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Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) [ Pisley. George V. Vida no espirito: 0 projeto messianico de Jesus depois da Ressurrei¢ao / Jorge V. Pixley; tradugao Jaime A. Clasen. ~ Petrépolis, RJ: Vozes, 1997. Bibliografia ISBN 85-826-1793-0 1, Comunidades cristas 2. Espirito Santo 3. Experién- cia religiosa 4. Jesus Cristo - Ressurreicao 5. Vida espiri- tual |. Titulo. 96-0443, cDD-248.4 1. Vida no Espirito Santo: Experiéncia religiosa: Cristiants- mo 248.4 p Jorge Vv. Pixley VIDA NO ESPIRITO O projeto messianico de Jesus depois da Resswreicdo Pexdpots 1987 I A experiencia do Espirito no movimento formado por Jesus Cristo, morto ¢ ressuseitado Introdugéo No primeiro dia da semana, depois da festa, Cleofas e outro discipulo de Jesus de Nazaré sairam da cidade rumo a Ematis. No caminho um desco- nhecido se juntou a eles. Ele observou que andavam tristes pelo caminho. A pergunta pelos motivos de sua tristeza responderam: “O que aconteceu a Je~ sus de Nazaré, que foi um profeta poderoso em obra ¢ palavra diante de Deus e de todo 0 povo. Os sumos sacerdotes € nossas autoridades 0 entregaram para ser condenado a morte ¢ o crucificaram. Nos espe- ravamos que fosse ele quem iria libertar Israel” (Le) 24,19-21). Desta maneira narrativa e engenhosa, Lucas nos apresenta a crise que significou para 0 movi mento deste messias galileu sua morte vergonhosa ante a multidao de peregrinos que participava da festa. O povo de Israel estava em ebulicao revolu- cionaria. Jesus nao foi o primeiro messias a se apresentar nem seria o ultimo. Foi assombroso que 19 este filho de carpinteiro, sem estudos nem reco- mendagoes, tenha conseguido arrastar multidoes para enfrentar na Galiléia a prestigiosa seita dos fariseus ¢ em Jerusalém as autoridades maximas da nagdo, Este seu carisma politico obrigou as autoridades de Juda e as autoridades provinclais romanasa prestar atencaonele. Era um pretenden- ye a coroa de Davi, um messias, como Judas (0 4 galileu) antes dele e Simao bar Cosiba depois. Isto 2 era assombroso mas nao ins6lito nem estranho expectativa popular. »” i Lucas, entre os apéstolos, que mais se preo- cupa_em recriar o_ ambiente de expacacio-aue tornou possivel seu prestigio popular e (do ponto de vista das autoridades) sua elim! mace. , Zacarias (da classe sacerdotal de Abias), Maria de | Nazaré, o velho Simeao ea profetisa Ana receberam os nascimentos de Jodo e de Jesus com enorme esperanga. Zacarias disse sobre seu filho primogé- nito Joao: “Bendito o Senhor Deus de Israel, porque visitou e libertou o seu povo; e suscitou um chifre de nossa salvacao na casa de Davi seu servo" (Le 1,68-69). Sobre o menino Jesus, Simeao profetizou nestes termos: “Agora, Senhor, ja podes deixar irem paz teu servo, segundo a tua palavra, porque meus olhos viram a tua salvacdo que preparaste diante de todos os povos, luz para iluminar as nagées € sléria de teu povo, Israel” (Le 2,29-32). Falando por sua geracao expectante e, segundo parece. tendo perdido a esperanca em suas pré- prias possibilidades de sobreviver a sua prisdo, Joao, preso do rei Herodes Antipas, manda pergun- tar a Jesus. “Es tu aquele que vem ou devemos esperar outro?" (Le 7,19). Como resposta Jesus cita 20 suas obras que restauram a satide aos enfermos ¢ incapacitados, e a esperanca que é despertada no povo (“os pobres"). Porcanto, Jesus participa da expectagdo geral; sua resposta implicita a seu com- panheiro é afirmativa. Lucas relata que, depois de ter realizado muitos prodigios para o bem do povo, o proprio Jesus provocou entre seus seguidores a pergunta sobre a leitura destes sinais: “Quem dizem as multidées que sou eu?... E vés, quem dizeis que eu sou?” (Le 9, 18-20). Pedro-da a resposta que ninguém se atre- vera a formular publicamente mas que, segundo 0 que Lucas nos vem narrando, muitos devem ter pensado em seu intimo: “Tu és 0 Cristo de Deus” {Le 9,20). Aumenta 0 quadro de expectagdo messianica que Lucas vai desenhando (e também os outros evangelistas, embora nisto Lucas seja o mestre). Jesus Nazareno, que causou sensacao em sua ter- ra, dirige-se a capital, superando o medo de seus seguidores (mencionado por Marcos em 10,32). Se- gundo os sinéticos, a entrada na capital foi publica ¢ triunfal. Lucas poe na boca de “toda a multidao dos discipulos” o grito: “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor” (Le 19,38). Assim se proclama publicamente a expectacao que anteriormente era manitida no peito aeons poucos visiondrios. Todos queriam crer que o amanhecer da libertacao estava perto. Cléofas e seu companheiro, em seu triste relato ao caminhante desconhecido, revelam sua grande esperanca e o grande desengano que sofreram du- rante a festa com a crucificagao daquele que eles pensaram que podia libertar 0 povo. 21 Nao sabemos, é claro, e os intérpretes deram respostas multiplas, qual foi o nivel real da expec tacao popular em torno da figura de Jesus de Na- zaré. Como minimo, sabemos que as autoridages levaram o movimento a sério, Os sacerdotes € os escribas nao mataram Jesus por diferencas de in- terpretacdo biblica ou doutrinal. Todas as testemu- nhas concordam que sua execugao foi uma ope- ragdo conjunta entre as autoridades politico-reli- giosas de Israel e o governador romano. A acusacao que apareceu na sua cruz era “Rei dos judeus”. Os evangelhos dao a entender que Pilatos, provavel- mente, nao teria crucificado Jesus sem a pressao das autoridades de Israel. E possivel, entéo, que a ibertacdo que se esperava deste messias era mais [questo de libertacdo da opressdo da elite israelita do que da opressao estrangeita. Ou talvez 0 gover- nador estrangeiro nao entendesse ainda 0 alcance do movimento popular que enfrentava. A revolucao que tomou Jerusalém no ano, 67 dC)mostra que a juta popular contra Roma estava estreitamente uni- da_com a luta contra o Templo e suas autoridades Os revolucionarios que tomaram Jerusalém nesse ano mataram o sumo sacerdote ¢ queimaram os arquivos do templo como parte de sua acao contra 0 império. A importancia do messianisme de Jesus de Na- zaré é demonstrada_ndo_somente pelas aces de seus_inimigos, mas_també ela_insisténcia_ de seus seguidores. Mesmo quando a base da “igreja" (ja nao era israelita em sua maioria, continua-se chamando Jesus com 0 titulo “Cristo”. Contudo, esta muito claro o nivel alcancado pelo movimento popular que compartilhou a expectacao messianica que tao habilmente Lucas recria em torno de Jesus. 22 Além disso interessaria saber se 0 proprio Jesus teve uma vocacao de Messias ou Libertador de Israel, Nunca poderemos sabé-lo. Nosso propésito é outro. Queremos entender o messianismoCespiritua)que a “igreja crista” assu- miu, quer dizer, a assembléia de todos aqueles que confessavam que Jesus, por sua ressurreigao, fora declarado “Senhor e Cristo” por Deus. O objeto de nosso estudo é o Espirito e a vida espiritual nas igrejas cristas, especialmente nas prit s igre} Eo que ocorreu aqui foi uma “espirituz lade mes- sianica” ou_um “messianismo espiritual”. O Jesus de quem o Espirito dava testemunho nas igrejas era Cristo (= 0 Libertador). Mas, quando as igrejas esua proposta libertadora nao foram aceitas como repre- sentantes auténticos de Israel pelas autoridades da nacao, a libertacdo tomou rumos que ja nao eram israelitas. Neste primeiro capitulo queremos explo- rar a experiéncia do Espirito neste movimento mes- sianico depois da morte do messias. 1. A Ressurreicdo torna necesséria uma nova lei- tura de Jesus Cristo: o Espirito a torna possivel 1.1. A consciéncia messiénica do movimento de Jesus A ressurreigao de Jesus Cristo é o pressuposto para a experiéncia crista do Espirito. Os evange- Ihos, porém, que foram escritos sob a influéncia da experiéncia espiritual, dio testemunho de que 0 messianismo nao foi resultado da ressurreicao, mas que ja antes, durante a vida de Jesus de Nazaré, seus seguidores tinham alcancado uma consciéncia de que ele era 0 messias esperado. Nao ocultaremos a nossos leitores que alguns intérpre- 23 tes pensam que esta verso dos acontecimentos se deve a retrovisao a partir da igreja que se formou com raizes na ressurreicao. Em nossa opiniao, po- rém, é perfeitamente verossimil que os discipulos galileus e a multidao em Jerusalém o tenham cele- brado como o ansiado Mesias anunciado pelo pro- feta as. x? Os evangelhos sinoticos (Mateus, Marcos ¢ Lu- cas) destacam a importancia da consciéncia mes- sianica do movimento galileu por sua colaboragéo na confissao de Pedro num momento estratégico em que culmina 9 ministério galilaico de Jesus (Mc pp 8.27-30; Mt 16, 13-20; Le 9,18-21). Apés um perio- es do em que Jesus andou curando os enfermos, ex- or pulsando os deménios e anunciando a boa-nova do Reino de Deus, a resposta de Pedro é apresentada como uma interpretacdo inspirada do que viram. A partir desta tomada de consciéncia, 0 grupo se dirige imediatamente a Jerusalém para fazer sua apresentacdo pitblica diante de toda a nacdo. © quarto evangelho lé este assunto de outro modo. A confissao de Pedro nao é exatamente mes- siénica. Segundo os melhores manuscritos, Pedro disse: “Tu és o Santo de Deus” (Jo 6,67-71; existe uma outra variante entre 05 manuscritos antigos que se deve provavelmente a uma corrupgao do texto pela interferéncia do “Cristo” dos sinéticos) Joao pée a confissao na boca de Marta de Betania; além disso, entende a messianidade de Jesus como equivalente a sua filiagao divina, um assunto cer- tamente pés-pascal: “Creio que és 0 Cristo, o filho de Deus, que veio a este mundo” (Jo 11,27). Vemos a mesma equivaléncia entre expressdes to distin- tas na nota editorial em Jo 20,31: “Estas coisas 24 foram escritas para que creias que Jesus ¢ 0 Cristo, 0 Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome”. Em sintese, para o quarto evangelho Cristo nao é mais um titulo messianico e deixa por isso de ser_uma testemunha para nosso tema, a consciéncia messianica do movimento galileu de Jesus. ‘Mas é provavel que a meméria apostdlica pre- servada nos trés evangelhos sinéticos, apoiada pela | acusacao formal pela qual foi executado, reflita fielmente a consciéncia messidnica do movimento pés-pascal. Com tal hipétese estamos lendo neste livro a evidéncia. Por outro lado, onde o titulo Filho de Deus é entendido como uma expressao da ori- gem celestial de Jesus, como é 0 caso do quarto evangelho, entendemos que é uma retroprojecao da experiéncia de Jesus Cristo ressuscitado. 1.2. A ressurreigéo do Messies Por sua prépria natureza, a ressurreicdo é algo inesperado. Um cadaver nao tem a potencialidade de vida. Se os ossos e a carne dissecada de um morto revivem, tera de ser por virtude de uma forca alheia, que s6 pode ser do Deus que guiou sua formacao e sua vida original. Porque um cadaver nao tem a minima capacidade para viver. A Biblia relata, entretanto, varios casos em que Deus res- suscitou mortos: o filho da vitiva de Sarepta (1Rs 17,21-23), 0 filho da sunamita (2Rs 4,34-36), a filha de Jairo (Le 8,52-56), 0 filho da vitiva de Naim (Le 7,11-17) e Lazaro, o irmao de Marta ¢ Maria (Jo 11,43-44). Todos sao apresentados, e com toda azo, como evidéncias assombrosas do poder de Deus para triunfar sobre a morte e dar nova vida, 25 | | a Além disso, no primeiro século do movimento religioso mais influente em Israel, os fariseus afir- mavam uma ressurreic4o geral dos mortos para serem julgados por Deus. Era um ponto de disputa entre os crentes de Israel, pois a evidéncia biblica para esta crenca é escassa. E provavel, entretanto, que uma maioria dos crentes galileus tivesse a idéia de que Deus faria se levantarem um dia todos os mortos. A ressurrei¢ao de Jesus, porém, foi de outro tipo, €, por exemplo, causou um efeito distinto que a de Lazaro. (ucas 0 apresenta como um estado transitério de quarenta dias cujo propésito era fa- zer, dentro do movimento, a transico para a vida no Espirito. Segundo esta testemunha, aconteceu © seguinte: Quando Jesus, o crucificado, se apre- sentou a eles com vida, a primeira reagao fol pensar que era justamente uma “aparic¢ao", um fantasma (Le 24,36). Jesus superou esta confusdo de duas maneiras: convidando a que 0 tocassem (Le 24,39) ¢ tomando alimento e comendo com eles (Le 24,41- 43). Uma vez convencidos de que Deus 0 ressusci- tara, sia reagao foi esperar uma aceleracao de seu programa messianico: “Senhor, por acaso sera ago- ra que vais restabelecer o reino de Israel?” (At 1,6). ‘Mas este nao era, segundo Lucas ¢ os outros apés: tolos, o programa de Jesus ressuscitado. De modo que sua resposta foi: “A vés nao compete saber os tempos nem os momentos qué 0 Pai fixou em seu poder. Mas recebereis uma forga ao vir sobre vs 0 Espirito Santo e sereis minhas téStemunhas” TAt 1,7-8). Feita esta promessa, no quadragésimo dia apés estar comendo e bebendo com eles, Jesus subiu aos céus ante seus olhos (At 1,9). Para Lucas, nossa melhor testemunha, Jesus ressuscitado continuou sendo Cristo, mas 0 mes sianismo de Sua vocacao ¢ transformado pelo pré- ‘ prio ressuscitado num messianismo do Espirito. Nao é cancelado mas tyansformado) Neste capitulo queremos entender como os apéstolos viveram esta mudanga. Em seu sermao aos peregrinos de Pentecostes, Pedro exprimiu o significado da ressurreicao de Jesus com estas palavras: “Saiba, portanto, toda a casa de Israel com a maior certeza que este Jesus, por vés crucificado, Deus 0 constituiu Senhor € Cristo” (At 2,36). “Senhor” era a designacao comum em Israel para Deus, usado para evitar profanar 0 nome proprio de Deus. Mediante a ressurrei¢ao 0 crucificado fora publicamente confirmado em seu messianismo (Cristo), mas também se revelava como Deus. Quando Pedro faz esta confissao acerca do significado da ressurreigao de Jesus, esta inspi- de Deus que nidos em nome de Jesus. Titham se-passado cin- qienta dias des cificagao, dos quais, segun- do seu testemunho, passaram a maioria com Jesus ressuscitado na carne (ver At 10,41: “comemos e bebemos com ele, depcis que ressuscitou’). E ti- nham se passado dez dias desde que o viram subir aos céus. Agora, a luz destes acontecimentos as- sombrosgs, Jesus nao era somente 0 Messias anun- ciado por Isaias; era um enviado doceu, era_o ‘Senhor, o Senhor Jesus Criste. (0 quarto evangelho usa o incidente do encontro de Jésus ressuscitado com 0 apéstolo Tomé para nos dar a conhecer as implicagdes desta ressurrei 27 eee do tinica, Quando Tomé se convence da presenca de Jesus na carne, confessa: “Meu Senhor e meu Deus" (Jo 20,28). E como se a esperanca messianica fosse pouco para exprimir 0 que Jesus significa agora; ele é, num sentido que ainda nao ficou claro, © proprio Deus. «© gn (Com a ressurreicao de Jesus muda a experién- sia us que temrseus seguidores, O Espirito que ye" Jesus sopra sobre eles (Jo 20,22) € Deus presente. >%..» Porém 0 insélito € que agora, inspirados por Deus, °° créem compreender que 0 Jesus com quem convi- veram na Galiléia ndo é somente o Cristo esperado oo" maso. proprio] Deus na carne. Nada em sua tradicao 7" religiosa os tinha preparado para isto. Confessavam toda vez que freqiientavam as oracées nas sinago- as ou no Templo: “Ouve, Israel, 0 Senhor nosso Deus é 0 nico Senhor" (Dt 6,4). Jamais duvidaram_ que tudo o que nao fosse este Deus unico era criatura ou era um falso deus, fruto da imaginacao humana. Mas tinham vistadiante de seus olhos que esse Deus unico sedesdobrava no Pai celestial e no , Deus encamado em Jesus Cristo. Os apéstolos, como fiéis crentes, procuraram tornar compreensivel este insdlito acontecimento buscando pistas nas Sagradas Escrituras. Neste sentido diz Paulo: “Transmiti-vos, em primeiro lu- gar, aquilo que eu mesmo recebi: que Cristo morreu Por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que ressuscitou ao terceiro dia; segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4). Mas. onde as Escritu- ras dizem novidades semelhantes? Sobre a morte de Cristo por nossos pecados se recorreu desde os tempos apostélicos ao livro de Isaias, em seu capi- tulo 53. O protodiécono Filipe o usou, segundo 28 Lucas (At 8). Esta referéncia pode passar por valida, embora até o dia de hoje se discuta se a profecia se referiria originalmente ao Messias. Porém, onde as escrituras dizem que 0 Messias seria ressuscitado dos mortos no terceiro dia? Nem os apéstolos nos indicam tal profecia. Exegetas posteriores nos re- metem a Oséias 6,1-2, onde de fato se fala de ressurgir para uma vida nova no terceiro dia, em- bora se refira claramente ao povo de Israel. A pro- fecia é, portanto, metaforica. As escrituras nao eram totalmente claras. Nao _ para menos. A ressurreicao de Jesus Cristoesua »” manifestacdo com poder mediante o Espirito como enhor € Deus foi totalmente novo e inesperado. _ Nos profetas do passado se encontrariam vislum- bres, nada mais, ra novo. E o radicalmente novo & segundo nossa fé cristo fruto de Espirito gud eS car aeu significado ctimologeo, € vento. OVento sopra. Sentimos sua forca sem s: ées inesperadas de Deus na histéria s4o (ribuidas a Deus Espirito, que, segundo as refle- xdes posteriores dos Padres da Igreja, junto com 0 Pai eo Filho é um sé Deus pelos séculos dos séculos. E claro, pois, que os apéstolos nao entenderam ‘| } a_ressurreicio de Jesus simplesmente como ancio ww ‘xploremos um pouco o testemunho mais 2" primitivo. Segundo as primeiras testemunhas, ,+ “Deus” levantou Jesus de entre os mortos (F1 2.9; 4, At 2,36; 3,15; 4,10). Merece ser destacado F1 2,9, ° que é parte de um hine muito primitivo - pré-pau- lino ~ a Cristo tomado por Paulo em sua carta aos”. filipenses mas nao composto por ele. Segundo este v ino, “Cristo Jesus” existiu em forma de Deus, de & ~ 5" 29 modo que nao fosse usurpacdo declarar-se igual a Deus. Mas foi obediente até sofrer a morte da cruz, pelo que “Deus” o exaltou. E uma expressdo muito primitiva da experiéncia crista a luz da ressurrei- do, ainda nao colocada nas formulacoes exatas que os Padres conseguirao depois de trés séculos de debates. E claro que é a ressurreicao que torna publica a natureza divina de Jesus, embora esta sua natureza no seja produto dessa exaltacao. Segundo parece( foi Paulo quem adiantou_a reflexao da nova experiéncia de quéo Deus verda- deiro de Israel se dera a conhecer na carne de Jesus, qué também foi o messias prometido. Rm 1,1-4 pa- rece obra de Paulo e é um esforgo por colocar em linguagem teologica a experiéncia de Deus que Pau- Joe seus irmaos de fé tiveram. Ao se apresentar aos romanos, Paulo diz: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado a ser apéstolo separado para o evangelho de Deus, 0 qual anunciou de antemao mediante seus profetas nas Sagradas Escrituras acerca de seu Filho, que nasceu da semente de Davi segundo a carne, designado Filho de Deus em poder pelo Espirito de Santidade mediante a ressurreigao dos mortos, Jesus Cristo nosso Senhor”. Aqui Jesus nao é confessado somente como o Messias (Cristo) mas também como Filho. Que ser Filho € um titulo de divindade, se vé pela mengdo de sua linhagem de Davi “segundo a carne”. Para os humanos comuns e corriqueiros nao ha outra lnhagem além da carnal. O que faz.ou revelao Filho de Deus nao € sua existéricia carnal mas sua res- surrei¢ao pelo Espirito. O “Deus” que, segundo 0 hino citado na carta aos filipenses, exaltou a Jesus isado aqui como o mesmo Espirito Santo que iza a vida das congregacoes cristas. 30 Axessurreigao de Jesus nao ais que um dado do passado, ¢ um dado cuja veracidade depen- deria totalmente do testemunho dos apéstolos que comeram e beberam com ele se nao fosse a expe- riéncia do Espirito Santo que confirma uma nova situacao a partir dessa ressurreicao. Paulo diz isso de muitas maneiras, uma das quais é a afirmagao de que nossos corpos sao templos do Espirito Santo (1Cor 3,16). Outra é que na conjugacdo e harmo- _-nioso acoplamento dos diversos dons do Espirito “Santo a Igreja se torna o corpo de Cristo (1Cor : 12-14), E novamente na carta aos romanos que encontramos a reflexdo mais ponderada: “Pois vos nao viveis na carne mas no Espirito, se é verdade que 0 Espirito de Deus habita em vés. Se alguém _nao tem o Espirito de Cristo, nao é dele. Se Cristo “esta em vos, a carne na verdade esta morta pelo i” pecado mas o espirito @ vida pela justica. Se 0 Espirito que ressuscitou Jesus dos mortos habita .° em vés, quem ressuscitou Jesus dos mortos tam- «bem dara a vida a vossos corpos de morte por_ . virtude do Espirito que habita em vos" (Rm 8.9-11)..} Q Espirito que ressuscitou Jesus é conhecido pelos cristaos na Igreja porque € 0 mesmo Espirito que vivifica seus corpos mortais. A Igreja vem. uma nova esfera de vida onde os que morreram com Cristo no batismo a semelhanga de sua morte ¢ wr tdinamizada pelo mesmo Espirito que ressuscitoy Jesus dos mortos. Esta experiéncia de vida espiri” tual torna crivel o testemunho improvavel de Maria «” Madalena e dos que comeram e beberam com Jesus ressuscitado. 31 Sem a ressurreicéo de Jesus, 0 messias, nado haveria Igreja. A Igreja nasce da ressurreicdo de Jesus Cristo. A ressurreigao serviu para que os apéstolos reafirmassem sua fraca fé de que Jesus era o messias anunciado por Isaias. Mas serviu também de chave para interpretar “pelo Espirito” o messias esperado. A novidade inesperada da ressurreic¢do de um messias rejeitado pelas autoridades obrigou os apéstolos a fazer um trabalho de reinterpretacdo y 4 Creleitura’) de suas Iembrangas de sua vida com de Nazaré.“Ja_tinham feito uma releitura on “ante *S, quando se deram conta de que Jesus era o Cristo. Porém agora que esse Cristo tinha sido rejei- am que Deus Espirito 0 ressuscitara dos mortos, / foi necessario fazer uma novaféleitury para conhe- cer a Jesus Cristo, o “Filho d&Deus”. 1.3. A releitura de Jesus Cristo segundo o evangelho de Joao . Oquarto evangelho surge de um contexto ecle- sial desconhecido e a cronologia de sua composi¢ao € discutida. Examinaremos isto primeiro entre as. testemunhas, nao por achar que seu lugar crono- logico seja primeiro, mas porque reflete uma maior consciéncia da releitura que a ressurreicéo de.le- sus exigin. Joao diz: “Quando ressuscitou dos mortos os discipulos se lembraram do que havia dito e creram na Escritura € no dito de Jesus” (Jo 2,22). O dito a que se refere tem a ver com a destruicao do templo € sua reconstrucdo. Foi uma das evidéncias usadas contra Jesus para acusa-lo de pretensdes messia- nicas. Mas, tendo ressuscitado dos mortos, os dis cipulos entenderam 0 dito de outro modo, como 32 “u_préprio corpo. O Jesus do faz referencia ao proprio processo de releitura de outro modo: “O Consolador, o Espi- rito Santo, que o Pai mandara em meu nome, ele vos ensinara tudo vos traré a meméria tudo, quanto vos disse” (Jo 14,26). Aqui vemos um passo adicional. Q processo de memoria ¢ releitura do que’ ” se relaciona a Jesus ¢ referido ao Espirito Santo que/,, ">" sera enviado desde 0 Pai em nome do Filho depois." | da partida de Jesus. Nao é somente o evangelho de Joao que mostra maior consciéncia da releitura da pessoa de Jesus que foi feita pelos apé’stolos depois da ressurrei¢ao € sob a oriéntacdo do Espirito Santo. Jodo é tam- bem, por acordo geral dos exegetas, o evangelista que_mais_avanca_ pelo caminho dessa releitura. Desde muito antes de sua crucificacdo Jesus é apresentado como 0 Cordeiro de Deus (1,36), 0 Rei de Israel (1,49), 0 Salvador do mundo (4,42), 0 P40 da Vida (6,34), a Luz do Mundo (9,5), a Ressurreic¢ao a Vida (11,25), 0 Caminho, a Verda: (14,6), mas, sobretudo, € oFilho que foi envia lo Pai e que é um com 0 Pai. A unidade do Pai e do Filho é tal que “se me conhecésseis, conhecerieis também meu Pai” (8,19). Em sua oracdo final Jesus pede que “todos sejam um como tu, Pai, estas em mim ¢ eu em ti, para que eles estejam em nés € 0 mundo creia que tu me enviaste” (17,21) Areflexao cristolégica mais elaborada do quarto evangelho encontra-se em seu prélogo (1,1-18). "No principio era 0 Logos, 0 Logos era com Deus € 0 Logos era Deus”. “E a luz verdadeira que ilumina todo homem, que vem a este mundo”. “E 0 Logos se fez carne e habitou entre nés; vimos a sua gloria, a 33 gloria do Unigénito do Pai, cheio de graga e verda- de". dodo expde uma visdo de Jesus Cristo como genui na ¢ indubitavelmente Deus. Nao é tudo o que Deus €, pois o Pai o enviou, mas era um com o Pai antes da criacao do mundo. E quando regressar ao Pai nao deixara seus amigos sozinhos, pois Ihes dara o Consolador, que também é um com ele como ele & com o Pai. E evidente que em Joda.o_processo de reflexdo, que ferminard nas férmulastrinitarias dos Concilios Ecuménicos, j4 alcancou avangos funda- mentais. O Jesus do evangelho de Joao é menos 0 carpinteiro de Nazaré, ou até 0 Cristo dos israelitas, que 0 Deus Filho da teologia posterior. { Portanto, através de suas_multiplas imagens 1.4, A leitura que Paulo faz da cruz de “Jesus Cristo” Paulo foi o autor dos primeiros escritos cristdos que subsistem. Através de suas cartas missionarias conhecemos muito acerca do apéstolo que as escre veu e de sua compreensao de Jesus. Para comecar, Paulo nunca conheceu Jesus de Nazaré pessoal- mente. Para ele a ressurreieao foi desde 0 comeco parte integral de sua experiéncia com Jesus Cristo, sendo este nome combinado, Jesus Cristo, um re flexo exato de sua experiéncia, Paulo inclui seu encontro com Jesus Cristo na lista das manifestacdes de Jesus Cristo ressuscita- do depois das manifestacdes a Pedro, aos daze e aos quinhentos (1Cor 15,8). Nisto difere da interpreta- c&o que Tatas da de sua experiéncia (At 9), que para Lucas foi uma visao de Jesus em gloria e nao um encontro com o ressuscitado. Segundo a lembranca de Paulo sobre este encontro (GI 1,15-20), aprouve 34 a Deus revelar-lhe 0 seu Filho, Viveu 0 encontro, portanto, como um encontro com Jesus Cristo co- mo Filho de Deus. E sua confianga nesta experién- cia foi amplamente suficiente para que ele, Paulo, se convertesse no apéstolo dos gentios. Numa lin- guagem que parece incluir uma polémica contra os outros apéstolos, que tinham andado com Jesus de Nazaré, diz: “De maneira que ndo conhecemos a ninguém segundo a carne; se conhecemos Cristo segundo a carne, ja nao 0 conhecemos mais” (2Cor 5,16). Paulo acredita que ter andado com Jesus podia servir de tropeco para reconhecé-lo como 0 Filho de Deus por quem somos justificados e temos paz com Deus (Rm 5, 1) Ante outra situagao polémica em Corinto, Paulo reduz sua mensagem evangélica a sua expressao minima desta forma reveladora: “Resolvi entre vos nao saber coisa alguma, sendo Jesus Cristo, ¢ este crucificado” (1Cor 2,2). A auséncia de referencias a vida de Jesus de Nazaré sempre espantou os leito- res das cartas de Paulo. Embora nao 0 conhecesse pessoalmente, certamente as histérias que os evan- gelistas recolheram, e outras mais que se perderam, circulavam entre as igrejas e eram conhecidas por Paulo. Nao as menciona porque para ele a vida pré-pascal de Jesus é secundaria. O evangelho que salva tem a ver mais com a pregacao da cruz, necedade para os gregos e loucura para os judeus (1Cor 1,18-25). A cruz ¢ a ressurreicao de Jesus Cristo é, mais do que a vida, o paradigma para o caminho que o crente deve seguir para ter paz. com yf Deus ser convertido num templo do Espirito San- 6” to. Devemos ser crucificados com Cristo para que 0 Cristo ressuscitado viva em nés (GI 2,19-20). O batismo, que nas igrejas de Paulo eram feitos por 35 imersao, era uma representacdo da morte do novo crente para 0 pecado em identificagao com a morte de Jesus, com a esperanea de ressuscitar com ele para uma nova vida (Rm 6,1-11). Aexperiéncia de Jesus Cristo na vida e a prega- do de Paulo era radical. Pondo de lado os fatos da Vida_de Jesus, que eram secundarios e_podiam ocultar o mais importante, Paulo dirigiu toda a sua atencdo para o assunto essencial, que o Filho de Deus entregou sua vida por nés para que fossemc reconciliados com Deus. Ha algo de simples e direto nesta leitura do significado da morte e da ressur- reicdo de Jesus Cristo, que deriva do fato de nao ser para Paulo uma releitura, mas uma primeira leitu- ra. Paulo nunca conheceu outro Jesus a nao ser 0 Filho de Deus que morreu ¢ ressuscitou para nossa salvagao. 1.8. A releitura de Jesus Cristo segundo Marcas Em ordem cronolégica, Marcos foi 0 primeiro dos evangelhos, e foi escrito pouco antes ou depois do ano 70, aproximadamente quarenta anos depois da Pi e Ressurreicéo de Jesus Cristo. Neste evangelho, 0 processo de releitura pode ser aprecia- do segundo o manejo de trés titulos para Jesus: Filho do Homem, Messias e Filho de Deus, Filho de Deus é introduzido com énfase desde o comeco, mas seu uso é limitado ao nivel narrador- leitor. quer dizer, nao desempenha um papel no intercambio entre os actantes do relato. No Batismo de Jesus, uma voz celestial se dirige a ele e diz: “Tu és 0 Filho amado, de ti eu bem me agrado” (Mc 1,11). Pelo desenrolar posterior do relato devemos enten- der que isto é informacao privilegiada para Jesus ¢ 36 para o leitor do evangelho. 0 titulo do evangelho possivelmente contém um uso do mesmo titulo di- Tigido ao leitor “Inicio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus"), embora 0 titulo em questo nao apareca em alguns manuscritos antigos. No desen- rolar do relato este titulo nao esta presente no nivel. dos agentes até que a voz.celestial a_empregue novamente, desta vez diante de Pedro, Tiago ¢ Joao no monte da Transfiguracdo (9.7). Ha, porém, um&tensDna auséncia do titulo no relato. Ha varias tentativas frustradas de chamar desus de Filho de Deus por parte dos “espiritos imundos", os quais aparentemente gozam de um cohhecimento celestial. Um deles, o que se chama Legiao, diz claramente: “O que ha entre mim e ti Jesus, Filho de Deus altissimo?" (6.7). Outros espi- ritos imundos usam expressdes equivalentes, mas, por provir de pessoas endemoninhadas e pelo silen- ciamento de Jesus, estas declaragées dos espiritos imundos nao penetram na consciéncia dos actan- tes. 0 proprio Jesus usa este importante titulo uma vez, embora no desenrolar de uma parabola: dos lavradores malvados (12,1-12). Os adversarios de Jesus entenderam a mensagem, percebendo que fazia alusao a eles ao se referir aos vinhateiros que mataram os servos do Senhor e finalmente a seu filho. A apresentacao deste titulo, o titulo pos-pas- cal mais significativo, culmina com a d Ao de uum dos centurides ao pé da cruz: “Na verdade este homem era Filho de Deus” (15,39). & curioso que seja um centuriao o primeiro actante a fazer esta confissdo. Com isso, Marcos reconhece a dificulda- de do titulo para os israelitas. Os pagaos, em sua ignorancia, sabem mais de deuses em forma huma- na do que os israelitas, cujos livros sagrados nao os prepararam para isto. Por outro lado, é significativo que os espiritos imundos tenham este conhecimento novo. E 0 Es- pirito quem permite, a partir da ressurrei¢ao de Jesus Cristo, reconhecer a novidade do Filho de Deus em carne humana. No batismo de Jesus, foi © Espirito que desceu sobre ele (1,10) quando ouviu a voz do céu, e é de supor que os espiritos, embora sejam imundos, estejam aptos para esta novidade. Se o titulo Filho de Deus permanece 4 margem do relato € ndo consegue penetra-lo até a confissao do centuriao, o titulo Cristo (= Mesias), pelo con- trario, desempenha tm papel central no relato chamado “segredo messianica” domina a primeira etade do evangelho, quando diferentes actantes oferecem diversas leituras da pessoa de Jesus (lou- co, representante de Belzebu, Elias, um profeta, Jodo Batista). Tudo esta planejado para ir criando uma tensao_que se resolvera com a confissio de Pedro: “Tu és 0 Cristo” (8,29). Esta € também a interpretacéo do sumo sacerdote no julgamento, onde é uma acusagao: “Es 0 Cristo, o Filho de Deus Bendito?” (14,62; “filho do Bendito” é uma alusao ao titulo Filho de Deus, supondo Marcos talvez um conhecimento profético no sumo sacerdote). E, fi- nalmente e de modo significativo, é a mensagem do titulo acusatério sobre a cruz: “O rei dos judeus" (5,26). Este uso sutil ¢ eficaz da tomada de consciéncia sao de que Jesus era 0 Cristo foi um processo dificil 38 para os seguidores de Jesus. Esta foi a primeira leitura acerca de qual era o papel historico de Jesus, echegou a sua culminagao antes da Paixao. Marcos consegue representar isso magistralmente em seu relato. Num ponto intermédio entre o titulo eclesial ¢ definitivo, Filho de Deus, eo titulo tradicional israe- lita, Cristo, Marcos apresenta uma terceira leitura com 6 titulo Filho do Homem. Este é 0 titulo que o actante Jesus aplica a simesmo, ainda que somen- te depois de Pedro ter expresso sua confissdo mes- sianica. Nos animcios da Paixao (8,31-33; 9,9-13; 10,32-34) ¢ em sua resposta ao sumo sacerdote no julgamento (14,62), este é 0 titulo que Jesus aplica asi. E um nome para o juiz apocaliptico em Daniel ena literatura apocaliptica de Enoc, e este parece ser 0 contexto a partir do qual é entendido seu uso nos evangelhos sindtices. Exerce um papel inter- mediario entre Cristo, um titulo tomado da tradicao igrachita, e Filho e Filho de Deus, um titulo cristéo novo. peri s. Serve de ponte entre Cri: Deus, entre o Jesus pré-pascal e o Senhor pés-pas- 1.6, A releitura de Jesus desde a ressurrei¢do segundo Mateus evangelho de Mateus reflete uma etapa avancada que Marcos no processo de releit meméria de Jesue a partir de sua ressurreica0. O mais notavel é seu relato do nascimento de Jesus depois de Maria ter “ficado gravida do Espirito Santo” (1,18). O assunto é acentuado no sonho de José a quem 0 anjo revela que “o que nela foi gerado € do Espirito Santo” (Mt 1,20). Este menino que 39 salvara seu povo provém ek pneumatos h Espirito Santo. aa O efeito desta concepcao por obra do Espirito Santo é reafirmar o dito pela voz celestial no batis- mo: “Este é meu Filho amado em quem ponho minha afeicao” (3,17), tornando esta filiacao um fato desde o ventre de sua mae. Além disso, Mateus Tepete os temas do messianismo e da filiacao divina, mesmo aqueles sobre 0 do Homem, que ja estavam presentes em Marcos, o evangelho que Ihe serviu de fonte. Mateus compartilha com Lucas um importante dito que provém de uma fonte comum que os exe- getas chamam Q;: “Tudo me foi dado por meu Pai, e ninguém conhece 0 Filho senao o Pai, e ninguém conhece o Pai a nao ser o Filho e aquele a quem 0 Filho quiser revelar" (11,27). Como em Marcos, também em Mateus a parabola dos vinhateiros malvados apresenta publicamente a declaragao na boca de Jesus de sua relagao especial com Deus. Ha um dito tomado do material Q que em sua forma mateana mostra uma consciéncia do papel do Espirito Santo no ministério de Jesus. “Se eu expulso os deménios pelo Espirito de Deus, entao é que chegou até vos o reino de Deus” (12,28). E de notar esta atribuicao do poder de Jesus a obra que nele realiza o Espirito de Deus. E certamente uma atribuico do proprio Mateus (e nao de Q), ja que nao esta presente no paralelo Iucano (Le 11,20), quando, de todos os evangelistas, Lucas é 0 que mais importancia da ao Espirito Santo no ministério de Jesus. 1.7. A releitura desde a ressurrei¢ao segundo Lucas De todos os evangelistas é Lucas quem mais reconhece na vida de Jesus a acao do Espirito que os cristaos experimentam em sua vida comunitaria. ‘Sua declaracao geral a respeito disso pode ser en- contrada num sermao de Pedro: ‘Vos sabeis 0 que aconteceu em toda a Judéia, come- cando pela Galiléia, depots do batismo pregado por Joao. Como Deus ungiu Jesus de Nazaré com 0 Espirito Santo e com poder. Como ele andou fazendo © bem e curando todos 0s oprimidos pelo diabo porque Deus estava com ele (At 10,37-38). Lucas tem a conviceao da grande importancia da presenca e do poder do Espirito Santo dentro da Igreja. Para os seus leitores dramatiza com 0 que sucedeu no dia de Pentecostes, quando apareceram linguas como que de fogo sobre os seguidores de Jesus em Jerusalém. Nesse dia tiveram a capacidia- de_de falar de tal forma que todos os entenderam, ‘cada um em seu proprio idioma (At 2,1-13). Assim como o Espirito Santo desceu sobre os apéstolos € seus acompanhantes no dia de Pentecostes, Lucas acha que, do mesmo modo, desce sobre outros no- vos crentes (At 8,15-17; 11,15). Q. acontecimento ¢ to palpavel que tem sentido a pergunta: “Recebes- tes 0 Espirito Santo, ao abracardes a fé?" (At 19.2). Baseado nesta experiencia do Espirito Santo, por-1| a” tanto, Lucas interpreta astradicoes acerca de Jesus| (I luz do poder do Espirito Santo. Embora as tradigdes em que Lucas se basela a respeito do nascimento de Jesus nao sejam as mesmas de Mateus, coincidem na “pneumatizagao” de Maria, sua mae (Le 1,35). Também outros per- sonagens foram tomados pelo poder do Espirito por 41 ae ocasiao do nascimento de Jesus. Zacarias, o pai de Joao, profetizou estando cheio do Espirito Santo (Le 1,67). O Espirito Santo revelou ao santo homem Simedo que este menino era o Cristo do Senhor (Le 2,25-26). Nao se menciona que o Espirito tenha inspirado a profetisa Ana, mas, A luz da conexao entre profecia e Espirito para os cristdos, é de se supor que assim fosse (Le 2,36-38) _ No Batismo de Jesus, como é apresentado tam- bem em Marcos ¢ Mateus, o Espirito Santo desce sobre Jesus (Le 3,22). Uma novidade importante é a aplicacdo que o propria Jesus faz da Escritura de Isaias: “O Espirito do Senhor est sobre mim” (Lc 4,18). Com este texto todo o ministério piblico de Jesus € posto sob o poder do Espirito Santo. O Espirito € 0 dom perfeito de Deus, que o dara aos que Iho pedirem (Le 11,13) Conseqiiéncia da énfase que Lucas poe sobre 0 Espirito Santo € que o titulo Filho tem menos cen- tralidade que em sua fonte, Marcos. Mesmo assim. continua sendo um titulo fundamental para enten- der o significado da pessoa de Jesus a luz da res- surreicao. Lucas toma de sua fonte comum com Mateus 0 dito de que “Ninguém conhece quem é 0 senao o Filho ¢ a Pal sendo o Filho © aquele a quem o Filho quis 2. A experiéncia da vidi elas ia no Espirito na igreja 21. O Espirito dé liberdade ante a lei Experimentou-se a vida nova nas igrejas como uma vida “no Espirito” (Gl 5,25). A caracteristica mais notavel desta vida era a sua/fiberdade) “oO 42 Senhor é Espirito e onde esta o Espirito do Senhor, ha liberdade” (2Cor 3,17). O Espirito sopra onde quer e lhe ouves a voz mas ndo sabes de onde vern nem para onde vai" (Jo 3,8). Portanto, a nova expe~ riéncia religiosa que foi vivida nas igrejas presididas pelos apostolos foi experimentada como libertacao ¢ liberdade. Isto € completamente natural para um movimento messianico, mas teve suas caracteristi- cas proprias, que procuraremos explorar. Uma liberdade pura que carecer de contetido proprio produz mais angistia que alegria. A liber- tagao da opressao produz euforia, mas logo se torna amarga se nao existirem elementos para dar forma A nova vida. E o problema que os anarquistas pro- vocaram dentro do movimento operario socialista do século passado. As igrejas também tiveram de enfrent-lo. Houve os que viveram a libertagao es- piritual como dissolucdo de todas as normas, expri- mindo sua liberdade no desenfreamento_sexual. Paulo condenou isto como impréprio para aqueles cujos corpos eram templos do Espirito (1Cor 6,12- 20). Para ele nao foi facil condenar isso sem por em perigo a liberdade sem a qual nao haverla vida espiritual. Novamente, a experiéncia do movimento operario moderno ilustra a dificuldade: Como resis- tir a dissolugdo que o anarquismo traz sem trans- formar 0 movimento em algo duro ¢ rigido onde a lei da autoridade suplanta a vida espontanea? ee Mas nao foi este o problema pratico mais pre- mente. Q_contexto no qual se teve de articular a nova experiencia das igrejas foi o da polémica com \ as sinagogas. Estas propunham um estilo de vida atraente para pessoas com inelinagdes religiosas. Seu principio dinamizador era a alianca de um 43 x Deus misericordioso com seu povo no monte Sinai, ¢ a estrutura da vida da sinagoga era dada pela lei de Deus que foi revelada ali por Moisés. A experién- cia eclesial de uma salvaeao, que era movida pela liberdade do Espirito (G1 3, 1-2), tinha de se articular ante a sinagoga. A segunda metade do primeiro século dC fot um © tempo de transicdo. Israel levantou-se numa ampla Vinsurrei¢éo popula contra o império em toda a Palestina no an6.66: Depois de um ano de guerra , 10 ano 67, o teatro de operacdes passou para a Judéia, onde os revolucionérios tomaram Jerusalém. 0 exército romano, comandado por Ves- pasiano, impés um cerco que durou trés_anos, culminando com a queda da cidade no ank70 dC? Foi 0 tipo de explosao social pelo qual qualquer movimento messianico anseia. Todavia, os seguido- res de Jesus nao se fizeram presentes em Jerusa- Jem. Jesus fora morto em Jerusalém pela iniciativa das autoridades de Israel, 05 mesmos saduceus que fizeram parte do governo provisério na Jerusalém revolucionaria para serem depois substituidos pelo movimento popular 4 medida que se radicalizou. Depois da execucdo de Jesus houve varias décadas de tensées entre os cristdos ¢ estas autoridades, tensdes que se estenderam também aos fariseus que dominavam no espaco das sinagogas. Os cris- tao foram ficando isolados. Quando no ano 62 seu lider maximo em Jerusalém, Tiago “o justo", foi morto pelas autoridades presididas pelo sumo sa- cerdote And, os cristaos se retiraram de Jerusalém. De modo que nao fizeram parte do movimento po- | pular que no ano 67 matou o sumo sacerdote € 0 ' substituiu por um camponés escolhido por sorteio. 44 Quer dizer, os perseguidores da Igreja, os nobres sacerdotes, foram por sua vez. perseguidos, mas a Igreja j4 nao estava presente para tirar proveito da situagao. A situacao dos rabinos fariseus foi curiosamen- te paralela. Embora inicialmente participassem da insurreicao ~ Josefo, o general que dirigiu a guerra na Galiléia, era fariseu -, um importante grupo se sm A medida que a revolucdo se radicalizou. Um famoso rabino fariseu, Yohanan ben Zakkai, saiu clandestinamente de Jerusalém no ano 68 a frente de um grupo de rabinos. Conse- guiram do general Vespasiano a licenga para esta- belecer em Jamnia um bet-din, uma casa de estudo e jurisprudéncia. Quando o templo foi destruido pelos exércitos romanos no ano 70, mais de um milénio de vida israelita Centrada no monte Sido terminou. Até este momento as sinagogas funcionavam como casas de estudo e devogao para os judeus que nao podiam ir ao templo por motivo de distancia. Para eles, 0 templo continuava sendo o tinico lugar legitimo de culto onde a presenca de Deus era permanente. ‘Somente ali era licito fazer os sacrificios de animais que Deus pedia. A destruicao do templo significou © fim de uma era, embora Israel contirtuasse exis- tindo por mais sessenta anos até ser totalmente destruido depois de outra insurreicao. Neste ultimo periodo as sinagogas cada vez mais se tornaram 0 Centza da uta denim povo religiosa judest que J& nao tinha um estado nem terra. Israel, como nacao, nao existiu mais. Parece que Israel detxou dois filhos que dispu- tavam entre si a heranga: as sinagogas, presididas 45 a pelos rabinos, ¢ as igrejas cristas. Agora tinham de se definir um defronte ao outro. Os outros preten- dentes foram climinados pela derrota e pela des- truleso de Jerusalém onde se tinham entrinchei- 7 rado. “ Avobediéncia a Lei e a aceitacdo do messias #* ¥ © enviado por Deus eram os pontos centrais da dis- puta. Para os cristaos, depois de sua expulsao de “© Israel, omessianismo era uma libertacdo espiritual, pois a nacao nao existia mais. A libertagdo era de qualquer pecado, e nado somente do_pecado da opressdo imperial. Os _rabinos nao tiveram muito entusiasmo messianico, € cada vez mais foram en- ~ caminhando as sinagogas a aprenderem a viver em w' wv fidelidade a lei de Deus no meio de um mundo Na disputa por se apropriar da sucessao do povo de Israel e de suas escrituras sagradas, as igrejas pareciam se encontrar em desvantagem ante o ju- daismo que era cultivado nas sinagogas pelos rabi- nos. Este judaismd tinha a lei de Deus revelada no Sinai conio orientagdo de sua vida dentro de uma continuagao do pacto de Deus com seu_povo. Os @istaos, por sua vez, defendiam uma espiritualida- “~ de-de liberdade, Esta descansava sobre um modo “gt, Pacto do mesmo Deus com seu povo, um povo novo, se) onde a liberdade espiritual tomava o lugar da obe- es diéncia a lei. Isto parecia deixar as igrejas moral- mente a deriva, sem timao. Aw” Bo problema que Paulo enfrenta com as igrejas ~~ da Galacia, por cujo motivo escreve a epistola. Diz |e que fomos libertados em Cristo (G15, 1). Alibertagao nos tira do dominio do pecado que nos mantinha escravizados as paixdes da Carnie} Os judeus rabi- 46 nicos também se sentiam libertados da carne pela misericérdia de Deus. Paulo verifica que os dois rivais se separam com respeito a lei. Se algum cristo se circuncida e desse modo assume o jugo dalei, com isso renunciaa sua salvacao nomessias + Jesus (GI 5,3-4). O Espirito é liberdade (2Cor 3,17) e de modo algum pode ser canalizado pela lei, << embora seja a boa lei de Deus. ‘3 Isto nao deixa o cristéo sem direcdo porque 9 Espirito, embora livre,{ndo é desordenadg. “Se vive- mos do Espirito, andemos também segundo o Es- pirito” (GI 5.25). Para preservar a liberdade que} 0” recebemos em Cristo, precisamos seguir ativamen-|©“%, te o Espirito para que este dé em nos o seuifrutoque oe nda- é “amor, alegria, paz, paciéncia, afabilidade, de, fidelidade, mansidao, continéncia” (G1 5,22, 3).0° ve De modo que somente preservaremos nossa liber- dade da carne se permitirmos que o Espirito enca- ee minhe nossa vida, Procurar que seja a lel a orientar ‘°" a vida, pelo contrario, seria “cair da graca” (GI 5.4) numa nova servidao. Paulo aprofunda esta andlise, forjada na polé- mica com os judaizantes da Galacia, em sua poste- rior epistola aos romanos. Aqui Paulo reconhece que a lei de D santa, justa e boa (Rm 7,12). ficaz, para reconciliar-nos com Pewe ¢ nos livrar do juizo futuro. Mais ainda, a lei exacerba aS paixdes carnais e, aproveitando-se da ocasido dada pelo mandamente, o pecado acaba nos ma- tando (Rm 7,7-11). De modo que Paulo concorda * com 0s rabinos que a lei é boa, mas com si pergepgao-da malicia do -cado verifica que este se serve da lei para seus fins mortiferos. Necessitamos de ito Cristo para nos justificar, e do poder do Esp: em liberdade. dar forma. a nosgas vidas ef © problema nao é exclusivamente paulino. Se- s gundo os evangelistas, Jesus de Nazaré ja o tinha Proposto. Com grande liberdade a antepés as necessidades dos pobres aos manda- _e Mentos. Com assombro € admiragao, os apdstolos lembram as a¢ ees em prol da vida que o Senhor 4? Tealizava aogsabado8, para escandalo dos fariscus. E lembram como suas refeigdes com publicanos € pecadores foram motivo de | eas por parte dos que procuravam cumprir com esmero a lei. Para os evangelistas, parece possivel encontrar um ponto comum com os rabinos no reconhecimento do re- sumo da lei (Mt 22,34-40 par.), colocado na boca de um mestre da lei (nomikos) por Lucas (Le 10,25-29). A pratica das igrejas demonstrou que a ponte era fragil. E que Deus da a salvacao por canais diferen- tes, de modo que alei, apesar de ser boa para ambas munidades, tem fungoes diferentes. Para as (et) rabinos a relacdo com Deus estava fundamentada fungao ndo era salvar, mas era obrigatoria para que ~ ja dava forma a vida do povo da alianga. Sua *y de Deus (0 Incorressé na ira de seu sobe- © _>, comum na igreja apostélicao recurso a “let dwemor” soi (Jo 13,34; GI 5,144Tg 2,8). Tiago chega inclusive a » falar da “lei perfeita da liberdade" (Tg 1,25). Segun- * do os evangelistas, este recurso remonta ao proprio “eo 48 ném as sinagogas a entendiam. Para os .."” SAavnts a Wun dh. tons ounacre 1988 Jesus, conforme vimos no paragrafo anterior. Con- siderando a realidade dominante do Espirito na vida das igrejas, ndo se deve pensar que'se tomasse literalmente o amor comouma lei. A experiéncia das to, que ndo era desordena¢ aos outros (ver GI 5,22-23; esta seria a novidade de um mandamenta que, como tal, ndo era novo mas {Ja estava na Tora de Moisés, Jo 13,34). Mais que a lel, era o fruto da presenca do Espirito na vida dos figis, face fants 2o E 0 evangelista Mateus que mais tem com este probleria, derivado provavelmente de sua ansiedade em mostrar que Jesus nao rompeu com a tradig4o das Escrituras. Era evidentemente importante na disputa com os rabinos, nao somen- te estabelecer diferencas entre os dois estilos de vida, mas também ancorar a legitimidade da vida espiritual nas Escrituras que eram comuns aos dois herdeiros de Israel. Mateus apresenta Jesus como um novo Moisés. Nao veio suprimir nem um jota nem um fil da lei mas veio “cumpri-la” (plerosai, Mt 5,17). E provavel que a diferenca de Mateus com respeito aos demais apéstolos seja mais de formu- lado e de énfase do que de fundo. Quer garantir que os seguidores de Jesus nao vivam vidas desor- denadas, e sim mais perfeitas que os escribas € fariseus. Isto é possivel pelo poder ¢ pela direcao do Espirito Santo, diregdo que ~ Mateus quer afirmar - em nada contradiz a lei Resumo. Nos escritos apostélicos parece existir um corisenso sobre o que distingue os fiis das igrejas dos fié sinagogas. E a presenga e acdo do Espirito. Sendo o Espirito liberdade, a lei fica 49 MEG, 34.40 Bomoa @ hur © A091 OLure CE RYU Avr relativizada. Nao é suprimida, porque a lei foi dada a Moisés por Deus, mas a experiéncia crista efa que a.Jei nao era suficiente para garantir a vida. \y cumprimento se aperfeigoava ao se flexibilizar, pon- do em lugar dos mandamentos a vida concreta do > proximo. Q amor resume tudo, ea liberdade para io" amar, apesar das tentaghes da carne com ‘om todas as s, é fruto do Espirito. Isto, porém, é legitimo? Pode ser justificado pelas Sagradas Escrituras? O avanco das igrejas cristas nos séculos posteriores parece justificar isso, mas os cristdos se angustiaram em demons- tra-lo baseados na exegese, um tema que nao po- demos recapitular aqui. Paradoxalmente, 0 Messias de Israel, Jesus co Ciisto, Iibertou Israel de sua prépria lei, segundo v qSeus Seguidores. A nacdo j4 nao tinha futuro nos .planos de Deus e, portanto, na realidade historica «»° ge tampouco. Nisto a Segunda Guerra (132-135 dC) es wwdeu a razdo aos cristdos, Entdo a nacao nao preci- <6 “She Sava mais de libertacao, O Messias, que foi crucifi- wes \. cado pelos lideres da nacao, foi ressuscitado dos mortos pelo to para que libertasse para sium novo povo onde nao houvesse “judeu nem grego, escravo nem livre, varao nem mulhe 28). te 2.2, A vida no Espirito pneumatiza os corpos Segundo testemunho dos apéstolos, a ressur- reicéo de Jesus Cristo seguiu-se uma nova expe- riéncia.de vida entre seus seguidores que se sentiam transformados em “criaturas nevas" (2Cor 5,17). Nao era possivel descrever com exatidao esta novidade de vida que era, contudo, uma realidade palpavel que nao se podia negar entre os que a 50 tinham experimentado. De modo que tinha sentido a pergunta: “Recebestes o Espirito pelas obras da lei ou pela pregacao da f¢?" (G1 3,2). A pergunta nao discute 0 fato da novidade da vida; supondo como indiscutivel 0 fato, pergunta pela maneira como foi produzido: por obras ou por fé. “Entao Ihes impu- cram as maos ¢ eles receberam o Espirito Santo” | (At8,17). “Poder, por acaso, alguém negar a dgua *° do batismo a estes que receberam o Espirito Santo, *como nés?" (At 10,47). Estes textos supdem um fato * inconfundivel realizado nos novos crentes; perma- nece em discussao a implicacdo sacramental, que deve ser derivada do fato. Um dos futos mais notaveis da vida nova no Na lista paulina dos “frutos do Espirito”, alegria vem depois de amor (GI 5,22). Esta alegria € tanta que enche as vidas dos crentes mesmo no meio da tribulagao que sua identificagao ptiblica com a mensagem crist& acarreta (ITs 1,6). A vida no Es- \ pirito € um conjunto coerente de qualidades que }, Paulo chama de fruto do Espirito, um conjunto que ~~ eomeca com o amor ¢ termina com o dominio pré- disciplina, que alguém pode achar contraria a liber- dade que a esséncia da vida espiritual. Esta dis- ciplina, entretanto, é alegre porque se da no contex- to do amor, enquanto assegura a liberdade ja con- seguida da escravidao é desordem da carne. A discnssao acerca do amor ao irmao que tem a consciéncia fraca ilustra este aspecto da vida nova. Paulo sabe que “em Cristo” — 0 que equivale a “no Espirito” ~¢ livre para comer carne (Rm 14,14). Mas ha crentes que se escandalizariam se usasse seu 51 use direito de comer carne pois ainda sao fracos na liberdade do Espirito. “O Reino de Deus nao é comida nem bebida, mas justiga, paz e alegria no Espirito Santo” (Rm 14,17). Quer dizer, embora na liberdade do Espirito eu tenha pleno direito de desfrutar dos prazeres da comida, o amor que brota livremente pelo Espirito que mora em mim torna alegre a disciplina do dominio proprio ao abster-me de comer carne por amor a meu irmao. Alegria, liber- dade ¢ amor se conjugam na nova experiéncia de vida no Espirito. Existia a consciéncia entre os primeiros cristios (cp) de que esta nova vida brotou da ressurreicao de 7 _.. Jesus Cristo. Joao evangelista diz: “Quem cré em s~) mim, como diz a Escritura, do seu interior correrao / & \rios de agua viva. Referia-se (comenta o narrador o S/} numa nota para o leitor) ao Espirito que haviam de \" e/ receber aqueles que cressem nele. De fato, ainda |. ndo fora dado o Espirito, pois Jesus nao tinha sido \“o” ainda glorificado” (Jo 7,38-39). A referencia a Escri- tf tura parece ser a Ez 47,1-12, 0 rio que, na viso do * v4, Profeta, saia de debaixo do altar, cujas aguas ferti- 2, VWaavam maravilhosamente as arvores e saneavam ~ © as Aguas insalubres do Mar Morto. Assim a vida no “ Espirito da sanidade. ~ e . Beber agua satisfaz uma necessidade vital e go” y'Serve como a imagem central da conversa de Jesus coma mulher a beira do pogo de Jacé (Jo 4). Beber sda Agua que Jesus oferece (uma alusao ao Espirito) satisfaz plenamente a sede (Jo 4,13-14). Alem dis- 0, porém, lembrando 0 rio maravilhoso da visao do profeta, restaura a sanidade a esses aspectos da vida corporal que estavam corrompidos pela doenca (da “vida eterna’). Paulo diz algo parecido em G16,8: 52 “Quem semear na carne, da carne colherd a perdi- Ao. Mas quem semear no espirito, do espirito co- Ihera a vida eterna’. E muito celebrado na pregacdo protestante na América Latina 0 novo nascimento que serve de imagem central da conversa de Jesus com Nicod mos (Jo 3). Ao mestre da lei, Jesus faz a exigencia de nascer da “Agua e do Espirito” para entrar no Reino de Deus. O anothen deste nascimento miste- rioso do Espirito tem uma ambivaléncia, € ao mes- mo tempo “de cima” e “de novo". Que seja “de cima” faz contraste com o nascimento natural, que é terreno, “de baixo”. Que seja “de novo" se contrapoe A vida presente que, por si 56, nao pode garantir a aco do Espirito que permitiria participar da utopia do Reino de Deus. Nao creio que erramos se unir- mos Jo 3,3-8, a discussao da exigéncia para entrar no Reino de Deus, com Jo 7,38-39, onde se afirma que Jesus fazia referéncia a experiéncia pés-pascal do Espirito entre os crentes. Entao 0 ‘de cima” e “de novo” se refere a experi tual que segue a ress mento” € a “renovacao do Espirito Santo”, outra referéncia a mesma experiéncia. “Vida eterna” de que gozam os que nasceram do Espirito engloba tudo o que se pode esperar da vida. Tomando as coisas por suas partes, na igreja pri- mitiva se tinha a experiéncia de uma intima relacao tre 0 Espirito e a(curadas doencas. “A letra mata, mas 0 Espirito vivifica’ (2Cor 3,6). Entre os dons do Espirito esta, segundo o apéstolo dos gentios, odom de curar os enfermos (1Cor 12,30). Em sua oracao, por ocasido da libertacdo de Pedro e Joao, os fiéis 53 pedem que continuem sendo mostrados “curas, sinais e prodigios pelo nome de tet santo servo Jesus" ¢ imediatamente “ficaram cheios do Espirito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus" (At 4,30-31). =\_, ©. quarto evangelho associa a recepgao do Espi- 8"\rito Santo com o sopro de Jesus ressuscitado (Jo a gf ye 20.22). Com isso, recebem 0 poder de perdoar pe- ados, e também de reté-los. Isto também tem a ver com a satide. Carregar a culpa por um pecado nao perdoado é uma ferida na vida e pode levar, segundo concepcées antigas mas também segundo a medi- cina moderna, a transtornos organicos (ver Jo 9,2). A oracao espiritual poder restaurar 0 enfermo e cura-lo de seus pecados e de suas doencas. A longa finalizagao de Marcos nos apresenta Jesus ressus- citado dando poder aos apéstolos para expulsar | deménios, falar em linguas novas, cur: enfer- || mos e resistir 48 picadas de cobras (Mc 16,17-18). Provavelmente, é um acréscimo ao evangelho feito no segundo século que manifesta a experiéncia do Espirito que entao era vivida ou se aspirava viver. @ “L=4> De todos os escritores apostélicos, ¢ Paulo quem mais elabora ¢ reflete sobre a experiéncia da nova io Vida que os crentes em Cristo Jesus conheceram. Com todos os apéstolos, Paulo compartilha o fato de se referir, como fonte desta nova vida, ao Espirito a. de Deus. Além disso, faz um esforco para descrever eo» esta nova vida em seus efeitos corporais e espiri- gv i" tuais. Citemos por inteiro um texto denso: rate go oe Vosnao viveis ‘em carne’ mas ’em Espirito’, porquan- we to 0 Espirito de Deus habita em vés, Se alguém nao ae tem 0 Espirito de Cristo, nao é de Cristo. Se, entre- tanto, Cristo esta em vés, 0 corpo est4 morto pelo pecado ¢ 0 espirito vive pela fustiga, B, se o Espirito 54 daquele que ressuscitouJesus dos mortos habita em vés, quem ressuscitou Jesus Cristo dos mortos tam- ‘bem dara vida a vossos corpos mortais por virtude do Espirito que habita em vos. Portanto, irmaos, ndo somos devedores da carne para vivermos segundo a carne, De fato, se viverdes segundo a carne, haveis de morrer, mas se pelo Espirito mortificardes as obras da carne, vivereis. Todos os que sdo conduzidos pelo Espirito de Deus, sao filhos de Deus. Pois no recebestes um espirito de escravos para recair no medo, mas recebestes um espirito de filhos adotivos com 0 qual clamamos ‘Abba, Pai’. O proprio Espirito da testemunhoa nosso espirito que somos filhos de Deus. Se filhos, também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, contanto que soframos com ele para sermos também com ele 9°, ressuseitados (Rim 8,9-17) tee (Paulo)percebe a situagao do crente como a vida de Uircorpo MOvIdo por dois princi econtrarios: de um lado acarne, de outro o Espirito." Eassim porque o Espiritode Deus (ou de Cristo que, segundo parece, 6a mesma coisa) habita em nossos corpos. Se algum dos seus leitores nao tivesse esta experiéncia do Espirito em sua vida, toda a discus- ..c!” sao era ociosa porque este nao seria de Cristo, quer s dizer, da comunhado dos irmdos cristaos. Carne ¢__ corpa jesma coisa. Antes, a carne, que equigs 2 ~ vale ao pecado, é uma forca-motriz que ocupa ee rp. Quando o corpo sedeixa controlar pela carne = Qecado), inevitavelmente morre. Parece que nao someiit morrera (como todo corpo tem de fazer), mas que ja comega a morrer, desde que se entrega a carne. Mas o Espirito pode também ser ur 16ss0s corpos, onde encontra uma\,< espiritos mediante a \y* justica. Nesse caso, se di o milagre de que nossos |; nde us * 5B Ghat corpos, que em si se inclinami a responder aos apelos do pecado = carne e a confirmar sua morta- lidade, sao vivificados pelo Espirito que age pela Justica em nossos corpos. Ja vimos como 0 Espirito Tessuscitou Jesus, mostrando assim que os corpos sdo capazes de responder ao Espirito. Desta manei- Ta, nossos corpos so também vivificados quando o Espirito habita em nos. No segundo paragrafo da citacao, Paulo procura explicar a mesma coisa de outra maneira. Viver para a morte conforme as obras da carne é cair novamente no “espirito de escravos”. £ abandonar a liberdade com que Cristo nos libertou, tema muito desenvolvido pelo apéstolo em sua exortacdo polé- mica dirigida aos galatas. Se podemos legitimamen- te interpretar este espirito de escravidao pelo primeiro paragrafo citado, € a mesma coisa que deixar-se controlar pelo dinamismo da carne = pecado. O résultado é uma vida desordenada sem coeréncia (como as obras da carne descritas me- diante uma lista em Gl 5,19-21), que em sua deso1 dem manifesta os sinais vivos - se for permitida a expresso ~ da morte. Paulo, ao contrario, exorta que os cristaos ro- manos afirmem-se no espirito de filiacdo que rece- » beram. Sao filhos de Deus, co-herdeiros de Cristo. » © sofrimento “com Cristo” é parte de uma vida coerente de gloria com ele. Quem assumir na alegria a Espirito os sofrimentos de Cristo, recebe em seu “que ressuscitou Jesus, corpo ¢ alma, dos mortos. Esclarecamos as fontes do apéstolo para esta __ andlise antropolégica da vida “em Cristo”. Primeiro, @ indicacao do poder do pecado = carne é uma observacao empirica sobre sua propria vida ¢ a de seus irmaos. Paulo nao cré na perfeicio da vida A novidade e 0 que constitui o evangelho cristao nao € esta observacdo obvia, é que o Espirito de Deus vivifica os corpos dos seguidores de Jesus.. eS ‘ma observa¢ao empirica, flumina~ | = da desta vez pela ressuirei¢ao de Jesus Cristo. she assegurar-Ihes que ressuscitara, ¢ que tanto sua "~ morte como sua ressurreicao estavam previstas pelo Espirito que falou pelos profetas. Sobre o Es- Pirito Ihes deu uma promessa: “Eu vos mandarei 0 que meu Pai prometeu. Por isso, permaneceis na cidade até que sejais_revestidos da forca do alto” (Le 24,49). E depois de sua ascensao que Lucas . apresenta um evento distinto da ressurrei¢ao no qual a Igreja recebe o dom do Espirito Santo diante de uma multidao (At 2,1-42). Comparando Joao e Lucas, vemos que os dois associam a vinda do | Espirito com a auséncia de Jesus por jivestar na gor j de seu Pai. A diferenga consiste em que Lucas prolonga a presenca de Jesus ressuscitado, deixan- doa ascensao para quarenta dias depois da ressur- reicao (At 1,3), - Lucas relata a recepgio do Espirito como a qt? manifestacdo visivel de linguas como que de fogo sobre os galileus, seguidores de Jesus, durante a festa de Pentecostes (At 2, 1-3). As lingitas permiti- {Fam que os cristaos falassem em Tingaas que até | entao desconheciam, as linguas dos peregrinos pre- 9 Ne 60 sentes em Jerusalém para a festa {At 2,7-12). Rece- 5 beram poder para falar com coragem, comegando pelo sermao de Pedro com 0 qual interpretou a maravilha do Espirito como o cumprimento da pro- fecia de Joel acerca do detramamento escatologico do Espirito (JI 3,1-2). Pedro fundamenta sua men- sagem da seguinte maneira: Este Jesus, Deus 0 ressuscitou ¢ disso todos nés somos testemunhas. Exaltado pela direita de Deus ¢ recebida do Pai a promessa do Espirito Santo, 0 distribuiu conforme veils e ouvis... Todo Israel sai- ba, portanto, com a'maior certeza, que este Jesus, por vs crucificado, Deus 0 constituiu Senhor € Cristo... Arrependel-vos € cada um de vés seja bati- zado em nome de Jesus Cristo para remissio dos pecados ¢ recebereis o dom do Espirito Santo (At 2,32-38), A seqiiéncia do relato de Lucas nao deixa lugar a duvidas de que foi a presenga do Espirito entre os de c numa vida de constante oracao (At 2,43-47). De maneira que todo o grupo teve a simpatia da popu- lacao. Qualquer leitura, por superficial que seja, dos escritos apostélicos, revela que a presenga do Espi- ‘oi tao evidente € tes. senca que houve alguém, Simao, 0 Mago, que quis comprar a capacidade de dar Espirito Santo, para cndalo de Pedro e dos apéstolos (At 8, 18-19). Um dos sinais mais chamativos da presenca do Espi- rito eraCfalar em linguas”.Nna maioria das vezes linguas desconhecidas. Fot éste fenémeno da glos- eG 61 ue wt io crentes que fundou a comunidade, Imediatamente ....o", bens" Sst solalia que evocou a discusso paulina dos dons do Espirito Santo que encontramos em 1Cor 12-14. O dom das linguas chegou a ser um problema pastoral para Paulo na igreja de Corinto porque estava criando desordem durante suas reuniées e desprestigio para o exterior. Em seu conselho pas- toral, Paulo reconhece a existéncia de uma grande diversidade de dons, cada um com sua fungao para a comunidade, assim como no corpo ha varios 6r- gaos que desempenham cada um uma fungao pré- pria (1Cor 12,13-30). Paulo estabelece uma hierar- yor quia de dons espirituais, segundo sua contribuigao wo", Para a edificagao da Igreja (Cor 14,1-5). #* Este critério permite dizer que @ profeci4 tem um a o "lugar de preferéncia na assembléa-dos fiéis porque «9 edifica 0 conjunto, ao passo que o dom de falar em o* oe linguas desconhecidas é reservado para 0 uso pri- i 2, “Wado onde edifica a quem fala, a nao ser que na eon assembléia haja quem possa pelo Espirito interpre- tar as linguas desconhecidas. A imagem de um corpo com muitos érgaos é fundamental. A obra do Espirito Santo destina-se, através da diversidade de dons, a edifi uma so yf Ora, v6s sois 0 corpo de Cristo e cada um como parte émembro. Auns Deus constituiu, na lgreja, primeiro apostolos, depois profetas, terceiro doutores: depois © poder dos milagres, as gracas de cura, de assistén- i cla, de governo, de falar em linguas es- tranhas (1Cor 12.27-28). A mesma imagem aparece na epistola aos efé- sios. O assunto aqui € outro. Paulo celebra a uni- dade que existe na Igreja entre os judeus e os gentios. Esta unidade faz da Igreja uma morada de 62 Deus no Espirito (Ef 2,19-22). Ha um Espirito, e a unidade da Igreja é a unidade do Espirito (Ef 4,3-4). Entdo 0 Espirito Santo desempenha na Igreja$ varias funcées, e todas tém a ver com 0 fortaleci- mento da unidade. A unidade que abarca a judeus © gentios representa um distanciamento do povo de Deus das Sagradas Escrituras, e poderia ser usada para deslegitimar as igrejas. Foi entéo a comunida- dle assombrosa que podia atribuir somente ao Es- pirito 0 argumento com 0 qual as igrejas conti- nuaram atraindo novos membros. O espirito da as igrejas apéstolos ‘cujo testemunho sera o funda- mento da Igreja. Isto se realiza dando a Pedro € aos outros, que antes tiveram medo de se identificar comé seguidores de Jesus, poder com odom de falar com coragem. Faz isso também dando a Igreja diversos dons que Ihe so necessarios. E, mais do que tudo, 0 faz rompendo as barreiras sociais para que todos sejami um em Cristo. O Espirito se manifesta também na dinamica =" expansao missionaria das igrejas. Este é o tema do on livro dos Atos com 0 qual Lucas completa seu +” testemunho ao evangelho. O Espirito é uma presen- ¢a ativa dirigindo os movimentos dos missionarios (At 9.31; 166-7: 19,1 [alguns manuscritos] e 21; 20,22-23.28), as vezes impelindo-os a avangar, 4s vezes freando-os para que nao avancem para algum territério. Que isto nao foi somente a interpretacao de Lucas, se pode comprovar com a expresso de Paulo em Rm 15,18-19: Porque nao ousaria mencionar agao alguma que Cristo nao houvesse realizado através do meu minis- tério, para levar os pagaos 4 obediéncia, por obra ou palavra, pelo poder dos sinais e prodigios, pela virtu- de do Espirito de Deus. Assim, desde Jerusalém e 63 suas terras vizinhas até a liria completei a pregagao do Evangelho de Cristo. 3. O Espirito Santo & 0 Espirito de Jesus Cristo Asigrejas cristas sustentavam que Jesus, aque- le que fora crucificado por Poncio Pilatos ¢ por instigacao do sinédrio, era o legitimo messias de Israel. Sustentavam que eles, a rede de igrejas que continham igualmente judeus e gentios, escravos e livres, homens e mulheres, eram 0 legitimo povo de Deus constituido por uma nova alianca que tornava caduca a alianca do Sinai. Sustentavam que as Escrituras davam testemunho desta nova alianga e deste novo povo de Deus. A fundamentacdo exis- tencial para estas reivindicagoes era a experiéncia de uma nova vida no Espirito nas igrejas. Muito cedo surgiram crist4os que ndo sentiam mais necessidade de Jesus, pois Ihes bastava o Espirito. Para Paulo, escrevendo a menos de trinta anos da Paixao e da Ressurreigao de Jesus, a nova vida se deve a uma identificacdo com a morte ¢ a ressurrei¢do do Senhor (Rm 6,1-4; Gl 2,19-20). Joao, porém, implora as igrejas que examinem os espiritos para saber se so de Deus. Portanto, ha os que dizem ter o Espirito, mas, na opiniao de Joao, estao errados, Diz também: “Todo espirito que con- fessa que Jesus Cristo veio na carne é de Deus. Mas todo espirito que nao confessar Jesus, nao é de Deus” (Ido 4,2-3). (-__ Para os apéstolos, “O Senhor (= Jesus Cristo) é | 0 Espirito” (2Cor 3,17). Entre os cristdos, o Espirito verdadeiro € o préprio Espirito de Jesus Cristo. E a ressurreicao de Jesus é 0 ponto de identidade e { continuidade, 64 A maioria dos cristéos, mesmo nas igrejas da primeira geracao, no conheceram Jesus ressusci- tado. Receberam o testemunho dos que comeram e heberam com ele em seu corpo ressuscitado (At 10,41). Entre as testemunhas, se reconhecia prio- ridade a Maria Madalena de quem Jesus expulsara sete deménios. O caso de(Tomé,porém, é esclarecedor (ver Jo 20,24-29), Este Telato manifesta 0 contraste entre os que tiveram a oportunidade de tocar as feridas lo seu corpo ressuscitado e a vasta maioria dos crentes que nao a tiveram. E como se supde que nés \ceitemos um testemunho t4o surpreendente? Uma possibilidade sempre foi por autoridade, por- que a Igreja afirma que foi assim. Cremos o incrivel porque 0s apéstolos (e seus sticessores) no-lo exi- xem. E licito duvidar da ressurreicdo geral dos mortos, mas da ressurreicéo de Jesus nao pode- mos, os crist4os, duvidar ou, segundo Paulo, somos considerados falsas testemunhas e nossa fé € va (1Cor 15,14-17). A obediéncia cega nao resolve um problema destas dimensées, que é um problema de consciéncia por ser o problema de nossa salvacao. O incidente com Tomé nos recorda que a divida a respeito da ressurreicio no comecou com o ccticismo moderno, mas foi parte da reacdo primei- ra.a Maria Madalena. A ressurreigao é essencial, € nao podemos crer nela pela lei de nenhuma autori- dade. A lei pode ser boa, mas ja vimos que na cspiritual. Para o crente, é 0 Espirito que 0 faz livremente cumprir aquile que a lei impée aos que aceitam sua carga. Portanto, a ressurreigéo € um evento que se afi ontanéamente pelo Espiri- (o numa confiss4o que, se nao € spiritual, nao é 65 a yo oy oe ye ° Ento, o mesmo Espirito que revive pos € que nos faz confessar a ressurreicao de Jesus. Mas, por que isto é téo importante? Se temos o Espirito, a ressurreicao de Jesus nao esta de sobra? Jodo diz que se nao confessarmos no Espirito a Jesus Cristo, 0 Espirito que nos move nao é 0 Espirito de Deus. O problema fot bem real e conti- nua sendo. A ressurreicao marca uma descontinui- dade entre Jesus Cristo e as igrejas cristis, uma ruptura fundamental. Ele morreu com tudo e seu projeto messianico. Deus 0 ressuscitou dos mortos, mas nao 0 enviou para retomar o seu projeto. A ressurreicao estabelece uma continuidade que nao € mero prolongamento do messianismo pré-pascal. jO Espirito que da_vida aos crentes dentro das figrejas € o mesmo Espirito que ungiu Jesus com poder de cura e 0 mesmo que o levantou quando estava morto. Essa é a continuidade, Porém, da-se uma mudanga radical com a separacao entre o Messias ¢ sua base social. O Espirito suscita um novo povo para ser a base social de um novo mes- sianismo espiritual. A honestidade exige que reconhecamos que a descontinuidade é mais evidente que a continuida- de entre a crucificacao ¢ sua seqiiela e a ressurrei- cao e a seqiiela desta. Jesus encabegou um mo- vimento que éSperava a vinda do Reino de Deus. Conseguiu aglutinar tanta gente que durante a festa em Jerusalém as autoridades do templo e do império tiveram medo. Proclamou a destruicdo do templo e aceitou ser aclamado como o Messias, uma declaracao politica que assustou as autoridades romanas. Pensaram em acabar com o problema matando-o. 66 Mas com a ressurrei¢ao 0 movimento messiani- vo pode recompor-se € novamente conseguir adep- ts, Alguns dos seguidores de Jesus ficaram em -Ierusalém levando vida em comum e fazendo es- vandalosamente ofertas de perdao aos que mata- 1am a Jesus (se se arrependessem). Nao aceitaram calar acerca do Messias crucificado, mas reali aivam maravilhas em seu nome. Alguns continua- 1m pregando contra o templo, como Estévao (At 7.47-51). Para completar a destruicao do movimen- toas autoridades continuaram a politica original de climinagées fisicas, sendo Estévao a segunda viti- ma do movimento. Com a morte de Tiago, no ano 62. finalmente as wtoridades conseguiram tirar 0. movimento de Je- tusalém, terminando assim com sua base social. Scpararam-no de sua relacéo com 0 movimento popular israelita, Mas nao foram em vao os anos de experiéncia, de comunhado e vida espirituais em Jerusalém. Fora da Palestina, e separados do mo- vimento popular que foi destrufdo em seu glorioso © vao esforgo de derrotar as legides romanas, as comunidades cristas foram consolidando uma for- mma espiritual de vida. A luz desta historia nao é surpreendente que tenha surgido um apéstolo como Paulo que nao se Interessava pela vida de Jesus, ¢ centrava sua mensagem mais em sua cruz, sua ressurrei¢a0, ¢ ho fato de estar sentado a direita do Pai nos céus. Com 0 sangue de sua morte, Cristo comprou sua lureja (At 20,28; 1Pd 1,17-18). A énfase sobre a cruz sublinhou a descontinuidade entre israel ¢ as igre- jas, en to e o Filho de Deus. A tentacao dos lcitores de Paulo foi por séculos ignorar a continui- 67 dade da misao messianica que se afirmou na res- surreicao de Jesus, e com a presenga vivificadora do Espirito —s Na segunda e na terceira geracao de cristaos, wes sentiu-se a necessidade de refletir_ sobre a vida ssidnica de Jesus, que se confirmou pelo Espi- santo com sua ressurrei¢do dos mortos. Qs quatro evangelhos foram escritos provavelmente nos anos entre 70 dC 90. Foi uma resposta pratica jue Joao encontrou entre os que diziam viver do Espirito sem sentir a necessidade de afir- como 6 Cristo vindo r Sanio € 0 Espirito de Jesus Ci que passava o tempo e amadurecia 0 povo espiri- tual, era preciso conhecer a Jesus e sua obra mes- sianica. A ressurreicao foi vista como a ponte de continuidade. A relacao com o passado do povo de Deus tor- nou-se complexa, A Igreja acredita ser o novo e auténtico Israel, os verdadeiros filhos da promessa a Abraao (G1 3,6-14; Rm 9,6; G16, 16). Alei revelada por Deus no Sinai continua sendo boa, embora a Presenca do Espirito na Igreja mude a relacdo do crente com a lei boa de Deus. A esperanca do Reino de Deus, anunciado pelos profetas e confirmado por Jesus, continua vigente, mas 0 derramamento do Espirito sobre os gentios que creram obriga a des- vincular sua realizagao do povo concreto israelita. Com sua ressurreicéo, 0 messianismo de Jesus 4° deixa de Ser israelita para se voltar para a trans magao no Espirito do mundo lindo libertagao de toda opressao. Nao sabemos em que medida Jesus de Nazaré tinha antecipado esta am- pliacdo do messianismo. Seu encontro com a mu- 68 Iher sirofenicia, que Ihe recriminou a estreiteza de swtis horizontes (Mc 7,24-30), indica pelo menos «que os evangelistas estavam conscientes de certa estreiteza de sua visdo. sta complicada relagdo das igrejas “espiri- (uiais" com Israel e com Jesus da Galiléia foi dificil le explicar e de manter. Surgiram doutrinas que interpretaram Jesus Cristo como um salvador cés- inico, enviado pelo Pai para resgatar deste mundo| 1 centelha divina que temos dentro de corpos de matéria putrefata, A luta contra estas tendéncias “ynosticas” durou varios séculos ¢ foi resolvida huma série de Concilios Ecuménicos em Nicéia, Constantinopla e Bfeso durante os séculos IV a VII. Kistava em jogo a ressurreicao de Jesus Cristo. Alguns quiseram desvincular o Espirito das limita- oes da carne e dos projetos messianicos de Jesus «le Nazaré. A corrente dominante nas igrejas, desde os _concilios“@firmou que Jesus Cristo viveu na carne e qud ressuscitou corporalmente. O Espirito Santo nao 4 0 Espirito verdadeiro de Deus se nao der testemunhe deste messias, de um povo subju ado na parte oriental do Império Romano. Tal € 0 Espirito Santo que foi a base do movimento das \xrejas cristas ebliogratia David M, Rhoads, Israel in Revolution, 6-74 C.E. A Political History Based on the Writings of Josephus. Philadelphia, Fortress Press, 1976. 69 ¥ <

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