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UESTOES INICIAL Sabemos que a linhagem que dew origem a todas as plantas terrestres evoluiu em um ambiente aquatico. Por esse motivo, transigdes profundas na organizagao corpérea das plantas ocorreram quando alguns grupos invadiram o ambiente terrestre, ha pelo menos 400 milhdes de anos atras. Tais modificagées deram origem a toda diversidade morfolégica, objeto de nosso interesse. Além disso, a conquista da terra pelas plantas modificou profundamente aspectos _geomorfoldgicos © geoquimicos do nosso planeta, afetando também a evolugao de todos os outros grupos sobre a Terra, inclusive a nossa espécie! Antes de iniciarmos esta jornada na tentativa de reconstruir a evolugio das plantas terrestres, algumas consideragdes devem ser feitas. O recurso didético aqui utilizado é apresentar o “desafio ambiental” ¢ depois descrever as adaptacées que surgiram, provavelmente em resposta a tais desafios. O recurso ¢ didaticamente valido, mas devemos ressaltar que trata-se de uma simplificagao. Todas estas adaptagdes aqui descritas sao produtos da ago lenta da seleco natural sobre a variabilidade genética. A evolucao das plantas terrestres foi certamente um capitulo bem mais complexo ¢ intrincado do que seremos capazes de descrever aqui. Ainda que o provavel ancestral de todas as formas terrestres ja devesse ser uma alga verde pluricelular, a estrutura corpérea provavelmente deveria ser um talo telativamente indiferenciado. No ambiente aquatico, exceto pelas estruturas reprodutoras €ocasionais estruturas de fixagdo no substrato, © restante do corpo da planta relativamente Uniforme na majoria dos grupos. Absorgio de sais, fotossintese, difusio de gases Sulros processos fisiolégicos so usualmente Tealizados em um mesmo tecido genérico, no Tequerendo especializagao de érgios. Algas tio apresentam uma organogénese acentuada, NA desenvolvendo caules, raizes ou folhas Propriamente ditas, A CONQUISTA DO AMBIENTE TERRESTRE Poroutrolado.é importante lembrar que, ha Agua, tanto a luz quanto a concentragao de CO, sao limitantes para o crescimento vegetal A turbidez da agua limita a profundidade de penetracdo da luz a uma camada superficial. Ja 0 CO,, imprescindivel para a fotossintese, tem sua solubilidade restrita na gua. Ambos 0 recursos sio bastante abundantes em um ambiente terrestre ¢ estes podem ter sido as “recompensas” evolutivas para os grupos capazes de sobreviver fora da dgua. Mas 0 custo de alcangar os novos recursos estava longe de ser considerado baixo. Na transigao para o ambiente terrestre, uma série de novos desafios precisaram ser transpostos para que © atual sucesso das plantas terrestres tivesse inicio. O primeiro problema a ser transposto seria a propria falta da agua circundante. Por milhées de anos, os tecidos vegetais cresceram plenamente submersos, realizando trocas de gases € nutrientes por todas as partes do vegetal. A invasdo do ambiente terrestre sé seria possivel com a impermeabilizagao pelo menos parcial dos talos emersos. Tal impermeabilizacio foi conseguida impregnando uma camada de substincias gordurosas (especialmente ceras) na superficie das primeiras plantas terrestres. Esta impregnagio criou um problema inicial sério: restringiu seriamente as trocas gasosas, impedindo, por exemplo, a entrada do CO, Tal restrigao foi contornada com © desenvolvimento dos estématos, que sio conjuntos celulares capazes de controlar a abertura ou o fechamento de um poro, permitindo 0 controle das trocas gasosas. segundo problema a ser contornado seria a sustentagdo da estrutura corpérea. Fora da figua, a forga da gravidade nao é mais parcialmente anulada pelo empuxo, que reduz © peso aparente de estruturas submersas. A presenga de uma parede de celulose nas células vegetais (mesmo em algas) foi uma ajuda nesses primeiros momentos, mas certamente nao foi suficiente. A maior parte das plantas precisou desenvolver _ tecidos especificos, impregnados de _substncias rigidas. A lignina, um polimero complexo de fendis, surgiu como a principal molécula capaz de realizar a referida impregnagio. terrestres De acordo como escasso registro fossil, as primeiras plantas terrestres consistiam de talos — dicotomicamente ramificados (conhecidos como telomas) provavelmente sobreviviam parcialmente submersos em um substrato enlameado (Fig. 1A). Tal talo era um componente axial tinico ¢ indiferenciado, que ocasionalmente desenvolvia estruturas reprodutivas nos apices. O género féssil Cooksonia, considerado a primeira planta terrestre, raramente ultrapassava 5 em de altura e aparentemente vegetava assim. Possivelmente, as porgdes subterraneas, desenvolviam uma menor impermeabilizagao e absorviam agua e sais minerais da lama, enquanto as porgdes emersas eram mais impermeabilizadas e faziam a maior parte da fotossintese. A partir deste ponto da evolu aS plantas enfrentaram de forma decisivao carter ambiguo do ambiente terrestre em relagao aos recursos minimos para a manutengdo da vida vegetal. A luz e 0 CO, deveriam ser obtidos diretamente do meio aéreo, 4 -fixador, com uma maior capacidade de busca por dgua e sais minerais. onde sio abundantes. Ja a Agua © 0 outros nutrientes minerais (fons) sio normalmente encontrados em solugdo sob a superficie da terra, Assim, da mesma forma que os ramos fotossintéticos devem crescer em diregio 4 luz, 6regios absortivos precisariam crescer para dentro da terra. Tal aspecto foi fundamental para a especializagao organica apresentada pelas plantas terrestres ¢ permitiu a ampla diversificagao de estruturas. Por conta deste ambiente ambiguo em algum momento da sua evolugao, as plantas tornaram-se compostas por dois compartimentos —integrados, mas =— com compromissos fisiolégicos e padrdes de crescimento distintos. Por um lado, um sistema axial aéreo ou mesmo parcialmente subterranco portava ramos que elevavam-se em diregdo a0 are a luz, ocasionalmente portando também estruturas de reprodugdo sexuada. Por outro lado, um outro eixo (ou conjunto de eixos) do sistema absortivo/fixador crescia de forma sempre subterrnea, normalmente em diregao ao centro de gravidade da Terra (crescimento geotropico positive). E possivel que o tal 6rgiio fosse inicialmente um rizéforo, bastante similar ao cixo aéreo, mas com crescimento subterrineo portando raizes (ou rizoides) regulares (Fig.1C). rizdforo plantas vasculares. Observe ‘io do sistema absortivo- Os ramos = aéreos_~—_—precisaram desenvolver tecidos de sustentagdo cada vez ais fortes, de forma a permitir 0 crescimento em dircgdo A luz. E quanto mais longe do solo os ramos podiam crescer, mais eficiente deveria ser a impermeabilizagiio, a sustentagaio © também maior deveria ser a eficiéncia do controle realizados pelos estématos, Tudo isso porque o vento poderia ndo somente derrubar, como também desidratar os ramos. Por outro lado, os ramos subterrineos deveriam crescer em busca de mais agua e mais sais. Sob a terra, os problemas de sustentagao sao menos severos ¢ a impermeabilizacdo nfo é sequer desejavel, mas 0 atrito contra 0 solo ao longo do crescimento nao poderia ser mais negligenciavel. Estruturas subterraneas desenvolveram uma capa de tecido mucilaginoso para proteger sua gema apical, denominada coifa. A dicotomia ar/terra fez com que os ramos axiais (aéreos) ¢ os ramos absortivos- fixadores (subterraneos) crescessem em diregdes opostas, apesar da necessidade de integragio de ambos os sistemas. As partes absortivas dependiam do produto da fotossintese nos ramos aércos, enquanto as partes axiais precisavam da agua e dos sais absorvidos pelos ramos subterrdneos. A partir deste ponto, surge entéio um novo problema: como realizar a integragiio dos dois sistemas agora claramente diferenciados? O processo de difusao de solutos ¢ solventes célula a célula era pouco eficiente. As plantas desenvolveram ento tecidos capazes de realizar este transporte com mais eficiéncia. Dai surgiram o xilema co floema, tecidos capazes de integrar o transporte de Agua e solutos entre o compartimento axial © 0 compartimento absortivo, Na verdade, Sabemos que os tecidos condutores ja existiam antes da total diferenciagao entre o sistema axial © 0 absortivo-fixador, ¢ isso deve ter sido uma rrensPlacto importante para a diferenciagtio ‘4 em periodos subsequentes. _ _Recapitulando, 0 talo inicial das Primeiras plantas terrestres era do tipo teloma. Partir de um certo ponto da evolugo (ainda nao elucidado), o sistema axial tinico divide-se em dois sistemas bastante definidos: 0 sistema absortivo/fixador, desenvolveu-se cm raizes, enquanto © sistema axial (tantos os ramos horizontais quanto os eretos) originou o que convencionamos chamar de caule. Apesar de ‘ambos os ramos serem compostos de “eixos”, 0 termo axial (do latim axis=eixo) é aqui usado no sentido em que o caule compée o tnico sistema capaz de conectar regularmente todos 08 outros drgdos e sistemas vegetais. O sistema axial sofreu uma grande modificago, provavelmente ha cerca de 390 milhdes de anos atris. O teloma cra um conjunto de eixos que se ramificava efusivamente, sem que houvesse um eixo principal. A partir deste ponto, alguns grupos passaram a permitir que uma das ramificagoes crescesse mais que a outra, formando um eixo principal mais robusto © com crescimento indeterminado. A este padrao de crescimento chamamos sobrecrescimento. Deste ramo principal surgiam regularmente ramos laterais. Estes ramos laterais tinham um crescimento mais modesto e muitas vezes paravam de crescer ao atingirem um certo tamanho (crescimento determinado). Assim, enquanto © ramo principal elevava cada vez mais a planta em dirego a luz, os ramos laterais (bem menores) posicionavam-se lateralmente, buscando capturar a maior luminosidade possivel. Acredita-se que o género fessil Psylophyton ja crescesse desta forma. Uma maneira de otimizar a captura de luz € organizar os ramos laterais de forma que nao fagam sombra uns sobre os outros. Isso foi resolvido fazendo os ramos laterais crescerem de forma planar, isto é, todas as ramificagées deveriam ocorrer lateralmente. A esta etapa da- se o nome de planificagiio. Acredita-se que 0 género fossil Actinoxylon ja crescesse assim. Outra forma de maximizar a captura de luz é achatando o ramo dorsiventralmente. A forma achatada maximiza a razio superticie/volume, aumentando a eficiéncia da fotossintese. Os caules laterais podem aumentar sua eficiéncia fotossintética de duas formas: A primeira é& Sobrecrescimento Planiticagto Coalescimento Figura 2 - Possiveis etapas evolutivas para a evolugdo de megafilos e microfilos a partir dos teloms: Observe a importante transi¢do de caules puramente dicotémicos para um sistema baseado em um ci Principal (sobrecrescimento), mantido em praticamente todos os grupos atuais. 16 cle proprio se tomar achatado. A segunda forma é produzindo expansées laterais de tecido fotossintético. Em um ramo lateral ja planar, a produgdo de expansées laterais deve ter aumentado bastante a capacidade fotossintética. A partir deste momento, cada um destes conjuntos de ramos laterais com expansdes achatadas laterais pode ser chamado de uma folha (ou megafilo). Em alguns grupos, estas expansdes alares de tecido tornaram- se fundidas (coalescentes), produzindo uma ampla estrutura membranoide sustentada por uma rede de ramos vascularizados. A esta etapa na formagio dos megafilos, damos o nome de coalescimento. O coalescimento culmina com a formacio de uma membrana iinica unindo todos os ramos planificados. No megafilo completo, os ramos tornaram-se as nervuras ¢ a membrana tornou-se o limbo. Acredita-se que uma das pressdes evolutivas para que as plantas desenvolvessem megafilos ocorreu no final do periodo Devoniano (ha cerca de 350 milhdes de anos atras), Neste periodo, os niveis atmosféticos de CO, baixaram cerca de 90%, demandando sistemas fotossintéticos mais eficientes. Ja os microfilos, folhas existentes em alguns grupos como licopédios ¢ selaginelas, podem ter surgido como uma extrema redugaio do ramo determinado, produzindo uma folha com apenas uma nervura. Uma teoria alternativa é que os microfilos tenham surgido de uma enagdo (isto &, de uma projegio avascular de tecido), que posteriormente tomou-se vascularizada. Tal teoria alternativa era principalmente sustentada pela existéncia de enagées nao vascularizadas em Psilotwm, um grupo outrora considerado bastante primitivo. A Figura 3 - Aspecto geral de uma vegetago reconstruida do periodo Devoniano (A) e de uma do periodo Carbonifero (B). A diferenca entre as duas é menos de 100 milhdes de anos, mas o surgimento do hébito arbéreo no periodo mais recente mudou drasticamente a paisagem na terra. 7 que estudos filogenéticos posicionam Psiforum como um grupo bastante derivado, 0 que pode constar como um ponto a favor para a teoria da redugdo dos telomas. Resolvidos os principais problemas para a colonizagio da terra, certamente as linhagens de sucesso comegaram a competir entre si pelo espaco no novo nicho. Neste ponto as plantas vasculares, que inicialmente ndo eram maiores que 5 cm, foram se tornando cada vez mais altas na competico por luz, Um grande passo na conquista do ambiente terrestre foi o desenvolvimento de um tecido capaz de prover sustentagao e condugao para plantas progressivamente mais altas, Chamamos tal crescimento de crescimento secundirio ou lenhoso. O habito arbéreo pode ter cvoluido em diferentes grupos independentemente, mas teve um impacto imenso nos ecossistemas terrestres. O desenvolvimento das grandes florestas no Carbonifero (ha cerca de 300 milhdes de anos) mudou irreversivelmente a geografia do nosso planeta, criando um conjunto bastante expressive de novos habitats para animais ou plantas. Perceba, na figura 3, a imensa diferenca entre uma paisagem reconstruida do periodo Devoniano © uma paisagem considerada tipica do Carbonifero. O tempo entre as duas paisagens & de menos de 100 milhdes de anos, mas 0 aspecto gerado no Carbonifero pelas plantas de habito arbéreo é realmente impressionante, quando comparamos com 0 porte médio das plantas no Devoniano. Hoje sabemos Um iltimo aspecto que demandou modificagio com a conquista do ambiente terrestre foi relativo 4 reprodugao. Sabemos que os grupos mais antigos de plantas vasculares apresentam gametas (ou pelo menos © gameta ma culino) livres, que movimentam-se na agua por meio de um ou mais flagelos (ou cilios). Tal método de locomogao sé é eficiente em ambiente aquitico, Conforme veremos nos capitulos seguintes, uma tendéncia evolutiva na 18 conquista do ambiente terrestre foi a Telencag maxima dos gametas, a ponto de impedir que qualquer um tenha vida livre. Tal aspectg juntamente com 0 uso de vetores (usualmente ‘animais) para a polinizagio, aumentoy sensivelmente © grau de independéncia do meio aquatico, permitindo a colonizacio de ambientes gradativamente mais indspitos, incluindo regides rochosas ou desertos. Uma questo deve ser levada em conta quando considera-se 0 que ja conhecemos sobre a evolugao das plantas terrestres, Sabemos que folhas e flores originaram-se de estruturas caulinares fortemente modificadas. Estruturas caulinares evoluiram dos antigos telomas. Em relagao as raizes, ainda nto estamos certos se estas evoluiram direto do teloma ou se surgiram de estruturas caulinares primitivas. Independente do que venhamos a descobrir, todos estes fatos suportam que toda a diversidade orgdnica demonstrada pelas plantas originou-se de modificagies sequenciais de mesmo eixo original. Isso demonstra que todos os érgdos das plantas terrestres (ou pelo menos todos os érgdos vegetativos) sio homdlogos sequenciais ¢ devem compartilhar essencialmente 0s mesmos sistemas principais de tecidos ¢ também processos morfogénicos. mesmo

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