You are on page 1of 52
Desfazendo o género Lorissa Pelicio Género € um conceito que permeia e organiza a vida de todo mundo; é téo presente que ja naturalizamos seus efeitos. Nosso esforgo, neste ca- pitulo, é justamente o de desnaturalizar nosso olhar e problematizar estas relagdes. Para isso, organizamos este capitulo em quatro unidades: Iniciaremos com discussdes conceituais sobre o conceito de género, situando o debate que nasceu em estreito didlogo com os estudos femi- nistas, isto é, com as primeiras sistematizagées tedricas e politicas que questionavam a opressdo feminina como sendo algo natural, quer dizer, instituido por supostos determinantes biolégicos. 2. Vamos trazer esta discusséo para dentro da escola. Sabemos que o que acontece na escola reflete o que se passa em muitas outras esferas da sociedade; entdo, quando falamos de sala de aula, do patio do recreio, dos banheiros, também estamos falando de pedagogias de género que irculam informando nosso olhar, moldam nosso comportamento, edu- cam nossos corpos. 3, Momento de aprofundar nossas reflexes sobre género na arena publica. F Talvez uma das formas mais eficientes e sedutoras de transmitir mensagens -__ e pedagogizar nossos sentidos sejam as midias, que nao s6 reproduzem masculino, feminino, classe, raga, orien- -convengées e normas sociais sobre - tagdo sexual, geracéo, mas também criam “yerdades” sobre esses temas. , apresentaremos UM conjunto de proposta de atividades ra serem trabalhadas em sala de aula ou em momentos de inuada. Sao dicas de filmes e documentaniag propostas com imagens; dindmicas para a sensibilizacao e problemati- emas tratados aqui, além de um box com quest6es pontuais I6-I@s a sistematizar ideias € estimular debates. ideias a todas e todos! Como escreveu a historiadora feminista Joan Scott: Género é um saber que estabelece significados para as diferengas cor. porals, Esses significados variam de acordo com as culturas, 0s grupos sociais e no tempo, ja que nada no corpo, incluidos ai os 6rgaos repro- dutivos femininos, determina univocamente como a divisao social sera definida (SCOTT, 2009, p. 12-13). Neste capitulo, vamos pensar género nesta chave: ele € construido social e culturalmente, tem marcas historicas e, portanto, varia. Esta rela- Gionado com os corpos, mas nem por isso € natural, pois Os Corpos, para adquirirem seu significado pleno, precisam das lentes da cultura. Ainda que existam necessidades fisiologicas universais (excrecSo, fome, sede, cansaco, dor), elas nao sao resolvidas da mesma forma, nem mesmo den- tro de uma mesma sociedade. Sendo assim, género, como os corpos, é plural! Quer dizer, temos de pensar em masculinidades e feminilidades @ em diversidades de géneros. Tirar do singular nossa percep¢ao sobre este tema é alargar nosso olhar sobre nossas relagdes cotidianas. Perceber que no existe A MULHER e © HOMEM de forma absoluta. Pois se é mu: lher, mas ao mesmo tempo se é professora, mae, de classe média, na casa dos trinta anos, catélica, mas adepta também ao kardecismo, morena, mas entendida socialmente como branca... ou seja, todos estes outros elemen- | tos se enfeixam de forma singular e contextual dando espessura humana e complexa a quem somos. Ser uma mulher com as caracteristicas descritas acima é muito distinto ser uma mulher indigena, que vive no Mato Grosso do Sul, professor@ ! uma escola indigena, na faixa dos 20 e tantos anos, bilingue, evange- alguns contextos, para esta professora o mais importante se/@ © @ sua etnia. Assim como Paraa ivessem uma Ae aie e trabalharmos no sentido de desnatu ralizar ‘conceitos e ideias. Esta perspectiva ficou conhecida dentro do campo. dos iestudos de género como Construcionieme, opondo-se ao que foi denomi- Essencialismo. ‘Um quadro sintético nos ajuda a aclarar a forma como cada uma destas tes enfoca as relagdes de género, e, assim, fica mais evidente quais 580 suas diferengas: Quadro 1 Matrizes teoricas dos estudos de género. Construcionista = Propde que os géneros sdo produto de relacées hist6ricas e sociais; = Sendo assim, so simbolicamente constituidos; | Naturaliza os géneros vinculando-os a um determinante biolégico; - E,portanto, determinista e biologizante; ~ O que faz que tenha um enfoque ~ © que faz com que tenham dimensoes a-historico e transcultural culturais. A vertente essencialista é aquela com @ qual estamos mais acostu- mados(as) a lidar porque somos ensinados desde pequeninos que temos uma esséncia imutavel; repetimos ditos como “pau que nasce torto nao tem jeito, morre torto”, ou seja, essa suposta esséncia que ja vem pronta nao sofreria influéncias do meio no qual cada pessoa vive, nem seria marcada pelo momento historico n° qual desenvolve suas experiéncias. Quando a, o associamos diretamente a0 pela matriz essencialisti um definidor absoluto da nossa bamos por desconsiderar que ha ue ser homem ou mulher € algo esmo em uma dada sociedade, falamos de género, Sexo genital, e 0 tomamos também como forma de viver, perceber, sentir, desejar. Acal uma boa dose de aprendizado nisso tudo, q ‘Que varia de sociedade para sociedade, e, Mos variagdes. la matriz € a construtivista, 4U' e vai ficar mais clara a partir de Zo vamos a eles. uma olhada na bela pintura que retrata 0 fildsofo ilumi jista iiss wate Figura 1 Retrato do fildsofo Francois-Marie Arouet de Voltaire. Vamos em frente, partindo daf, da figura do filésofo iluminista, a qual, para nés, nao parece ld muito masculina. Julgamos isso pelo corpo, pelo gestual e fazemos isso sempre, porque nosso corpo ¢ simbdlico, é todo ins- crito culturalmente e aprendemos a ler estes signos. Para ler os signos, temos de nos valer das referéncias de nossa cultura, de nosso tempo. Quando agimos assim, estamos desnaturalizando, deses- sencializando, pois estamos inserindo o debate no campo mével e dinamico das relacées sociais. Desnaturalizar é pensar que género, esta marca fundamental da nossa existéncia, ndo é um dado biolégico e pronto, mas varia de sociedade, a0 Jongo da historia, e so pode ser entendido na sua dimensao politica, sim, politica, porque tem a ver com relaces de poder: quem manda, quem obe~ dece, 0 que é verdade, o que nao é, Enfim, para a gente poder entender 2-género em toda a sua dimensao social, é preciso relacionar genero com faga/etnia, classe social, pertencimento de gera¢ao, entre outras marcas 4 diferenciacao social Buscar os referentes historicos dessas formagées discursivas nos ajuda @ entender como chegamos a estabelecer certas definigdes sobre determine es temas, no caso sobre as marcas de diferenca entre feminino e masculino assim como instiga nossa imaginacao e provoca perguntas novas: Quals eres contribuem para instituir verdades sobre diversos assuntos? Em @U® contexto nasceram certas ideias? Por que algumas destas se estabeleceram como referentes seguros e outras sequer foram consideradas? Procurando responder questdes como estas foi que, nos anos 1960, os movimentos fe- ministas e os estudos académicos sobre mulheres criaram um sujeito politi- co e coletivo, sintetizado na categoria " Be peae mulher”, Esta nao tardou a mostrar seus limites, como vim discutindo até aqui. Porém, o debate nao minguou; a0 contrario, se tornou mais denso teoricamente, alimentado sempre pela realidade vibrante das ruas. Neste cenario de reivindicagao por direitos iden- titarios, civis, culturais e de estimulantes debates tedricos nasce o conceito de género. Género tem historia Até a década de 1980, 0 conceito de género nao era muito usado, mes- mo dentro do campo dos estudos feministas. Trabalhava-se muito mais com a categoria “mulher”. Isto porque as feministas, desde Simone de Beauvoir, perceberam que havia um grande siléncio politico, social e cientifico em tor- no dos temas e questdes que envolviam as experiéncias das mulheres. Era preciso, entao, falar sobre mulheres, sobre sua participaco na historia, na literatura, na filosofia e nas ciéncias em geral. Mais do que isso, era preciso dar voz as mulheres para que elas falassem de si e por si. Podemos dizer que desde 1949, quando foram publicados na Franca 0s dois volumes de O segundo sexo, de Beauvoir, as discuss6es politicas e teéricas em torno da opressao feminina e da exclusao das mulheres da cena pblica se avolurnaram e mexeram profundamente com as dinamicas das ‘elagbes sociais, sobretudo nas sociedades ocidentais e naquelas influencia- das por este modelo. Todo este debate em torno do tema “mulher” acabou, algumas dé- Z do um extenso cabedal tedrico, gerando inimeras as, muitas delas inspiradas nas demandas politicas dos movimentos | (sim, no plural, pois como todo movimento politico e social e dividiu em diferentes tendéncias). Toda esta discussao p e aprofundou o debate tedrico e conceitual, J do feminismo como movimento social ‘mais tarde, crian oa 102 | Diferengas na Educagao: outros aprendizados as feministas? Era negra, branca, indigena, jovem, velha, mae, filha, a rossexual, homossexual, bissexual, operaria, burguesa, patroa, em, desempregada, ateia, catdlica, protestante? Se, como escreveu Simone de Beauvoir, “nao se nasce mulher -se", como chegamos a sé-la? Seria possivel pensar nessa constr feminino sem pensar em sua relaco com 0 masculino? Ao respon V6, hete. Pregada, , torna. UCEO do der estas Poucas, mas profundas, questées, ficava claro que ao discutirmos a Telacdo entre feminino e masculino teriamos de Pensar em relacdes de poder que hierarquizavam pessoas a partir de seu género, com clara Predominancia do masculino sobre o feminino. Quer dizer, género era uma questao Politica, pois implicava em acessos desiguais a bens publicos, na Participacao em arenas decisérias ou em siléncio; em privilégios para os homens também na Plano doméstico como o direto quase soberano sobre os filhos © a esposa garantido por lei (no Brasil, até a mudanga do Cédigo Civil, em 2003, nio havia igualdade garantida para homens ¢ mulheres relativas ao casamento € constituico de familia. Por exemplo, 0 Cédigo Civil Brasileiro, antes da reforma de 2003, ainda permitia a anulagao do casam noiva nao ser virgen) ento pelo fato de a Sea desigualdade entre os géneros era flagrante, em meados dos anos de 1980, essas diferengas j nao pareciam suficientemente mobilizadoras; afinal, estava cada vez mais claro que a experiéncia de ser mulher nao era a mesma para todas. Desde o final do século XIX, com o movimento sufragista, a questio mobilizadora central dos feminismos era a busca por diretos iguais aos dos homens. Assim, ser mulher era mais que uma questao de género, e sim o Ponto de convergéncia de luta, pois era a marca da desigualdade. Na meta: de do século XX, este ainda era um mote forte e mobilizador, Mas, como ja comentei, 0 crescimento dos movimentos e dos estudos feministas provo- cou também uma sofisticagao nas demandas e nas reflexdes, o que levou 2 Profundias discusses em torno de outras marcas de desigualdades sociais Pols era evidente que as o; A : = as Press6es atravessam também as relagdes entle mulheres, ; ii Ficava patente, no agucamento das lutas sociais e das demandas polt awe SSedesmiulheres, que ser mulher nao se resumia a ter um corpo com iter varios, que o biolé: Havia muito mais a ie ons- Ser considerado nesse campo de disputas e de reo trugao de modelos as s onta- Sociais que a categoria “mulher” parecia nao dar ee Fis. € luta, no sem provocar reagées de algt 0 do feminismo que seguiram apostando no termo “mulher” como termo po tico. Aqui, trabalharemos com 0 conceit de género dada a sua abrangéncia e contribuigdes para as discussées sobre diretos, igualdade e desigualdade, entre outras. Como escreve a antropdloga Adriana Piscitelli, “é importante perceber que o conceito de género, desenvolvido no seio do pensamento feminista, foi inovador em diversos sentidos. Perceber o alcance dessa inovacao exige prestar atengdo as formulagdes desse pensamento” (2002, p. 2). Entre estas formulagées e inovagdes pontuo as que se seguem ©) Ir além da categoria “mulher” é considerar que homens, tanto quanto 6 mulheres, tem género, que nao nascem prontos; \s/ Pensar em género como elemento organizador das relagdes sociais, a0 | invés de operar com os termos “homem" e “mulher”, é ampliar para além do corpo, da anatomia e do bioldgico, as experiéncias femininas e masculinas; i) Construimos nosso género e 0 fazemos de forma relacional, ou seja, nas relagdes sociais, o que implica em fazé-lo em relagao aos homens, as ins- I tituigdes pedagogizantes (familia, escola, igrejas), enfim, orientados(as) pelos valores hegeménicos de cada tempo e lugar, seja para reiterar estes valores ou para enfrenta-los; Em outras palavras, género tem pouco a ver com natureza, sendo sim um conceito atravessado por ideias politicas (pois envolvem relagées de poden), sociais (pois sdo determinadas nas relagdes entre os individuos vivendo em sociedade), culturais (estéo marcadas por valores, moralida- des e crengas relativas a um conjunto amplo de significagoes); © Este conceito de género significa que aquilo que acontece em nossas | vidas privadas, nas nossas casas, no interior de nossos quartos, esté i superinformado e moldado por essas formas pUblicas de se entender i © que é proprio do feminino e do masculino, da mulher e do homem, 7 adequado para meninas ou para meninos; © Yentro dessa concepgao fica evidente que “o pessoal é politico”. Esta ‘tornou mais que um. slogan do feminismo no final da déca-_ também uma profunda mudanga na forma d IMENtOSiny =. kiana a de que “o pessoal é politico” conferiu_ dimensao politica 4 nossas subjetividades, mostrando que o aprendizado __ constantemente reiteradas no sentido de adequar nosso corpo as ex. _ Bectativas socials sobre como devemos usé-lo, adomé-lo, apresenté-o, enfim, 0 corpo como aquilo que nos é mais proprio e particular também se mostra um territdrio de inscricées simbélicas em disputa, Os corpos voltam a ter centralidade, mas néo apenas como corpos reprodutores, mas corpos desejantes. Assim como ha muitas formas de ser mulher ou homem, ha muitas formas de se viver as feminilidades masculinidades; Estas formas nao esto aprisionadas em corpos marcados por genitalias (vagina/pénis). Considera-se que corpos nascidos com vagina podem bus. car/desejar viver experiéncias relativas as masculinidades e vice-versa; *) Tal conceito de género nos aproxima das discussdes sobre sexualidade, pois a experiéncia de ultrapassar os limites sociais bindrios do masculino | @ feminino pode estar relacionada com o desejo de amar, sentir e se ex- pressar fora das normas impostas pela heterossexualidade; © Género nao é igual a orientaco sexual, mas sao termos relacionados, 0 | \ que leva muitas pessoas a associarem, com frequéncia, comportamentos i de género (um menino mais delicado, uma menina que gosta de futebol, por exemplo) com homossexualidade Afinal, o que é género? ‘Jé vimos que género nao é sexo; ndo é dado pela natureza; nao é imu- tavel, mas precisamos defini-lo pelo que é. A educadora e pesquisadora Guacira Lopes Louro nos oferece uma excelente sintese do conceito a partir do didlogo com diferentes autoras e autores. Vamos a esta definigao que, mesmo sendo longa, vale ser reproduzida pela sua densidade: [.J © conceito afirma o carater social do feminino e do masculino, obti- ga aquelas(es) que o empregam a levar em consideragao as distintas sociedades e os distintos momentos histéricos de que esto tratando. Afasta-se (ou se tem a intengao de afastar) proposigdes essencialistas sobre os géneros; a dtica esta dirigida para um processo, para uma construgao, e no para algo que exista a priori. O conceito passa & Observed ‘0s momentos hist6ricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, racials, de classe) que a constituem (LOURO, 1997, p. 23). Sendo assim, género deve ser entendido fundamentalmente como uma construgao social, dai seu carater histérico e plural. Aid de pluralidade implicaria admitir ndo apenas que sociedades diferentes teriam diferentes concepgdes de homem e de mulher, como também que no interior de uma sociedade tais concep¢6es seriam diversificadas, conforme a classe, a religido, a raga, a idade etc.; além disso, implicaria admitir que os conceitos de masculino e feminino se transformam ao longo do tempo (LOURO, 1996, p. 10). Em outras palavras: Por género entende-se a condicao social por meio da qual nos identifi- camos como masculinos e femininos. E diferente de sexo, termo usado para identificar as caracteristicas anatémicas que diferenciam os homens das mulheres e vice-versa. O género, portanto, no é algo que esté dado, mas € construido social e culturalmente e envolve um conjunto de pro- cessos que vao marcando os corpos, a partir daquilo que se identifica ser masculino e/ou feminino. Em outras palavras, o corpo € generificado, 0 que implica dizer que as marcas de género se inscrevem nele. Se estamos cientes de que 0 género € a construgao social do sexo, precisamos considerar que aquilo que no corpo indica ser masculino ‘ou feminino nao existe naturalmente. Foi construido assim e por esse motivo nao é, desde sempre, a mesma coisa (GOELLNER, 2010, p. 75). A escola tem tido um importante lugar nessa construgao dos géneros. Ainda qui e nao percebamos, aqueles sao espa¢os profundamente generifi- uma silenciosa, mas persistente pedagogia de géne- o que versa a proxima unidade. de um aprendizado tenaz Ainda recordo como, ao acordar, colocava meu uniforme e seguia para a escola. Era o final da década de 1970, e viviamos sob a presidéncia do general Figueiredo, a ultima do regime militar. No patio, tinhamos que formar filas: duas para cada sala de aula, uma de meninos e outra de meninas. Comegavam ai as “brincadeiras", nas quais 0s meninos mais robustos empurravam os mais frageis para a fila feminina, espago desqualificado em si mesmo (MISKOLCI, 2012, p. 9). As memérias escolares acima s40 do socidlogo Richard Miskolci, relata- das nas primeiras paginas de seu livro Teoria Queer: um aprendizado pela Diferenca, no qual ele discute, entre outras temas, como temos reproduzido de forma naturalizada as relacdes de género pautadas pelo reforco das de- sigualdades entre meninos e meninas no espaco escolar. Miskolci relembra seu receio em relagSo 4 forma como meninos de sua sala eram estimulados aserem violentos, exercendo a forga sobre outros, humilhando os considera- dos mais fracos, 20 mesmo tempo em que desqualificavam as meninas, pois aqueles que nao se ajustavam ao modelo hegeménico de masculinidade, isto é, viris, agressivos e competitivos, eram logo alocados no lugar “des- prestigiado” do feminino. “Mulherzinha", "florzinha’, entre outros adjetivos, ‘eram de fato xingamentos que pretendiam, ainda que sem a intengao clara dos ofensores, dizer aos ofendidos que deveriam reproduzir um (nico estilo de masculinidade, posto que ser mulher ou agir como uma nao era algo O mundo feminino era (e é) assim constituido como avesso ao dos além de inferior. fo-me de uma piadinha muito comum entre professores de cur que havia um conjunto de meninos conversando e “zoando vinha a intervengao jocosa: “O que as mocinhas esta0 E hora do tricé, é?”. Sempre funcionava e provocava isos toda. Por qué? Porque desde pequeninos aqueles meninos aprenderam que nao é bom ser comparado com mulheres, com mocinhas. E por qué? Porque elas fofocam, sao, portanto, levianas, fitels, no se preocupam com assuntos grandiosos ¢ se ocupam de atividades manuais e mecdnicas, como 6 tricé, Nao aprenderam a valorizar 0 feminino como uma condigao comparavel a do masculino, como forgas complementa- res, e nao hierérquicas. Foram reprimidos, quando néo ridicularizados, todas as vezes que fizeram coisas associadas socialmente as mulheres, ao feminino. Nao raro, segue narrando Miskolci, reavivando suas lembrangas, esses comportamentos eram aceitos e até mesmo estimulados por professores(as) e funcionarios(as) da escola, por acharem “natural” que as criangas agissem daquela forma. Da mesma maneira que, hoje em dia, achamos natural, leia- -se “correto”, que meninas sejam menos ageis nos esportes, assim como em raciocinio matematico. Ainda fazemos filhas exclusivas para meninos, separados das filas das meninas. Reproduzimos este procedimento, muitas vezes sem grande critica, exatamente porque os naturalizamos, nao vemos problemas nele. E haveré problemas nessa divisio? A pergunta ¢ simples, mas sua reposta ndo, pois nos obriga a imergir em um rol de outros questionamentos sobre nossas praticas didrias, seja na sala tio do recreio, na sala de professores ou durante reuniées com océs a enfrentar estes questionamentos, pois, como escreve uro e, creio, vocés tém percebido, de aula, nop pais. Convido v Guacira Lopes Lo! [als possibilidades de viver 0s géneros e as sexualidades ampliaram-se ‘As certezas acabaram. Tudo isso pode ser fascinante, rico e também de- gestabilizador. Mas nao ha como escapar a esse desafio. O unico modo, de lidar com a contemporaneidade 6, precisamente, no se recusar 2 vivé-la (LOURO, 2008, p. 23). lesafios. Comecemos pelas filas, assumindo Entdo, vamos viver nossos d uma separacao profunda e duravel pela que elas expressam, na verdade, qual aprendemos que meninos € menina: s, Mencionei que responder aqu de outras interrogacoes; entao, perg a importante pensadora: 0 que pode ser mi m homem? Como trabalhamos a fim de acentuar as? A anatomia é destino? A biologia explica 4m as semelhangas? Estas sao perguntas as, gostaria que parassemos um pouco , homens e mulheres sao absoluta- ela pergunta la de cima nos unto, reproduzindo ais parecido mente diferente: levaria a uma série a interrogagao de um com uma mulher do que u! ou de atenuar essas diferen¢: essas diferencas? Explica tamb provocativas. Mais do que respost “As proprias criancas esto tio obcecadas por determinados estered- tipos (ano passado, tomada pela raiva, cheguei a retirar as canetinhas: cor-de-rosa da caixa, sé pra ver a reacao das meninas, elas usaram as outras cores, mas desenharam bem menos, duas delas, a0 perceber, escolheram fazer outra atividade).” Quer dizer, 20 mesmo tempo em que participamos de mudangas cul- turais significativas nas quais as convengées e normas de género bindrias € hierarquicas vém sendo questionadas e desafiadas, temos, em contraparti- da, discursos sutis mas muito eficientes que reforgam a diferenca como inco- mensurabilidade, como quase impossibilidade de se viver juntos, um género “poluindo” o outro. Trago mais um depoimento gerado no mesmo contexto de discussao, para em seguida partir para outras questées: “Nas minhas turmas sempre surgem conversas, onde as criangas in- terrogam, isso é de menino? Ou, isso é de menina? Essa semana, uma menina, mostrando um lapis de time, me perguntou: Pro [professora], é de menino? Enquanto algumas criangas ram, e entdo eu respondi com perguntas, ou seja, problematizando: O que vocés acham? Sé os meninos podem ser torcedores de time? As meninas néo podem ser~ torcedoras, por qué?” ‘0 dessas divis6es polares (meninas de um lado, meninos de outro) Orrefors de enfrentar as transformagées sociais e € uma maneira sutil, mas eficiente, culturais pelas quais nossa sociedade esta passando, uma forma de “natura- reiterando incessantemente o binarismo quase de forma "mulheres s3o de Venus e homens sao de Marte”. O que alidade das relagdes so- lizar" esses lugares, inconciliavel, do tipo ganhamos com isso em termos concretos para a qui lais? Creio que nada! ntar essas reiteragoes excludentes dos lugares * Como podemos enfre EME! de género? istern formulas prontas para isso, pois Ainda , he a 1 iniciativas individuais, elas 56 te do incluidas em uM projeto abrangente todo (incluindo pais, maes, funcionarias @ fun. ‘© pessoal técnico-burocratico), estiver envolvida, Isso lismos, claro, mas em busca por parcerias que possam tervengdes mais amparadas e fundamentadas. periéncias possiveis para quem trabalha com educagao jn. aro critério de organizagao das filas. A cada semana poderiamos sistema: quem faz aniversario nos seis primeiros meses do ano fica um lado, e quem faz nos outros seis, de outro; quem prefere gato fica em ‘uma fila e os que preferem cachorro, em outra, por exemplo. Sim, corremos ‘Orisco de ficarmos com filas desiguais, mas também criamos a possibilidade de as criangas se socializarem mais com outras a partir de diferencas que as singularizam, mas nao as desvalorizam. Provocamos novos encontros dentro da mesma turma, abrimos espaco para que as proprias criangas sugiram cri- térios de organizagao, além de criar um espaco para se pensar na separagao entre meninos e meninas como um critério Unico e valido. Como estamos ainda falando de memérias © experiéncias, cito o que ocorreu com uma professora de Historia em uma turma de primeiro ano do Ensino Médio, pois creio que o exemplo traz estratégias interessantes para tratarmos das questées de género que, como logo ficara mais evidente, nao se desvinculam facilmente das de sexualidade. Narra a professora que um grupo que se sentava mais a frente na sala de aula comegou a rir baixo e “olhar para ela. Entdo, essa minha aluna, professora da turma, perguntou © ‘que estava acontecendo. Uma aluna teve a coragem de dizer: "© Estamos rindo porque a gente estava curiosa para saber se vocé namora. ___Eaiuma pessoa aqui, que eu nao vou dizer quem é, disse que vocé joga em outro time. _ Bem, vocés no esto falando de esportes, né? Acho que esto interess@- _ das em minha vida pessoal e em meus interesses sexuais. Eo que seria in- ssante para vocés na minha vida? Talvez vocés se sentissem desconfor Ise eu quisesse saber da de vocés, ndo 6? Mas nao tenho problemas falar disso, alias, @ gente deveria falar sobre 0 que é jogar no outro hoje, como néo havia planejado e temos um conteudo @ '0s discutir isso, mas na préxima aula vamos tirar um tem ee Desfazendo 0 género | 111 Ela saiu de la tremendo que nem vara verde. sobre 0 ocorrido e disse que seria muito j de forma aberta, honesta e horizontaliz para tal. Anunciou ainda que iria Mostrai trabalhar com ele em sala e que se sentiri essa discussao no para o lado pessoal, Foi falar com a diretora , de silenciar os sussurros, a professora / deu a devida importancia & questio, buscando respaldo da coordenacao Para tal e procurando enfrentar temas fundamentais para a formagao de suas alunas e alunos, que, ao invés de ficarem com con vessadas por esteredtipos sobre géneros e sexu: nidade de fazer, por meio de dinamicas (vejam na unidade 4, no item Dind- micas — brincando com os géneros, levando a sério nossas questées) uma discuss&o orientada e qualificada destas questées. z \jecturas muitas vezes atra- lalidade, tiveram a oportu- Siléncios e sussurros: arquitetando os géneros Michel Foucault, filésofo francés com uma vasta obra sobre construgao de conhecimento, sexualidade, formas de se educar corpos e subjetividade, es- Greve que 08 siléncios sao discursos poderosos. Sobre o que calamos? O que nao é digno de se estudar? Por que nao discutimos, Por exemplo, a Guerra do Chaco, que se estendeu entre os anos de 1932 a 1935, aqui na América do Sul, envolvendo Paraguai e Bolivia e grandes trustes de petrdleo? Este conflito deixou quase 1 milhao de mortos! Passou-se em paises fronteirigos e, ainda assim, nada consta em nosso material didatico sobre o tema. Por qué? Quem €ram aqueles mortos? Corpos que “nao importavam", de indigenas, de pes- Soas simples, aquelas que nao tém o privilégio de escreverem suas proprias | histérias. Dai o siléncio. Este artificio do "calar sobre algo” nos ensina sobre Poder, politica, prestigio pela invisibilizagao de determinadas versées dos fa- exemplo pouco tem a ver com género, mas esta estreitamente re- ) lossas vivéncias escolares e nos provoca ainda mais interroga é Jue falamos e sobre o que calamos? Quando fazemos tas 10s por perceber que invisibilizamos © que Nao nos ae ‘ 5 ex, yenas sussurradas. Entre elas estao aquelas erp, 1. Creio que a maioria de nés tem um exemplo ue queria brincar de bonecas; a menina que nao bre relagdes de género e sexualidade, como se esses fossem temas » Secundarios ou pouco relacionados a vida escolar. Vamos buscan- do nos qualificar em cursos de formacao continuada, em leituras autodidatas # 0u participando de oficinas e palestras que versam sobre essa tematica. Foi a a0 ministrar cursos assim que a psicologa e doutora em Educacao Elizabete Cruz se deparou com eloquentes “siléncios” Entre 2005 e 2006, Cruz foi professora do médulo “O cotidiano da Esco- la” em um curso de especializacao em gestao educacional para diretores de escolas da rede estadual de Sao Paulo, realizado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foi nesta fungao que comecou a se dar conta que uma das quest6es que mais desafiava suas turmas era relativa aos géneros mao binarios, quer dizer, sobre alunos e alunas que vivem nas fronteiras do masculino e do feminino, aqueles e aquelas que por motivos diversos nao estao conformes aos rigidos padres que ditam como deve ser ¢ agir um homem e como deve se comportar e ser uma mulher, a partir de modelos que pregam que ha um homem e uma mulher absolutos. De alguma forma, pensem bem, todas nds, todos nés violamos a rigidez binaria. Vou adiar um pouco mais esta discussao para poder entrar logo na problematica que nos apresenta Elizabete Cruz. __ Emseu livro Banheiros, travestis, relagdes de género e diferengas no co- da escola (2011), Cruz procura discutir sua experiéncia = = 2 ___ [alpartirde situagdes concretas e cotidianas para criar problematizagoes Sobre a construcao de identidades de género e suas possiveis implica- _ §6es para a educagao. O que interessa aqui, portanto, é pensar, refletir xperiéncias identitarias hd algo em comum: o rompimento S80 binaria dos géneros estabelecida a partir do biologico e@ “2s possibilidades masculino-feminino le inquietago. Em uma das pri trouxe uma questao; Tem um aluno, 0 Jodo, que se veste corno uma menina e disse que ago é Joana. Desde entao, surgiu uma questao, Qual banheiro ele deve usar? O dos meninos ou das meninas? Deu a maior confusdo! As meninas nao querem que ele use o banheiro delas, os meninos também nao. Como - resolvemos? Ele usa o banheiro da diretora. Mas agora, a partir de sua aula, estou pensando: Ser que resolvemos a questao? Serd que demos o melhor encaminhamento? (CRUZ, 2011, p. 75-76, grifos do original). Eu mesma adotei este texto em um curso de forrnacgao continuada a dis- tancia, o GDE, por duas ofertas consecutivas. Em ambas, aleitura fazia parte de uma atividade on-line chamada "Férum de debates”, na qual seria necessario, ainda, assistir ao video Encontrando Bianca,” que cornpunha o chamado Kit anti-homofobia produzido pelo Ministério da Educagao e Cultura, mas que foi vetado pela Presidéncia da Reptiblica e, portanto, nao distribuido (ver box de dicas de material audiovisual ao final deste capitulo). O enunciado do Forum orientava a atividade que tinha como objetivo “promover interagdo e troca de ideias” entre a turma, aleém de “estimular o debate articulado e refletido” acerca de dois materiais que deveriam ser colocados em didlogo. O tom geral do debate, em todas as salas virtuais, era de empatia em re- lag3o a Bianca, a jovern travesti que protagoniza o video. Muitos comentarios traduziam a admiracao pela persisténcia suave daquela aluna ficticia, mas possivel, em ser aceita no ambiente escolar. Havia muitas Biancas, reconhe- ciam as(os) cursistas, como também identificavam no cotidiano exigente de suas escolas dificuldades para lidar com temas como aquele. Afinal, discutir relagdes de género, sexualidade e convivio com as diferengas é entrar no delicado terreno das intimidades, é mexer com moralidades, desestabilizar certezas, provocar incémodos que podem gerar insatisfagdo por parte de Pais e dos proprios pares, ao mesmo tempo que demandavam da tutoria do curso, bem como da coordenac¢ao, respostas mais efetivas que pudes- Sem ser aplicadas na pratica docente. Mostravam-se, por vezes, incomoda- e incomodados por nao saberem como deveriam nomear estas outras } Bianca 6 0 terceiro video do conjunto de produgées audiovisuais que es- mulado pelo MEC como material para subsidiar o combate & homofobia n maio de 2011, o chamado “Kit anti-homofobia", que ainda estava sua elaboragao e distribuicao suspensas por veto da o') 4 de gé nero e de sexualidade fora da heteronormatividade, n sido formad@s para tal. Pois [Esse “incémodo” com as ferramentas educacionais incapazes de fazer frente a realidade de pessoas fora da norma, essa vontade de acolhé. las a0 invés de julga-las, frequentemente se expressa em questées como: Como chamo tal pessoa? O que é tal aluno? Ele é travesti? Ele é transe. xual? E foi um desafio lidar com estas questées, foi muito dificil ‘explicar que era justamente isso que a gente nao queria, no queriamos embar- car no processo de criar um escaninho das espécies sexuais alocando cada uma em uma caixa ou identidade. Evitar esse tipo de abordagem Classificatéria é uma forma de realmente transformar a experiéncia edu- cacional (MISKOLCI, 2012, p. 17-18). O desafio de se trabalhar fora dos marcos identitarios e das referéncias binarias relativas aos géneros e a orientagao sexual 6 exigente, pois demanda torg6es na nossa forma de perceber as dindmicas sociais que oferecem esses termos classificat6rios capazes de definir e fixar identidade, de maneira que @ pergunta crucial deixa de ser “o que é Bianca?” e se desdobra em muitas ‘Outras questdes importantes: "Por que nao sabemos dizer quem ela é, sem acionar termos desprestigiosos ou patologizadores?”. “Como esses termos foram entrando em nosso vocabulario?", “Quem tem autoridade para dizer quem ela é, e por que conferimos a determinados saberes esses poderes?" Quando deslocamos nosso olhar do individuo para as normas e convencées sociais que 0 conformam, criamos um campo complexo de tensdes, eviden- ciando que sexo e género sao, antes, questdes de Estado, e, portanto, puibli- €as, nao de foro privado. Sao antes politicas do que biolégicas. Entao, vou mais uma vez langar algumas perguntas, que sao de fato pro- vocagées, quer dizer, convites para pensarmos sobre estes desafios. Comeco pela tensao entre privado e publico (mais um dos binarismos que nos [des] orientam, posto que estes limites sao muitos mais borrados do que querem nos fazer acreditar). * O uso dos banheiros é um problema de foro intimo ou um problema politico? ies is vezes, em nosso dia a dia, ouvimos expressdes do tipo “cada nga", “er ete de marido e mulher nao se mete 2 co” individuais e que, portanto, nao devem ser discutidos, tampouco sofre terferéncias externas. Bem, muitas questdes tidas pelo senso comum como de foro intimo e privado sao na verdade publicas, porisso, politicas (a origem da palavra politica, nao custa lembrar, é polis = cidade-estado). Vou me demorarpensando nos ditados citados acima. Nao tenho duvidas que somos seres auténomos, e somos capazes de formular nossas opinides de maneira resoluta. Mas "cada cabeca uma sentenca” no considera que nao “fazemos nossa cabeca” sozinhos, sem influéncias de intimeras ideias € valores que sao coletivos, que trazem marcas de classe, religiosas geracio- nais. Assim, ocorre também com o gosto. Claro que se discute, caso contra- rio nem teriamos necessidade de um ditado que afirma o contrario. Gosto tem a ver com o momento histdrico (basta olharmos nossas fotos antigas para rirmos de nossos penteados de anos atrs), com pertencimento de classe (dai expressées como "brega”), com valores culturais (ndo aprendemos a achar pessoas negras bonitas); relaciona-se ainda com as midias capazes de estabelecer padrées rigidos de beleza moldando corpos e subjetividades. Alliés, 0 corpo, este espago que percebemos como exclusivamente indi- vidual, é também um espaco politico. Vejam que hoje temos leis que coibem e punem agées “privadas” sobre os corpos de mulheres e criangas, procu- rando protegé-las da agressdo doméstica (quer dizer, daquele que ocorre no ambito privado). Temos na Constituigao brasileira leis que procuram pro- teger pessoas a partir das suas marcas corporais, sejam étnicas, raciais ou por alguma deficiéncia fisica. Essa maneira de olhar para o corpo implica entendé-lo ndo apenas como um dado natural e biolégico, mas, sobretudo, como produto de um intrinseco inter-relacionamento entre natureza e cultura. Em outras palavras: 0 corpo nao é algo que esta dado a priori Ele resulta de uma construgao cultural sobre a qual sao conferidas diferentes marcas em diferentes tempos, espacos, conjunturas econdmicas, grupos sociais, étnicos etc. (GOELLNER, 2010, p. 72) Estas marcas, ainda que naturais, s6 ganham significado pela linguagem. a. como adjetivamos, ironizamos, respeitamos, nomeamos esses sinais ‘que os corpos trazem carregam as marcas da cultura, do social ‘4 Le das relagdes de poder, considerando quem "pode" ser incluido na nossa sala de aula, quem nao merece estar ali. Quem "pode" ser respeitad@ e quem nao tera este direito. Onde devemos defecar ou urinar, com quem podemos nos casar, qual nome estamos autorizados a usar, quem pode ter quantos filhos desejar € quem nao pode? (caso da classe média, julgando o numero de filhos que as classes populares tém). Ao respondermos estas perguntas, nos damos conta que todos esses temas relativos a sexualidade e ao género sao antes ques- toes de Estado que questées da biologia ou da conta de cada um, ou seja, 9 que ocorre no espago privado e individualizado por exceléncia, 0 nosso proprio corpo, nao escapa as normas coletivas e aos enunciados de poder. Sendo assim, a discussdo sobre o uso dos banheiros na escola nao se trata de atender a “caprichos” de algumas pessoas, mas de um profundo de- bate pedagdgico suficientemente complexo para exigir que, antes de tomar posicdes taxativas ou propor receitas, precisamos refinar conceitualmente nossas percepcées sobre género e sexualidade. * Genitélia define o género? Bem, aprendemos que sim, que se alguém tem vagina é menina/mulher e se tem pénis é menino/homem. Simples, como algumas/alguns de vocés co- mentaram, s6 que nao. O sexo genital nao define género, até porque género éum construto social, ou nado? Se muda de sociedade para sociedade, se se transforma ao longo da histéria, se tem conotagées distintas dependendo da cultura, me parece, sim, que se trata de um construto. Sera que somos sempre 100% mulheres ou 100% homens? Em alguns momentos, temos que agir a partir de referentes que sao socialmente vistos como masculinos, por exemplo, sendo fortes e até violentas. © mesmo se passa com os homens. Bem, se género fosse uma derivacéo absolutamente natural da genitalia, nao precisariamos reiterar constantemente os ensinamentos de género: “menino nao chora”, "se senta como uma menina”; “menino nao brinca de casinha"; “menina nao faz estas coisas"... E como fica 0 caso, nada raro (mas Muito silenciado), das criancas que nascem com genitalia ambigua? (aquelas Que eram chamadas de hermafroditas, mas que hoje sao nominadas de in- rsexuadas). Como elas podem até mesmo ter uma certiddo de nascimento ndo nascem com a genitalia ambigua? Os médicos definem, mas nem “acertam”, o que causa muitos problemas para as familias, pois nosso astante complexo e ndo ganha seu significado completo s6 por meio genes, 6rgaos, mas também, e sobretudo, socialmente. yuitetu por si so, 6 generificada e marcada por telacées de sim, a instituicao escolar nao seria diferente. As salas de ayia ore dade (basta ver como estao organizadas); anfiteatros explicitam tence a fala e quem deve apenas escutar; a auséncia de ramp, “ruas dizem em siléncio a quem 0 espaco publico deve pertencer. Os heiros expressamn materialmente nossa viséo de género. f: Ss Newes pedagogia de género insiste que banheiros precisam ser sepa. rados porque ensinamos as meninas que meninos sao perigosos e elas sio " presas faceis; e ensinamos aos meninos que eles deve ser perigosos ¢ ‘ousados sexualmente. Portanto, a discussdo sobre banheiros nao é sobre banheiros para homo e heterossexuais, mas sobre como ocupamos os espa- 0s pubblicos a partir de um lugar de género. Por exemplo, uma mulher que decide a noite sentar-se 4 mesa de um bar para beber sozinha uma cerveja sera vista como "disponivel”, em busca de uma aventura, e pode ser, assim, assediada, ter seu espaco invadido por homens que supéem que € isso que ela quer e busca. O mesmo pode se passar com uma mulher que deseja sentar-se sozinha em um banco de praca em plena tarde de domingo para desfrutar do prazer de estar ao sol, lendo uma revista ou um livro. Ou seja, 0 espago puiblico ndo pode ser usufruido da mesma forma por homens e mulheres. Sabemos que se por um acaso alguma dessas mulheres dos exemplos que usei forem agredidas nao seré dificil que elas sejam vistas como culpadas pela violéncia sofrida e nao como Vitimas de um regime machista que restringe o uso do espago ptiblico as mulheres. E pior, o faz em completo siléncio. Nao ha leis que protbam mu- Iheres de se ir a bares ou bancos de praca sozinhas. Os meios de comunicago de massa tém sido canais potentes de rea- firmagao de lugares de género essencializados, como também de transfor- ! ™magao de nosso olhar. Uma série como “Malu Mulher”, que foi ao ar pela / Rede Globo no final dos anos 1970, foi capaz de pautar na cena publica uma serie de discusses que acreditévamos serem privadas e individuais relativas @s relacdes de género, tais como o direto das mulheres ao prazer sexual de terem seu trabalho doméstico reconhecido e valorizado, de poderem trabalhar fora sem sofrer Tepresilias em casa, de serem reconhecidas profis- _sionalmente €, talvez o mais polémico para a época, de poderem se separa! ter sua moral destruida socialmente. ee on Desfazendo 0 genero | 119 | Hoje em dia esta influéncia se intensificou gragas ao aumento de acesso : ea proliferagao de canais midiaticos, de maneira que nao podemos des- considerar esse influente campo de pedagogizacao de género e a maneira como ele entra nas nossas salas de aula. Podemos té-los como aliados, 20 invés de apenas demonizé-los, acionando a ja gasta frase que prega ser "tudo culpa da midia”, como se esta nao fosse produto de nossas proprias relagdes. E sobre essa maquinaria sedutora e sua relago com nosso tema neste capitulo que versa a proxima unidade. UNIDADE 3 Género na midia — e a escola com isso? Mocinhas e herdis: a vida em preto e branco No documentério intitulado Filmes ruins, arabes malvados: como Hollywood vilificou um povo (ver referéncia no box de dicas de material au- diovisual), o diretor Sut Jhally* mostra como o cinema norte-americano foi capaz de, ao longo de 100 anos de produgées, fixar no imaginario ocidental uma visdo estereotipada dos povos arabes como sendo, sobretudo, com- posto de homens barbudos, um tanto sujos, malvados, ardilosos e violentos, | inclusive com suas proprias mulheres, que sao tratadas de forma submissa | eaviltante. Os esterestipos sao descritores potentes, mas perigosamente simplifi- tar visées preconceituosas sobre aquele de cadores, que acabam por fomen quem se fala, Nas palavras de Janaina Damasceno, produzir esteredtipos serve para a manutengao tanto da ordem social imbolica de nossa sociedade. As dificuldades im- quanto da ordem si at, postas pelo seu uso se referem ao seu carater de reduzir, essenci naturalizar e fixar a diferenca do Outro. Para tanto, 0 esteredtipo usa a Ele divide o normal e 0 aceitével do anormal _“ciséo” como estratégia. ‘do inaceitavel. Entao exclui ou expele tudo aquilo que néo se adapta, . diferente (HALL apud DAMASCENO, 2008, p. 3). Figura 2 Montagem de Bruno Braga. O que eu leio nesta imagem, que deve ter recebido umas 100 curtidas no Facebook, é que o homem fala; o homem é ativo; homem que é homem € dono de si e de uma mulher e usa violéncia legitimamente se for preciso para garantir estas posses. Mas, vejam, nao é qualquer projeto de masculinidade que vemos ai (por isso eu dizia mais acima que aqueles filmes nao falam so de regimes politicos ou de pertencimento racial, mas também de projetos de género). Trata-se de uma masculinidade branca, burguesa, classe média, engravatada, com poder de consumo... Uma masculinidade que esta acostumada a oprimir outras masculinidades e muitas feminilidades. Género, sexualidade, classe e raca so marcadores sociais que esto sempre relacionados, ainda que muitas vezes ndo os percebamos assim Essa imagem nos ajuda a entender que género é algo que se aprende a partir de pedagogias domésticas, escolares e midiaticas. Vocés sabem que aprendemos a sonhar, a desejar, a recusar, vendo filmes, novelas, propagan- das. Claro que nossas alunas e nossos alunos também agem desta forma. Aprendem, por exemplo, que rosa é cor de menina e azul de menino vendo as persistentes propagandas de brinquedos. Sonham em serem mais bem acei- tas ou aceitos se conseguirem se parecer com idolos da musica pop, assim como aprendem que ser igual ao “gay da novela” ou a “piriguete” é algo ruim. Quase sempre, personagens assim funcionam a partir de esterestipos, S30 tipos e ndo seres humanos complexos, como, alias, somos tod@s nés. aos materiais didaticos sao também importantes fontas de refe ina Educagao: outros aprendizados Nao ha uma Unica resposta para esta pergunta, mas existem condutas Para as quais devemos estar atentas e atentos. Uma delas é levar nossos projetos ao conhecimento da coordenacao/dire¢ao, defendé-los © pedir respaldo ¢ apoio. Convidar pais e maes para vir eles mesmos, ler as estériag Ou ouvi-las. Mesmo que nao venham, seréo comunicados do que estamos fazendo e do por que o fazemos, além de se sentirem mais integrados. Nao estou afirmando que isso resolve o problema, apenas sugerindo que sio Passos que podem evitar desentendimentos. Gé€nero na midia, didlogos possiveis e tensdes necessarias As est6rias infantis alimentam nossa imaginacao tanto quanto nos forne- cem modelos morais, éticos e identitérios, nao s6 de género, mas também relativo a outros lugares sociais: como ser uma boa crianga; 0 que é uma boa mae ou um bom pai; como devemos nos comportar como alunos(as), a ser mulher e a ser homem Vamos aprendendo a ser sujeitos generificados desde 0 momento em que nascemos, e essa aprendizagem ocorre nao somente nas institui- g6es sociais formais como a familia e a escola. Ela acontece também através da midia, dos brinquedos, das musicas e dos desenhos anima- dos que integram este universo infantil (RAEL apud BELELI, 2010, p. 65). Contemporaneamente, talvez as mensagens que mais eficazmente atuam como referentes morais, valorativos e identitarios venham do campo, da publicidade. A linguagem conotativa e apelativa da propaganda é, além de sedutora, ligeira, rapide, mas impregnada de significados, cheia de sig- NOs que nos permitem, como educador@s, explord-la grandemente. Afinal, como afirma Ruth Sabat, [a] publicidade é um dos artefatos que esto inseridos em um conjunto de instancias culturais e como tal funciona como mecanismo de re- Presentacao, a0 mesmo tempo em que opera como constituidora de identidades culturais. Muito mais do que seduzir ofa) consumidor(a), ou induzi-lo(a) a consumir determinado produto, tais pedagogias e curricu- los culturais, entre outras coisas, produzem valores e saberes; regulam condutas e modos de ser; fabricam identidades e representacoesi constituem certas relacdes de poder (SABAT, 2001, p. 10). A analise que nos oferece lara Beleli, a partir de uma pega publicitaria, nos ajuda a perceber como, mesmo sem sermos consumidor@s das merca- dorias postas a venda pelos antincios, somos consumidores de suas mensa- gens e nos orientamos, em maior ou menor grau, por elas. Figura 3 "Um sujeito careca e desdentado me convenceu a fazer um seguro”. As fotografias apontam para diferentes enquadramentos — a primeira centrada na bunda, a segunda na face. Se ambas as imagens mostram bebés desnudos, a nudez quando vinculada 8 "mulher" transforma 2 auséncia de vestimenta (uma primeira definicao do substantivo nudez) em adjetivo. Na segunda imagem, essa mesma nudez nao € mencio- nada, em seu lugar aparece o “sujeito” que faz a agao. As imagens, sozinhas, nao permitem afirmar 0 sexo dos bebés, a diferenca sexual 6 explicitada quando articulada ao texto, ecoando as afirmacées de Judith Butler (2002), que o sexo adquire sua materialidade através de um discurso engendrado [de género] (BELELI, 2010, p. 66). Judith Butler, autora citada por Beleli, afirma que o género é discursivo, quer dizer, vai sendo construido por distintas linguagens que, mais do que descrevé-los, formam o que ele é. Vejamos. Quando o médico diz “é uma menina”, mais do que descrever 0 que viu no ultrassom, ele est oferecen- do todo um roteiro cultural aos pais daquela crian¢ga. Provavelmente, sairam do consultério em busca de ornamentos rosados para o quarto do bebé, aram um futuro no quais profiss6es tidas como femininas serao elen- se. Um TBpaz em seu futuro amoroso..., de forma que o género eetreitamente vinculado a sua genitalia, como ular como se fosse uma forca ma- percepcées coletivas, por isso ao contrario, via de regra, ‘A publicidade, mais do que nos manip ligna e externa a sociedade, dialoga com as seduz, pois nao questiona ou entra em conflito, reitera o senso comum, tratando as posigoes domi as Unicas, as normais, as desejaveis. Isto se da nao s de género, mas sao estas que nos ocupam neste capitt nantes como se elas fossem 6 no campo das relacées tulo, por isso nos con- centraremos nelas. O cinema também é um canal potente e sedutor nesse sentido. Lembrei- _me de uma comédia de grande sucesso do cinema brasileiro contempora- neo, Se eu fosse vocé (2006), na qual os protagonistas (atores globais) trocam de corpo, revivendo uma classica formula do cinema americano, na qual um ardente desejo conjugado com algum fenémeno meteorolégico ou sobre- natural faz com que as personagens passem a habitar uma 0 corpo da outra Assim, Claudio (Tony Ramos) passa a ter 0 corpo de Helena (Gloria Pi- res) e vice-versa. A partir dai, uma série de situacdes confrontam os dois com os "papéis de género” (ver no box Questées persistentes um pouco mais a fundo este conceito) estabelecidos socialmente, criando situagdes embaracosas e cémicas. O filme & divertido, mas absolutamente reiterador e naturalizador das relagdes sociais e de género. O fato de ser leve e cémico ajuda imensamente essa naturalizagao conservadora. Em uma das cenas finais, Helena e Claudio, ainda com as almas trocadas (ou seriam os corpos?) conversam apés a apresentagao bem-sucedida do coral infantil regido por Helena, quer dizer, naquele momento foi ensaiado e regido por Claudio. O sucesso da apresentagao do coral se deveu pela ino- va¢ao e criatividade que Claudio-Helena levou para o grupo. Helena-Clau- dio reconhece que 0 marido foi criativo. Tony Ramos, encarnando Helena, argumenta que mulheres sao mais sensiveis e que isso ajuda na criatividade. Gloria Pires, no papel de marido, fala da forca dos homens. — Depende o que vocé chama de forca — retruca a esposa, ainda no corpo masculino. — Estou falando de musculos! - enfatiza o marido de forma taxativa; vira-se e comega a subir as escadas da bela casa do casal. — SO que vocé se esqueceu que agora os seus musculos estao comi- go! ~retruca Tony Ramos-Helena, subindo as escadas e entrando na suite matrimonial. a Ne) verdade, s6 musculos nao quer dizer nada. O importante é saber usa-los — ensina com autoridade Gloria Pires-Claudio. E Desfazendo 0 género | 129 Aj, faz uso de seus musculos: derruba a esposa na cama, gira sobre o seu préprio corpo quase que como um ninja e prende Tony Ramos-Helena entre suas pernas. Comega, entao, a passar o cabelo de forma sensual, mas domi- nadora sobre 0 rosto da esposa entregue. Terminam a “guerra dos sexos” fazendo sexo. Claro que ao final, apds muitas trapalhadas, 0 casal consegue desfazer a troca. O filme termina com tudo em seu "devido lugar": ele dirigindo seu carro potente, utilitario e moderno; ela no banco de carona, concordando com as coisas que ele diz, como quem nao quer assentir completamente. Avoz em off é de Gléria Pires e conclui o seguinte: “Mulher e homem sao dois bichos estranhos”. Corta. Agora vernos 0 interior do carro, Claudio, ao volante, completa: “Vénus e Marte, dois planetas diferentes”. E ela’ — E!-concorda, dando de ombros como quem constata uma verdade definitiva. — Este é um problema que nunca vai se resolver - completa ele, divertido. — E, concorda ela novamente, emendando: nao é um problema que tenha solugao. — Porque, na verdade, no é nem mesmo um problema! — El! -concordam em unissono. — Ea vida! - falam outra vez, juntos. do das relagdes de género é assim, nao muda! Nao ha ara mudi-lo, pois “é a vida"! Uma vida na qual homens para se perceberem como absolutamente distintos e esmo de planetas diferentes. O homem, sempre Ou seja, 0 mun: o que fazer, alias, p: e mulheres sao criados no parceiros. So até mi superior e mais centrado do | légico da guerra. A mulher, d que a mulher, veio do planeta Marte, deus mito- le Vénus, deusa do amor, seria aquela mais fragil emocionalmente, por isso mesmo preocupada com questdes menores e um tanto egoistas. Quer dizer, a falta de compreensao entre homens e mulheres: Pouco tem a ver com a forma como somos educadas e educados, mas pelo fato de virmos de mundos diferentes ¢ hierarquizados. Custo a entender e tenhamos casais heterossexuais mais homens mais solidarios e 0 isso pode contribuir para qu familias com menos violéncia doméstica, i | maduras. Qu nao é isso que queremos? e ao biologizar e naturalizar 0 que é social e politico, 9 do filme (Daniel Filho) mostra também 0 quanto 0 ormativo: quer dizer, um aprendizado constante 105, literalmente, discursos, normas e conven, os. Isso fica claro na forma como ambos os atores (se, © mérito profissional) so capazes de incorporar outro ____Mantendo-se com os seus prdprios corpos. O interessante é que quando, em uma das ofertas do curso de formacig continuada GDE, pedi uma resenha d@s cursistas a partir do filme em at t20, 0 que se passou, apesar das muitas leituras e discussées jé feitas, foi uma Gomemoragso & produséo global. As pessoas acharam o filme divertiissing tiram © riso conservador, sem nenhum momento rir do esforco qu le se fez 9 filme inteiro para provar que homens sao de Marte e mulheres de Vénus Menciono esse fato porque acho que nos ajuda a pensar como estamos lidando com estes produtos culturais. Como estamos contribuindo ( Ue faz om S585 sobre ™ querer tray, SEnero, mesmg (ou nao) Para que nossas alunas € nossos alunos sejam capazes de duvidar do riso conservader. O quanto acabamos sendo cimplices de processos pedago- Gizadores que fomentam violéncias simbélicas en quanto fingem s6 querer Nos divertir. Ninguém, naquele grupo, atentou para o fato de que o filme nao fale: Va so de género, mas também de classe social As mulheres e os homens ali eram todos brancos, com filhos e filhas estudando em escolas privadas, Tesidindo em casas com piscina, dirigindo carros caros e vivendo em uma grande cidade. Mas isto também nao foi observado: o fato de que mulhe- res das 4reas rurais talvez tenham os mesmos “musculos” que Claudio, pois Precisam deles desde muito novas, nao parece ser relevante. Mais facil é Pensarmos como presas, todas, a uma anatomia que traga destinos iguais, tampouco se observou que homens Pobres e nao brancos sdo muitas ve Zes feminilizados por serem vistos como inferiores e menos racionais. OU ‘seja, 0 filme deu visibilidade apenas a um segmento pequeno da sociedade brasileira, mas n3o 0 tratou como m sendo a norma. Vocés podem achar que estou forgando a barra, mas quero convence= Is de que nao. O humor, elemento central do filme descrito, é um potent mento de reiteracao da ordem. Pode também funcionar como transg'e> Maeulesso.cotidiano, © temos acionado muito mais com pings Basta que prestemos atenco em nossas piadas. Quais $86 Baeelientes?.Penscram? Ha um vasto arsenal de chistes sr mulheres, gays, “Coincidentemente", grupos socials 4 iIternizados pelos saberes dominantes- Bs a 0 inoria, ao contrario, o apresentou com O riso funciona, no filme em questdo, como uma espécie de distencio- nador dos conflitos entre mulheres e homens, mas também como um rei- terador desses lugares apresentados como antagénicos e cristalizados no tempo. Mas nds, educadoras e educadores, precisamos, sim, levar o humor muito a sério. Por exemplo, como lidar com as piadinhas desqualificadoras em sala de aula? Sabemos que reprimi-las, fazer “sermées”, tendem apenas 2 reforga-las. Talvez um bom caminho seja usar a propria midia para desconstruir algumas posi¢6es naturalizadas, transgredir 0 riso conservador. Beijo de novela, do que temos medo quando a sexualidade entra em sala? Uma professora, cursista do GDE, conta que, juntamente com um colega de trabalho, resolveu aproveitar o furor estabelecido em sala com 0 Ultimo capitulo da novela Amor 4 vida (Rede Globo, 2013) e fazer uma discussao so- bre a cena motivadora daquela falacao toda. Tratava-se do badalado “beijo gay”. Na cena, um casal de rapazes, que est vivendo maritalmente ja hd al- gum tempo, se beija na boca (de boca fechada, nada de beijo de lingua). No momento do beijo, os relégios, acertados pela hora de Brasilia, marcavam mais de 22 horas. Acho importante registrar esse dado, pois sabemos das restrig6es juridicas para a transmissdo de determinados programas e cenas Por meio televisivo. Assim, se as criangas viram nao foi porque passou em hordrio de programacao livre, mas porque suas familias permitiram A turma em questo era composta de meninos e meninas na faixa dos 9 anos de idade, mas com claras posicées relativas 4 cena do beijo. A crian- gada se mostrava avessa aquela manifestacao de afeto entre dois homens. Tanto meninas quanto meninos usaram adjetivos desqualificadores para se referirem aos personagens gays e mostraram asco pelo beijo. A professora € 0 colega que a acompanhava naquele dia perguntaram por que aquele beijo, que era uma demonstra¢ao de amor, parecia nojento e o beijo dado indo a turma, tao afoita diante do desfecho da trama, sobre o por- m ato de carinho ser recusado e 0 outro ser recebido com quase jontou a cena em que cada beijo foi dado. Na primeira, n com ternura, trocam palavras doces e desejam um ao " propriedade, ¢ 0 outro cuidava da sua propria pousada e do pai invalido, Un pai que o recusou a vida toda, justamente por conta da sexualidade do Filho O beijo "hétero” se deu quando a protagonista da cena abandona 4 noivo no altar, pois iria se casar com ele por interesse financeiro, Foge do cartério levando pela mao o rapaz que diz amar. Na cena seguinte, 9 oa sal aparece em um espaco piblico da cidade de Sao Paulo, beijando.se abracando-se com furor sexual. Ela tem a maquiagem borrada ¢ 0 vestide de noiva rasgado, ele estd sem camisa. Ambos correm, param, se beijam novamente, de modo voraz. Parecem alterados. Mas talvez seja 0 amor, nig? Ao descrever as cenas com palavras que deslocavam valorativamente cada uma das manifestagées de afeto, a professora também as ressignificou, ‘© que fez com que a turma tivesse a oportunidade de “ver” a mesma cena de novo, mas por outro prisma. Nao interessava aquela professora promo- ver 0 beijo gay ou o hétero, mas sim promover uma outra reflexdo para as formas como nos relacionamos, como vemos a diferenca e a tratamos. Por que a diferenca se tornard, no burburinho da sala, um defeito? Ela deu a eles @ Oportunidade de nao ficarem com a “estoria Unica”. Porém, ha ainda uma pergunta que nao quer calar: por que foi o beijo entre rapazes aquele que causou nojo e criticas severas das criancas? A per- gunta é retérica, pois sabemos a resposta. Ela tem a ver com género, mas também com sexualidade. Ainda que a sexualidade seja tema para 0 préximo capitulo, creio que vale a pena antecipar algumas discussdes aqui, mesmo porque género e se- xualidade, ja disse diversas vezes aqui, ainda que nao sejam a mesma coisa, so temas extremamente relacionados. Vamos comegar pela cena do beijo do casal heterosexual. Creio que a (no) reacdo das criancas diante da cena relaciona-se com a visibilidade le- gitima e prestigiosa pela qual aprendemos a respeitar a heterossexualidade. Os produtos culturais (filmes, romances, novelas, propagandas), as reuni- Ges familiares, os espagos de lazer, promovem e cultuam as parcerias hete- fossexuais e os corpos bem-conformados aos padrées binarios, raciais e €S- téticos, de maneira que naturalizamos esses privilégios entendendo-os como normais € naturais, e nao como construgées politicas que relegam as margens aqueles e aquelas que nao se adéquam, nao se conformam, nao conseguem ‘©u mesmo recusam esses limites. Assim, os transformamos em "MINORIAS", quer dizer, minoramos suas reivindicacées, seus problemas, suas angustias (lembram-se que Helena e Claudio, mesmo fazendo parte de uma minoria social, foram tratados como maioria cultural). Desfazendo o género | 133 Assim, fomos aprendendo a ver homossexualidade como anormal. A primeira pergunta talvez seja: Como chegamos a considerar alguma coisa vmal? Por que certos comportamentos so entendidos e classificados como anormais? Por meio de quais saberes, de quais discursos, formamos esses conceitos? Como criangas de 9 anos de idade aprenderam que um | beijo entre dois homens que se amam é asqueroso e um entre uma mulher e umhomem é bom, permitido e, até, bonito? No caso dos comportamentos sexuais, pelo menos desde o século XIX, associedades ocidentais, ou as que seguem seu modelo, alocaram a sexuali- dade no terreno da psicologia e da medicina, deslocando-a do campo moral da eligido. Se neste Ultimo campo as praticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo podiam implicar em pecado, no campo cientifico elas se transformaram em anormalidade, em patologia, podendo, assim, ser curadas. O campo ju- ridico também deu sua contribuigao no sentido de penalizar as sexualidades dissidentes da norma burguesa, leia-se: heterossexual, monogamica (pelo menos em tese), procriativa e monitorada por saberes médicos. Assim, nao 6 homossexuais corriam risco de serem processados, presos e submetidos a intervengées ciruirgicas como a lobotomia, mas prostitutas, criancas “mas- turbadoras” e pessoas da classe operdria (considerada promiscua pela burgue- sia) podiam ser igualmente punidas, vigiadas, esterilizadas. Desse modo, a sexualidade passou a constituir-se cada vez mais a pré- pria verdade do sujeito. Ele (sujeito) era o que ela (sexualidade) o transfor- mara. Desde entao, heterossexualidade e normalidade estado profundamen- te associadas, de maneira que tendemos a nao saber como lidar com os géneros que escapam ao binario e/ou com as sexualidades dissidentes da norma heterossexual. A tendéncia é recusarmos em nés e/ou nos outros es- ses “desvios”, percebendo-os como anomalias, erros, falhas que s6 podem | acarretar em infelicidade. E acabam acarretando mesmo, como uma profecia autorrealizada, uma vez que passamos a tratar essas questdes como proble- ™Ma, € ndo como uma possibilidade outra de vida, de amar, de se relacionar. Nao sabemos sonhar, idealizar, educar fora desse registro heterossexualida- de, a qual, por sua vez, associamos a uma perfeita conformidade entre sexo — Genital, gEnero social e desejo sexual. _ Ha, assim, um grande mito de que pessoas homossexuais S40 exualmente (mesmo quando ainda so criangas). Ha também a a lun@s, que es. ém de positivo, valorizar o que fazem bem, igiosas, mas sem vitimizar estas pessoas, Tratar is pode ser injusto (por exemplo, querer que um ralisia infantil jogue futebol com os demais), mas tratar adi. Parte da realidade da escola e da vida, mostrando que ha a ela (por exemplo, o aluno com paralisia pode nao ter o mesmo Nho que os outros na hora do drible, mas pode ser um étimo go- Para tanto € preciso que a chance seja dada, ou pode se destacar em ‘outras modalidades). ___ Trabalhar com produtos midiaticos pode nos dar uma excelente oportu- | nidade para adentrar nestes temas, 0 que nao diminui o desafio, mas, cer- tamente, aumenta o prazer e 0 interesse de quem ensina e aprende. Pode nos ajudar, inclusive, a tirar a sexualidade do marco do perigo, da doenca © do risco, porque é quase sempre assim que ela entra na escola, seja para falar de aids e doencas sexualmente transmissiveis, seja para falar dos peri- gos da gravidez na adolescéncia. Quase nunca falamos de sexo como fonte de prazer e de estabelecimentos de vinculos. Perdemos a oportunidade de falar com nossas alunas e alunos sobre algo que acontece todos os dias sob Rosso narizes: os encontros, 0s beijos, o desejo, os namoros. Abordando-os como questées sérias, porque delicadas, pois envolvem sentimentos e afe- tos, mas também aprendizados, dos quais, por despreparo ou moralismos, deixamos de participar. Também deixamos de problematizar, como assunto digno de figurar no curriculo, as chacotas que minoram marcas de classe, raca e género ou as violéncias ocorridas nos portées da escola, nos banheiros e patios. Natu- ralizar ou assumir uma postura de pretensa neutralidade nao faz com que 98 problemas desaparecam ou diminuam, mas podem nos fazer ctimplices involuntari@s de violéncias que podem terminar em evasao escolar. Por fim, aposto grandemente no trabalho com midias diversas em sala de aula, pois nos valendo dos diversos produtos culturais temos mais chances de provocar as turmas a também contarem suas historias com protagonismo € ctiatividade. Podemos, assim, lidar com linguagens distintas ¢ estimulan- tes e nos surpreender positivamente com os produtos que noss@s alun@s podem elaborar. | Trazero cotidiano vibrante e colorido da publicidade para dentro da sala de ser um excelente mote para pensarmos criticamente sobre Desfazendo 0 genero_ pobreza e riqueza, e assim sobre desigualdades sociais e direitos civis, além de oferecer material estimulante para pensarmos questées de género, ra- ciais, geracionais, religiosas. A musica também pode ser um eficaz disparador de discusses. Pensei no classico Paula e Bebeto, de Milton Nascimento (da para acessar a letra por: ), como trilha para as cenas dos beijos narradas acima. Podemos pedir que a propria turma traga suas musicas preferidas para que, assim, comecemos um didlogo mais horizontal, no qual também aprende- mos com nossas alunas e alunos. Tod@s nés, que ja nos deixamos, algum dia, impactar por um filme, sabe- mos que a magia do cinema pode ser suficientemente sensibilizadora para motivar projetos coletivos dentro da escola, nos levando a oferecer uma edu- cago na qual a praxis seja o motor das agées. Praxis diz respeito a atividade livre, universal, criativa e autocriativa, pela qual o ser humano cria (faz, produz) e transforma (conforma) seu mundo e a si mesrno (BOTTOMORE, 1997). Com 0 intuito de proporcionar algumas ideias mais e deixar dicas para 0 trabalho de vocés, apresento a seguir quadros com sugest6es de materiais audiovisuais, além de um quadro com questées persistentes, quer dizer, aque- las que apareceram sempre no meu trabalho com a tematica de género. Sugiro, ainda, dinamicas em grupo que podem ser excelentes ferramentas de trabalho. UNIDADE 4 Atividades propostas — dicas, sugest6es € mais quest6es Nas diversas ocasides em que trabalhei com professoras e professores sobre a tematica de género, algumas quest6es se fizeram sempre presen- tes. Acredito que esta persisténcia se deva ao fato de elas sintetizarem per- cepgées bastante arraigadas sobre o tema, mas também mostram o quao 2 desafiante tem sido trabalhar com e no ensino basico neste Pais. Acredito colocar no lugar do outro. Este movimento nao é facil, a conferir a0 outro sua dimensdo humana. A escola que estd em construcao, e por vezes nos sentimos impotentes. la tem que repensar praticas - 0 que fazer? Essa 6 uma pergunt, € nos angustia quando imergimos nestas reflexdes. Bem, ja estamos endo quando estamos aqui, lendo, nos qualificando, debatendo e nos ~ deixando provocar. Creio que uma leitura provocativa, uma formacao ! estimulante faz de cada um(a) de nés “multiplicador@s", pois nosso olhar muda mesmo. Senti isso intensamente em minha experiéncia como pro- fessora do Ensino Fundamental e Médio, como professora universitaria, mas também como mie, amiga, esposa... Esse processo, mesmo lento, pode ser significativamente transformador da nossa atua¢ao nas dife- Tentes esferas sociais. Sugiro a leitura de um texto delicioso de Silvana Goellner, que vocés encontram nas referéncias. * Como trabalhar estes temas em escolas que esto situadas em areas ‘onde os problemas sociais so tao profundos que parece nao haver es- paco para essas reflexes? Este é um desafio mesmo! Sempre trabalhei com a classe média e entendo que, de certa forma, isso foi um privilégio, pois lidei com pessoas que tinham muitas coisas materiais e emocionais resolvidas. Um caminho que tem dado certo em comunidades onde ha muita violéncia tem sido buscar parcerias, seja com outras escolas, com ‘© Estado ou com o chamado Terceiro Setor. Ha, por exemplo, funda- des e ONGs que trabalham com arte, teatro, danga, capoeira e musica junto a populagées imersas em conflitos multiplos e caréncias variadas. O importante € que o projeto nao seja um movimento de cima para baixo, quer dizer, que nao considere as particularidades de cada lo- calidade, que seja alheio as questées locais mais prementes. Projetos 40 mais eficientes quando conseguimos partir de algo que seja de in- teresse da galera, da comunidade, intervindo também no entorno da escola. Se ficamos sé do muro para dentro, a possibilidade de o projeto se consolidar e gerar transformagdes diminui significativamente. Um? professora de Brasilia, que atua em uma das areas mais violentas da cr dade (uma cidade-satélite), tem um projeto muito bacana de pintura de ty muros e revitalizagio de espacos ao redor da escola, e o faz com intens?_ Participagao de um grupo de alunas e alunos. A atividade envolve pee _ do que arte, grafites e urbanismos (0 que por si sé ja seria muit ambém de ética, de relacdo com o espaco puiblico, obriga @ e Desfazendo 0 género | 137 sobre direitos, entre outras provocacées transformadoras. Tem dado certo. Provavelmente nao foi facil e nem deve ser algo sen desafios de toda ordem, inclusive em termos burocraticos, logisticos e financeiros. Mas eu aposto muito nesse caminho de sensibilizagao, de interven¢ao que cria lagos de confianga entre nés e a comunidade que atendemos. Com meninas que se prostituem ja vi trabalhos lindos com recuperagao de bonecas para dod-las a creches e orfanatos. E incrivel como as me- ninas, cuidando de recuperar bonecas, pensam em si mesmas, refletem sobre seus corpos, suas vidas, suas familias. Recuperar a boneca acaba funcionando muitas vezes em um processo de reencontro com suas pré- prias belezas, com seu valor como mulher, como pessoa, como artesa. Claro que estas oficinas tm metodologias, tém estratégias de agao. Es- tou apenas mencionando algumas experiéncias que vi dar certo. Deixo aqui uma dica de livro que pode ser estimulante: Gangues, género e juventudes: donas de rocha e sujeitos cabulosos. Disponivel em: . * Sea sociedade é a grande vill, 0 que nds, como individuos, podemos fazer? Bem, a gente esta atribuindo a ‘sociedade’ todas as culpas. Mas 0 que é a sociedade se nao um produto das relacdes sociais estabelecidas entre nds? A sociedade é resultado das relagGes sociais, das instituigées que criamos, das normas e convengées que estabelecemos. Claro, nasce- mos e ela esta ai, mas somos nds também que damos continuidade a ela, questionamos, desafiamos “verdades", lutamos por outros modos de classificar e significar a vida. So projetos coletivos que transformam, mas so angtistias sentidas individualmente que nos motivam muitas ve- zes, Digo tudo isso para que saiamos desse lugar paralisante, que é 0 de atribuir 4 sociedade (como uma entidade poderosa e que nos domina) a culpa pelos males, como o preconceito, nos sentindo assim impotentes. Pelo que experenciei nos cursos de formagao continuada, nao viletargia, ao contrério, vi pessoas pensando, se desafiando, confrontando suas ver- dades, procurando caminhos para a transformagao. A questao é que es- tes caminhos nao sio faceis, pois as resisténcias esto ai aparecendo em ‘a diferentes discursos. Muitos deles tem a ver com a completa ignorancia, _ No sentido de ignorar, de nao ter conhecimento relativo a questée: nero e sexualidade. No primeiro caso, naturalizamos tanto o (Gueee com a aids! Cuidado para no engravidar!) ou Vai fcarfalada! Vocé vai acabar pegando uma doonca ee stemcs falar em papéis sociais de género? Podemos, mas eu tenho ___cé minhas criticas ao conceit, justamente por sua tendéncia a se cris- talizar e se transformar em esteredtipo. Temos posi¢des de género para as quais somos convocadas e convocados. Performamos, 8 medida que E colocamos em atos, normas, convencées, padrées estéticos de género que sao largamente aceitos como sendo femininos ou masculinos. Mas temos desafiado constantemente as ideias de papéis, pois a vida nao € roteirizada como uma pega de teatro, e estas analogias com paleo, teatro, papéis e méascaras, apesar de sedutoras, sao insuficientes para levarmos a fundo as discussdes nesse campo, que esta atravessado por relagdes de poder que a analogia teatral nao revela = Ocomentado acima se relaciona com outra questao: a identidade é algo dado? Como se relaciona com género? A recorréncia da ideia de “identidade” como algo que o sujeito traz consigo, um tanto pronta, esta presente em muitos momentos de nossas conversas. E importan- te a gente perceber que se género é tao central para a formagao de nossa identidade (e acho que ninguém tem duvidas disso) e que se género é construgao social, por que identidade seria algo que vem pronto com o sujeito? E legal mostrar que vamos nos constituindo com nossas experiéncias, que tém tudo a ver como o momento histérico no qual estamos inserid@s, com a sociedade onde vivemos, com os ambientes de convivio cotidiano. Pensar a identidade fora dos marcos essencialistas é dificil; dissemos, muitas vezes, que somos assim e nao q vamos mudar, que pau que nasce torto nao tem jeito, morre torto... Quando a questao toca na orientagao sexual, nas questdes de género, @ perspectiva essencialista se acentua. A pessoa, no fundo, sempre foi assim, reprime, esconde aquela verdade dos demais, até que um dia no suporta mais e revela sua "verdadeira identidade” que esta? ali, no 2mago do seu ser, prontinha. Por isso, mulheres, que vieram = 140 | Diferengas na Educagao: outros aprendizados A seguir encontram-se algumas sugestées para se tratar ern espaco, escolares a tematica das relacdes de género. Mas, antes de Prosseguir a produzo algumas orientages presentes do livro Género fora da Caixa, fe projeto do Instituto Sou da Paz, publicado em 2011, acessivel neste link: . Dinamica “Tudo ta relacionado” Criagao: Prof. Dr. Felipe Bruno Martins Fernandes (PPGICH/NIGS/UFSC); Profa. Dra. Miriam Pillar Grossi (NIGS/UFSC) Publico sugerido: Criancas e adolescentes Orientag6es: Esta oficina visa problematizar as inter-relagdes entre gé- nero, raga e sexualidade mostrando como a transversalidade entre estes marcadores sociais pode ser produtiva no combate as violéncias e discrimi- Nagoes nas instituigdes educacionais. Ao iniciar os trabalhos com os temas dividides por “eixo de opressio” e fechd-los com uma discussao coletiva, @ Oficina busca ser um espaco de reflexdo em Que @s participantes possam se Posicionar, explicitar suas questdes ¢ discutir coletivamente seus conceitos © pré-conceitos. O didlogo e a desconstruc3o devem ser 0 principio nor- teador da oficina, em que as diferentes Posigées ndo devem ser carrega- des dos juizos de valor do mediador, mas, sim, problematizadas por este.

You might also like