para que suas decisdes sejam reputadas como justas, a0 utilizarem determinada norma ju- risprudencial, tém o énus de demonstraras razbes da sua aplicagio ou nfo ao caso conereto, © que implica a necessidade de analisar as particular dades de ea exame, para demonstrar que em fungao da simil- caso, do precedente e do caso em tude fitica entre eles é justificdvel a aplicagao da 10 de decidir, Alé mesma ra isso, caso se con- sidere que o entendimento jnrisprudencial aplies- vel a principio ao caso encontra-se superado, tem (© magistrado 0 dever de demonstrar, no caso de superagio do entendimento, quais as razdes que 6 levaram a nao aplicar a regra jurispradencial ao caso conereto, S6 assim, a parle que sucumbiu tera condigdes de se insurgir contra essa decisio para demonstrar que a superago apontada pelo ‘magistrado nao encontra correspondéncia na rear lidade e, portanto, nao se just f) no caso de colisio entre normas, o juiz deve justificar 0 objeto € os eritérios gerais da ponderagao efetuada, enunciando as razies que autorizam a interferéncia na norma afastada as premissas faticas que fundamentam a conch sao (CPG, art. 489, § 2°) jurfdicos um estado latente de tensio e de confli- { insito aos prinefpios 9. Ver AVILA, 2008, exp 2,0. 248.13,p. 15 eer to uns com os outros. A opgio pelo predaminio de tum principio sobre o outro, contudo, nao pode se do magistrado. E preciso que cle explicite cada um dos passos por ele realizados no jutzo de ponderagio para optar por um ou outro dos prinejpios em confli- to, Soba stica da adequagio, ojuiz deve demonstrar tem sintese que a medida por ele adotada € apta & ca da necessi- realizagio do fim almejado ¢, sob a st dade, ele deve analisaras medidas alternativas a essa ce que possam promover o mesmo fim ser resting’, ‘na mesma intensidade, os direitos faundamentais em conflto, e por fim, a0 realizar o exame da proporcio- nalidade em sentido estrito, o magistrado deve res- ponder em sinlese & seguinte pergunta para que sua decisio possa ser considerada motivada: “o grau de importincia da promogio éo fim justifica 0 grau de restrigdo causada aos direitos Fundamentais?”* Eo A guisa de conctusao A atividade de fundamentagio das decisies judiciais acampanha o contexto sociocultural em que inserido o processo estatal de resolugio de contro Na atual configuragio do Estado Constitucional brasileiro, nao se pode conceber a figura de um juiz que resolva os contflitos juridi- cos que The sao submetidos sem explicitar de ma- neira adequada os motives determinantes que © Jevaram a agir dessa maneira. Por conta da fungao bloqueadora do contraditério, nfo deve ser eonsi- derada motivada a decisio que de alguma maneira impossibilite a insurgéncia da parte que sucumbiu porque dela foi suprimida informagao relevante do convencimento judicial. Por isso o NCPG ca- minhou muito bem ao estabelecer hipéteses em que no serio consideradas motivadas as decisdes judiciais. Se todas essas hipéteses puderem ser agrupadas sob um s6 lema, podemos afirmar que nio sera considerada motivada decisio que niio se atenta as peculiaridades do caso conereto, porque isso implica violagao a0 contraditério, = icapdo das decisdes i id idicas © 0 con! NePe. Wvadlas de acordo « Revista do Advogade Be Motivagso das imotivadas Revista do Advi AVILA, Humberto Malheiros, 2009, BARBOSA MOR dos prineipoe 10. ed. So Palo RA, Joré Carlor, © jutzo de admis CI, José Rogério. A mativasdo da sentenga no i So Paulo: Saraiva, 1987 procesio FAZZALARI, Elio, Ittuions di dirto procesuae eve 8 ed, Padovs: Cedam, 1996. SICA, Heitor Vitor Mendonga, O di Brasileira, um estado sobre «pore do ru, Sie Paulo Alla, 2011 TARUFFO, Michele. La motivasione Padova: Cedam, to de defsa no proceso tena civile

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