You are on page 1of 12
A Eletrificagdo Rural no Brasil: uma Visdo Energética, Cristiane Farias Camacho? Luciana Rocha Leal da' Paz” Marcio Giannini Pereira’ Norma do Nascimento Batista? Resumo A exclusio elétrica é hoje,um imenso desafio a ser enfrentado. No mundo existem cerca de 1,4 bilhdo de pessoas sem acesso energia elétrica, ¢ no Brasil, cerca de 12 milhdes. Esta realidade evidencia 0 quao distante este universo esti das condi- ges minimas para o exercicio da cidadania. A eletrificagao rural é um processo que contribui para minimizar as desigualda- des s6cio-econémicas brasileiras, levando através da energia elétrica a possibilida- de de desenvolvimento e inclusao social. Pesquisas recentes desenvolvidas pelo Centro de Pesquisas de Energia Elétrica - CEPEL em conjunto com a ELETROBRAS apon- tam para uma mudanca do perfil energético da populagao rural apés a.chegada da eletricidade. Neste sentido, o presente artigo procura apresentar e analisar parte destes resultados para o Brasil, considerando uma ‘amostra de cerea de 17.000 propriedades/domicflios rurais distribuidas por 21 estados da federagio e contando com informagées nas dreas econdmica, social, ambiental e energética. Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), °Fundagio Padre Leonel Franca (FPLF) *Bolsista CEPEL * Este trabalho é para apresentacdo oral ¢ esta inserido no tema Energia e Meio Ambiente sob a perspectiva social e econdmica, 481 Introducao A energia é um fator fundamental pata‘a promiocdo do. desenvolvimento em seu conceito mais amplo, servindo como fomentador de outras agdes em termos de poli- ticas para a inclusao social. A enérgia tem, portanto, um cardter estratégico e o seu acesso é um direito comum a todos os cidadaos brasileiros. Neste sentido, De Gouvello (2003) aponta dois principios te6ricos que norteiam os servigos piiblicos de energia elétrica em paises em desenvolvimento: a eficiéncia econémica, realizada princi- palmente pela rede centralizada de distribuigio; e a eqitidade, que garante que todos tenham acesso aos servigos de energia em .condigdes semelhantes, motivando a extens4o da rede dos centros urbanos aos nucleos rurais. Assim, “como a eletrifica- ¢Go rural é por natureza um investimento desvantajoso, sua extens&io tem sempre, em todos os paises, necessidade de um mecanismo conciliador, geralmente organizado pelo proprio governo central. O envolvimento estatal se justifica nas muitas externalidades associadas & generalizagéio do acesso & eletricidade, tornando-se, por conseguinte, uma forma consensual de implementar o objetivo do tratamento eqiiitativo a todos os cida- daos” (De Gouvello, 2003, p.249). Juntamente 4 promogao de uma maior eqiiidade no acesso, a presenga da energia elétrica pode também estimular outras agées transversais, como as ligadas a satide, educacao, oportunidades de geracdo de renda ¢ obtengao de crédito, entre outras necessdrias para reduzir as desigualdades s6cio-culturais ¢ econdmicas, principal- mente no meio rural, onde boa parte da populagao esta distante de muitos dos pro- Gessos ecoiidmicos, sodiais ¢ politicos que acabam por beneficiar grandes proprieté- rios e a agyicultura empresarial‘em geral. Ou seja, se por ‘um lado, existe ‘um Brasil rural onde o capitalismo esta avangado, a agricultura é moderna e a produgio agropecuaria é conduzida por empresas rurais que incorporam mecanizacio ¢ tecnologia, por outro, existe um,Brasil de pequenas e micro propriedades voltadas para,a producdo de‘subsisténcia que precisa ser desenvolvido. Tendo como meta piincipal o aumento do indice de eletrificagdo em propriedades turais, 0 governo federal langou o Programa Nacional de Eletrificagdo Rural (PNER), que em 1999 passoti a ter como jiieta garantir 0 acesso & energia elétrica de forma regular e segura a 1.000.000 propriedades ¢ domicilios rarais no periodo de quatro anos, aleahcando ‘aproximadamente 5.000.000 pessoas. No final de 2003, foi langa- do o Programa ‘Luz para Todos, com o objetivo de universalizar 0 acesso & energia elétrica até 2008, sendo estimado 0 niimero 12 milhdes de pessoas a serem benefi- ciadas (CEPEL, 2005). Frente a este cenario, 0 presente artigo faz parte de um desdobramento de uma ampla pesquisa empreendida através do Centro de ‘Pesquisas em Energia Elétrica - CEPEL e a Eletrobrds, que busca retratar os impactos sociais, .ambientais, econémi- cos e energéticos do fornecimento de energia elétrica de maneira regular e segura em propriedades rurais no ambito do Programa Nacional de Eletrificagdo Rural (PNER). A abrangéncia da pesquisa compreende a tabulagao e estudo dos dados de 482 17.102 questiondrios’ aplicadés nas areas rurais de 21 estados brasileiros, sendo a amostra dividida entre 8.888 propriedades pesquisadas na fase anterior a eletrifica- (do (fase ex-ante) ¢ 8.214 propriedades com pelo menos 2 anos de eletrificacio (fase ex-post)”. Os estados/concessionarias examinados pelo estudo sao 0s seguintes: © Regido Sul: Santa Catarina (CELESC), Parand (COPEL): * Regido Centro-Oeste: Distrito Federal (CEB), Goiés (CELG), Mato Grosso do Sul (ENERSUL), Mato Grosso (CEMAT); © Regifio Norte: Acre (ELETROACRE), Rondénia (CERON), Tocantins (CELTINS), Paré (CELPA); © Regitio Nordeste: Bahia (COEBA), Ceara (COELCE), Pernambuco (CELPE), Sergipe (SUGIPE), Paratba (SAELPA e CELB), Rio Grande do Norte (COSERN), Piaui (CEPISA); © Regiiio Sudeste:' Rio de Janeiro (CERJ, LIGHT e CENF), Minas Gerais (CEMIG ¢ CATACUASES), Espirito Santo (ESCELSA), Sao Paulo (BANDEIRANTE, ELECTRO e CPFL). Metodologia As informagoes declaradas nos questionanos de campo foram tabuladas ¢ anali- sadas através de ferramentas qualitativas ¢ quantitativas, contando, quando necessa- rio, com recursos estatisticos que contribuiram para uma conclusdo mais fidedigna em relagao a informagao trabalhada. Desta forma, o objetivo deste artigo é avaliar comportamento do perfil energético das propriedades que foram eletrificadas comparando as fases antes ¢ apos a eletri- ficagio para os dados consolidados do Brasil. Quando se fala em anélises para o Brasil, 0 artigo esté se referindo aos 21 estados pesquisados e citados anteriormen- te. A anilise teve por base os dados da pesquisa de campo referentes 4 etapa de avaliagdio do PNER, de forma a capturar as informagées relativas ao modo de vida de propriedades rurais, sendo a comparagdo dos dados realizada através da andlise temporal que procura capturar o impacto da chegada da eletrificagéo rural para a melhoria da qualidade de vida desta populacfo. O presente artigo foi dividido em trés partes, que apresentam os impactos da eletrificagao no Brasil pela forma de utilizago da energia. A primeira parte analisa © perfil dos gastos com energia na rea rural, incluindo na andlise todos os insumos utilizados, ou seja, dleo diesel, gasolina, querosene, GLP, lenha, carvao, energia 1. questiondrio de campo buscou contemplar um grande conjunto de informagles, sob os aspectos econémico, social, técnico ¢ ambiental, sendo subdividido nas seguintes reas de informagao: Identifieagdo da propriedade ¢ do proprictario (ou responsivel); Caracterizagao basica da propriedade; Caracterizagado da residéncia principal; Nivel de vida; Informagdes econémico-familiares; Recursos produtivos; Questées ambientais e Energia. ? As pesquisas de campo foram realizadas no periodo de janeiro de 2000 a janeiro de 2004 por instituigao contratada pela Eletrobras. 483 elétrica, entre outros. A segunda parte retrata a distribuigaio do consumo de energia calorifica®, indicando a quantidade consumida por cada fonte/insumo. A terceira parte, por fim, concentra a anélise na distribuigao do consumo de energia elétrica por propriedade, apresentando também uma anélise por concessiondria, mostrando as variacdes no consumo regional. Isto posto, este trabalho concentra-se na apreciagdo de alguns resultados prelimi- nares para o Brasil, entretanto cabe destacar que outras analises esto sendo reali- zadas no ambito do CEPEL, buscando interpretar as’ mudancas ocorridas tanto do ponto de vista energético, neste artigo evidenciado, como também envolvendo ques- tées sociais, econdmicas e ambientais. Perfil dos Gastos com Energia na Area Rural do Brasil ‘A distribuigdo percentual dos gastos com energia declarados pelas familias pesquisadas permite a observacdo da tendéncia do perfil dos gastos com energia na 4rea rural do Brasil em dois momentos do tempo, antes e apés 0, fornecimento de energia elétrica de forma regular e segura. Os gastos com energia incluem todos os insumos ou fontes utilizados nas propriedades rurais com fins de cocgao, iluminagao, transporte, produgdo agropecuaria, conforto, informagio, entre outros. Assim, ha uma diferenca com relagao as fontes consideradas entre as fases da pesquisa, uma vez que a fase éx-ante se refere aos gastos com outras formas de energia, como querose- ne, GLP, lenha; ‘diesel, gasolina, vela8, pilhids, ete; ¢ a fase. ex-post inclui também a energia elétrica. Giafied 1 — Distribiiigad percentual dos gastos médios com as diferentes fontes de energia utilizada’'nas fases ex-ante e ex-post - Brasil Rural Distribuigdo dos Gastos Médios com Energia fnorolatietrca [getadeanelened wee . Cleo Diese! [asaamamaras Gasolina 3 Queresene Gex-ante oP ex-post tena Gas de Biodigestor Boteria ua Vetas o% Fonte: Elaboragio propria com base nos dados da pesquisa de Campo do PNER das fases ex-ante e ex-post (CEPEL/ELETROBRAS, 2006). 3 Neste trabalho, considera-se energia calorifica a conversio de todas as fontes/insumos aqui analisadas para uma tinica unidade, Gigajoules, ou seja, 10 joules (IkWh = 3,6 x 10° joules), a fim de estabelecer uma medida adequada de comparagao. 484 Verifica-se no Grafico 1 que a energia elétrica, que naturalmente ndo apresentava participagdo nos gastos, passou a representar aproximadamente 40% dos custos com energéticos, destacando assim sua r4pida penetracdo no modus vivendi do ruricola. Infe- re-se_ainda que existe.um potencial de consumo acima deste patamar, entretanto os seqiientes aumentos da tarifa acabaram por limitar uma penetragiio maior da energia elétrica nos gastos, considerando paralelamente uma estagnaciio da renda dos ruricolas*. Observa-se ainda uma queda acentuada na participacio dos derivados de petré- leo apés a introducio da energia elétrica. 0 dominio quase que absoluto dos gastos fica com o GLP e a energia elétrica. Isso demonstra a inclinacto A substituigao, dos gastos com quase todas as outras fontes, com excegtio do CLP, voltado para a coc- cdo, pela energia elética demonstrando que houve, efetivamente, a substituigio das fontes tradicionais, principalmente no tange a iluminagdo, a informagao e 0 conforto {uso de eletrodomésticos). Desta forma, fica ressaltado uma tendéncia de comporta- mento’ da distribuig&o percentual dos gastos da area rural com energia semelhante aos da 4rea urbana, respeitando as particularidades regionais. Distribuigdo do Consumo de Energia Calorifica na Area Rural do Brasil A andlise da quantidade de energia calorifica por fonte/insumo ao longo do periodo considerado pela pesquisa possibilita uma percepcao da evolugdo do perfil de consumo de energia considerando as diferencas ressaltadas com o fornecimento de eletricidade de maneira regular. Assim, pode-se observar tanto as mudancas na quantidade consumida por cada fonte entre as fases, como perceber as diferengas em termos de consumo com- parando-se fontes diferentes. Foram considerados nesta andlise os dados da fase ex-ante e os da fase ex-post observando que os valores representam o total do consumo anual de energia em Gigajoules, ou seja, 10° joules (1 KWh = 3,6 x 10° joules). Grafico 2 — Consumo Anual de Energia Calorifica . ‘Consumo de Energia Calorifica 1 ee Oleo Diese! Fecemtrmeaeraaeey? Lenha 29063 Gasolina 0 Querosene fay 3728 Doxante aateria [95 Bex-post Corvio FEB Gas de Biodigestor | §5 outros | 1 Eergia etrica Reguior CoeareniataeneRan 24525 tov00 20000 30000 40000 50000 60000 ‘Giana, Fonte: Elaboragao propria com base nos dados da pesquisa de Campo das fases ex-ante ¢ ex-post do PNER (CEPEL/ELETROBRAS, 2006). * A senda mensal familiar média da amostra pesquisada passou de R$ 590,00 na fase ex-ante para R$ 574,00 na fase ex-post, valores atualizados para junho de 2005. Apesar da aparente redugao, o teste de média demonstrou que esta diferenga ndo é estatisticamente significante. 485 0 perfil energético do Brasil rural foi avaliado neste trabalho segundo as informa- gGes fornecidas pelas propriedades que participaram da pesquisa de campo e decla- raram a informagio referente ao consumo de energia. Os dados mostram uma redu- gio do consumo de outros energéticos, tais como o-GLP, 0 éleo diesel ¢ a lenha e 0 surgimento do consumo de energia elétrica. Na verdade, 0 aumento do‘consumo de energia elétrica pode ser explicado nao somente pela substituigdo de fontes tradici- onais, mas também pelo suprimento de uma demanda especifica que encontrava-se reprimida pela exclusio do acesso®. A mudanga no perfil de consumo energético aqui analisada retrata os resultados agre- gados para o Brasil, nao considerando aqui as diferengas regionais e as motivagdes externas para as alteragdes no consumo observadas entre.as fases, em especial conside- rando os itens dleo diesel e.carvao. Outrossim, a redug&o observada no consumo de derivados de petréleo e de produtos vegetais usados para a queima, permite uma melhoria ambiental regional e global na medida em que nao apenas contribui para a diminuigao do desmatamento e da poluigio local mas também atua para a redugdo das emissdes de gases intensificadores do efeito estufa. Cabe observar que estes resultados, mesmo limi- tados a um conjunto de 32 mil pessoas, considerando apenas a fase ex-post, podem indicar 0 comportamento futuro esperado das familias a serem beneficiadas com a eletri- ficagdo no processo de universalizacdo em curso no pais. Figura 1 — Consumo de Energia Calorifica - GJ/ano Consume de Energia Calortica ‘Consumo de Energia Catorifica Fase Exante Fase Expost fm Ir Seaaddeeag ‘consomo Guano Fonte: Elaboragio prépria com base nos dados da pesquisa de Campo das fases ex-ante ¢ ex-post do PNER (CEPEL/ELETROBRAS, 2006). Diferentemente da andlise anterior, a Figura 1 objetiva analisar 0 montante de energia consumida pelas familias rurais utilizando a mesma unidade de comparagao (Gj/ano) entre fases. Assim, verifica-se que na fase ex-ante a maior parte das propri- edades, aproximadamente 6500, consomem entre 0 e 10 Gj/ano. Na fase ex-post observa-se uma curva de distribuigdo um pouco mais eqititativa que a da fase ex-ante, 5 A titulo de ilustracao, nos 21 estados pesquisados foram adquiridos apés a eletrificagaio 6095 geladeiras, 6667 televisdes, 3844 ferros elétricos, 2104 ventiladores, 4932 aparelhos de som e 2449 chuveiros elétricos. A86 ou seja, verifica-se uma maior piarticipagad de-propriedadés (cerca de 3500) nao $6 na faixa de consumo de 0 a 10 Gj/ano mas também um nimero significativo de propriedades (cerca de 3300) com consumo na faixa de 10 a 20 Gj/ano. Tais dados indicam que houve uma reduedo de cerca de 50% no contingente de pessoas ow propriedades sob a conceituacao da pobreza energética®, evidenciando assim uma melhora do ponto de vista energético das pessoas beneficiadas com o fornecimento de energia, sendo esta parte integrante da pobreza como comumente entendida. A média de consumo de energia calorifica anual verificada na fase ex-ante foi 13 Gjlano, enquanto que a média na fase ex-post foi 16 Gj/ano. Sob o enfoque estatisti- co, com a construgdo de um teste de diferenca de médias, verificou-se que a hipétese de igualdade dos consumos médios entre as fases ex-ante © ex-post ¢ invalidada, ou seja, infere-se que a diferenga entre os consumo médios de energia calorifica é esta- tisticamente significante para um intervalo de confianga de 95%, ratificando 0 au- mento do consumo médio de energia calorifica anual da area rural do Brasil a partir da_chegada da energia elétrica. Tal resultado -indica ‘a existéncia de um potencial de consumo dé energia que encontrava-se reprimido Antes da eletrificagaio. Um exemplo claro é a subitituigao de fontes/insumos tradicionais, como vela, pilha, lenha e querosene, por energia elétrica, possibilitando novas oportunidades de consumo de bens e servigos e uma maior integragdo através dos meios de cominicagéo como o radio, eletradoméstico utilizado em boa parte dos domicilios rurais. A iluminagso elétrica permite a exis- téncia de atividades produtivas ou de lazer que. antes eram limitadas ao hordrio diurno, aumentando a qualidade de vida e a integracao dos grupos sociais’. Distribuigdo do Consumo de Energia Elétrica na Area Rural dé Brasil O comportamento das. propriedades rurais pesquisadas quanto A quantidade de energia elétrica consumida pode ‘ser verificade no Grafico 3, que descreve a distri- buigio de freqiiéncia da amostra pesquisada, destacando que cada classe de consu- mo (barra do grafico) representa-uma faixa de 20 kWh/més. -§ Apesar de nao haver um consenso na literatura sobre © patamar de consumo no qual se pode conceituar a pobreza energética, estudos em desenvolvimento pelo CEPEL apontam para o patamar de 9,34 Gjlano/familia. 7 Em relagdo as questies produtivas, 0 estudo nao indicow variagdes significativas apés a eletrificacao, obscrvando a amostra € o periodo até entdo estudado. 487 Grafica 3 — Distribuigao de frequéncia do Consumo de Energia Elétrica - Fases ex-post Consumo de Energia Eiétrica Brasil Rural - Fase ex-post ‘000 1500] Qtd. de Propriedades ag 8 o 8 Fonte: Elaboracio propria com base nos dados da pesquisa de Campo da fase ex-past do PNER (CEPEL/ ELETROBRAS, 2006). see “ Os dados apresentados mostram que o consumo médio de energia elétrica na area rural, recentemente eletrificada do Brasil é de 97 kWh/més. Pode ser observado também que um elevado nimero de propriedades (aproximadamente 1700) consome entre 20 e 40 kWh/ més ¢ ainda que mais de 80% das propriedades consomem abaixo de 128 kWh/més*. As informagdes demonstram haver uma distribuigao nao equanime no consumo, com a maior parte das propriedades situadas nas faixas de menor valor e poucas propriedades apresentando um consumo muito alto, o que impede que o nimero relative ao consumo médio possa refletir a realidade da maior parte dos ruricolas. Além disso, ha que se destacar 0 fato de que os dados analigados na fase ex-post sao para propriedades recentemente eletrificadas, onde a aquisigio de bens eletrodo- mésticos ¢ eletrorrurais est4 condicionada a capacidade de compra e€ acesso ao cré- dito, que para a realidade considerada sao extremamente baixos. Desta forma, infe- re-se que apesar da grande penetracao da energia elétrica aqui demonstrada, 0 con- sumo inicial acaba por se traduzir em um aumento do conforto, que ainda permanece incipiente frente as reais necessidades e desejos apresentados. Um outro ponto a ser levantado sobre o consumo de energia elétrica é que as diferencas apresentadas podem também ser um efeito das desigualdades existentes entre as regides e estados brasileiros. Verifica-se que nas regides Sudeste e Sul ha uma predominancia da agricultura moderna com a consolidacéo do padrao agro- industrial de produgio, sendo que nas regides Norte e Nordeste prevalecem as estru- turas produtivas tradicionais, com uma maioria de pequenas propriedades voltadas para a agricultura de subsisténcia. A regizo Centro-Oeste, por sua vez, apresenta uma expansdo do padr4o agrario moderno nas areas de fronteira agricola, evidenci- ando a concentrag4o-espacial da produgdo na regiao (CEPEL, 2000). ® Evidéncias empiricas do estudo elaborado demonstram que o consumo de uma propriedade rural produtiva tipica é de 128kWh/més (CEPEL/ELETROBRAS, 2006). 488 A andlise do consumo médio mensal de energia elétrica por concessionaria envol- vida na pesquisa, disposta no Grafico 4 a seguir, apresenta uma das formas que esta distribuigaio pode ser verificada. Grafico 4 — Consumo Médio de Energia Elétrica: por Concessionaria Consumo Médio de Energia Elétrca por PropitedademDomnicitio Rural (winds) - Area Rural do Brasil . = 160 “ 2 100 soa “ i : 3 sHHE HE : IPP ELLE CLT OOGE LEE consessionéetas Fonte: Elaboragio propria com base nos dados da fase ex-ante da pesquisa de Campo do PNER (CEPEL/ ELETROBRAS, 2006). Através do Grafico 4, é possivel observar que 0 maior consumo verificado é na regiao Sul, com destaque para a Area de concessio da CELESC, que apresenta um consumo médio superior a 200 kWh/més. Em contrapartida, observa-se que os con- sumos médios das concessionarias localizadas na regiao Nordeste apresentam os menores valores, ficando em torno de 50kWh/més, demonstrando que o padrao de desigualdade representado pelo consumo de energia elétrica nas areas rurais é um reflexo das diferengas sécio-econémicas que ocorrem no Brasil como um todo. Conclusio . | A energia é um dos requisitos importantes para a promogao da inclusdo social e do desenvolvimento, especialmente considerando o caso das areas rurais, funcionan- do como uma espécie de alavanca para os outros aspectos que atuam no sentido de assegurar condigées minimas para o exercicio da cidadania desta populagdo, como acesso ao trabalho, servicos de satide, educagdo, geragao de renda, alimentacio, entre outros. Contudo, sé o fornecimento de energia elétrica de forma regular nao é capaz de assegurar estes ganhos, sendo necessario um planejamento integrado de varias esferas e diferentes Areas do poder piblico para, a partir da presenga da eletricidade, dinamizar os outros aspectos da vida rural (CEPEL, 2004). Este artigo apresenta os resultados obtidos a partir da andlise dos dados da pes- quisa de campo consolidados para o Brasil, considerando os 21 estados citados anteriormente, sendo uma parte dos estudos que j4 vem sendo desenvolvidos ha mais de 6 anos pelo CEPEL e ELETROBRAS relacionados a andlise dos impactos sécio-econémicos de projetos energéticos, com énfase na eletrificacio rural. Verifi- cou-se que houve uma penetragao da energia elétrica para o periodo compreendido entre as fases ex-ante e ex-post, promovendo uma substituicao das fontes tradicionais de energia bem como uma redistribuigdo no uso das outras fontes/insumos. No perfil declarado por cada propriedade/domicilio rural para os gastos com energia, houve uma redug4o no consumo de GLP, que passou de 50% para 39% do total despendido, de éleo diesel, que passou de 20% para 13%, e uma substituicado de insumos como pilha, velas, lenha e querosene por energia elétrica, que na fase ex-post passou a representar 40% dos gastos médios com energia. O consumo médio de energia elétrica na drea rural brasileira, de acordo com os dados da pesquisa, é de 97 kWh/més, sendo que mais de 80% das propriedades possuem um consumo abaixo de 128 kWh/més, sendo esta caracterizada com pro- priedades sem perfil produtivo. Tais resultados apresentam uma realidade rural ainda muito fragmentada, onde a maior parte das propriedades e domicilios rurais é constituida de pequenos e micro produtores com baixa renda e baixa capacidade de consumo. Ao mesmo tempo, existe um nimero significativamente menor de grandes propriedades e empresas rurais com alto poder de compra e consumo, que acabam por elevar o valor do consumo médio nacional, indicando assim a presenga de um desenvolvimento mais pontual e menos eqiiitativo. O aumento do indice de eletrificagao rural quando acompanhado de politicas vol- tadas para.o fomento a produgio, acesso ao crédito, assisténcia técnica e contando com a participagdo da populacdo envolvida, certamente pode minimizar as desigual- dades sociais ¢ as diferencas regionais. , A proposta central do artigo é de avaliar os efeitos da chegada da energia elétrica no que tange a renda e ao perfil energético. Apesar de ser dbvia a expectativa da mudanga do perfil energético, a literatura nao dispunha de dados para se afirmar com uma confiabilidade satisfatéria este fato. Em paralelo, havia uma expectativa de um aumento-da renda que no se confirmou, indicando a necessidade de aportes e ages paralelas para que de fato se exerga a inclusio social. No que concerne ao processo de universalizagao, reconhecido o esforco e os grandés' desafios encontrados, entretanto nfo € suficiente apenas contemplar uma meta de atendimento por si s6, é necessario que esta seja ampliada e conjugada com outras ages em prol de um objetivo social. Sendo assim, os resultados aqui apresen- tados podem auxiliar na implementagao de politicas publicas para a promogao do desenvolvimento sustentavel no meio rural brasileiro, seja em paralelo com novos projetos de Eletrificagao.Rural.seja com outros projetos de inclusio social. 490 Referéncias Bibliograficas: ARAUJO, Joao L. & OLIVEIRA, Adilson (2005) Didlogos da Energia: reflexdes sobre a ultima década 1994-2004. Viveiros e Castro Editora, Rio de Janeiro. BAKER, Judy (2000) Evaluating The Impact of Development Projects on, Poverty: a handbook for practicioners. The World Bank, Washington, USA. BARROS, R. P., HENRIQUES, R. & MENDONCA R. (2000) Desigualdade e Pobreza no * Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitavel. Revista Brasileira de Ciéncias Sociais ; Vol.15 N. 42, Fevereiro. BOA NOVA, Antonio Carlos (1985) Energia e Classes Seciais no Brasil, Edicdes Loyola, 247 paginas, Sao Paulo. CEPEL (2000) Aspectos Gerais do Setor Rural Brasileiro: Bases para Avaliaciio Integrada -1do.Programa Nacional de Eletrificagaio Rural “Luz no Campo” in Relatério Técnico CEPEL n° 1035, Projeto 1437. CEPEL (2004) Anilise dos Dados Primarios ¢ Secundarios das Regides do Brasil para Apoio aos Resultados da Pesquisa de Impactos Sociceconémicos do Programa “Luz no Campo” da fase ex-ante ~ Relatério Executivo in Relatério Técnico CEPEL n° 10609, Projeto 1437. CEPEL (2005) Anélise Sintética de Impactos: Uma Contribuigdo para a Universalizagao do Acesso a Energia Elétrica — Cearé/COELCE in Relatério Técnico CEPEL n° 32583, Projeto 1437. CEPEL/ELETROBRAS (2006) Base de Dados do Programa Nacional de Eletrificagio Rural. DE GOUVELLO, Christophe (2003) Modelos Institucionais de Gestao: Eletrificagio Rural Descentralizada no Vértice das Reformas Liberais in “Eletrificagiio Rural Descentralizada: uma oportunidade para a bumanidade, técnicas para o planeta”, Christophe de Gouvello ¢ Yves Maigne (organizadores). CRESESB-CEPEL, Rio de Janeiro, p. 247-272. GNESD -Global Network on Energy for Sustainable Development (2004) Energy Access Theme Results — Synthesis, United Nations Environmental Programme (UNEP) April/2004., HAANYIKA, Charles M. (2005) Rural Electrification and Institutional Linkages. Energy Policy. Article in Press. Human Development Report 2003. Millennium Development Goals: a compact among natious to end human poverty. EUA: New York, 2003. Disponivel em www.undp.org. Acesso em 13/08/2004. TEO 2005, International Energy Outlook. U.S. Department of Energy, Washington, 2005. MME, Ministério de Minas e Energia (2003) Modelo Institucional do Setor Elétrico, Brasilia, dezembro. MME, Ministério de Minas e Energia (2005) Programa Nacional de Universalizagio do Acesso e Uso da Energia Elétrica — Luz para Todos — Manual de Operacionalizagio. Disponivel em http:!/www.aneel.gov brleedoc/pr2004038mme.pdf - Acesso em 17/10/2005. UN. United Nations (2003) Economic and Social Council Reports on Selected Themes in Natural Resources Development in Africa: Renewable Energy Technologies (RET®) for Poverty Alleviation. Addis Ababa, Ethiopia 7-10 October 2003. Disponivel em http:// www-uneca.org/eca_resources/Major ECA_Websites/osd/_Toc0190532. Acesso em 2/03/2006. UNDP. Human Development Report 2003. Millennium Development Goals: a compact among nations to end human poverty. EUA: New York, 2003. Disponivel em www-undp.org . Acesso em 13/08/2004. YANG, Ming (2003) China ‘s Rural Electrification and Poverty Reduction. Energy Policy n.31, pg. 283-295. ° . Agradecimentos Os autores agradecem ao Departamento de Gestio do Programa de Universalizagio - DEP da Eletrobras pelo apoio € patrocinio ao Projeto “Apoio Luz” executado pelo CEPEL. 492

You might also like