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“As Ras que Queriam um Rei” (DEMOCRACIA, TIRANIA E ANARQUIA) A 86 so conhecidas, até hoje, trés formas de os seres huma- nos viverem em conjunto: 1) anarquia — ninguém obedece a ninguém e cada um faz 0 que bem deseja, mesmo que seus atos prejudiquem os demais; 2) tirania — todos obedecem a um che- fete e fazem o que ele quer, mesmo que para isto 0 chefete tenha que empregar o terror e a violéncia fisica; 3) democracia — os individuos entram num acordo (contrato social) sobre as regras a que todos devem obedecer, o grupo-punindo os que quebrarem 0 pacto estabelecido (bem comum). 2, As criangas pequenas, evidentemente, sao incapazes de estabelecer um pacto democratico baseado no respeito miituo e nas regras livremente deliberadas. Sé no inicio da _adolescéncia e se a crianca estiver atingindo as primeiras operacoes abstratas, um agrupamento de criangas torna-se capaz de compreender 0 que seja respeito miituo e a validade das regras, livremente, esta- belecidas pelo grupo (democracia). Como se vé, 0 pacto demo- eratico corresponde a um nivel bem nitido de desenvolvimento mental (operacées abstratas). & a doutrina de Jean Piaget. 3. O agrupamento de criancas pré-adolescentes oscila, por- tanto, entre a anomia (anarquia-auséncia de regras) e a hetero- nomia (regras impostas por um colega mais forte e por adultos (pi is, mestres, instrutores, etc.). No fim desta fase, 0 educador inicia 0 treinamento para a democracia, treinamento que corre sempre o perigo (por falta de nivel mental das criancas) de cair na anomia (anarquia). Mas, o risco deve ser corrido, sendo jamais a crianca aprende o uso da liberdade. 4. Sem a consciéncia de que cada um deve respeitar os demais (respeito mituo) e sem a confianga de que regras livre- mente deliberadas devem ser respeitadas (até nova deliberacado do grupo), toda ‘tentativa ‘de democracia (liberdade) cai na anarquia. 45, 5. Muitas pessoas, ingenuamente, confundem anarquia (fazer ‘© que se quer, mesmo prejudicando os demais) com liberdade, s6 tomando consciéncia do engodo, quando a “‘liberdade" (anarquia) do outro as prejudica (se o outro, por anarquia, puxa seus cabelos, vocé logo percebe que deve haver uma regra respeitada por todos: “‘ninguém pode puxar os cabelos do outro”). 6. A historia mostra que, invariavelmente, depois de um periodo de anarquia estabelece-se uma ditadura (0 candidato a ditador conclama todos a voltar & ordem e, em geral, todos con- cordam que é necessério o minimo de ordem para haver convivio mituo). O escritor romano ilustrou esta situacéo com a fabula “Jupiter e as ras”... 7. Ea historia dos homens (a historia dos agrupamentos infaniis) oscila entre anarquia-ditadura-tentativa de democracia frustrada (por falta de nivel mental) anarquia-ditadura 8. N&o sabemos qual a mentalidade mais perigosa: a) a que prega a ditadura ou b) a que prega a anarquia (falso conceito de liberdade: liberdade sem regras). A anarquia da ao candidato a tirano motivo razoavel, geralmente, aceito por todos, de implan. tar a ditadura: conseguir 0 minimo de ordem que permita 0 trabalho e 0 convivio coletivo... 9. Este problema de cardter politico-sociologico aparece, também, nitidamente, nas escolas: nelas, a) ou impera a mais rigida disciplina, sufocando toda liberdade; b) ou implanta-se total ‘anarquia — as criangas fazem o que querem, entram e saem das classes quando bem desejam, agridem-se mutuamente, agridem (os mestres (clima totalmente impréprio para a aprendizagem). £ a oscilacéo zebrada dos espfritos primérios que sé conhecem uma alternativa: preto ou branco.. 10. ¥ muito mais facil chegar A democracia a partir da hete ronomia (disciplina rigida), que da anarquia (ninguém respeita ninguém). A opressdo contrasta, t&o vivamente, com a liberdade ‘que todos entendem o que ela representa. Na anarquia, os que ‘esto levando vantagem impedem que se organize a democracia, até que 0 candidato a tirano levante os que estdo em desvanta. gem, em nome da ordem... 11. Qualquer pessoa de bom senso (nivel das operacdes abs- tratas) sabe que € assim que as coisas acontecem: sem respeito mito e obediéncia as leis, livremente, deliberadas pelo grupo, é impossivel o exercicio da liberdade. 12, ¥ facilimo e comodo, optar ou pela disciplina rigida (tira- nia, ditadura), ou pela anarquia (bagunca, disputa, vinganca, etc.), Dificil é ensinar a liberdade, .sobretudo’ porque, nos primeiros momentos, a democracia oscila entre a anomia e a heteronomia (entre a anarquia e a ditadura). Precisamente, este € o problema 6 de A Chave do Tamanho‘) que luta para ensinar as criangas a democracia (livre deliberacio das regras e respeito mituo). 13. Se as familias criam os filhos na mais rigida disciplina, as criangas nao entendem a ordem sendo imposta pelo adulto, estranhando que haja deliberagdo de normas. Se o modelo familiar 6 a anomia (anarquia, auséncia de respeito entre as criangas e os adultos, a crianca tornando-se um tiranete a quem se fazem todas as vontades), a crianca interpreta a deliberagdo das normas como falta de forca do mestre, tentando reproduzir na classe 0 clima familiar. 14. Estabelecido esse clima, cria-se um impasse: a) as cri- angas vindas de um clima familiar rigido interpretam a atitude do mestre como ‘‘falta de moral” (como eles chamam): 0 professor nao “domina” a turma... b) a crianga vinda de um clima fami- liar sem normas, simplesmente, supde que a “politica” da escola 6 a mesma de sua casa.. 15. Por parte do mestre, outro dilema apresenta-se: a) per- mite 0 estado de anomia, ja que néo pode partir para uma rigida heteronomia (medidas disciplinares drasticas, expulsio, retencao, etc.); b) ou arrisca-se (mesmo com o perigo de sofrer repressio da sociedade) a impor ordem, por cima de pau ou pedra? Acei- tando a primeira hipétese, tera de desistir de qualquer trabalho pedagégico sistematico; optando pelo segundo, cria clima de tensio na classe e corre o risco de ser martirizado pela opiniao publica. 16. Em sintese: sem a colaboracao dos pais é impossivel ensinar a democracia, optando-se ou por uma anarquia permanente que exclui qualquer trabalho pedagogico sistematico, ou por um lento € prolongado treinamento disciplinar que chega a sufocar qualquer espontaneidade, mesmo que jamais seja necessario usar de medidas drasticas desaprovadas pela sociedade (as escolas deste tipo, lentamente, conseguem criar um clima de terror que aparenta trangiiila disciplina aceita). 17. Ora, esté na moda, por influéncia de doutrinas norte- americanas (alias, j superadas totalmente nos EUA), os pais adotarem total anomia (que chamam “‘espontaneismo”) ‘nas rela- Bes com as criancas, chegando alguns a estimular permanente atitude de protesto (vindita), a titulo de cultivarem a “autonomia’ Noutras criangas, o estado de anomia provém da total ou parcial auséncia de vida familiar. O fato é que a crianca chega & escola preparada para no aceitar qualquer norma ou imposicdo, atitude apoiada pelos pais. 18. Com criancas assim, torna-se totalmente impossivel tra- balho escolar organizado, criando-se situagées insuperdveis, levan- do por vezes os mestres a reacdes impréprias (fato que ‘corre, *) Obs “A Chave do Tamanho” autor, (NE) escola de 1 grau, crada e dirigida pelo av também com 0s pais que, em certo momento, perdem a paciéncia frente & impertinéncia da crianga). 19. Se os pais e mestres nao entrarem num acordo para supe- rar esta situagio, o problema provavelmente nao ter solucdo e reinaré ou a anarquia (0 medo da censura da opiniao piblica), ow tera de adotar-se sistemAtico processo de disciplinagao que “do- mestique” a ctianca. a 20. Ora, nosso objetivo é a liberdade com respeito mituo e com normas livremente deliberadas. Os pais devem esclarecer os filhos que a liberdade nfo ¢ fazer o que se quer, mas participar ativamente da elaboragao das normas comuns (democracia). O Desenvolvimento da Inteligéncia Tende Para uma Estruturacao Légico-Matematica (CONSTRUCAO DAS ESTRUTURAS MENTAIS A PARTIR DAS ACOES SENSORIO-MOTORAS) Neier teerisaren Lrenseignement des Mathématiques, T. L, Nowvelles Perspectives, Délachaux et Niestlé, 1965, Jean Piaget lembra que as estruturas-mdes (Bourbarki) que os mate- maticos consideram fundamentais, primitivas e irredutiveis (hoje, ‘0s matematicos encontram “estruturas” ainda mais primitivas, como os morfismos, categorias e funcdes, presentes, também, no desenvolvimento das criancas) so, também, as estruturas basi- ‘eas que iniciam o desenvolvimento da inteligéncia da crianca, apre- sentando-se, nos dois primeiros anos, como atividades ainda sen- sorio-motoras. Deste modo, a matemética pode ser apresentada como a sistematizagao (no plano hipotético-dedutivo) dos proces- os operatives usados pela inteligéncia humana desde a mais tenra idade da crianca, podendo-se dizer que, também, a mate- matica, nos seus infcios nao é sendo a “coordenacao das acies” Guntar, separar, incluir, etc.). Como a inteligéncia &, fundamentalmente, um processo combi- natério, é evidente que, desde os primeiros momentos desta cons- truco, as estruturas se combinam entre si, sem, contudo, perder sua identidade. $6 agora os mateméticos esto compreendendo (reorganizagao) que certas construgGes matemiticas aparecidas, historicamente, em primeiro lugar, so, de fato, muito anteriores, na ordem genética da construcao (‘‘o que é primeiro na ordem da construgéo aparece por dltimo na ordem da anélise ou de tomada de consciéncia”). Assim é que, s6 recentemente, os matematicos admitiram que as chamadas “intuices geométricas" (base das geometrias projetivas e euclidianas) nao séo “intuicées e muito menos “entes" a priori, mas resultado de longa e complexa cons- trugio a partir de “intuicées” topologicas (vizinhanca, fechamen- to, fronteira, etc.). Ora, a topologia, como disciplina matemitica, 86 aparece, historicamente, recentemente. Esta descoberta é de importancia excepcional para a peda- gogia da matematica. Todo o estudo de geometria projetiva e 49 euclidiana, desta forma, deixa de partir de certas constancias ou invaridncias tidas como a priori (linha, continuo, distancia, com- primento, correspondéncia, “intuigBes geométricas”, etc.) para co- mecar pelas “intuicdes” topologicas. A construcéo das chamadas “intuigdes geométricas” exige um periodo de cerca de cinco anos no desenvolvimento da crianca, precisamente, 0 periodo que vai de dois a sete/oito anos, quando se inicia o curso primario. Assim, a “‘matematica”’ do pré-primario (para nao falar na “‘matemética"” do sens6rio-motor) 6, de fato, uma pré-matemética ou uma légica em- brionaria, donde ‘a dificuldade de os matematicos (que acreditam nas “intuigdes”, inclusive na do némero: “Deus fez os nimeros inteiros: 0 resto todo é obra des homens”, Kronecker) de sugerirem atividades “matematicas” para este longo e laborioso periodo do desenvolvimento da crianca. Mas, nao é 6. De sete/oito a onze/ doze anos, a crianca constréi, lentamente, uma série de estruturas (classificagio, seriacdo, substituicao, simetria, tabua de dupla en- trada, arvore genealogica) que serao indispensdveis para a aqui- sigdo das mais elementares nogies da matematica (tudo isto que (0s matematicos supdem que as criangas possuem, intuitivamente, ou de forma aprioristica) ‘A matematica hipotético-dedutiva (abstrata) dos matematicos, portanto, ¢ antecedida: a) de dois anos de atividades sens6rio- motoras (encaixes, ordenacées e correspondéncias concluidas com a sintese do grupo dos deslocamentos); b) de cinco anos de cons: trugées mentais (fun¢o semiética) de alinhamentos (ordenacées), classificacio (arranjos figurais), correspondéncias e cépia de modelos (concluidas com a sintese das nocées de funcdo e de identidade); c) de quatro anos de construcao dos chamados “entes"” matemAticos gerados pelas nocdes de seriacdo, classifi- cago, particdo (nogées de nimero e deslocamento, medida, ma- trizes’ multiplicativas, quantificagdes de inclusdes e de grandezas e conservagdes fundamentais). Existe, portanto, do ponto de vista pedagégico, uma pré-ma- temdtica (de fato, uma légica elémentar) correspondente: a) a0 periodo sensério-motor; b) ao periodo simbélico e c) ao periodo das operagées concretas (agrupamentos de seriacio, classificacao, simetria, substituicio, tabua de dupla entrada e arvore geneal6- gica). S5 apés dominar estes elementos infra-estruturais, pode a matemética hipotético-dedutiva (a matemética ¢ definida como uma ciéncia hipotético-dedutiva) ser apresentada & crianga (nas vésperas de sua entrada na adolescéncia). A chamada matema- tica intuitiva, de fato, consta de longa elaboracdo operativa de coordenagées’ de atividades e de estruturas elementares (estrutu- ras de rede, de grupo e estruturas topolégicas). Em todos os cha- mados “entes” matematicos (nimero, medida, consténcias, linhas, continuo, ete.) esto latentes combinagées de trés estruturas-maes que so comuns & matematica e a inteligéncia em geral: a) estru- 50 turas algébricas (cujo modelo so os diversos tipos de grupos); b) estruturas de ordem (cujo modelo sio as redes, lattices ou malhas) e c) as estruturas topolégicas finitas elementares (cujo modelo so as. vizinhancas, fronteiras, continuo, donde surgem as chamadas “‘intuigdes geométricas”, isto, tanto no desenvolvi- mento da crianca, como na reconstrucdo ‘tedrica das matemé- ticas modernas, segundo os Bourbarki). Para orientar uma proposta “curricular” destinada ao pré- primario (de dois e onze/doze anos), pode o pedagogo tomar como ponto de referéncia estas estruturas e suas combinacdes, de modo que possa ter certeza de que a crianca construiu, mentalmente (depois de construir sensério-motormente), a estrutura de que se vai servir a matematica dos tratados elementares destinados as criangas. Ora, depois de dominadas estas pré-nocdes matematicas, a crianga esta habilitada a enfrentar com éxito 0s processos hipo- tético-dedutivos da matemética, de modo que os processos “‘peda- g6gicos” se tornam irrelevantes (o método hipotético-dedutivo € a “pedagogia” da propria matemética) ‘A grande novidade, portanto, em matéria de “didatica da mate- matiea”, € a descoberta de que as “nocées elementares” da matemética néo tém nada de “‘elementares”, precisando de longo perfodo de construcdo que vai do nascimento da crianca aos onze/doze anos. # mesmo provavel que as dificuldades histéricas, no aprendizado da matemética, decorram de se considerarem “‘intuitivas” nocdes que demandam longa elaboracdo operativa. Kantor sugeriu que as nogdes de ‘‘conjunto” deviam ser ensinadas 4s criancas por serem, geneticamente (reconstrucao da arquite- tura da matematica), nogdes elementares (como as nocdes de correspondéncia que aparecem muito cedo no desenvolvimento das criancas). J. Piaget, concordando com Kantor, afirma que, mais que as nocdes de devem ser “ensinadas” (desenvol- vidas), nas criancas, as nocdes topologicas elementares de onde deriva, geneticamente (reconstrucéo da arquitetura da mate- mitica), as “intuicdes geométricas” (das geometrias projetiva e euclidiana), com a agravante de estes mecanismos estarem, ‘estreitamente, ligados & “‘construcdo do real” (representacdo do mundo) onde procedem os processos semidticos (dentre 0s quais a linguagem. 6 0 mais relevante). Tradicionalmente, a matematica inicia-se por operacdes elementares com nimero e medida (a ponto de os mateméticos suporem que estas nogdes eram formas @ priori ou intuicdes basicas). Ora, ndo se pode operar sobre algo ‘que nao existe ainda, mentalmente: sem a combinac&o das nocées de classe, série e correspondéncia néo existe o numero (salvo como uma palavra sem sentido) e sem as nogdes de continuo, particdo e deslocamento ndo existe a medida. J. Piaget demonstra, por exemplo, que a nocio de conservacéo (entre outras) deriva do grupo dos deslocamentos e a conservaco & a nocéo minima 5 para se poder contar e medir... Quando a crianca domina, ope- rativamente, as nogdes de numero e medida, esta a ponto de aleangar as operacdes abstratas que predominam nos processos matematicos. grande problema, portanto, é a pré-historia da matematica. & dificil discutir-se com um matematico este problema, pois as nogdes pré-historicas de matematica néo aparecem nos tratados elementares de matemética (e os matematicos nao se dao ao tra- balho de estudar, por exemplo, a “'génese do nimero"). J. Piaget dedica dois volumes de quinhentas paginas cada um para des- crever a embriologia das “‘intuicdes geométricas”, mostrando como das “‘homeomorfias” topolégicas nascem as nocbes projetivas e ‘a métrica euclidiana (0 que corresponde, de maneira notavel, as explicacGes tebrieas da construedo das geometrias). O grande tra: balho do pedagogo, pois, nao ¢ descobrir uma “‘didatica da mate- mitica”” (e didatica da matematica é 0 proprio método hipoté. tico-dedutivo), mas planejar atividades didaticas que contribuam para a tomada de consciéncia da “‘embriologia das nocées ele- mentares da matemética’” (atividade que ocupara um perfodo de nove anos na vida da crianga). A teoria de J. Piaget caracteri. za-se pelo construtivismo (que por sinal é a forma de inventar a matematica), de modo que, a partir das atividades sensbrio-mo- toras, 0 pedagogo tem que encontrar processos didaticos que levam & construcéo das “nodes elementares” da matematica. Quase nada se pode obter para isto dos mateméticos que partem de “intuigées” que s6 aparecem no final deste longo periodo. O mesmo se pode dizer dos logicos (0s légicos, também, nao se dao ao trabalho de estudar a embriologia das nogées elementares da Iogica). © pedagogo, pois, tem que aprender um minimo de mate- mética (tedrica) para conduzir o desenvolvimento das criancas até o limiar das nogGes elementares usadas pelos matematicos. Como se Cria um Dragao: A Criatividade como Exercicio da Inteligéncia Niko ns, om J. Piaget, um capitulo a parte sobre “criatividede”. Para Piaget a inteligéncia ¢ compreender (uma espécie de criati vidade interna da mente face ao real) e inventar (uma espécie de criatividade de novos comportamentos para enfrentar a rea- lidade). Como a teoria piagetiana & baseada num construtivismo (Seqtiencial), logo se percebe que a teoria de Piaget é a propria teoria da criatividade, pois, sem criatividade nfo ha ‘‘construcio”. Sendo seu pensamento, fundamentalmente, biolégico, o fato que marca sua teoria, profundamente, € a evolucdo e a evolucdo é, simplesmente, a criatividade como processo vital permanente. Para J. Piaget, o organismo age, fundamentalmente, para “‘assimi- lar”, isto é para permanecer como tal — sem modificacdes —, 0 que seria’a propria anticriatividade. Mas, as prdprias exigén- cias de sobrevivéncia fazem-no adaptar-se ao meio (fato que J. Piaget chama “‘acomodaco”). A acomodac&o: (ou aprendizagem) € a propria criatividade, pois acomodar, no sentido piagetiano, 6 reestruturar (reorganizar) 0 comportamento para enfrentar os constrangimentos do meio (toda criatividade é funcional: s6 se cria para ‘‘sobreviver”, no sentido mais amplo da palavra). Se algo no desestimula as reorganizacdes, o animal (e, principal- mente, 0 homem) passa a, sobretudo, criar (inventar), como uma precorrecao de futuras possiveis desadaptacdes. Se 0 meio é muito luniforme ou a repressdo & grande, a criatividade desaparece. O estado natural do homem, pois, € inventar (criar). Por isto o homem alarga, continuamente, seu “‘espaco vital”, como que se prevenindo contra futuras “‘caréncias” (precorregéo). Mas, em que consiste para Piaget a criatividade? Como ele pensa em ter- mos de “‘construc&o”, podese dai deduzir o que seja “criar” para Piaget. Construir 6 complexificar as estruturas do compor- tamento (motor-verbal e mental) de modo que se tornem, pro- gressivamente, mais amplas, mais complexas, mais moveis ¢ mais estaveis. Neste sentido, a disciplina, essencialmente criativa, é a a. A matematica é toda “inventada"": ndo é o estudo da realidade, como a fisica que se preocupa em “descobrir", um tipo particular de “criatividade” baseado na observacao dos fatos. Logo, ndo se cria a partir de nada (ex nihilo, nihil), como pensam em geral as pessoas. Criar é sempre “complexificar”’, coordenar, combinar de forma nova. Os esquemas de assimila- ¢40 coordenam-se e se auto-assimilam, complexificando-se, crian. do novas estruturas de comportamento. Assim como, a partir do 6vulo fecundado, a biologia constréi o embrido, mediante diver- sificagSes de estruturas anatémicas, assim, o' desenvolvimento psicolégico de uma crianca, também é uma embriologia: um pro- cesso criativo (construtivo). Nao se deve dissociar o termo “‘cria- tividade” de embriologia e de evolucao. A embriologia é a evolu- co com referéncia ao individuo e a evolucdo é a embriologia com relacdo A espécie. Pode-se, por exemplo, rastrear o desenvolvi- mento das criacdes cientificas (epistemologia genética) como se se estivesse observando um embrido, cada estrutura explicativa anterior explicando — por complexificacio e por ampliacéo —, a posterior. Da mesma forma, pode-se rastrear o desenvolvimento mental de uma crianea: a crianca tem que reinventar (agira sob pressao acelerante do meio) todo o proceso racional da huma- nidade. Muito individuo que “fala bem” pode ser, intelectualmente, subdesenvolvido: pode sua fala ser toda aprendida (decorada), sem que haja pensamentos inteligentes a ela correspondentes. E notavel — diz Piaget — que as invencdes do pensamento se apli- quem realidade, como, por exemplo, a matematica. E que h& uma homogeneidade geral na realidade, de vez que os mecanismos mentais sio também parte da realidade. Portanto, néo podem ser, essencialmente, diferentes dela. No fundo, estes processos fisicos, quimicos, bioquimicos, psicologicos e sociologicos seguem ‘as mesmas leis gerais (funcionais: a priori funcional) de equili- bracio, diferenciando-se entre si pela complexidade das estruturas, apenas. A criatividade (invencdo) pode ser sensorio-motora (inte- ligéncia pratica), verbal ou mental. O artesanato e a tecnologia podem ser explicados, em grande parte, pela criatividade sensivel- motora. Quanto a criatividade mental, podemos distinguir dois tipos de mecanismos: a) 0 pensamento simbélico e b) 0 pensa- ‘mento operacional. ¥ referindo-se ao pensamento simbélico que as pessoas, em geral, falam em criatividade, pois, quase todas as pessoas confundem criatividade com algo parecido com arte. O pensamento simbélico néo trabalha com a realidade em si (con: cretude): trabalha com os significantes, exclusivamente, ao passo que o pensamento operacional trabalha com os dois. A principio, & exclusivamente concreto (s6 na abstracao o pensamento opera- cional passa a trabalhar com signos). 0 pensamento simbélico (com toda a sua fantastica criatividade) aparece, tipicamente, na crianga, no jogo simbélico (faz-de-conta, de que a arte é 0 cor- 4 respondente “‘adulto” e culturalizado). Nos adultos, que nao sio artistas, 0 pensamento simbélico s6 aparece no sonho (todo sonha- dor & um poeta e todo poeta é um sonhador). Mas, este tipo de criatividade no tem efeitos pragmaticos (procedurais). Cria poe- mas, esculturas, lendas, estorias, romances, filmes... Q amor romantico, segundo sua manifestacdo nos poemas, romances, can- es, etc., € todo baseado no pensamento simbélico, mesmo por- que 's6 0 pensamento simbélico tem recursos para a expressio vivencial motivada (0 pensamento operatério trabalha com con- vencdes socializadas e é, sobretudo, logico). por isto que o fendmeno do amor € sempre “‘equivoco””: nao se expressando por um cédigo comum, aceito por todos, utili- zando simbolos individuais, nfo convencionais, carregados de emo: Bes (desejos, aspiracées, projetos, etc.), nunca é totalmente com- preendido pelo “‘outro”. 0 pensamento simbolico néo é proprio para a comunicac&o, de vez que a comunicagao supée um cédigo convencional aceito pelos interlocutores: as manifestacdes do pen- samento simbélico (criatividade) sao mais expressdo que comunt- cacao (0 receptor no dispde de uma escala de significados para decodificar a mensagem, embora possa haver simbolos coletivas (de um povo, de um grupo, etc.). A “beleza” da cultura e da vida é resultado do pensamento simbélico, mas nao se usa o pensa- mento simbélico para coisas praticas (ninguém vai deixar de andar num avido para andar num tapete magico). Quanto ao pensamento ‘operacional, temos que distinguir dois modelos: a) a inducdo que descobre as regularidades do meio e as leis de causalidade fisica (antes de ter pensamento operacional, 0 individuo explica a cau salidade através de mecanismos simbélicos, como animismo, fina- lismo, artificialismo, etc.); b) a dedugdo ou pensamento hipotético- dedutivo, que é a invencHio de mecanismos explicativos para com- preender a realidade (a matematica ¢ 0 exemplo mais claro da inveng&o sistematizada pelo proceso hipotético-dedutivo). (0 pensamento hipotético-dedutivo trabalha sempre no sentido de inventar teorias para explicar a realidade (a teoria pode ser, no comego, um simples diagrama ou desenho). Quando a inteli- géncia cria novos mecanismos explicativos, a observacio (indu- do) dé um grande avanco, pois estes modelos permitem ver na realidade fenémenos que antes eram “invisiveis”. Pensava-se que 86 0 método indutivo fazia a ciéncia progredir (positivismo). Mas, agora se sabe que so os modelos (hipotético-dedutivos) que per- mitem a observacto dos fatos por novos angulos que nao sejam ‘0s do senso comum. Também, a tecnologia beneficiowse com as invengées do pensamento hipotético-dedutivo (assim como jé se beneficiara com a induc&o); a tecnologia, hoje, é uma espécie de aplicacdo das descobertas cientificas (assim como a ciéncia é 0 resultado das invencdes do modelo da observacao da realidade). Pode-se dizer até que o pensamento simbélico, hoje, esta conec- 55 tado com 0 pensamento operacional na medida em que a indugao, a deducdo e a tecnologia influenciam na criacdo artistica (ver, por exemplo, 0 caso do cinema). Como se vé, a criatividade nao é algo misterioso (salvo no campo simbélico, onde, apesar dos exten- 80s e profundos estudos de Freud sobre o simbolismo, resta muita coisa a explicar). ‘A criatividade, portanto, 6 0 proprio exercicio da inteligéncia dela em nada difere. Como a inteligéncia, a criatividade con- siste em fazer combinatérias (ex nihilo, nihil = do nada nao se . “animal” mais fantastico (criativo) inventado pela humanidade foi o dragdo... e um dragio é uma combinatoria de partes de outros animais (cabeca de touro, lingua de cobra, garras de leo, corpo de javaré ou dinossauro, etc., naturalmente, de acor- do com o “‘dragio” que se deseja). Os chamados ‘‘génios” nada tém de especial (salvo se a “genialidade” é uma_habilidade: aqui pensamos nos “‘génios" que, por exemplo, recebem Prémio Nobel). Em geral os individuos chamados “génios”, simplesmente, conseguiram combinar, de maneira nao previsivel ¢ de forma mui- tas vezes casual, idéias, conceitos, teorias, formas que, anterior- ‘mente, ninguém supunha poderem ‘ser combinadas (a cibernética, por exemplo, ¢ uma ciéncia que resulta da sintese entre biologia e matematica). No dia em que se puder determinar, rigorosamente, as possibilidades combinatorias de determinados elementos, tere: ‘mos inventado a formula definitiva de criatividade. A inteligéncia, como temos visto, pode ser: a) sensdrio- ‘motora; b) verbal ou simbélica (pré-linguagens) e c) mental (intui- ‘Bes, configuracdes e operacdes). Da mesma forma, a criatividade pode ser: a) sensério-motora ou pratica, como ocorre, quase sem- pre, na tecnologia (combinago de movimentos e formas concre- tas); b) simbélico-verbal, como ocorre na linguagem literdria e ‘em todas as formas de arte e c) mental, como ocorre com a inven- 80 de férmulas, algoritmos, teorias, concepedes filoséficas, etc. Em geral, os autores que tratam de “criatividade” limitam-se a uma destas trés espécies, quase sempre destacando a criatividade simbélico-verbal (criacao de formas, de enredos, de objetos signi- ficativos). 0 maximo da criatividade do ser humano é a invencdo da matemética, pois nada na natureza leva a invencao da mate- matica (e — diz J. Piaget — é extraordindrio que a seja adequada a interpretacio da realidade). Cada indivi dentro do nivel alcancado em seu desenvolvimento mental (neste sentido, pode-se dizer que pode haver génios em todos os niveis mentais: Pelé, por exemplo, deve ser um génio sensdrio-motor, Chico da Silva (pintor) deve ser um genio simbélico (inventa “monstros” que ninguém jamais imaginara antes), os grandes ‘organizadores séo génios operatérios concretos e Einstein ¢ um génio hipotético-dedutivo ou légico-matematico. E, por ai, se vé 56 a monumental tolice que é 0 chamado Quociente intelectual, con- ceito apoiado no monolitismo e uniformidade da inteligéncia.. ‘A partir da teoria construtivista de J. Piaget, pode-se refazer tudo que se vinha dizendo, até aqui, sobre criatividade, salvo no que se refere a seus aspectos motivacionais (todo mundo sabe que, sob pressdo — na guerra, por exemplo, o homem torna-se extremamente criativo, prova de que a inteligéncia — isto é — a criatividade s6 funciona como forma de adaptacio ao meio). A motivago (quando bem regulada, evidentemente, para no trans- formar-se em obstruedo) é o fator basico da criatividade, mesmo porque motivacdo (diz J. Piaget) é apenas sintoma de desequilt brio, necessidade, caréneia, contradicao, desorganizacio, etc A Anormalidade da Tromba do Elefante e o Medo que a Mediocridade Tem da Inteligéncia. A cooguista da tntligtaca, tanto pela mumanidade (Hogtoe se), como pela crianga (ontogénese), & penoso permanente pro- cesso de auto-superacdo de estados inferiores. A evolucdo é um processo inteligente. Para muita gente, o ideal seria uma inteligén- cia inata: assim ndo dava tanto trabalho ser inteligente... O ins- tinto, por exemplo, por mais inteligente que possa parecer (e, as vvezes, medido matematicamente, parece muito), é a antiinteli ‘géncia, pois ndo varia: 0 comportamento instintive é estereotipado. E proprio da inteligeéncia inventar, modificar-se, recombinar. A inteligéncia é fluida; o instinto é fixo. Explicando melhor: compor: tamento que néo ¢ inventado ndo é inteligéncia, é instinto ou hébito (0 habito uma espécie de instinto “aprendido”). A int ligéncia s6 se manifesta em situacdes novas. Nas situagdes 4 conhecidas funciona a meméria. A inteligéncia € a capacidade de resolver problemas novos. A palavra ‘‘inteligéncia” pode ser usa. da em dois sentidos, inteiramente diversos: 0 operacional e 0 criativo. Pode-se medir o nivel operacional de um comportamento, quer ‘esse comportamento seja inteligéncia, instinto ou habito (assim ‘como se mede o nivel operacional de um computador ou de outra maquina qualquer): € neste sentido que se pode chamar um ins: tinto ou habito de “inteligente”. Exemplificando: se eu ensinar um algoritmo a um débil mental (a um computador, por exemplo), 40 utilizé-lo, automaticamente, 0 débil mental parece inteligente Mas, s6 0 seria, de fato, se ele proprio tivesse inventado 0 compor- tamento. Evidentemente, pode-se também inventar um com- portamento imbecil. Em outras palavras: um instinto pode ser ultra-inteligente, mas o' animal que o utiliza nao é inteligente, por- que ndo inventou essa maneira de comportar-se. Inteligente, pois, € 0 animal que inventa novos comportamentos, quer ludica- mente, quer por necessidade de superar uma dificuldade. Mas, existem graus de inteligéncia. Entre dois animais que inventam 58 um novo comportamento, é mais inteligente aquele que inventar © comportamento mais complexo ou operacional (pode-se medir, matematicamente, 0 nivel operacional de um comportamento). professor de matemitica que dé ao aluno a férmula para resolver um problema esta ensinando uma operacdo inteligente, mas nflo est ensinando a crianca a ser inteligente. Pelo contrario, esté ensinando a ser imbecil. Se a crianca é impedida de inventar a soluedo, aprende a no inventar e se convence de sua inca- pacidade de resolver o problema se nao Ihe for dada a ‘“for- mula". Aprender uma férmula é fixar um habito, e habito nfo 6 inteligéncia. 'No caso da matematica, na longa cadeia que vai da invengao da férmula & aplicacao desta pelo aluno... s6 existe inteligéncia naquele que inventou a formula. & certo que, para entender a formula (se chegar a entendé-la), a crianca usa um tipo de inte- ligéncia que se chama “compreensao”. Portanto, as vezes, & reve- lia do mestre, gera-se a invenco. Todo ensino que se baseia na imitagdo (do professor), isto é, que depende da aprendizagem de formulas, definigies e nomenclaturas nao € ensino inteligente. O ensino inteligente depende de ensaio e erro, de pesquisa, da solu- cdo de problemas (sem formulas prontas). As pessoas comuns no acreditam que se possa aprender, inteligentemente, isto é, sem decorar algo fornecido pelo mestre. Uma didatica piagetiana con- siste, precisamente, em descobrir as técnicas de ensinar através do ensaio e erro, da pesquisa e da solucdo de problemas novos. instinto (inato) e 0 hébito (adquirido) s4o comportamentos ade- quados a determinada situagao (seria um absurdo instinto ou hAbito adequados a qualquer situacdo). Ter comportamento ade- ‘quado a qualquer situagao é, precisamente, ser inteligente. O habi- to € o instinto so como uma mAquina que s6 sabe fazer determi nada operaco: néo pode existir uma maquina que saiba fazer qualquer coisa. Ora, se a inteligéncia fosse inata... saberia, agora, fazer qualquer coisa... inclusive as coisas que ainda vai inventar! ‘A inteligéncia, pois, vai-se construindo, na medida que vai descobrindo e inventando. Para a crianca, 0 mundo deve ser reinventado e, na medida em que a crianca reinventa o mundo, desenvolve stia inteligéncia. Observa-se que uma crianca de tal idade no sabe, por exemplo, classificar e seriar um grupo de objetos. Na medida em que tenta classifica-los e serié-los, aprende a classificar e a seriar (a psicologia mostra que no se pode poupar a crianea do esforco de tentar — ensaio e erro — classificar e seriar, mostrando — imitacZo — como se classifica e seria. Clas- sificar ¢ seriar so atos da inteligéncia). Ser4, ent&o, que a inte- ligéncia é um “‘instinto’”? O “instinto de inventar" seria o instinto de no ter instinto... um computador sem operacées definidas. Uma forma estereotipada de inventar! Ora, uma forma cinética qualquer, estereotipadamente obtida, néo é invenc&o: ¢ reproducdo. 59 Nao adianta jogar com o sentido misterioso da palavra “‘capaci- dade”: “‘quem tem capacidade para resolver um problema... sabe resolver este problema ou por instinto (inato) ou por habito (ad- quirido), isto é, tem uma “formula”. Nao se deve, pois, confundir “capacidade” com “‘possibilidade". Um. individuo pode ndo ter capacidade agora para resolver um problema, mas tem possibi: lidade de encontrar sua solugio. Posso nao ter “capacidade” Para escalar uma montanha, mas ter “‘possibilidade”. A ‘“capa- cidade” 6 uma certeza e possibilidade, uma probabilidade. Uma bailarina tem “possibilidade” de danear um balé quando adquire um nivel de performance equivalente as dificuldades que 0 balé apresenta (evidentemente, ndo se deve omitir que, coloquialmente, usa-se “capacidade”” para indicar mera possibilidade: a palavra “capacidade” ora é usada como habilidade, ora como “possibi- lidade”). Nao existe “capacidade” inata de inventar, isto é, nao existe inteligéncia inata. Inventar é, simplesmente, experimentar formas sucessivas de combinagdes.. Quando uma determinada combinacdo de movimentos resolve o problema com o qual nos defrontamos, diz-se que houve invencdo: funcionou a inteligéncia. A inveneao 6 um fendmeno probabilistico. Ninguém afirmaria que fulano tem capacidade para tirar a sorte grande na loteria; tem apenas probabilidade... A invencao é sempre original. Ninguém tem “capacidade” de inventar: pode ter probabilidade. 0 que o homem tem inato é flexibilidade (primeiramente, neurénica, e, depois, motora ou semidtica) para fazer combinagées. O resul ‘tado das combinacies é a invencdo. 0 fato de 0 corpo da baila. rina ter possibilidades de fazer combinacées que resultam num balé original, no leva ninguém a dizer que “a bailarina tem ins tinto de dancar balé”. ® que ela tem € capacidade motora que usa para inventar o balé. Quem sabe datilografia pode inventar um Poema datilografando: 0 poema é que a invencio. Ha possibili dade e nao potencialidade, como queria Aristételes. A possibilidade implica em mil diferentes combinacées possiveis das quais se escolhe a mais adequada. A potencialidade contém, apenas, uma combinacdo inativada bem definida, aquela que se transfor” mara em ato. A inteligéncia, pois, é 0 ato de inventar e inventar 6 combinar (nao se inventa nada a partir do nada: ex nihilo, nihil). A inteligéncia, portanto, ¢ sempre um ato original (quando © ato se repete nao é mais inteligéncia). Por outro lado, é sempre a “melhor forma” possivel de superar uma dificuldade, Por ai se vé que a inteligéncia esta implicita em tudo que se constrdi e em tudo que tem vida. A evolucdo é um fendmeno molar de inte- ligéncia, Cada organismo é a melhor solugio frente & agressao do meio. Dizer a “melhor solucao” implica ém admitir-se a “‘cons- trugiio", vez que sempre é possivel solucdo melhor frente a uma dificuldade. Ha uma primeira forma (imbecil) de ensinar alguma coisa a alguém, que é a chamada “instrugao programada” e equi- CT vale & técnica de criar reflexos condicionados: faz-se 0 individuo repetir o comportamento ou o pensamento até que ele se “fixe”, como um automatismo, sem que 0 individuo precise télo compre- endido necessariamente. Outra forma de ensinar é fazer primeiro © aluno entender e, s6 entiéo, passar-se & “fixacdo”. Pode acontecer (nao & impossivel este milagre) que o aluno, no esforco de “compreender”, invente solugdes que equivalham 4 proposta feita pelo professor. Mas, a verdadeira forma de apren- dlzagem moderna a estimulaco, para que o aluno — antes de juer insinuaedo do professor — invente maneiras Sipreblema, Bo que ae chama educardo pela tntligéncia. Ora, © que é estimular o desenvolvimento da inteligéncia? 6, simy mente, dar oportunidade ao aluno de experimentar combinacoes originais sem recorrer a uma formula (habito). E por que isto estimula o desenvolvimento da inteligéncia? Primeiro, porque é luma invenc&o, pelo menos do ponto de vista do aluno. Segundo, porque cria nova atitude. Diante de um problema, no futuro, 0 individuo, em vez de procurar lembrar-se da “formula”, passa, imediatamente, a fazer hipéteses de solucio (combinatorias). 1 ‘esta atitude que se torna um habito: 0 habito de inventar, 0 habito de néo recorrer a uma formula; 0 hébito de néo ter hébitos (sic). Fazer hipéteses & uma maneira de comportamento inventivo. 0 imbecil procuraria lembrar-se da “formula”. E a meméria é a antiinteligéncia. Quem no se lembra da solucio, inventa! Por outro lado, um sistema flexivel, na medida em que a flexitilidade € posta em uso, torna-se evidentemente, cada vez mais flexivel ‘ou, pelo menos, conserva essa flexibilidade. Conservar a flexibil dade mental 6, precisamente, a condigéo de fazer combinacées, isto 6, de ser inteligente. Pode-se, pois, enfrentar a realidade de duas maneiras: a) tentando recordar-se de uma solucéo que se aplique a0 caso; b) partindo-se, imediatamente, para levantamen- to de hipéteses (ensaio e erro: ensaiar e aplicar uma hipétese de solucGo). Quando este segundo tipo de atitude incorpora-se no individuo, passa a ser sua maneira de ser: o individuo, a pro- pésito de qualquer situac&o, procura ser sempre original (passa a detestar ser como os demais, aborrece-se de fazer as mesmas coisas da mesma maneira). O individuo que nao é inteligente parece ser uma maquina (a maquina repete, infinitamente, os mesmos movimentos). Quando a repetic&o muito evidente pro- vvoca 0 riso (os cémicos costumam usar a repeti¢lio de gestos ou palavras estereotipadas como fonte de iso). _ ‘© homem, pois, esté ‘‘condenado” a néo repetir-se: a ser sempre inventivo. Se os homens inventivos so incbmodos para a mediocridade, so, contud6, os tinicos que ficam na meméria da humanidade. arte, por exemplo, fundamenta-se na mais extrema originalidade (no tem sentido repetir uma criacéo artistica). Ha ‘quem ache um perigo desenvolver a inteligéncia, isto é, ha quem a ache perigoso estimular o individuo a inventar solugdes originai Para esses individuos, a natureza deveria ter dado instintos ao homem para que cle resolvesse, de forma estereotipada, todos 0s problemas com que se defrontasse. Os animais, quase sempre, tém um instinto para cada necessidade especifica do organismo. © homem nao foi feito assim: diante de cada necessidade, tem que inventar a solugdo, se ja néo possui um hébito. O individuo que tem medo da inteligéncia, portanto, ndo tem vocagdo para homem: & rinoceronte infiltrado na raca humana... O que dese- Jaria ser, de fato, era um animal qualquer. O que acha mais cémo- o so as respostas instintivas. Realmente, nao & brincadeira, diante de cada dificuldade, ter de inventar solucdo. E por isto que dizia — 14 no primeiro pardgrafo — que a conquista da inte- ligéncia é penoso processo de permanente auto-superacao. Se isto € uma tragédia... 0 homem é um animal trégico. Muitos educa- dores — frustrades por ndo ter a natureza fornecido instintos ao homem — tentam inverter o curso da evolucdo, ensinando as cri- ancas respostas padronizadas (formulas ou reflexos condiciona- dos). As respostas padronizadas (habitos) sdo como instintos aprendidos (a maioria dos homens, pois, sao, apenas, animais). E raro encontrar-se um individuo original... ou, quase sempre, 0 encontro nos causa mal-estar, se & que no provoca nossa ira! E rarissimo 0 caso de um filésofo, poeta, artista, inventor que ‘néo tenha sido perseguido, durante’ algum’ tempo, ‘se é que nao tenha sido queimado na fogueira... A originalidade parece sempre hheresia ou pecado. & que toda novidade implica na necessidade de re-arrumar o meio para inclu‘-la, se 6 que a novidade ja n&o 6, por si, uma re-arrumagdo. Ora, numa re-arrumacdo nunca se sabe onde ficaremos: combate-se, pois, sistematicamente, toda novidade... Cultivar habitos e comportamentos estereotipados & uma traicéo. O verdadeiro educador nao ensina formulas: cria situagées graduais e seriadas que levam a crianca a inventar respostas. Cuida até para que a crianca nao fixe a resposta para ter de inventar, de novo, quando a situacdo voltar a apresentar-se. B por isto que ndo se ensina mais tabuada nas escolas: toda vez que aparecer um problema o aluno deve inventar a maneira de resolvé-lo. A educacdo pela inteligéncia consiste em, simplesmen- te, propor problemas aos alunos, jamais em ensinar solucdes. A solugdo ensinada causa frustracao ao homem inteligente (ninguém admite que 0 outro conte o enredo do filme que vai assistir ou do livro que vai ler). 0 homem passa para as maquinas tudo 0 que é padronizado. Foi assim que inventou a maquina de calcular. © cailculo j& nao € problema digno de esforco para um homem inteligente. Numa certa faixa da inteligéncia, hoje em dia, esta em moda ser contra a razio (alids, em todas as épocas houve sempre um grupo de possiveis intelectuais contrérios inteligéncia: é que ser 2 inteligente da muito trabalho). Ora, que solucdo estes individuos apresentam para o comportamento humano? Néo podemos recor- rer aos instintos, pois, homem ¢ homem, precisamente, por ndo ter instintos (seu comportamento é sempre inventado — pelo menos por alguns espécimes da raca humana e decorado pelo resto da carneirada). Retirando os instintos e a intéligéncia, s6 resta uma forma de responder as situagdes: 0 habito (0 habito é, precisamente, 0 nome tradicional do moderno reflexo condiciona- do), Ser contra a inteligéncia é, simplesmente, ser a favor do hébito (no € ser a favor do instinto porque 0 homem nao tem instin- tos). A contracultura é partidaria dos reflexos condicionados? Quaiquer adepto irracional da contracultura protestaré que nao. Seu objetivo é, precisamente, o contrario: deseja para o homem uma vida natural, sem as complicagées geradas pela cultura. Como sair desta? O que resta a contracultura ja que 0 homem nfo tem instintos e ela rejeita a inteligéncia e 0 condicionamento? Nao sabem do que esto falando. S6 ha duas alternativas: instinto ou inteligéncia, Se eles soubessem que as variacdes motoras do ato de amor sao fruto da inteligéncia... seriam, talvez, 0s mais entu- iésticos intelectuais. O grande equivoco é supor que funcionalizar ‘a “espontaneidade”, aparece o “*homem original": néo eziste este homem. original (como a psicologia da infancia demonstra, o ser humano esté em permanente construcao). O homem sofre esta fatalidade biologica: ou inteligente ou nao € homem. Devia haver um processo legal para que certos homens pudessem renunciar A qualidade de seres humanos e entrar fem outra ordem zoolégica, como tanto desejam. Tudo que ¢ rigido nao é inteligente. Os animais que nao tiveram flexibilidade para mudar... extinguiram-se. A inteligéncia é a flexibilidade que per- mite novas combinacées, segundo um plano de maior equilibragao interna e de maior adaptacdo ao meio. As coordenagées e recom- inacdes permitidas por esta flexibilidade, portanto, nao so alea- tdrias. Regem-se pela tendéncia geral do equilibrio. Ora, a equili- brago (movimento no sentido do equilibrio) supde que as partes que compéem o todo sejam flexiveis para que 0 equilibrio se efe- tue. Educar pela inteligéncia, pois, é educar a flexibilidade, isto 6, eriar situagées pedagégicas que exijam recombinacdes dos esquemas de acdo. Existe, na sociedade, difuso e generalizado medo da inteligén- cia, Os homens muito inteligentes so, geralmente, considerados loucos ou, pelo menos, anormais (a normalidade é a mediocridade). 1 justificavel este medo. A sociedade organiza-se segundo deter- minadas leis e costumes que todos os seus membros aprendem. Comeca 0 jogo e... de repente, um “louco” propde a mudanca flas regras do jogo! © homem inteligente é sempre “subversivo’ precisamente, porque inventa e descobre. As invengées e desco- bertas sao propostas de mudanca das “‘regras do jogo”... Supo 6 nhamos 0 individuo da classe média em ascensio que entrou no Jogo da poupanca, do investimento, da compra A prestacdo, do aumento lento € progressive do patriménio, da aquisicao de um carro cada vez mais potente ou da aquisiczo de uma casa de veraneio. ste individuo, profundamente engajado no sistema, tem avor que mudem as regras do jogo que aceitou! Se alguém|pro- Oe novas regras sociais e econdmicas... 0 classe média em ascensio entra em panico © nao tera a menor divida em apoiar a policia na eliminagdo do “subversive”... A mudanca gera inseguranca: néo se sabe se, terminada a mudanca, estaremos no lugar que desejamos, se nao teremos perdido status, se néo ficaremos of side com as aptidées com que vinhamos tendo éxito %, pois, justificdvel o medo da inteligéncia, salvo se o homem se convencesse que sua “natureza” ¢ a mudanca permanente... uma volta a vida némade! Grande parte da chamada “angiistia do mundo moderno” é resultado da “civilizagao em mudanca””. Por ‘que muitos individuos nio gostam de jogar? Porque o jogo exige permanente readaptagao diante de situacdes sempre novas, Os generais que ganharam uma guerra... nunca ganham a seguin- te... porque querem fazer a nova guerra com os métodos da anterior! Os individuos mais simplorios so os que mais aspiram a uma vida paradisiaca — semelhante, por exemplo, & dos indi- genas — numa ecologia que permanece estivel (é uma espécie de estado uterino ow nirvanico: situagdo estética). Jean Piaget distingue “‘estético” de “estvel”. Qualquer perturbagdo ecolé- sgica poe em perigo a sobrevivéncia dos seres estaticos, ao passo que no abala os seres estaveis. Estével ¢ 0 sistema que tem solugées (mobilidade, plasticidade, combinatéria) para qualquer agressio do meio (por isto o homem é 0 apice da evolucio: ¢ 0 animal que tem mais capacidade de fabricar novas solugées). A Visio “Elastica” do Mundo Topolégico das Criangas (Geometrizagao) Assim como as criangas nfo pensam, nem sentem, como. ot adultos (fato escamoteado por alguns psicoterapeutas de crian- as), no véem, também, o mundo (percepcao e representagao do real) como os adultos (maduros) véem. A percepcio e a repre: sentacdo do real nas criancas sao, inicialmente, topoldgicas. Véem a realidade como quadros achatados flutuantes, em que os pontos de referéncia so, apenas, aberturas, fechamentos e vizinhancas, como se fosse uma paisagem desenhada num baléo de borracha que pode ser inflado. Neste mundo, nao existem ainda simetrias, retas, dngulos, distancias, deslocamentos. Nao ha continuos defi- nidos, nem colecdes constituidas de elementos diversificados (a crianga percebe o mundo de forma einsteiniana, um mundo que se curva e flutua). Deste ponto de vista, desenvolver a inte- ligéncia é leva-la a organizar 0 real para compreendé-lo (geome- trizagao) e sobre ele atuar (operatividade). Basicamente, 0 desen- volvimento, nestes primeiros estddios, consiste em ‘construir continuos definidos e estaveis e parti-los em elementos colecio- ndveis, perceber semelhancas e diferencas, fazer correspondéncias compreender funcdes, organizando os objetos segundo certos critérios e determinadas ordens. Na medida em que organiza a realidade, a crianca tenta dubla-la por meio de significantes (lin- gguagens). A formacdo de um professor piagetiano consiste em fazé-lo compreender este mundo estranho em que as criancas vivem, como pensam e como flutuam suas emogdes e sentimentos. Grande parte dos psicélogos transfere, ingenuamente, pensamen. tos, visdes e sentimentos de adultos para as criancas, como se a cerianga fosse, apenas, um “‘adulto em miniatura". O grande mérito de J. Piaget foi descobrir a crianca. Se nao fossem perigosas as ‘comparacGes, poder-se-ia dizer que a crianca assemelha-se mais a um adulto “esquizofrénico” que a um adulto normal, consis- tindo 0 desenvolvimento mental em demarcar nitidos pontos de referéncia neste mundo flutuante e conseguir operar com os ele- . 6 ‘mentas singulares dele emergentes (colegdes discretas). Até idade bem avancada, a crianca néo compreende nogées de tempo, espaco e causdlidade, achando perfeitamente natural que as ocor- réncias sejam mégicas (atitude que permanece nos adultos “>pri- mitivos”). 0 aspecto “poético” da infancia decorre, precisamente, desta auséncia de geometrizacio do real e desta “‘operatividade”™ magica (pensamento simbélico), processos originais que a huma- nidade adulta conserva em forma de poesia, arte, religiéo, sonho € imaginacdo, isto 6, através dos processos’vivenciais e afetivos (o pensamento natural & mégico). Além de, simplesmente, “viver”” (afetividade), 0 ser humano tem que “‘operar"” a realidade (cres- cimento do espaco vital real e/ou virtual e aumento do nivel de seguranca individual), devendo criar néo 6 s6lidos referenciais, (geometrizacdo), como tornar altamente méveis os modelos de aco (operacionalidade). Em outras palavras: além de viver, 0 individuo precisa sobreviver. A operatividade nio deve matar 0 vivencial (afetivo), mas o vivencial (afetivo) no deve ser obs- taculo ao operative (interven¢do na realidade para dela tirar a sobrevivéncia, isto é, para ampliar o espaco vital e aumentar 0 grau de seguranca frente as agressées do meio). Temas ai a encru- zilhada em que se confundem muitos educadores, por néo per- ceberem a necessidade de equilibrio entre as duas linhas mestras do desenvolvimento: educacdo pela arte (vivencial) e educagao pela inteligéncia (operativa). Dentro da linha “‘educagio pela inteligéncia”, temos ainda duas outras direcées possiveis: a) edu- cacao para o éxito (profissionalizacio) e b) educagéo para a ver- dade (sabedoria). Mas, mesmo que se tenha obtido 0 equilibrio ideal entre estas varias linhas do desenvolvimento, temos que decidir ainda se a edueag&o seré, apenas, a) adestramento imposto (educacéo programada, reflexos condicionados, criago de habitos, imitacdo) ou b) estimulaco para a permanente inovacdo (des- coberia, invengao, criatividade, reorganizacio, complexificagio, mobilidade, cooperacao). As descobertas de Piaget sobre o desen- volvimento’ da crianca tornaram extremamente complexas as opcdes em matéria de educacio... Ja nio 6 possivel uma peda- gogia ‘‘festiva”, apoiada no mero entusiasmo ot, apenas, no “amor a crianca””. Chegou o momento de uma pedagogia cientifica. De maneira muito global e pouco precisa, pode-se dizer que o desenvolvimento da crianga consiste: a) do ponto de vista de sua capacidade de aco, em alcancar o maximo de operacionalidade (mobilidade combinatoria, plasticidade) em sua atividade (motora, verbal e mental), operacionalidade esta que caminha na dire¢éo dos grupos e 'redes mateméticas (mode- Jo); ) do ponto de vista do real (leitura da experiéncia), em organizar o mundo (colegdes, encaixes, correspondéncias, classifi- cacées, tébuas de dupla enirada, arvores, etc.) para pé-lo sob seu controle (descobertas das constincias,, permanéncia, regula 66 vidades, leis que regem a fenomenologia). Quando, através da fungao semiética (atividade presentativa), consegue dublar a ope- ratividade e o real em “pensamento”, sua capacidade de controle organizagao tende para o infinito (todos os possiveis). Do ponio de vista da operacionalidade, a) a crianca comeca bor uma falta total de coordenacao de sua acdo (inteligéncia sen- sbriomotora), levando quase vinte e quatro meses para alcancar luma coordenacao sensorio-motora equivalente ao “grupo dos des- locamentos” de Poincaré (processo de coordenac&o que levara mais de dex anos para ser reproduzido no pensamento: operagtes mentais). Do ponto de vista da compreensdo do real (objeto per- manente, causalidade, tempo e espaco) a dificuldade é a mesma: comeca por uma visdo topolégica chapada da realidade (limites, vizinhanca, envolvimento, etc.) para, lentamente (construcio da reta, das paralelas, dos angulos e das coordenadas geométricas), situar-se, geometricamente, na diversidade do universo (a nogiio de universo € a tltima que adquire, ja na adolescéncia). © educador deve acompanhar, com 0 maximo respeito, cada etapa do desenvolvimento, do nascimento adolescéncia (inser- cio do individuo no corpo social onde ir: a) provocar distirbios (inovagio) ou b) conformar-se (proceso de “iniciagao” tradicio- nal dos grupos sociais para assimilar as novas geragées). Como sociedade atual nao é mais estatica (a-histérica) como as socie- dades primitivas, a educacdo jé ndo pode ser mera “iniciacao’ ‘mas uma educacao para uma “sociedade em mudanea”” (Kilpatrick Dewey). Assim como cada individuo tem um grau determinado de ope- ratividade (motora, verbal e mental), de acordo com o nivel de desenvolvimento alcancado (grau que € medido pelo modelo mate- matico dos grupos e redes e suas combinatérias, do mesmo modo, cada individuo tem um grau de visio da “organizacio do mundo” (processos presentativos: percepeao e representacio mental). Enquanto a operatividade progride em razdo da necessidade de fazer combinatérias para resolver problemas (heuristica), a visio do mundo ganha organicidade na medida em que o individuo “geometriza”’ 0 tempo e 0 espaco e descobre as regularidades dos fenomenos (método experimental ou cientifico: fisica). & evidente que uma coisa (operacionalidade) depende da outra (causalidade © geometrizacao), pois é operando a realidade que o individuo a “organiza” (colecdes, classes, séries, correspondéncias, mortis- ‘mos, ete.) € para operar precisa de referenciais (indices, sinais retas, angulos, paralelas, coordenadas geométricas, ete.), $6 se Ama o que se Conhece (CONHECER , SIMPLESMENTE, ASSIMILAR © OBJETO PESSOAL} 1. sesicamente, a afetividade & 0 ineresse por uma pesto, coisa ou animal: é isto que se chama “querer bem a ..." Todo interesse — como toda conduta — tem dois aspectos fundamen tais: a) 0 aspecto intelectual, que consiste em “‘conhecer” “objeto” e b) 0 aspecto afetivo que consiste no “grau” (tonici dade) de interesse (uma pessoa ou coisa pode representar “mais finteresse” que outra: neste caso, diz-se que ha mais afetividade pela pessoa que representa maior interesse) © “‘interesse” (inter + esse) por uma pessoa ou coisa revela que esta pessoa ou coisa satisfaz uma necessidade da pessoa que se interessa. Se a necessidade ¢ fundamental ou importante para © individuo, percebe-se que o “interesse”” & maior: neste caso diz-se que ha maior afetividade pela pessoa ou coisa (amor). Aquilo que ndo satisfaz nenhuma necessidade do organismo (da mente, do psiquismo) ndo tem “‘interesse” para 0 individuo (é por isto que Piaget diz que o “'grau de interesse" (motivacao) revela a intensidade da necessidade. Quem quer ser amado procura pro- vocar 0 interesse do outro e para provocar “‘interesse” & preciso ser-lhe necessario de alguma forma 2. Para que se estabeleca afetividade entre duas pessoas, por exemplo, é preciso que o grau de interesse suscitado seja de tal nivel que sustente o proceso de “conhecer” esta pessoa. © grau de interesse, pois, pode ser tao pequeno que a relacao afetiva no va muito longe, Neste caso, para, também, 0 processo de “conhecer”. Para que se queira “conhecer" é preciso que 0 objeto interesse, isto 6, 6 preciso que o objeto corresponda a uma necessidade. Quando 6 objeto nada mais tem para ser “pesqui sado” (conhecido), cessa o interesse e diminui o grau de afetivi- dade. Significa isto que o organismo nao tem mais “necessidade”” deste objeto (um objeto dificil de conhecer, ou leva ao desesti- mulo, ou prolonga o interesse). 3. Na medida em que o conhecimento vai-se esgotando (na: medida em que a pessoa ou objeto néo apresenta mais “novi: Cy dade”, 0 grau de interesse cai, evidentemente; so nos interes- samos pelo novo. O ja conhecido nao apresenta interesse, produ- indo a saturacdo oti o tédio (desinteresse). O objeto deve, pois, ser sempre “interessante” para que a relacdo afetiva se conserve (salvo se o objeto passar a ser “alimento” automatico). As pes- soas muito inteligentes facilmente se saturam com os objetos ja ‘conhecidos, procurando sempre neles “novidade”. Por outro lado, ‘as pessoas inteligentes sao sempre objetos “‘interessantes” (novos) para os que com elas convivem. 4. No encontro ou contato entre duas pessoas, o primeiro interesse & suscitado pelo “objeto em si” (se a relacdo ¢ entre adultos, interesse decorre da beleza, aspecto fisico, linguagem, status, ‘etc.). Se a relacdo é entre crianca e adulto, o interesse @ suscitado pela capacidade do adulto de “satisfazer” os desejos da crianga. A relacio da mae e da professora com a crianca, no inicio, ¢ deste ultimo tipo (é uma relacéo altamente egocén- trica da parte da crianca). Na medida que a crianga se desen- volve, sey interesse se diversifica e jé nao a satisfaz o “objeto em si”: Comecam a valer, agora, as modalidades miltiplas de relagées. # como se a pessoa jogasse xadrez sempre com o mesmo parceiro e terminasse por conhecer todas as suas jogadas: o jogo perderia o interesse. Se o adversério é inteligente, ‘“inventa’” sem- pre novas jogadas, mantendo o interesse. 5. Com o passar do tempo, esse interesse pelo “objeto em si” perde sua intensidade, isto € tende a saturar-se (quando o ‘objeto fica totalmente conhecido perde o interesse para 0 conhe- cedor). Dai ser necessario que outro tipo de interesse se estabe- leca entre as pessoas para que a afetividade continue a existir (se a mae ou as professoras brincam com a crianca, deixam de ser um “objeto em si mesmo” para ser parceiro de brincadeira) ‘Assim, se a me ou a professora mantiver sempre 0 mesmo nivel de relagao, esta relacdo termina por saturar (salvo se a crianca nao se desenvolve). No caso do xadrez, provavelmente, cada par- ceiro estimula 0 outro a “‘inventar” novas jogadas, de modo que o interesse mituo nunca cesse. 6. Na medida em que a crianca cresce e vaise tornando auténoma (capaz de procurar “prazer” em fontes variadas) a mie e a professora tornam-se pouco interessantes como ‘“‘fonte de prazer”. Suas necessidades vao-se diversificando e subindo de nivel. Assim, a mae e a professora devem estar atentas a diver- sificagdo das interesses da crianca. Se nao fizerem isto, a crianca vai aos poucos achando-as “bobas”. A relacéo inferior infanti- liza a crianga, por isto as criancas, por vezes, apresentam duas personalidades: uma para relacionar-se com a'mée e outra para relacionar-se com os colegas. Muitas vezes, 0s educadores (mae e professores) tém dificuldade em levantar o nivel de relacionamento com a crianca, cultivando um relacionamento infantilizado. 69 Assim, a mie e a professora devem procurar outro meio que ndo sua propria identidade (objeto em si mesmo) para con- servar a afetividade da crianca. Como vimos, ser parceira da crianga nos jogos € uma maneira de manter a relacio afetiva. Mas, com o tempo, a crianca sente que um adulto nao & parceiro adequado para seus interesses lidicos. Procura, entio, outras criangas para brinear. Assim, quando as criangas comecam a valorizar os companheiros, em detrimento da mae e da profes- sora, é sinal de grande evoluctio emocional. Nao é preciso a mae supor que “‘perdeu” 0 amor do filho(a): se o relacionamento anterior foi bom, fica permanente (embora de nivel infantil). O novo tipo de amor (na medida que a crianca se desenvolve), exige relacionamento de nivel mais alto. 8. Como, entao, conservar a relacio mae-filho e professar(a) aluno? Mae e professora devem levantar 0 nivel de seu relacio- namento com a erianga (6 por isto que, na medida que a crianca cresce, comeca a "‘gostar”” mais do pai). E como levantar este nivel? “Tornando-se fonte de “problemas” para a crianga (se a crianga esta interessada em descobrir 0 mundo, a mae e a pro: fessora mostram que esto também interessadas nisto). A profes- sora 6 treinada para levantar, progressivamente, o nivel de rela. cionamento com o aluno (sob pena de, com 0 tempo, o aluno néo encontrar mais interesse nela). As criangas entre si fazem isto automaticamente, complicando, progressivamente, 0 jogo (regras). 9. Como se vé, para manter interesse em tornd de uma pes- soa, é preciso que essa pessoa seja sempre uma fonte de “dese quilibracdo", isto & que ela continue a ser, de alguma forma, “interessante” (fazer perguntas motivadoras & crianca, por exem- plo, atrai o interesse da crianca pela pessoa que pergunta). Mui- tos pais preocupam-se em “explicar” as coisas quando a atitude pedagégica saudavel seria “complicar”” (desequilibrar) a situacao para manter a crianca_interessada (0s professores sdo treina- dos para propor situacdes-problemas para as criancas).. 10. © amor — como se vé — no é um sentimento difuso fe inexplicavel: s6 se ama a pessoa que representa para gente tum interesse (uma pessoa “interessante”). O amor é também um ‘fendmeno intelectual: 6 0 desejo de conhecer a pessoa amada. Quando a pessoa ‘‘amada”” nada mais tem que mereca ser conhe- cido, 0 amor comeca a decrescer (no maximo ficando “amada” como um “objeto em si mesmo”, que é um tipo de amor infantil), ‘As pessoas que desconhecem a psicogenética dizem que este amo da psicologia no se interessa pela afetividade. & que a psicoge- nética explica a afetividade de maneira global (evitando uma esquizofrenia entre a afetividade e a inteligéncia): s6 se ama 0 que se conhece ¢ sé se conhece aquilo que se ama. Amor e conhe- cimento so duas varidveis no mesmo fendmeno, assimilar o meio (@ outro). m Notese que para J. Piaget “‘conhecer”” 6, simplesmente, assimi- lar 0 objeto (e 0 objeto pode ser uma pessoa). Conhecer é “saber usar”, € manipular o objeto (a manipulacdo pode ser motora, verbal ou mental, as trés formas como a ago — comportamento — se apresenta). A toda assimilacéo (incorporacio do objeto na cstrutura do organismo) corresponde uma necessidade e tudo que satisfaz uma necessidade torna-se “interessante” para o sujeito assimilador. Quanto mais intensa é a atividade assimiladora (isto 6, 0 amor provocado pelo objeto — pessoal — que satisfaz uma necessidade) maior é a necessidade (ver a sofreguido com que uum individuo esfaimado come). Como a afetividade (tonus ener- uético da aco assimiladora) © a inteligéncia (estratégias de assimilago do objeto) so aspectos diferentes ¢ concomitantes do mesmo ato (assimilacdo), podese dizer que ha tantos tipos de Afetividade quantos modelos de inteligéncia (sensério-motora, sim- bélica, operatéria). A relacdo do sujeito com 0 objeto (pessoa amada, pessoa “interessante”) € regulada pelo grau de satisfa- {glo que 0 objeto representa para o sujeito assimilador. Com 0 tempo, a relacdo entre sujeito e objeto perde o ténus (demons- tragdo de afetividade), ou porque o objeto (pessoa) j& no satis- faz necessidades do sujeito, ou porque, produzindo-se uma espécie de simbiose, o objeto (pessoa) passa a ser uma ‘‘parte” (incorpo- ragdo) do sujeito (duas pessoas idosas que se “‘acostumaram” a viver juntas © j& formam uma s6 pessoa). Para que o interesse se mantenha é preciso que o objeto (pessoa) apresente algum grau ‘ou tipo de resisténcia & assimilagdo, obrigando o assimilador a fazer acomodacdes (adaptacées). A resisténcia aumenta o tonus da assimilacdo. Desenvolvimento Mental e Equilibrio Afetivo Para um educador nfo existe um ente chamado “rianga” de forma global. As caracteristicas e as formas de reacio de um \dividuo humano na idade, por exemplo, de dois/trés a quatro/cin- co anos (em pleno perfodo simbélico) ¢ este mesmo ser humano nna idade, por exemplo, de seis/sete a onze/doze anos (em pleno periodo das operacdes concretas), nada tém em comum, de modo que no vemos porque denominar, com a mesma expressao ‘‘crian: ca”, individuos que se comportam, em periodos sucessivos, de maneira marcadamente diferente, sobretudo quando 0 termo “cri- anca” visa designar determinada forma de comportamento (oposta 8 do adulto). Mas ndo se trata, apenas, de distinguir fases suces- sivas no comportamento das criancas: grande parte dos adultos apresenta comportamentos que caracterizam periodos do desen: volvimento chamado infantil, de tal forma que, no final, ndo se sabe mais 0 que é uma “crianca”” 2. Do ponto de vista psicopedagigico, o que interessa é 0 comportamento, que se apresenta como motricidade: a) quer como verbalidade; 6) quer como atividade mental; c) as trés formas de atividade caracteristicas do ser humano (duas delas decorrentes de um mecanismo denominado fun¢do semidtica que so ocorre em nossa espécie, capacidade de dublar a realidade mediante signifi- antes). Naturalmente, esta nocdo de comportamento nada tem do sentido que os behavioristas Ihe emprestam. Para os behavioristas, © comportamento deve ser, necessariamente, ezteriorizdvel, precon- ceito que elimina partes fundamentais do comportamento, como as atividades neurofisiolégicas e os processos mentais, preconceito que se tornou insustentavel quando se constatou que “‘o sistema de conexées neurénicas pode ser descrito numa linguagem iso- morfa das operacdes formais” (Los estadios en la psicologia del nifio — Henri Wallon, Jean Piaget y otros, p. 82, Ed. Nueva Vision). 3. Ora, qual a funcdo do comportamento (num sistema aberto ‘como os seres vivos)? Auto-organizar-se, a) do ponto de vista da n integragdo das diversas fungdes que ocorrem no comportamento ilobal do individuo frente a uma situacio e adaptar, b) o orga- hismo as condigdes do meio (“‘o organismo nao se comporta ape- has de forma Teativa — como querem os behavioristas — mas toma iniciativas que implicam na reorganizaco, do comporta- mento”. — J. Piaget, Le comportement moteur de I'évolution, Gal- limard), Observando'se o comportamento dos seres vivos, podemos distinguir, nitidamente, trés formas fundamentais de comportar-se: ‘a) inata (savoir inné — instinto, uma espécie de “hdbito heredi tario” — J. Piaget), b) adquirida (automatismo, habito, uma espé- cie de “instinto adquirido”, geralmente, a partir da imitado, mas também como resultado da automatizacao de uma atividade inte- ligente) e ¢) construida mediante invencdo (matematica) ou d coberta (fisica). No caso de permanecerem estaveis as condigdes “Geologicas”, 0 organismo funciona mediante automatismos (ina- tos ou adquiridos). Quando a situagdo é nova, intervém a inteli- gencia (invencéo ou descoberta). Geralmente, as invencées Gescobertas feitas frente a uma situaco nova transformam-se fem automatismo, se a situacao se tornar “ecolégica’” (repeti¢ao da situagao). ‘4. Que é, entdo, a inteligéncia? Simplesmente, a forma de coordenagéo da agéo (motora, verbal ou mental) frente a uma Situagdo nova com 0 objetivo: @) de auto-organizar-se para enfren- tar a situacio e b) de encontrar um comportamento (invencio- ‘descoberta) que mantenha 0 equilibrio entre o organismo eo meio. ‘A inteligéncia, pois, é o fulero da atividade do organismo, quando © animal € “agredido” pelo meio, deixando de manifestar-se se fas relagées entre o meio e 0 organismo sao “pacificas"( por isto Neducar & provocar desequilibrios adequados ao nivel do desen- volvimento”). Dai se conelui como é bizarra a precaucéo de ‘alguns especialistas de crianga com a estimulacdo do desenvolvi- mento da inteligéncia (muitas maes de nossa escolinha relatam-nos jque seus pediatras as previnem de que, nesta escola “‘desenvol- Yese a inteligéncia”). Os organismos nao possuem outro meca- hhismo para enfrentar as desadaptacées, de modo que desenvolver ‘a inteligéncia é, simplesmente, desenvolver as possibilidades de integracdo do individuo no meio. Nao tem sentido cientifico afir- mar que a adaptacéo ao meio (fisico, social, etc.) de cardter afetivo.. 5. ‘Toda atividade (motora, verbal e mental) tem duas varié- veis: a) uma estratégia (forma da aco = inteligéncia) eb) uma tnergética (o tons com que a atividade é exercida = afetividade). ‘A “tonalidade” da aco (como estas notagdes que os autores péem, nas partituras musicais, para orientar o executante sobre 8 “afetividade”) é determinada pela necessidade (caréncia, fome, periculosidade da situaco, motivacdo, interesse, escala de valores, ttc., ete), fator to importante que pode, por excesso ou caréncia, B impossibilitar a estratégia da aco (motora, verbal ou mental). ‘Nao ha estratégia (inteligéncia) sem energética (afetividade), nem energética (afetividade) sem um modelo (estratégico) de’ agéo (inteligéncia), de modo que abordar os problemas infantis sem atentar para seu nivel estratégico é, simplesmente, irresponsavel. Nao se pode falar em expresséo da afetividade, em organizacio dos afetos, em tomada de consciéncia dos afetos, em socializacéo dos afetos, em reorganizacdo dos afetos, etc., elc., sem atentar- se para o modelo estratégico da agdo (inteligéncia), mesmo por- que 0 afetos s6 se manifestam no curso da ac&o (motora, verbal ou mental). Todo o estudo da chamada inteligencia simbélica corresponde, estritamente, as conclusdes psicanaliticas sobre a afetividade (ver Formacdo do Simbolo na Crianea, J. Piaget), mesmo porque a manifestacdo estrita da afetividade (por oposi- ‘cio eficdcia da aco) s6 pode realizar-se através de mecanis- ‘mos simbélicos (as manifestacoes afetivas operatorias ja passam a area das escalas de valores). Recentes estudos realizados, por exemplo, demonstram que a chamada “escolha objetal” dos psi- canalistas nao é sendo a versao afetiva da “permanéncia do obj to”, que € um aspecto do desenvolvimento da inteligéncia e que © complex de Edipo implica num mecanismo intelectual de inte- riorizacéo (construco da imagem mental). Quem, como nés, se dedica a educacao da crianga, desde a mais tenra’ idade, ressen- tese do apoio dos médicos que cuidam, concomitantemente, das criangas, na medida em que eles desconhecem que a forma de rea- ao das criancas varia de acordo com seu nivel de desenvol mento mental, “‘A necessidade de aprender como fazer as coisas, na forma como se manifesta na pratica dos meios sensoriais, ‘motores e intelectuais da crianca, meios que a conduzem ao domi- nio do meio ambiente, é, pelo menos, tao importante como os ‘mecanismos de busca do prazer no que se relaciona a seu com- portamento e desenvolvimento durante os dois primeiros anos”. — F. Grewel, Amsterdam, Los Estddios en la Psicologia Del Nifio, Ed. Nueva Visién, p. 93. 0 mecanismo basico de adaptacdo é a coordenacao das acdes (se houvesse tempo demonstrariamos que a coordenacdo lingiiistica e mental 6, em ltima andlise, uma coordenacéo das acées interiorizadas). E a coordenagio das agdes é, simplesmente, a inteligéncia. Pode-se, seguramente, dizer que existe uma “afetividade" correspondente a cada nivel de desenvolvimento ou que o equilibrio afetivo corresponde a um equilibrio dos comportamentos através. dos quais os individuos enfrentam 0 meio (0 que nao significa que a energética nfo se ossa apresentar descontrolada, como ocorre com qualquer meca- nismo). Do ponto de vista pedagogico, interessa-nos que 0s espe- cialistas que tratam de criancas, pelo menos, nao desconhecam 0s niveis de desenvolvimento como varidvel importante. De nossa parte, estamos convictos que o desenvolvimento normal da inteli- ” géncia da crianga (inteligéncia como coordenagdo ¢ integrac&o dos comportamentos) implica em normal desenvolvimento afetivo (salvo ocorréneias traumaticas). 6. Enumero, em seguida, 0s varios estédios do desenvolvi- mento infantil segundo J. Piaget, prevenindo que, para ele, 0 fun- damental ndo sao as idades, mas as seqiiéncias, embora exista um limite de variacdo determinado pelo proceso de maturacdo neurobiolégica | PERIODO DA. INTELIGRNCIA SENSORIO-MOTORA (anterior & representacdo mental), baseada na motricidade fisica e na percepcio, dividida em seis estédios: a) ezercicios reflexos (de 0 a 1 més); b)_ primeiros hébitos ou condicionamentos (reagdes circula- res primérias ou relativas ao proprio corpo) — (de 1 a 4 meses) ©) primeiras coordenacoes (visdo-preensao) ¢ primeiras rea- ees circulares secundarias (relativas aos objetos manipulados), coordenagao dos espacas (visual, auditivo, bucal, ete.) — (de 4 a 8/9 meses); ) uso de meios para obter um fim (coordenacdo dos esque- mas secundérios), primeiros sinais da “permanéncia do objeto” (de 8/9 a 11/12 meses); ©) descobrimento de novos meios (descoberta), permanéncia do objeto, uso de instrumentos para atingir um fim,’ grupo prético dos deslocamentos (de 11/12 a 18 meses); 1) inicio da interiorizacdo e soluedo de problemas por insight (suspensdo da acéo: compreenséo subita) ‘Obs.: O desenvolvimento seguinte como que recicla, em outro plano, estes seis estadios fundamentais. I — PERIODO DE PREPARACAO E ORGANIZACAO DAS OPERAGOES CONCRETAS (classe, relacio e nimero). ‘A. Subperiodo das representacdes pré-operatérias (desenvol- vimento da funco semistica: imitacdo e jogo simbélico). & um intenso estdio ‘‘afetivo” em que se desenvolvem os mecanismos simbélicos (linguagem, desenho, imitacao, jogo simbélico, dra- matizacdo, etc.). Estadios: a) pensamento simbélico — imitacao; b)_configuracdes estdticas e reconhecimento e representacdo do reat (periodo intuitive); ©) regulagdes representativas articuladas: inicio das conser- vagdes (substancias, peso, volume, disténcia, velocidade, cor- respondéncia, etc.). B. Subperiodo das operacdes concretas (légico e infralégico) — € 0 periodo da organizacdo do real segundo “agrupamentas” estruturados pela mente (classificacies, seriagées, tébua de dupla entrada, drvores, simetrias, etc.). III — PER{ODO DAS OPERACOES FORMAIS — neste nivel de desenvolvimento, a erianga (no caso 0 adolescente) encontra-se B com os processos formais de raciocinio (processo hipotético-de- dutivo-indutivo, légico-formal ou légico-matematico) como apa- rece na légica, no edleulo das probabilidades, na teoria dos jogos, na teoria da informagao, etc. Do ponto de vista didatico, a ati- vidade passa a ser a matemdtica e 0 método cientifico. J. Piaget mostrou que todas as caracteristicas da adolescéncia (sobretudo a atitude de protesto, subversao, conflito de geracio, ete.) podem ser explicadas pelo dominio progressive do pensamento proba- bilistico e hipotético-dedutivo, explieagao que ‘vem completar as interpretagdes puramente afetivas e, por vezes,"isiolgicas (puberdade). 70s estadios descritos por J. Piaget equivalem a formacio de estruturas sucessivas (a funcio é invariante, mas as estru turas evoluem) e de niveis de equilibrio (adquirindo um equilibrio, 0 processo é irreversivel). Ora, nada mais perseguido pelos tera- peuas que esse nivel de equiibrio (adaptacio, ajustamento, etc) A tendéncia geral da equilibragdo é a obtengdo de uma mobilidade progressiva (quanto mais mobilidade, mais possibilidade de estru turaggo do. comportamento frente A agressho do melo), e mobi lidade é sinénimo de inteligéncia. Quando se fala em equi- libragdo, necessariamente, admite-se que 0 desenvolvimento é tama relagao do individuo ‘com 0 meio (fisico e social), A técnica de educar a crianca, pois, é criar situacdes em que o organismo seja “forcado” a adaptar-se (isto é, “forgado” a reorganizar o comportamento). Como a inteligéncia é uma coordenagdo da agio (motora, verbal e mental), pode-se usar um modelo matematico (grupo) para medir o nivel de coordenagao alcangado (na motri- cidade, por exemplo, o grupo dos deslocamentos), de modo que nao se mede o nivel de performance (quociente intelectual), mas ‘© nivel estratégico (nivel de coordenagao). BIBLIOGRAFIA SOBRE AS RELACOES DOS PROCESSOS COGNITIVOS: A AFETIVIDADE 1, Anthony, E. J., 1956, “The Significance of Jean Piaget for Child", Prycbiatry Journal of Metical Psychology, 29, 30:34 Idem, 1957, “The System Makers: Piaget and Freud", British Journal of Medical Psychology, 30, 255-269. Decarie, T. G., 1965, Intelligence and Alfectvity in Early Child Book, Tnter~ ana Universiy Pre, NY, Pinget, J, 1961, Formatio do Stmbolo na Crianga; Zahar Editors. Wallf, B11, '1960, Prychological Issues, International University Press, Val. 11, Monografia n 5. Apud Lopet, R'E. — Introdugio a Psicologia Evolutiva — Culteix, 1974 A Consciéncia Moral e 0 Espirito Civico Segundo Jean Piaget Raramente, Jean Piaget demonstra. interesse pedagogico em suas obras, Sua posicdo intelectual ¢ antes a do naturalista que a do “pecuarista’": desereve o desenvolvimento da crianca sem avan- ar conselhos sobre como deve ser cla educada, assim mesmo, mais preocupado com a “origem do conhecimento”, isto é, com fa epistemologia genética que com a psicologia genética propria mente dita. Desta forma, cabe ao pedagogo transformar suas des- cobertas em pedagogia (aliés, Jean Piaget repete, iniimeras vezes, ‘que 0 pedagogo esta mais credenciado para pronunciar-se sobre ‘0 desdobramento longitudinal do comportamento que o psicélogo {que trabalha com amostragens retiradas do contexto vital). Ao lado da pesquisa psicoldgica (que descobre a construcdo do psiquismo, fem etapas segiienciais bem nitidas e, inclusive, com inversdo da continuidade do processo), é preciso que 0 pedagogo arquitete um método psicogenético (ver nosso livro Escola Secundéria Moderna, Editora Forense Universitaria) que faca corresponder a cada esté- dio do desenvolvimento infantil uma tecnologia educacional, tare- fa tanto mais grave quanto se sabe que, em certo momento do desenvolvimento, os processos de comportamento invertem-se, ne- gando a continuidade em que se baseiam até hoje os arquitetos dos sistemas escolares (esta inversdo ocorre, aproximadamente, no fim da escola priméria, ai pelos dez/onze/doze anos, de modo que a tradic&o tinha razio, tanto em comecar a escolaridade aos seis/sete anos, quando ocorre a primeira diferenciacéio, quanto ‘em separar, totalmente, a escola primaria da ginasial, quando se 4 a grande inversao). ‘Mas, hd um aspecto em que Jean Piaget, extrapolando de suas preocupagées naturalistas, ndo tem receio de comportar-se como pedagogo. & quando defende, incisivamente, 0 self-govern- ment (autogoverno ou disciplina auténoma) e 0 trabalho escolar ‘em grupo, néo 6 em nome da autonomia do individuo e da soli- n

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