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juiz, a aplicacao do Direito e o Novo CPC. José Carlos Baptista Puoli Unite So Pal Asana Sumario 1. Introgugao 2. 0 art 5° da Lei de Introdugie as Normas do Direito Brasileito ¢ os dispositives semelhantes, debatidos durante o processo legislative do Novo crc 3. A evolucio da proposta legislativa e a ordem dos clemen 1s incorporados 3 norma “processual” io da lei de apliea 4. Conclusio Bibliografia Ey introducao Em vista da recente aprovagio do Novo Cédigo de Processo Civil (NCPC), Lei n° 13.105/2015, dedicase agora a doutrina a analisar o texto de tal relevante diploma, preparando a sociedade ¢ 6 operadores do Direito para enfrentar as dificul- dades que decorrem deste momento de mudanga Em boa hora, € com protagonismo que Ihe € peculiar, a Associagio dos Advogados de Sao Paulo abe espago para este debate em sua tradicional Revista do Advogado, em edigao coordenada pelos ilustres Luiz Périssé Duarte finior, José Rogério Gruz ¢ Tucci ¢ Heitor Vitor Mendonga Sica, cole- gas a quem agradeco pela oportunidade de cola- borar, apresentando artigo que, nos limites pro- postos pela coordenagio, se dedica a verificar se © NCPC altera 0 paradigma decis6rio utilizado Revista do Advogade | iz a apticasao do Direito«o Novo cPe Revista do Advogado pelo juiz brasileiro, Para tanto, este estudo se di- reciona & exortagdo que o legislador faz para que 0 juiz, a0 aplicar 0 ordenamento jurfdieo, atente aos “fins sociais ¢ as exigéncias do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pes- soa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a fick éncia”, Numa primeira leitura, tal assertiva parece ser de pouca relevaneia pritica, mas a ordem dos fatores postos no dispositivo e a iniciativa do le gislador processual de criar regra a respeito deste tema convidam A meditagdo sobre qual deve ser a interpretagao a ser dada para tal artigo. Este 0 objetive do presente texto, Eh 0 art. 5: a Lei de introdugao as Normas do Dircito Brasileiro ¢ os dispositivos semelhantes, debatidos durante 0 processo legislative do Novo CPC Em sua missio de eriar regras de “sobredireito”! a Lei de Introdugao as Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estipula em seu art. 5° que, “na aplicagao dalle, o juiz alenderd aos fins sociais a que ela se d- rige e &s exigéncias do bem comum”. Esta diretriz se enderega ao campo da interpretagio das normas juridicas, deixando claro que o juiz, a0 empreender a atividade intelectual de busea pelo sentido efetivo dos textos legais, deve ater-se no apenas exata ex- pressio gramatical, posto que devers ter em mente, também, a finalidade social da norma, Inclusive, da LINDB, parece haver repetigio desnecessiria de palavras, cabe observar que, no teferido art eis que, sm, a finalidade social da norma se cone funde com a busca pela realizagio do bem comum, que, no “Frigir dos ovos”, corresponde ao objetivo «ltimo do préprio Direito Independentemente disto, importante mencio- nar que, no ambito do CPC, o legislador de 1973 no havia tratado de tal tema. Quando muito, co- Ihia-se do art. 127 mengao a que o *juiz s6 decidir por equidade nos casos previstos em lei", Tratava-se de salientar, no ambito da lei ordinétia, o comando constitucional da legalidade, deixando claro que © Direito Positivo apenas poderia ser posto de lado A medida que o proprio legislador excepeionasse a situagao, expressando hipétese em que a equidade pudesse ser invacada para solugio do caso? “Na aplicagao da lei, 0 juiz atenderd aos fins sociais a que ela se ditige ¢ as exigéncias do bem comum.” Pois bem, se a situagdo era esta, a leitura do NCPC causa inquietagio. Primeiramente porque patece questiondvel a necessidade de o diploma processual cuidar deste tema, posto existir norma semelhante e, smj,, editada em mais adequado “espago” normativo, qual seja 0 situado na Lei de Introdugao, que, notadamente, a partir da alterag3o de sua denominagao (em 2010), destina-se expres: samente 8 missio de servir de guia para interpreta- das normas dos diversos ramos do ordenamen- si to juridico brasileio, Por sua ver, também passa a ser necessirio indagar qual o objetivo do legislador a0 inovar sua postura quanto ao tema, de forma a regular 0 modo de aplicagao do Direto, eonfinan- do a norma do art. 127 aos termos do atual pardigra- fo tinieo do art. 140 do NCPC e criando, de outro lado, regra generosa, com mengao a vérios prinet pios que se encontram elencados numa “orden” que, para letor desavisado, parece sugerir uma alte- ragio da maneira pela qual o julgador deve aplicar a lei ou, nos termos preferidos pelo legislador “mo- 1. Nav plawrat de Maria Helena Dine (2013p 28), LINDB ease teria soe porque “contr noraseltvas daplicablidade 2, Dois, os taicionais exemplos em que legislader pei o jul utento or eguidade, saber, no dio ds jneigzovontéria ‘ant 1008 do CPC de 1973) « nos esotsubmetidar arbitrage a2 da Ln 930711996), demo”, 0 ordenamento juridieo. Para solucionar esta inquietagdo, necessério analisar a evolugio da >roposta do NCPC, bem como a ordem dos termos utilizados pela regra em comento. ‘A evolugao da proposta legislativa a ordem dos elementos incorporados & norma “processual” de aplicagio da lei No art. 6° do Anteprojeto de Novo CPC," dis- positive de que se ocupa este texto era um pouco ais extenso, afimava que o juiz deveria obser- var “sempre” os prineipios ali elencados, em rol do qual também constava a impessoalidade e mora- lidade. Tal redagao foi contemplada ao tempo da primeira etapa do proceso legislativo, sendo certo que 0 Projeto de Lei n° 166/2010, tal como apro- vado pelo Scnado Federal em dezembro de 2010, manteve 0 att. 6° com esta redagdo mais ampla Em boa medida, a Camara dos Deputados exti= ow a meng a que o juiz, na busca por aplicagio enha da leialinhada com o bem comum, “sempre” de observar os principios ali enumerados. ‘Também foram retiradas as referencias & impessoalidade € & moralidade, Mas diga-se, desde jf, que isto nao seré permissivo a que o juiz seja parcial (proferindo deci- ses com o deliberado desejo de atender interesse de determinadas pessoas) e/ou que o juiz possa proferie decisdes que nao sejam probas Dito isto, cumpre analisar © texto “restante” que, ao longo da etapa legislativa havida na Cama 1a dos Deputados, foi renumerado e, como art. 8° tem a redagao anteriormente jé mencionada, mas que, para facilidade do leitor, ora vai reiterada: “Ao aplicar o ordenamento juridico o juiz atenderd aos fins soviaise as exigéneias do bem co- mum, resguardando ¢ promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, 2. Testo claborado pela Comiuto de Jristas nomeads pela Pesic dnc do Senudo Peder inalizado cm 572010 a razoabilidade, a legalidade, a publicidade ¢ a eficiéncia’. A repeticao do texto normative & aqui feita para salientar que, s:mj,, 0 legislador cria confuisio a0 incluir mengées que, de um lado, mesmo que no estivessem escritas, seriam observaveis (ao menos nas situagaes de real necessidade desta utilizag30), ‘mas que, por estarem ali expressamente elencadas, podem ocasionar percepeao que, com o devido res- peito, deve ser desde logo repelida E que as referéneias & dignidade da pessoa hu- ‘mana, 8 proporcionalidade e & razoabilidade so feitas como se 0 legislador estivesse a valorar, esca- Jonando, os prineipios enumerados neste preceito, de forma que & legalidade estaria reservada ape- nasa quarta prioridade na eseala a ser considerada pelo juiz no momento de aplicar a lei Dirse-é que esta graduagio estaria adequada a tum momento metodolégico que, nas palavras do rministto Roberto Barroso, earactetizase como sendo 6 da constitucionalizagio do Direito, marcado pelo “efeito expansivo das normas constitueionais, eujo contetido material e axiolgico se irradia com forga normativa por todo o sistema juridico’ Ocorre que este fendmeno nao permite que 0 legislador ordindtio possa escother, ele, qual prin= cipio deva ser privilegiado, sem que haja expressa norma constitucional permitinds a preferéncia contida na lei, Ademais, eausa perplenidade o fato de 0 NCPC ter deixado de lado, a0 redigir este art. 8°, um dos mais re es prinefpios informa dores de nosso ordenamento, qual scja o da segu- ranga juridica, entendida aqui, resumidamente, como a necessidade de haver regulagao juridica suficientemente objetiva que permita haver estabili- dade nas rclagoes socias e respectiva previsibilidade sobre qual o contetido da norma, de modo que cada sujeito possa se conduzir com vistas a buscar determinados resultados. E-esta omissio parece se agravar, na medida em que nosso ordenamento continua filiado & familia da “civil law”, na qual a fonte preponderante do Diteito & a lei, E isto Revista do Advogade vai traduzido pelo papel de destaque que o art 5* da Constituigao Federal de 1988 (CF/1988) dé ao. principio da legalidade, mencionando-o logo em, seguida ao caput, que trata da inviolabilidade do “diteto vida, 3 liberdade, a igualdade, a seguran- ca.ca propriedade”. Diz-se isto, posto que o inciso. I “apenas” reitera a referéncia ao valor igualdade, passando o constituinte a tratar, “logo em segi da’, da legalidade, enfatizando-a, 20 mencionar no inciso TT que “ninguém serd obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senio em virtude de lei” de prioridades da ConstituigSo nio aceita a propo go do NCPC de “relegar” a legalidade a uma h tura submissa 8 dignidade humana, razoabilidade ¢€ proporcionalidade. Note-se, nao se advoga a va- lidade de leis desumanas e/ou que contemplem. Rememorado isto, parece certo que a es medidas irracionais e/ou desmedidas. Defendese, isto sim, que, a despeito da ordem de fatores posta no texto, seja o art. 8° (em comen- to) lido com a necesséria parcimdnia, eis que 0 ideal da seguranga juridica nao permite haja 0 escalonamento contido, ao menos, na leitura ex: pressa do texto de tal artigo do NCP. Afirma-se isto sem medo de ero, eis que os valores da dignidade humana, da proporcional dade e da razoabilidade, por sua pouca densida- de normativa, no podem servir de pretexto para que, em todo efou qualquer easo, possa ser des- considerada a lei. Se isto fosse permitido, haveria aniquilago do valor seguranga, posto que 0 uso indiseriminado de tais prinespios levaria a intime- ros julgamentos subjetivos que, sem a devida legi- timidade, retirariam validade das escolhas feitas pelos canais politicos de deliberagio, a respeito das condutas que devem ser prestigiadas efou repri- midas em nossa sociedade. Deste modo propugna- se que, como jd tem sido ensinado, continue tais valores a ser invocados como normas de conten- cio, aplicéveis apenas em situagies "limite", nas quais a norma positivada estiver levando a verda- deitos absurdos nfo tolerados pelo sistema. E, no que toca 2 dignidade humana, cabe referir que ela tem intrinseca ligag3o com os ideais de proporcio- nalidade ¢ razoabilidade, eis que uma norma que no atenda a estes postulados tende a conduzita re- sultados indignos para o ser humane destinaténio da regra, Poderseia dizer, mesmo, que a lei que ere a dignidade humana j6 seria, em si, desproporeional lou desarrazoada, de modo que novamente parece haver, aqui, repeticio desnecesséria de terms Dignidade humana, proporcionalidade e razoabilidade nao podem servir de pretexto para corriqueira afronta a lei positiva. Insistase, de todo modo, que dignidade hu- mana, proporcionalidade ¢ razoabilidade devem. cocupar papel de destaque nas consideragdes do juiz modemo, mas nao podem servir de pretexto para cortiqueita afronta & lei positiva, poste que tais vetores, de nitida similaridade, sio muito genéricos e devem, por isto, continuar a desem- penhar papel de critério de soluga apenas para casos “excepcionais”, sob pena de se espraiar il tima arbitrariedade judicial Neste sentido, Leonardo Greco (2013, p. 12) adverte que “a hermenéutica da modernidade, que reduza autoridade e a observancia da lei, favorece 0 arbt- trio, gera inseguranga juridica ¢ estimula o juiz a realizar justiga 8 sua moda, criando a lei do caso concreto ¢ substituindo-se aos demais poderes Esse caminho é incompativel com 0 Estado De- mocritico de Direito” De seu lado, José Ignicio Botelho de Mesquita (2005, p. 281) mencionava que “atribuir sentenga outros fins que o de atuara lei, fins que o juiz v4 buscar alhures, é desnaturar a sentenga e 0 juiz (..] e submeter 0 povo a uma vontade que no é a sua” Na mesma esteia, jd tive a oportunidade de mencionar que o juiz deve resolver os casos con- crelos aplicando @ lei, sem fazer preponderar seus valores pessoais em detrimento daqueles contidos no texto legal, eis que a diretriz legitima para so- lucie dos kitigios “no mais das vezes seré encontrada na diego da prépria lei, na medida em que ela [..] 6 resul- tado da vontade do povo [.] expressada por inter: médio de seus representantes politicos” (PUOLI, 2002, p. 69). Enfim, € 2 vista do anteriormente exposto, necessério reiterar que para solugio de casos do dia a dia nao seré possivel recorter a prineipios de expressio to genérica, que tio pouco dizem para guiar o juiz-e permitir haja razodvel uniformi- dade nas decisées proferidas. Necessétio repetir: a rotineita referéneia & dignidade humana, & pro- porcionalidade efou a razoabilidade para decidir conflitos corresponderia a privilegiar de maneira descabida o subjetivismo do juz, que, mesmo ten- do a atribuigao de decidir, nio ostenta poder para se posicionar “sempre” em detrimento das esco- Ihas fetas pelos canais politicos de representagio popular. Em outas palavras, que nfo se lia o art. 8° do NCPC coma norma que promove revolugio de nosso sistema juridico. Nao se veja, pois, na retérica redagio de tal regra aulorizagao para que, ao contrério do que consta da CF/1988, se queita libertar 0 juiz da submissio a Jef em qualquer easo no qual, € mes- mo sem efetiva densidade normativa, ele queira prestigiar escolhas pessoais, feitas em nome de ‘um suposto prestigo a dignidade humana, & razoa- bilidade efow a proporcionalidade. Neste sentido, calha mencionarligio de Cin- dido Dinamarco quando instiga o aplicador da Jeia buscara justica das decisées, mas igualmente fala que desta busca nio deve “emanar a idea de uma carga xcessiva © pe- rigosa de poderes entregues ao juiz. Legislador cle no & ¢, com as ressalvas postas, sempre cone tinua o juiz sujeito a lei, Aguele que, a pretexto de dar a esta interpretagdo evolutiva, pretender impor erengas solugdes suas petsonalissimas, decorrentes de suas opgdes p as, crengas religiosas, preeonceitos, preferéncias ete. estar cometendo ilegalidade e sua decisio nao sera le- gitima” (DINAMARCO, 2009, p. 349). Gitem-se, ainda, as palavras de Eros Roberto Grau (2014, p. 138-139), que, em recente obra, na qual faz. importante e surpreendente revisio de aspectos de seus escrites anteriores, arma que 0 endeusar dos prineipios “eneanta” e “faseina’, mas adverte que talvez esta tendéncia “acabe quando comegar a comprometer a fluéneia da eireulagio mercantil, a calculabilidade e a previsbilidade indis- pensiveis ao fineionamento do mereado”, mencio- nando ainda que, até o momento em que houver 0 abandono deste modelo de aplicago da Ie, ele, mix nistro Eros, teré “medo dos juizes”, “medo do direito alternativo”, “medo do diteito achado na rua”. Eh conctusao Como toda obra humana, © NCPC contém aspectos postivos € negatives. Uma escolha que causa preocupagio materializa-se na ideia de que- rer enfatizar prinefpios que iluminam nosso siste- ‘ma, mas nao sio dotados da densidade necesséria a garantir haja seguranga juridica, Neste contexto, insere-se o art. 8° do NCPC, que, para manter-se ‘om a parcimd= nia sugerida neste texto, mantida a lei como o fntegro, deverd ser, mj, “Tido" critério bisico de decisio a ser seguido pelo juiz, reservando-se a necessidade de clucubragdes re- Tativas & dignidade humana, 2 razoabilidade e/ou a proporcionalidade para casos excepcionais, cis que, como leciona Rosa Maria de Andrade Nery (2006, p. 426), 0 risco de trocar a “certeza do direito pelo resultado da ‘genialidade inventiva’ do jurista nos obriga a um exame de conse’ Eo que se poe para debate perante a comunidade juridiea, m Revista do Advogado cago do Direito € 0 Novo CPC, | ownea 136 Revista do Advi BARROSO, Lute Roberto, Neoconstucionalizme © Const tucionalizagio do Diseito, Disponivel em, . Acesto em: 21 jan, 2015 BOTELHO DE M dbo direito processual civil, o reexam QUITS, Joxé Ignacio. Novas tendéncias in: Tese, Estudos « Pareeres de Procsiso Civil, 1. Si aslo: Revita dor Tiibunas, 2005 DINAMARCO, Candido Rangel. A Inst Proceso. 14, ed, Sio Pavlo: Malheitos, 2 DINIZ, Maria Helena D: i de Introdupao a Normas do ito Brain intepretada. 18, of, Sio Paulo: Sarsiva, 3 GRAU, Eros Roberto. Por gue tenho medo dor juszes. 6. ed Sto Paulo: Matheiros, 2014 GRECO, Leonardo. Novas perspectvas da efetivdade do ‘garantisma processual, In- SOUZA, Mateia Cristina Xavier de, RODRIGUES, Walter dot Santos (Coord). 0 Nove Cidigo de Proceso Cini Rio de Janeito: Elsevier = Campus Jurdio, 2 NERY, Rose Masia de Andrade nae 0 fentimeno da eriagio do diteito pelos jules. UX, Luiz; NERY JR, Nelson; WAMBIER, Tetesa Arr Alvi (Coord). Proceso ¢ Consiga, Sio Revista dos Trbunais, 2006, csponsabildade da doutr- PUOLL, Jose Carlos Baptista. Or poderes do juice a rformas do proces civil, Sio Pao: Joater de Olives, 20

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