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259 © DECLINIO Do COMPLEXO DE EDIPO (1924) Cada vez mais o complexo de Edipo revela sua im- Portancia como fenédmeno central do periodo sexual da primeira infincia. Depois ele declina, sucumbe ao re- calcamento, como costumamos dizer, e a ele se segue o Periodo de laténcia. Mas ainda no ficou claro como ele se desfaz; as anilises parecem demonstrar que isso ocorre devido a dolorosas decepgées. A menininha, que quer se considerar a amada predileta do pai, vai ter um dia de sofrer um severo castigo da parte dele e se ver lancada para fora do paraiso. O menin: » que vé a mie como sua proprie- dade, passa pela experiéncia de vé-la retirar seu amor ¢ seus cuidados e dirigi-los a um tecém-chegado. Quando a reflexdo enfatiza serem inevitiveis essas experiéncias dolorosas, que contradizem o contetido do complexo, ela reforga o valor dessas influéncias, Mesmo nio ocorrendo acontecimentos especiais, como os mencionados a titulo de exemplo, é preciso que a auséncia da satisfagio espera- da ea continuada Privacgio [Versagung}' do filho desejado demovam o Pequeno apaixonado de sua inclinagio sem ¢speran¢a. Assim, por seu fracasso, como resultado de sua impossibilidade interna, 0 complexo de Edipo seria dissolvido [ginge so zugrunde). _Outra concepgao diré que o complexo de Edipo Precisa cair, porque chegou a hora de sua dissolugio es 260 OBRAS INCOMPLETAS DE s. FREUD [Auflésung], assim como caem os dentes de leite quando os permanentes come¢am a empurra-los. Ainda que o complexo de Edipo também seja vivenciado de maneira individual pela maioria dos humanos, ele nio deixa de ser um fendmeno determinado pela hereditariedade e por ela organizado, que deve transcorrer de acordo com o programa, quando comegar a seguinte e predeterminada fase do desenvolvimento. Entdo, pouco importa saber por quais motivos isso acontece ou se eles nio sio de modo algum encontrados. Nio se pode negar razdo a ambas as concepcées. Além disso, elas so conciliaveis entre si; hi espaco para a ontogenética ao lado da filogenética, mais abrangente. Também o individuo como um todo, ji no nascimento, esta destinado a morrer, e sua disposi¢ao orginica talvez ja contenha o indicio de como ira morrer. Portanto, hi interesse em acompanhar como esse programa inato é executado e de que maneira danos acidentais exploram a predisposicao. Nosso sentido foi ultimamente agugado pela percep- ¢40 de que o desenvolvimento sexual da crianca avanc¢a até uma fase na qual o que é genital j4 assumiu o papel principal. Mas esse genital é apenas o masculino, mais precisamente, o pénis; o feminino permaneceu nio des- coberto. Essa fase falica, simultanea a do complexo de Edipo, nao continua se desenvolvendo até a organizacao genital definitiva, mas submerge [versinkt] e é dissolvida [abgeldst}? pelo periodo de laténcia. Seu desfecho, porém, consuma-se de mancira tipica, e apoiando-se em aconte- cimentos sistematicamente recorrentes. Quando a crianca (0 menino) voltou seu interesse ao genital, é traida também pela reiterada manipulagao deste, e entao precisa passar pela experiéncia de que os siti CE NEUROSE, PSICOSE, peavensko 261 referindo-: ira consui Prias mu S€ a0 pai ou ao Médico, que, Para a sua garantia mar © castigo. Em um namero de casos, as pré- heres assumem um abrandamento simbélico da ameaga, anunciando nio a eliminagio do genital, a bem da verdade, passivo [des eigentlich Passiven|, mas sim a da mio ativamente Pecaminosa. Com particular frequéncia acontece de o menininho nio ser afetado pela ameaca de Castra¢ao por brincar com a mio no pénis, mas por molhar @ cama todas as noites e nio conseguir ficar limpo. As Pessoas que cuidam da crianga comportam-se como se essa incontinéncia noturna fosse a consequéncia e a prova da entusiasmada atividade com o Pénis, ¢ provavelmente elas tém razio. De qualquer forma, molhar a cama por tempo prolongado, que pode ser equiparado com a polucio do adulto, é uma expresso da mesma excitagao genital que nessa época impeliu a crianca a masturbagao, Agora afirmo que a organizacao genital falica da crianga perece por essa ameaga de castracio. imediatamente e nio sem que outras influénci: a isso. Pois, de inicio, o menino nao acredita na ameaga nem lhe obedece. A Psicanilise revalorizou dois tipos de experiéncia, dos quais nenhuma crianca é poupada € através dos quais ela deve estar Preparada para a perda de partes muito estimadas do corpo: a retirada do seio materno, de inicio temporariamente e depois definitiva- mente, a separacio diariamente exigida do contetido do Porém, nio las se somem. 262 OBRAS INCOMPLETAS DE S. FREUD foi feita uma nova experiéncia € que a crianga comega a contar coma possibilidade de uma castragdo, mas, entio, ainda hesitante, de mA vontade, e nio sem o esforgo para diminuir o alcance da propria observacio. A observagio que finalmente rompe a sua é a do genital feminino. Em algum momento a crianga, orgulhosa de ser possuidora de um pénis, defronta-se com aregiio genital de uma menininha e tem de se convencer da falta de um pénis num ser tio semelhante a ela. Assim, a perda do proprio pénis se torna ameaga de castracio obtém seu efeito a postel -omo a pessoa cui- Nao podemos fazer vistas grossas © dadora que amea¢a com a castra¢ao nem devemos ignorar que, de forma alguma, a vida sexual da crian¢a é na mmprovadamente, na masturbagio. Ela esti, co oa masturbagio é apenas descrenga imaginavel, € 2 riori (nacheglich. se posigio edipica e a descarga genital e, em todas as épocas posteriores, ‘irk a essa relagao. O complexo de Edi duas possibilidades de satisfagao, uma al Ela poderia se colocat, masculinamente, como ele, relacionar-se com 4 mie, de forma que 108° como um obstaculo, ou substituir a mie € Ser pai, de maneira que 4 mie se tornaria supér- flua. Sobre 0 que constitui ess satisfatoria relaca0 amoross a crianga deve ter apenas nodes [Vorstellunger] impreciss 2 st Jo o tester m. Ainda nao houve ocasifio para a mulher. A aceitagao da possibilidade de reensio de que mulher é castrada poria fim i partir do complexo de masculina .m rela¢ao 20s pais, itaga relativa a0 complexo yportancia I NEUROSE, PSICOSE, PERVERSAO 263 satisfa¢do amorosa, no terreno do complexo de Edipo, deve Custar o pénis, entio vai haver um conflito entre o interesse narcisico nessa parte do corpo e o investimento libidinal dos objetos parentais. Nesse conflito vence normalmente a pri- meira forga; o Eu da crianga se afasta do complexo de Edipo. Expus em outro lugar a maneira como isso acontece. Os investimentos de objeto sio abandonados e substituidos por identificagao. A autoridade parental ou paterna intro- duzida no Eu forma af o niicleo do Super-Eu, que toma emprestado do pai sua severidade, perpetua a sua proibi- ao do incesto e assim assegura o Eu contra o retorno dos investimentos libidinais de objeto. Os anseios libidinais pertencentes ao complexo de Edipo serao em parte desse~ xualizados e sublimados, 0 que provavelmente ocorre em cada transformagio em identificagio, e em parte inibidos quanto as metas [zielgehemmt] e transformados em mogdes de ternura. O processo salvou, por um lado, o genital, afastou dele o perigo de sua perda, e, por outro, paralisou-o, sus- pendeu sua fungao. Com ele se inicia 0 periodo de laténcia, que agora interrompe o desenvolvimento sexual da crianga. Nio vejo nenhuma razio para negar [versagen] 0 nome de “recalcamento” ao afastamento do Eu’ do com- plexo de Edipo, embora recalcamentos posteriores, em. sua maioria, acontecero com a participacio do Super- Eu [Uber-Ich], que aqui est apenas sendo formado. Mas © processo descrito é mais do que um recalcamento, ele equivale, se executado de maneira ideal, a uma destruigio € uma suspensio do complexo. Podemos supor que aqui chegamos a uma linha fronteiriga, nunca inteiramente nitida, entre o normal e o patolégico. Se o Eu realmente nio conseguiu muito mais do que um recalcamento do complexo, entio ele subsistiri inconsciente no Isso [Es] manifestard posteriormente seu efeito patogénico. 264 OBRAS INCOMPLETAS DE S. FREUD ; A observagao analftica permite reconhecer ou in- tuir essas correlagées entre organiza¢io falica, complexo de Edipo, ameaga de castragio, formacio do Super-Eu e perfodo de laténcia. Elas justificam a suposi¢ao de que o complexo de Edipo sucumbe a ameaga de castra¢ao. Mas com isso o problema no esta resolvido e ha espago para uma especulagio teérica que pode mudar radicalmente 0 resultado obtido, ou colocé-lo sob uma nova luz. Antes de entrarmos por esse novo caminho, precisamos nos voltar para uma pergunta que surgiu durante nossos esclareci- mentos até aqui e que todo esse tempo foi deixada de lado. O processo descrito refere-se, tal como foi expressamente dito, apenas a0 menino. Como se realiza o desenvolvi- mento correspondente na menininha? Nesse caso, 0 nosso material se torna — incompreen- sivelmente — muito mais obscuro e lacunar. O sexo fe- também desenvolve um complexo de Edipo, um laténcia. Podemos atribuir- ‘0 filica e um complexo de isso nio se di como minino Super-Eu e um periodo de The também uma organiza¢a castracao? A resposta é afirmativa, no menino. A exigéncia feminista por igualdade entre os sexos nio nos leva muito longe, pois a diferenca morfo- légica vai se expressar em distingdes no desenvolvimento natomia é o destino, parodiando a expressio +O clitoris da menina se comporta, de ini- cio, exatamente como um pénis, mas a crianga percebe, através da compara¢do com um coleguinha menino, que “ficou muito pequeno” e€ sente esse fato como um prejuizo e como motivo de inferioridade. Ela ainda se consola durante algum tempo com a expectativa de que mais tarde, quando crescer, ela recebera um apéndice ponto, entao, psiquico. A a de Napoleio. ele tio grande quanto o do menino. E nesse que se bifurca o complexo de masculinidade da mulher. NEUROSE, PSICOSE, PERVERSAO 265, Porém, a menininha nio entende a sua falta atual como sendo de natureza sexual, mas a explica com a suposi¢io de que ji possuiu um membro igualmente grande, e que depois perdeu pela castragio. Ela parece nio estender essa conclusdo sobre si mesma a outras mulheres adultas, mas atribui a elas, exatamente no sentido da fase falica, um genital grande e completo, portanto, masculino. Assim se produz a diferenga essencial de que a menina aceita a castrag’io como um fato consumado, enquanto o menino teme pela possibilidade de sua consumagio. Com a exclusio da angustia da castra¢ao [Kastrations- angst], cai também um motivo poderoso para 0 estabele- cimento do Super-Eu e para a interrup¢ao da organiza¢io genital infantil. Essas alteragdes parecem ser, muito mais do que no menino, resultado da educagio, da intimidagao do mundo externo, que ameagam com a perda do amor. O complexo de Edipo da menina é muito mais inequivoco do que o do pequeno portador de pénis; de acordo com a minha experiéncia, s6 raramente ele vai além da subs- tituigio da mie e da posi¢io feminina em relagio ao pai. A renancia ao pénis nio é tolerada sem uma tentativa de compensacio. Ela desliza — poderiamos dizer: ao longo de uma equagdo simbélica — do pénis para bebé; seu complexo de Edipo culmina no desejo, mantido por muito tempo, de receber um filho do pai como presente, de Ihe dar um filho. Temos a impressio de que o complexo de Edipo é entao lentamente abandonado, porque esse desejo nunca se realiza. Ambos os desejos, de possuir um pénis e um filho, permanecem fortemente investidos no inconscien- te e ajudam a preparar o ser feminino para futuro papel sexual, A intensidade menor da contribuigio sidica para a pulsio sexual, que sem divida podemos juntar com o atrofiamento do pénis, facilita a transformacio dos anseios 266 OBRAS INCOMPLETAS DE S. FREUD. diretamente sexuais em anseios afetuosos com meta ini- bida. De modo geral, no entanto, precisamos admitir que nossa compreensio desses processos de desenvolvimento na menina é insatisfatéria, lacunar e vaga. No tenho diivida de que as aqui descritas relacdes temporais e causais entre complexo de Edipo, intimida- G40 sexual (ameaca de castracio), formagio do Super-Eu € entrada no perfodo de laténcia tém uma natureza in- discutivelmente tipica; mas no quero afirmar que essa tipicidade seja a nica possivel. Variacées na sequéncia temporal e no encadeamento desses processos terao de ser muito importantes para o desenvolvimento do individuo. Por outro lado, desde a publicacio do interessante estudo de Otto Rank, Trauma do nascimento, nio se pode aceitar sem discussio o préprio resultado dessa pequena investigagio, de que o complexo de Edipo do menino Perece pela angiistia de castragdo. No entanto, parece-me Prematuro entrar hoje nessa discussio, ¢ talvez também inadequado iniciar a critica 0U apreciacio da concepcii de Rank neste ponto, 4 _

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