You are on page 1of 18
Ne DE coPiAs AS PASTA. N°_ BEG Capitulo Dois A CONSTRUCAO DO PATRIMONIO: PERSPECTIVA HISTORICA A modernidade de uma sociedade se mede por sua capacidade de se _feapropriar das experiéncias humanas distantes da sua no tempo eno expaco. (Alain Touraine. Critique de la modernité) ‘A questio do patrimdnio se situa numa encr envolve tanto 6 papel da meméria e da tradigao na construgao de identidades céletivas, quanto os recursos a que tém recorrido os Estados modernos na objetivacao e legitimagao da idéia de nag0. Permeando essas dimonsées esta a consideragao do uso simbélico que os diferen- tes grupos sociais fazem de seus bens — e aqui me refiro tanto & producdo quanto & conservacao ou destruic3o — na elaboragao das categorias de espaco e tempo." Ou seja, 0 valor que atribuem a esses bens enquanto meios para referir 0 pasado, proporcionar prazer aos sentidos, produzir e veicular conhecimento. Esses diferentes valores atribufdos sao, na civilizagao ocidental, regulados por duas nogoes que se articulam sobre as categorias de tempo e espaco — a nocae de Historia e a de Arte, A primeira, enquanto reelaboragao do pas- sado, a segunda, enquanto fruigo in praesentia. Nesse sentido, os bens que constituem os patriménios ct se propdem como marcas do tempo no espaco. “=. Mas fol apenas quando, no final do século XVIII, o Estado assumiu, em nome do interesse pUblico, a protegao legal de determi- rnados bens a que foi atribuida a capacidade de simbolizarem a nacao, (Os principais valores culturais atribufdos aos bens patrim 80 0 valor attistico e o valor hist6rico, Embora a legislaco possa se 49 AcoNsTRUGLE be rareMonto. referir a outros valores - 0 Decreto-lei n® 25, de 30.11.37, por exem- plo, menciona também os valores arqueolégico, etnografico, paisagfstico etc. - esses, na realidade, s20 tributaries das nog6es de Histéria e de Arte. A percepsdo da especificidade da questio do valor na abor- dagem dos bens que so considerados monumentes histéricos e/ou artisticos s6 se tomnou possivel a partir de uma postura inovadora, que, segundo Francoise Choay, se iniciou com 0 austriaco Alois Riegl, ligado, assim como Panofsky, Wolfilin e Gombrich, 8 iconologia anglo- axa. Diz ela, na introducao a edi¢ao francesa de Le culte moderne des monuments (Rieg!,1984:16-17), publicado pela primeira vez em 1903, com o titulo de Der moderne Denkrmalkultus: Unico no seu género desde sua aparico, esse pequeno texto continua até hoje’inigualavel. (...) Basta indicar que, pela primeira vez na his- t6ria da nogao de monumento hist6rico e de suas aplicagdes, Riog! toma distancia. Sua posicao de observador niio 6 nem a dos arquitetos, que desde Alberti integraram a questiio do monumento histérico na teoria de sua disciplina, nem a des homens de letras, que fizeram do patriménio monumental o objeto de uma cruzada passional. Gragas a ‘essa distancia, ele pode, antes de qualquer outro, realizar o inventério dls valores néo ditos e das significacdes nao explicitadas, subjacentes a0 conceito de monumento hist6rico. De imediato, este perde sua ~ pseudo-transparéncia de dado objetivo. Tora-se suporte opaco de {valores hist6ricos @ contradit6rios, de procedimentos com- plexos e conflitantes. € esse olhar distanciado que possibilita a desconstrucéo das 'Sérlam considerados universais, de formas culturais especificas da Civilizagao cristd-ocidental Para Rigg! (198435), 0 ato de erigir monumentos? — enter dlidos como “uma obra criada pela mao do homem e edificada com '6 objetivo preciso de conservar sempre presente e vivo na consciéncia de geragoes pode ser ident gundo Frangoi tante a um uni fememoragio ras a lembranga de uma agao ou de um destino”, ‘mais remotas da humanidade. Se- “o monumento se assemelha bas- . Esse tipo de monumento, visando & rag iva, € chamado por Rieg! de monumento “in- tencional*, ~ SS Durante a Antiguidadse a Idade Média, esse seria 0 dnico tipo de monumento conhecidé, mas a partir do Renascimento teria ‘comegado a perder importancia, sendo atualmente pouco frequente.? © préprio termo monumento foi mudando de significacao e passou a ser entendide como monumento histérico e atistico, ou seja, toda ‘obra tangivel ‘de valor histérico e artistico, Essa atribuigao de a0 contrétio do que ocore com os monumentos intencionai Posterior, e 6 passa a ocorter a partir do momento em que, na cultura ocidental, as nogdes de arte e de histéria adquirem alguma autono- mia. No contexto da histéria, que Le Goff (1990:535-553) considera “a forma cientifica da meméria coletiva”, a nog&o de monumento Passa a ser pensada na sua relagdo com a nocio de documento; ‘Também a nogao de preservacao deve ser entendida nessa A propésito, diz © antropélogo norte-americano James Clifford (1988:218) coleta, posse, classificagao e valor nao esto, certamente, restritos a0. Ocidonte; mas, em outras regides essas atividades nao precisam ser associadas a acumulacdo (em vez da redistribuic&o} ou a preservaga0 (em vez da decadéncia histérica ou natural). A prética ocidental de ccoleta da cultura tern sua prépria genealogia local, imbricada om nogoes européias distintas de ternporalidade © orem. Sas nogdes modernas de monumento hi de patriménio € de preservacio s6 comegam a ser elaboradas a do momento ‘em que surge a idéia de estudar e conservar um edificio pela Gnica Fazio de que € um testemunho da hist6ria ¢/ou uma obra de arte. Sendo a preservag3o de monumentos uma atividade neces- sariamente seletiva, uma constante opg3o entre o conservar e 0 des- 51. AcONGrRUCKO BO FATHIMONIO ~ fos agentes, e segundo dete imam 0 processo de fagao. £ exatamente nesse a, regulamentada, como, ercida por ios, que orientam e também ley de valores — e, consequentemente, a pi processo — que tem uma dimensio ex t6 deliberadamente ocultada, que remete (0s agentes envolvides com a preservaco = que se manifestam os conflitos de interesse em jogo na prética inquila da preservacao de bens culturais em nome cias para pensar a hi fins de preservacio. Esies autores vao chamar a alenga0 nao apenas para as ligdes de transformaczio das noes de monumento imonio @ preservagao, como também para as tenses fOcesso de pireservacao. £ importante observar que a mai “Zutores (assim como Giulio Carlo Argan, ja citado no. lesenvolveu, além de uma atividade académica, ‘agehcias estatais voltadas para a preservag’io de monuments. Possi- ‘velmente, foi essa experiéncia, mais que seus estudos ¢ pesquisas |nlversitérios, que thes chamou a atengdo para a diversidade de valores histérico e artis- € para os problemas decorrentes dessa realidade. 2.1 OS PRIMGRDIOS DA PRESERVAGAO DE MONUMENTOS E A AUTONOMIZACAO DAS NOGOES DE HISTORIA E DE ARTE ‘Tanto Rieg! quanto Chastel e Babelon detectam no sentimen ‘materiais, como escapando dos lares familiares, a clo pall ser recolocadas na origem ou na base do problema do patriménio. t preciso aproximar seu destino do de certos objetos comuns, armas ¢ * I6ias, e mesmo edificios, que, por diversas razées, escaparam de 1 obsolescéncia e da destruicao fatal para se verem dotados do urr 1 prestigio particular, suscitar uma liga¢o apaixonada, até mesmo urr ? verdadero culto. ML Esse estatuto atribufdo.a certos bens materiais i a preservé-los e a garantir sua transmissdo através das g Idade Média, a aristocracia projetava nos seus castelos e em outras + Fepresentagdes de suas linhagens um sentido de sfmbolos'de sua continuidade, e, por essa razao, esses bens se tornavam também objeto * de preservacao, serem cultuados, preservados e legados para fungéo de valores leigos, como os valores necessidade por ce'tos individuos ou grupos, impressionados com o 52 A constaugho 90 rareiménto, que consideravam a beleza, a antiguidade, ou o poder de evocag3o de certos monumentos, se manifestava, até o final do século XVIII, ladas, formadoras do que chamam de “o XW se as categorias que vio fundamentar a constituigao dos chamados patrimonios historicos e artisticos comecaram, portanto, a ser formuladas e aplicadas a bens, desde o Renascimento, foi a de nag8o que veio garantir seu estatuto ideolégico, e foi o Estado nacional que preservacao. 12 efetivacdo da preservagao dos bens culturais s6 se encontra social- ‘mente definida, ou seja, 56 aparece como fato social, quando o Estado assume a sua protegao o, através da ordenagao juridica, os institui © ‘elimita oficialmente enquanto bem cultural, regulamentando 0 seu Uso, a finalidade e o carter desses bens dentro de leis espectiicas de «_propriedade, zoneamento, uso e ocupasaio do solo. Foi preciso, portanto, que a nocao de monumento — no seu ido moderno — fosse formulada, enquanto monumento hist6rico no tempo 6 considerada ancestral da presente. 192:37) considera que 0 advento desse olhar “dis- tanciado ¢ esteta, liberto das paixdes medievais", que metamorfoseia ae ‘edificagSes antigas em “objetos de reflexdo e de conterplacao”, 1ua por volta da primeira metade do século XV. Até entao, s6 era vel sé aproximar da cultura antiga, pags, ressemantizando-a, ome em i tice RR dim retraduzindo-a em sido destrutd tados em outras construgées. ™\. Nao foi por acaso que Roma se tornou 0 berso da sensibi- lidacle modema. La, se tinha acesso A presenga simultinea de dois tipos de monumentos — os antigos, pagaos, e os cristaos — que remetiam a duas tradigbes distantes. Sintomaticamente, foi no século XV que ocor as primeiras medidas de preservagio, empreendi- das por papi isando a proteco de edificacées antigas e cristas. Também nesse momento ocorreu, no tratamento dos vestigios da antiguidade greco-romana, 0 cruzamento de trés discur- sos: 0 da perspectiva hist6rica, o da perspectiva artistica e 0 da con- tos. Os prédios antigos que nfo haviam dos, ou tinham seus elementos aprovel- jeresse pelas antiguidades, que comecou entdo a surgit, is tipos de abordagem: a letrada, pelos humanistas, ideravam enquanto ilustrag6es dos textos antigos — estes, 05 testemunhos confidveis da Antiguidade — e a artfstica, por parte dos artifices (arquitetos, escultores etc), interessados nas formas - por eles consideradas testemunhos involunt ides, e, segundo Francoise Choay (199: jidades ¢ também a da arte como desvinculada de sua ional vinculagao a rel ma autora (Choay, 1992:63) assim caracteriza a atividade dos antiquatios: © primeiro objetivo dos antiquirios 6, portanto, tomar visivel 0 pas- sado, especialmente o pasado silencioso ou néo-dito: Mas eles ndo sei uma soma, A imagem é posta a servico de um método comparativo que lhes permite estabelecer séries tipoldgicas, as vezes até sequéncias cronoldgicas, e realizar assim uma espécio de hist6ria natural das produges humanas. A atividade dos antiquarios se desenvolveu por toda a Euro- a, produzindo farta iconografia @ inGmeras coleg5es. O objeto de 55 A Consrnugke 00 FarRiMONIO. Fete Me ate aa fesse, porém, era s6 um: a Antiguidade. A idade Média era con- siderada um periodo intermediario. A partir do final do século XVI, 65 antiquirios passaram a se interessar também por antiguidades de outras civilizacbes que nao apenas a greco-remana, Foram documen- tados € recolhidos os vestigios do que se passou a considerar as Rético se tornou © simbolo das an- jonais. © esti nto, apenas um valor info da Reforma e & penetragao tardia do estilo italiano na arquitetura, esse estilo conti- nuava vivo, mesmo durante 0 classicismo, e foi reconhecido também ficada na seqiiéncia dos trabalhos de Montfaucon, que, tendo pesquisado as antiguidades greco-romanas, veio a estudar posteriormente os testemunhos das monarquias francesas. (© saber produzido pelos antiquarios tinha um carater emi- entemente universalista, caracterizado pelas viagens e trocas de informacées. Na Inglaterra, esse tipo de atividade, intensificado como reaco ao vandalismo religioso da Reforma, perdurou até 0 inicio do século XX: eram as sociedades de antiquarios que protegiam as an- idades nacional Franca, essas sociedades entraram em declinio quando, a partir da Revolugao, no final do século XVII Estado assumiu e passou a centralizar a preservagio. ‘Como observa Francoise Choay (1992), 0 amor a arte e a0 saber hist6rico nao foram suficientes para implantar, de forma siste- matica e definitiva, a prética da preservacao. Foi preciso que surgis- sem ameagas concretas de perda dos monumentos, j4 entao valoriza- dos como expressées historicas e artisticas - 0 vand: © 0 da Revolugao Francesa — e uma mistica leiga vinculada a um interesse politico definido - © culto & nag’io — para que a preservagio dos monumentos se tornasse um tema de “interesse ptblico”, ismo da Reforma Sar enus aernaLeH a poo "12.2 A LEGITIMAGAO DO PATRIMONIO PELO VALOR DE NACIONALIDADE “A AIé © século XVIII, as agdes deliberadas, voltadas para a Preservagao' de monumentos, eram ocasionais, e, quando ocorriam, eram realizadas pelos segmentos sociais _dominantes, basicamente a Igreja @ a aristocracia, visando a conservar seus bens. Para os ntiquirios, os objetos antigos interessavam primordialmente como documentos, dotados também de valor artistico, e © interesse na coleta e na guarda era partithado apenas pelos membros dessas sociedades.| que fizeram um estudo da proto- histéria da preservacao na Franga, detectaram na segunda metade do visando a evitar a destrui- 40 de edificacées pelo motivo de estarem identificadas a fisionomia da cidade. Nese caso, a defesa de edificagées civis pablicas — como uma fonte, um arco do triunfo e uma coluna de observagdes astrolégicas — sugere a formaco de um “patriménio do cidadao”. 4 Mas foram ameagas de destrulcdo e perda de monuments {6 considerados de valor histérico e/ou antistico, que mobilizaram as socledades nacionals para o investimento na preservagac. Na Ingla- terra, 0 vandalismo reformista, que dastrulu igrejas @ sobretudo Imagens, levou as sociedades de antiquirios a assumiram essa fungao. “A Na Franga, no final do Antigo Regime, a monarquia, influ enciada pelas idéiaslluministas, tomou iniciaivas no sentido de dar acesso a seus acervos através da criagto de mucous. Com a insta ragao de um novo Estado, em 1789, e a derrubada do poder da aristocracia ¢ da xas: em primeiro lugar, havia 0 problema econémico.de gerir os bens ja, @ questdo assumiu dimens6es mais comple- essa protesao era, em principio, cor cionarios d ivre da opressao dos antigos dominadores. O projeto de inaugurar um nove tempo (inclusive com um calendario e simbolos propries) jus- tificava, aos olhos da populagéo, a destruigao dos bens aqueles dois grupos soci © Os atos de vandalismo, que se intensificaram apés a prisio do rei em Varennes, repugnavam os eruditos e contrariavam os ideais iluministas de acumulagao e difusdo do saber. Por esse motivo, desde 1789, 0 governo revoluciondrio tentou regulamentar a protecao dos bens confiscados, justificando essa preocupagao pelo interesse desses bens para a instrugao pablica. Esses bens, que, para a Comissio de Artes, criada em 1793, “a historia consulta, as artes estudam, 0 filésofo observa, nossos olhos se comprazem em fixar” (Apud Chastel & Babelon, 1980:18), passa- ram a ter também um valor como documentos da nagao, e se con- verteram em objeto de interesse nao apenas cultural ‘como também. politico. Chastel e Babelon (1980:18) observam que “nao se define apenas um dominio original, identifica-se um poder de cultura; a nogao moderna de patrimonio comega a aparecer através da preocu- Ppagao moral e pedagégica.” A idéia de posse coletiva como parte do exercicio da cida- dania inspirou a utilizagao do termo patriménio para designar o Conjunto de bens de valor cultural que passaram a ser propriedade da \-flagao; ou seja, do conjur todos os cidadaos. A construgao do © portanto, de uma motivagao prética — © novo estatuto de propriedade dos bens confiscados —e de uma motivacio ideolégica — a neces- sidade de ressemantizar esses bens. A idéia de um patriménio da nagdo, ou “de todos", con |, homogeneiza sim ‘camente esses bens heterogéneos e de diferentes procedéncias, que Passam a ser objeto de medidas administrativas ¢ jurfdicas: formula- £80 de leis, decretos e prescricées, criagio de comissées especificas, instituigao de praticas de conservacao (inventédrio, classificac&o, pro- tecAo) e, principalmente, definicao de um campo de atuagao politica mente, criou-se uma ordem discursiva prépria, um corpo de Eonceitos. Aos critérios tipolégicos dos antiquirios foi acrescentado Me 0 texto le; uum novo: a dlstingao entre bens méveis @ iméveis, em fungao de cexigencias distinias de conservaco, Para os pr rmuseus, para os segundos se colocava.o problema complexe de sua reutllzagao. SL Chastel e Babelon (1980:18) observam que © sentido do patrimonio, ou seja, dos bens fundamen se estende pela primeira vez na Franga as obras de arte, ora em fungao dos valores tradicionals que se vinculam a esses bens © que ert nove de um elo coum, dle uma riqueza moral de toda a nacdo. Provavelmente essa duplaraiz nunca deixou de existir. ros foram criados inalienaveis, ssse sent 0s explicar ora em nom A nosao de patriménio se inserlu, portanto, no projete mais amplo de construgao de uma identidade nacional, e passou a servir a0 process de consolidagao dos Estados-nagdes modernos. Nesse sentido, vinha cumprir inimeras fungées simbélicas: 1 reforgar a nocéio de cidadania, na medida em que sao iden- tificados, no espaco piiblico, bens que nao so de posse privada, mas propriedade de todos os cidadaos, a serem utilizados em nome do interesse pdblico. Nesse caso, 0 Estado atua como guardiao ¢ gestor desses bens; 2 a0 partir da identificagao, nos | bens representatives da nagao — demarcando-a a espago — a nogao de patriménio contribui para obj ide (bandeiras, hinos, -08, como David). nacional; ES 0 bens pat heterogeneidade, origem da nacao e uma versao da acupagao ck legitimar © poder atual; 4 a conservacio desses bens — 01 icos © privados — é jaa outros interesses, px justificada por seu alcance pedagdgico, a servico da instrugao dos cidados. > Durante o periodo revolucionirio, o valor nacional des bens se sobrepunha a todos os outros valores, sendo seguido pelo seu valor de conhecimento histérico, pelo seu valor econdmico e finalmente pelo seu valor artistico. SLA preservacdo como atividade sistemtica s6 se torn sively portanto, porque a fesse politico e uma justificativa ideolgica. Aparentemente essa foi uma formula bem sucedida, ¢ que sera repotida ern outros momentos revolucionarios (como na Réssia, ern 1917, e também, mais recente: mente, em Cuba, apés a revolugio liderada por Fidel Castro) como meio de conciliar os interesses da cultura — a preservaco de bens ‘08 voltados por seu valor hist6rico @ artistico — e interesses pol para uma mudanca social Vrenretanto, como a historia desde entéo tem demonstrado, a adminisragao dos conflitos entre intoresses imediatos ¢ os ineresses ita pelas tropas resse pedagégico — a a polémica entre John -Duc quanto & forma e ao sentido da preservagaa dos monumentos; e, no século XX, a discussae em tomo da transfor maco do patriménio em objeto de consumo cultural \\\A Institucionalizacao definitiva da atividade de preservagao pelo Estado, na Franca, s6 veio a ocorrer ofetivamento a partir de 1830, quando 0 historiador Guizot propos a criagao do cargo de Inspetor dos Monuments Histéricos. © escritor Prosper Merimé, a0 assumir © posto em 1832, percorrau toda a Franga, realizando um notével trabalho de inventario nao s6 de bens, como de atitudes da populace em relacao ao patriménio. E percebeu que, apesar dos bons propésitos dos convencionais revoluciondrios, apenas uns pou- os intelectuais se sensibilizavam para 0 valor cultural dos monumen: tos. A populago, ou Ihes era indiferente, ou se apegava a alguns bens por outros motives, come, por exemplo, seu valor religioso, enquanto, local de culto ou de peregrinacao. Essa situacao era particularmente grave nas provincias, devido & atividade centralizadora do Estado.A estrutura institucional montada nesse periodo vai perdurar até meados do século Xx, tendo como principio a idéia mestra de Mérimée, de ‘descobrir 0 pals através de sua paisagem histérica.” (Chastel & Babelon, 1980:21) os conceltos estabelecides pela Revolusao Francesa conti- nuaram vigentas no século XIX, mas adquiriram novas significacdes em fungao de, novos fatores: a Revolucao Industrial, que gerou uma ruptura no modo de produzir e de viver artesanal, e o Romantismo, que, inclusive em decorréncia dessa ruptura, privilegiava os valores lade © © lugar do sujeito na percepgae do mundo. da sensi “S No perfodo romantico, 0 distanciamento em relagao as obras (ou pela primeira vez no Renascimento, do passado, que se mani assumiu, em fungao da Revolugao Industri mais dréstica: o passado longinquo nao era mais recuperado enquanto canone, fonte de conhecimento e de modelos, como no Renascimento, era um pasado irremediavelmente perdido, ¢ s6 através da meméria afetiva, da ser lade estética, era possivel, de algum modo, revive- lo. Pode-se dizer que 0 sentimento predominarte nao era mais o de reveréncia, e sim 0 de nostalgia, Considerava-se que 0s monumentos legados por esse passado estavam fadados a deterioragao, ao desapa- recimento © A morte. Esse era © ciclo irremediavel da natureza @ tam- bém das coisas e dos homens. As rufnas, assim como outros sinais do tempo (as patinas, 0 musgo, a vegetagio selvagem que toma conta das edificagdes abandonadas) seriam um documento dessa realidade, prova, lade, daf sua importancia no imaginario remantico. |, uma segunda mediagao, de sua autent Por outro lado, 0 interesse dos historiadores pela: des entrou em extingao. Ocupados com a hi instituicées, visando a construir a hi 61 AconstRugae Be rATRIMONIO it se voltaram para os textos, nentemente leresse cognitive. A viagem de uma aprec ‘a, embora nao desprovida de continuava a sero meio privilegiado para © acesso a esses bens, agora tratava-se de viagens “pitorescas” © nao propriamente cie! cas. Nesse momento, as nogdes de Histéria e de Arte ficaram mais te a diferenca jade. Consoli- distantes uma da outra, assim como ficou mais evick entre valores do conhecimento e valores da sens dou-se a nogao de monumento que Ihe sao atribufdos foi redimensionada em decorréncia das novas circunstancias. 10 € a relagao entre os valores YL © monumento histérico fol integrado ao culto a arte que se desenvolveu no perfodo romantico, sem perder, no entanto, sua conotago de testemunho do tempo passado. Enquanto documento histérico, ele passou a ser primordialmente vinculado e utilizado pelo Estado — com o reforco dos para a histéria politica — na YU Lécia Lippi de Olive XIX, “a ligage do nacionalismo com o roma storiadores, que, entao, se voltavam nagao da nacionalidade. 186344) observa que, no século ismo fez a nagao ser lade, & al concebida como uma entidade emotiva, simbolo da singular qual todos os homens deveriam se integrar.” © nacionalismo ¢ devia sobretudo a Herder sua fundamentagao. Fora predominante- mente os artistas, poetas @ pensadores que, nos paises germanicos ¢ também na Inglaterra, exploraram essa imagem emotiva da nagao. O sentimento nacior 108, diferenciadores de cada nage. Racionalisme politico, desenvolvide em torno da idéia de civilizacao, sobretudo por historiadores ¢ NA No século XIX se consol I se desenvolveu com énfase nos aspects culturais 1a Franga, predominava 0 Civis, voltado para 0 culto ao passado e para a valoragao ét tlea dos monumentos, ¢ o modelo francés, se, deser no da nogao de Cada e reguiamentada, visando ao ater iveu em imo modelo predominou entre os paises europeus, € foi exportado, na primeira metade L, como © Brasil e a Ange , para as ex-col XX, para paises da 1s a Segunda ina, e, las francesas, “SA conservacao dos monumentos, na Franca, assumiu um carter eminentemente museolégico: iremediavel igados ao Passado, esses bens no teriam mais lugar no fluxo da vida presente. © ideal de modemizagao e de progresso difundido pela ideologia estatal conferia a preservagao urn compromisso com saber, um sentido de al ida para interesses presentes. © pro- jeto urbanistico de Haussmann ilustra bem essa situacao. Ja nos parses anglo-sax6es, predominou entre os principais agentes da preservagao © culto ao passado e a valorizagao de seus vestigios enquanto relt- quias, em decorréncia do sentido mais agudo da ruptura que, na Inglaterra, decorria do confronto com a dura realidade da Revolucdo Industrial. Para os ingleses, o presente era representado pela civiliza- 80 que comegava a se desenvolver na América do Norte e que, na observagao critica de Ruskin, era “um mundo sem uma lembranga nem uma rufna.” (Apud Choay, 1992:107) ‘antes sobre a conservacao de idade racionalmente * Duas teorias distintas e con! monuments histéricos foram elaboradas, no século XIX, respectiva- ‘mente na Franga e na Inglaterra: a de John Ruskin e a de Viollet-le-Duc. Nbéivada de um matiz puritano, a teoria do erftico de arte inglés John Ruskin (1956:190) via na arquitetura um meio de conser var 0 pasado, nao s6 em suas produces materiais e mados de vida, como também em suas virtudes morais. (Ya maior gloria de uma edificacao nao esta em suas pedras, ou no ouro que possa conter. Sua manifestagao do esforgo humano deve ser objeto de reverénci seu intuito de preservar no apenas as monumentos excepci foi pode-se dizer que 0 valor de nacionalida de humanidade, e, nese sentido, a preservacao em escala mais ampla: j8 em 1854, Ruskin propunha a criagao de uma organizagao européia de protecao dos monumentos histéricos. Para Ruskin (1956:20 10s do passado tinham valor de m, portant, em si mesmos, enquanto objetos “sagra~ fveis, e, nesse sentido, eram intocdveis: "Nao temos direito algum de tocé-los. Eles nao sao nossos. les pertencem em parte a todas as geracoes da foram-nos legados por nossos antepassados @, do mesmo modo, sto um patrimdnio também das geragdes futuras. Logo, qualquer restauracao seria uma violagao e uma impostura, pois faria o monumento parecer diferente do que na realidade 6, ou seja, uma criagao humana sujeita ao fluxo do tempo. (Htd0 impossivel quanto reseucitar um morto é restaurar 0 que quer que tenha sido grandioso ou belo em arquitetura.” (Ruskin, 1956:199). A arquitetura, nos textos de Ruskin, 6 associada a vida da natureza fe dos homens. WA Viollet-le-Duc, para uma concep¢ao formal da arq rumento ideal, que nao é necessariamente a do pi ngenheiro de 1agiio e mais voltado fa, partia da nogao de mo- fungao de critérios técnicos, est préprias palavras, “restaurar um edificio é restabelecé-lo a um estado completo que talvez nunca tenha existido” (Apud Choay,1992:120). “of restauragdo torna-se assim uma recriacao legitimada, ou “restaura- ‘$20 interpretativa’, como 0 préprie Viol sob sua orientaco, se voltou para os mor siderava que a verdadeira arqu Xill. Seus trabalhos for: tudo a partir dos conceitos expressos na Carta de Veneza ¢ s6 muito recentemente tém sido objeto de uma reavaliagao. Mino final do século XIX, com Camillo Boitot, a teoria de Viollet-le-Duc foi contestada no campo especitico da restauragao. (cos @ pragmaticos. Segundo suas Boito considerava que “o carter acrescentado, adventicio, ortopédico do trabalho refeito deve ser ostensivamente marcado, ¢ nao deve, de iguma, passar por original.” (Cheay, 1992:127). Desse modo, ssolveu, pelo menos de um ponto de vista contemporineo, a ‘\ Para Frangoise Choay, a doutrina de Viollet-le-Duc visava a restituir ao monumento o seu valor de documento integro, objeto de conhecimento, em detrimento de seu valor enquanto monumento, sujeito as marcas do tempo. Diz, a propésito, essa autora (1992:121- 122): “reconstituindo um tipo, ele (o restaurador) fornece um instru- mento didatico, que restitui ao objeto restaurado um valor hist6rico, mas no sua historicidade.” Essa intervencao rompia com a cor- Fente do tempo. Os monumentos-documentos eram selecionados as obras notaveis e tratados como modelos que era preciso tar, daf a teoria da mise en valeur: para valorizar 0 essen- = © monumento excepcional - tudo que fosse perturbador ou access6rio a sua percepgao (entendida aqui como visibilidade) devia ser eliminado. © tecido urbano era rompide em nome da funcio- nalidade, da higiene ¢ da seguranga pelos urbanistas, e em nome de uma estética pelos arquitetos. Esses Giltimos, ao buscarem uma suposta aute! giam em cheio a autenticidade histérica. WA dissociagao entre valores do conhecimento e valores da ‘ada por Alois Riogl, no inicio do século XX. Riegl procurou analisar a questo dos monumentos hist6- ricos no do ponto de vista do Estado, ou enquanto representagées da jacionalidade, mas a partir das diferentes percepcdes que 0 contato com os monumentos suscita nos individues. A andlise de sua teoria dos valores atribufdos aos monumentos histéricos, que é apresentada "no pequeno mas denso livro © eulto moderno dos monumentos, publi- cado na Austria, em 1903, fornece indicagbes ricas e surpreendente- para se refletir sobre a questao da preservacao em suas las vers6es, sobretudo se se tem em vista nao a produgaio do patrimonio — até hoje sob 0 controle homogencizador do Estado — mas a complexa e diversificada recepgao dos bens « diferentes extratos socias. 65 A constaucte 20 raTumonte lema se apresenta, inclusive, de modo inescapavel, atualmente, aos agentes da preservagao, na medida que a legitimacaio da protecao de b is pelo Estado via naciona- lismo vern declinando, junto com essa ideologia, nas Gltimas décadas. A criagao, apés a Segunda Guerra Mundial, de organismos internaci- conais especificamente voltados para a cultura ¢ a incorpora¢3o, pela ONY, da figura de direitos culturais, e, pela UNESCO, da de Patrimonio Cultural da Hum: pressOes, as nogdes difusas de hi jade juntam, nas mesmas ex- nidade e de versal, € a nogio cada vez mais precisa de uma cidadania fun- ividade de dada_em direitos diversificados, para legitimar a a preservacao. 2.3 A TEORIA DOS VALORES DE ALOIS RIEGL Para Rieg! (1984:38), todo monumento tem, necessariamen- te, uma dimensio histérica e uma dimensio estética, pois ele parte do pressuposto de que todo monumento da arte é, simultaneamente, um monumento hist6rico, na medida em que representa um estéigio determinado na evolucao das artes plasticas, de que nao € posstvel, stricto sensu, encontrar um eq mento histérico é também um nue ‘manuscrito tio minimo como uma breve e sem importancia, comporta, além do seu valor histérico, que ‘concerme a evolucio da fabricacio do papel, da escritura, dos meios mete lizados para escrever, etc., toda uma série de elementos artisticos: a configuracao do folheto, a forma dos caracteres ¢ a maneira de arrumé-os.'° ha rasgada trazendo uma nota ‘A nogao de valor histérico &, porém, mais extensa, na medida ‘em que “chamamos de histérico tudo que foi, e hoje no 6 mais.” (Riegl, 1984:37). Nesse sentido, tudo que ficou do passado como testemunho pode pretender um valor hist6rico. O monumento artis- tico deve ser compreendido como um monumento da histéria da arte, € seu valor, considerado desse ponto de vista, 6 menos artistico que histérico. Por esse motivo, Rieg! considera que, a rigor, nao cabe mais 66 9 rATRIMONIG em Paocesse fal ‘em monuments histéricos e artisticos, mas apenas em monu- mentos hist6ricos. >No Renascimento, as nogdes de hist6rico e de antistica es- tavam imbricadas e se fundamentavam em um mode de conhecer @ de relasao entre temporal valor de contemporanetdade,) Ent onto de vista permanece indo © passado um diz Riegl (1984:53), “esse v0, diretivo (logo antigo-medieval) mas nao histrico no sertido moderno, pois nao reconhece ainda nenhuma evolucio."™ [O homer do Renascimento identieava mos SO mesmo sentido normative era conferido, no Renascimento, ao valor artistico, que, nesse perfodo, era predominante. A nocao da nas produgées da Antiguidade. Essa idéia, que vai cicl na histéria dos estilos estéticos, s6 vai ser defi segundo Riegl, no inicio do século Xx. “Na concepgiio moderna de histéria, a idéia de desenvolvi mento, de evolucao, leva a superagio da nogao de canone e & afiy macio do valor especifico de cada perfodo, em fungao do ponto de vista contemporaneo a cada momento hist © 0 sujeito da avaliagao sao, assi culminar, no século XX, com a emergéncia da consciéncia historiografica. Novos campos do saber, como a antropologia, j4 nascem sob o signo do relativismo. }, felativizados. Esse fendmeno vai As implicagoes desse reiativismo, ou soja, da percepgao de conforme 0 ponto de vista que se de forma decisiva nas politicas de preservacao, impasse que Riegl conseguiu antever, em 1903. H4 uma progressiva “30 do que € considerado de valor hi até que se chegue a0 interesse atual por “todas as real de todos 0s poves, quaisquer que sejam as difer de és; um interesse pela histéria da humanidade em geral, aparecen- 67 A consteucko Bo parmimonto a do cada urn de seus membros como parte integrante de nés mesos" (Riegl, 1984:51) ‘NIA reflexio de Rieg! € surpreendentemente inovadora por cchamar a atengio para a importancia de se levar em conta, na for- prética de uma poltica de preservagio, tados, do nivel da percepcao mais imedi- ata, intutiva, menos culta, que s80 atribuidos aos bens culturais: 0 valor de ancianidade @ 0 valor de novidade. © valor de ancianidade deriva do valor histérico mas se distingue dele: “Por oposigao ao valor de ancianidade, que aprecia o passado em si, 0 valor hist6rico tendia a isolar um momento do desenvolvimento histérico e a nos apresenté-lo de um mado t&o pre- ciso que ele parece pertencer ao presente.” 1984:85) Riegl se dé conta de que, para nés, modemos, © interesse suscitado por determinadas obras advem menos de seu poder de rememoragao de fatos ou personagens notaveis, e mais por indicarem, sobretudo através de seu estado material, 0 caréter de antigas, evocadoras de um tempo passado. Nesse sentido, const umentos, pois tém valor de rememoragao, mas nao monumentos hist6ricos no sentido tradicional, pois remetem simplesmente “2 re- presentac’o do tempo transcorrido desde sua criagdo, que se trai a rnossos olhos pelas marcas de sua idade.” (Riegl, 1984:45) Em suma, referem-se ao tempo, ao ciclo de criagao e morte, como experiéncia intuitiva porém difusa, comum a todos os homens. Essa percepcao dos monumentos, que j& se manifestava na obra de Rus! Riegl, um desdobramento da perspectiva histérica. Embora calcado na sensi 56 vai se difundir no século XX. Rieg! considera que, em relagao a0 culto dos monumentos, “se 0 século XIX foi 0 do valor hist6rico, 0 XX parece sero do valor de ancianidade,” pois “6 sobretudo a clara ercepsao, em toda sua pureza, do ciclo necessério da criagio e da destruicao, que agrada ao homem do século XX." (p.56) idade romantica, o valor de ai $8. © rarmmanto em rxoctsse das ciéncias historias, com a da historia das mentalidades e historlografia, quanto nas politicas de preservacao, com a ampliagao do conceito de patriménio. A difusao do valor de ancianidade teve também conseqtén- Clas importantes no trato dos monumentos relativamente & sua feigao material, ou seja, sobre as a ‘© monumento S externas a ele, sendo fundamental para sua leitura que seja mantido integro — o que jus~ ica a restauracao e mesmo eventuais recriagdes — para o valor de ancianidade, qualquer intervencao estranha ao desgaste natural é inaceitavel. Essa concep¢ao, que inspirou a Carta de Veneza, elabo- rada em 1964, se contrapde aos principios da Carta de Atenas, de 11933, fruto das idéias funcionalistas dos CIAM (Congressos Internaci- onais de Arquitetura Moderna), ™ se o conflito entre valor histérico e valor de ancianidade foi agudo no século XIX — que ficou patente na polémica entre Vi. le-Duc e Ruskin — Riegi acreditava (e antevia) que, no século. XX, essa tensio seria atenuada por uma resultante da evolucao tecnolégica: © advento das técnicas audio-visuais de reproducao, especialmente da fotografia. Numa antecipagao do potencial dessas técnicas, que Ben- jamin, décadas mais tarde, explorou em outro sentido, Riegl percebeu que, ao possibilitarem alcangar um equivalente quase perfeito dos documentos original: ando assim 0 atendimento do interesse do historiador, essas técnicas permitem um tratamento dos monumen- tos conforme as exigéncias do valor de ancianidade. Entretanto, na segunda metade do século XX, um novo im- Perativo passou a se apresentar para as politicas de patrimdnio, com Fepercussbes sobre os critérios de conservagio e de restauragao: a adequacio a um consumo cultural de massa. Essa ampliagao do consumo de bens culturais tornou mais evidentes as expect 62 Aconsreucko 90 rareimonio a estéticas, por parte desse ptiblico, quanto ao que Riegl denominou valor de novidade, que ele considerava o valor por exceléncia das massas, pois “aos olhos da multid’io, a E belo.” (p.1 ). Propostas como a de Viol do apelo ao valor de novidade como ap. Do mesmo modo, 0 interesse de vig suas paréquias, assim como 0 de prefeitos em modernizar as cidades 1gaco do valor de novidade ao valor de culturais com lais, etc. — se nas © que 6 novo e intacto antigas, eviden uso. Na mesma linha, a preocupacdo, hoje, dos ag: a mediacao — animagao cultural, recursos audio: insere no objetivo de adequar a apresentacao dos monumentos a0 acesso de um maior ntimero de receptores. “Sl Por outro lado, nao é apenas a mercantilizagao dé cultural, nem a difusao de valores da modernizagao que vao neste século, sobre as politicas de preservagao. O surgimento de novos Estados-nagbes, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, no Terceiro Mundo, e, posteriormente, a luta de grupos étnicos discrimi- nnados nos Estados nacionais por seus 1a mudangas na composicao dos patriménios histéricos e ai ida © conflito entre valor hist6rico e valor de ancianidade se dé basicamente em um meio restrito — 0 das camadas cultas, e, sobre- tudo, entre agentes diretamente ligados as priticas preservacionistas: arquitetos, historiadores, restauradores, museélogos ete., em fungao do trato do bem em sua feigao material. Jé 0 conflito entre © valor de ancianidade — que implica numa quase intocabilidade do bem e na sacralizagao de tudo que é antigo setores mais amplos da sociedade e tei extenso outras esferas das politicas desenvolvimento. icas @ a propria nogao de Em seu texto, Riegl considera também a questao do valor de uso dos monumentos segundo a perspectiva da preservacaio. Sa0 poucos 0S monumentos que estariam totalmente fora de uso atu ‘entendendo-se também como uso a exploragao turistica. A utilizagao _— dos monumentos nao é s6 um imperativo econémico, como também € essencial sua percep¢ao, mesmo quando prevalece o valor de ancianidade. Rieg! considera que “uma parte essencial desse jogo imado das forcas da naturezé ancianidade, seria irremediavelmente perdida se os homens cessassem de utilizar o monumento” (p.91). Apenas ruinas ou sitios arquelégicos se prestam & apreciagio unicamente por seu valor de ancianidade. Por esse motivo Riegl considerava, em 1903, que os co! esses valores seriam cuja percepgio determina o valor de Imente contornados. Entretanto, considero que Rieg! no viu — ou podia ver — os problemas que a mercantilizagae dos bens acrescentaria a esse quadro. A conversdo de obras de arte ef cadorias, o desenvolvimento do mercado de antiguidades e a val zagao do solo,“edificado e aedificandl, sobretudo nas grandes cidades, @ importancia, hoje, de se considerar o valor de troca na dinamica dos valores atribuidos aos bens culturais Além disso, se cor de massa (questao que, obviam veremos que os conflitos entre valar de uso (para exploracéio econd- mica), valor de novidade (para atender a uma sensil rarmos as exig@ncias atuais do turismo nao se colocava para Riegl) lade menos culta na apreciacaio dos monumentes) e valor de ancianidade se tor naram mais agudos. © prépri ico, assim como a poluigae, constituem hoje fatores destrutivos nao naturais, portanto n&o decor Fentes da ago normal do tempo, e, nesse sentido, contrariam também © imperatives do valor de ancianidade."* Por outro lado, hoje 6 ainda mais atual que no inicio do século a preocupagao de Rieg! com a mobilizagao social como fator necessério para a preservagao. Essa mobilizacao, para Riegl, nao passa pela persuasio ideolégica — e nao € por acaso que ele nao aborda a questéo do valor nacional, nem utiliza, em momento algum, o termo “patrimOni ja do saber. Diz ele: “Sera ecessério ganhar para a causa do valor hist6rico camadas sociais bem mais extensas, antes que a grande massa esteja madura para o culto do valor de ancianidade” (p.99). — mas sim pela monte 7 1a, inspirada nos ideais iluminist In: UNESCO, 1970:87), que preservagao dos monumentos de um por de-vista psico-pedagégico: A presenca de obras de arte & sempre caracterizadora de um contexto cuja historicidade manifesta. Uma vez que & 0 contexto que determina as idéias de espaco e tempo, estabelecendo uma relacdo positiva entre individuo e ambiente, descaracterizar 0 ambiente destituindo-o de suas ‘presengas antisticas tradicionais 6 uma manera de favorecer as netro- ‘ses coletivas, que se exprimem, mais tarde, em atos de rejeigao & civilizagao histérica, que vao desde 0 pequeno vandalismo e 0 banditismo organizado até os fendmenos macroscépicos de violéncia de terrorismo — e todos sabem que este 6 0 preco a ser pago polo. niio desejado triunfo da sociedade do consumo. Esse tipo de reflexdo, assim como a de Riegl, prescinde do nacionalismo para legitimar a preservaco dos bens culturais. Reto- mando a dimensio formadora dos valores cu uma cultura humanistica, Rieg! e Argan de algum modo se identificam 8 nogao ruskiniana de humanidade, e de uma demanda social funda- da em valores éticos @ estéticos para justificar a preservagao de bens culturais. Também transcendendo a idéia de nacionalidade, mas numa perspectiva politica, essa demanda tem sido traduzida, nas ltimas décadas, através da nocao de direitos culturais. ais no contexto de 2.4 A AMPLIAGAO DA NOGAO DE PATRIMONIO EA LEGITIMAGAO VIA DIREITOS CULTURAIS No século XX, ficou evidente o avanco do valor de ancianidade, que Riegl jé preconizara em 1903, e que se manifesta na ampliagdo da nogao de patrimdnio. Comegam a ser introduzidas nos patrimOnios as produgbes dos “ mas que passaram a ser 0 objeto mentalidades: 0s operarios, os camponeses, os imigrantes, as minorias Ginicas, ate. Aos bens referentes a esses grupos se acresce! produtos da era indu partir de 1945, 0 nacionalismos que bretudo as francesas, nos continentes também a se apropriar da nogo européia de patriménio. Se ¢ dificil compatibilizar a valoragao desses tipos de bens com as exigéncias tradicionais do patrimdnio, em termos de valor hist6rico e de valor artistico, foram a etnografia e a antropologia que, inicialmente, legitimaram sua incluso nesse universo semantico, reforgando disciplinarmente seu valor cultural. Entretanto, essa ampli- aco da nogao de patrimOnio, que leva & superposicao das nogées de bem patrimonial e bem cultural, e que tem, como jf fol observado, uma importante conotagao politica, ¢ objeto de critica contundente ppor parte de alguns “ideGlogos” do patriménio, como Chastel e Babelon. Para esses autores, 0 “sentido do patriménio” 6 indissociavel da de culto, de sagrado, que 56 0s grandes monumentos podem provecar. A conversio de objetos comuns em bens patrimoniais s6 serviria para na medida em que transforma esses objetos em “antiguidades”. Para Chastel © Babelon (1980:27), 0 valor etnogréfico nao € compativel com a nosao de patriménio: © objeto visual despojado assume um valor de signo comovente, indicador de uma existéncia laboriosa, revelador humano; a fazenda, 4 offcina ea loja de antigamente tormam-se agora o que haviam sido, para as geracbes anteriores a igreja, 0 sitio arqueolégico, 0 castolo. Todo 0 equipamento antigo das residéncias passa assim, para a feli- cidade dos antiquérios, para 0 setor da curiosidade. Em que medida, no entanto, esse equipamento entra no patriménio? Pela tipicidade, que se ope 4 unicidade da obra de arte, respondem os especialistas. Dofinigto que demanda uma nova abordagem, ainda nao suficiente- mente definida. O objeto e o meio formam um conjunto ligado do ponto de vista etnoldgico. Retirados do uso e da fungao, eles se dissociam. Reconhecer e preservar néio tém mais 0 mesmo sentido nem as mesmas consequéncias de antes. 73 ACONSTRUCKO BO FATRINONIO A izagae do pat @ Babelon sao profundamente céticos em relagio aos “Novos Patti- monios”, e também quanto a extensdo dessa nocio aos pafses do Terceiro Mundo, de tradi¢ao cultural distinta da crista-ocidental, Valores como monumentalidade, singularidade e excepcionalidade sao considerados por eles como fundamentals para despertar o “sentido do patrimdnio". Mas, ao criticarem a aplicacao de critérios etnogréficos!* para a selegao de bens patrimonials, ¢ ao defenderem © sentido do sagrado como “o Gnico possivel em uma época de agnosticismo” esses autores deixam de levar em conta a inescapavel dimensao politica da questao, reforgando, por outro lado, sua dimen- s80 ideolégica. ica de Chastel e Babelon esté fundada em certos prin- -a de preservagao que foram superados pelas transfor- mages sociais recentes. Em primeiro lugar, a idéia de que preserva- 80 € sindnimo de guarda de bens excepcionais, para serem objetos de contemplagao ¢ fonte de conheci s, hoje, considerada uma postura museolégica anacronica, elitista, tanto de um ponto de puramente “mercadolégico” quanto de um ponto de vista pe idéia de democratizagao do patrimdnio implica, qualquer q) perspectiva, no fato de que o Estado nao deve ser 0 Gnico ator social ase envolver com a preservagao do patriménio cultural de uma Sociedade. Do mesmo modo, a ideologia do nacionalismo que, du- iticas estatais de patriménio, ver nogao de direitos culturais como nova forma gendo substitutda pel de legitimar essas pol O3 direitos humanos funcionam atualmente, em Varios paises de democracia nio-consolidada, caso do Brasil vetores de uma luta politica pela democratizagao que se desenvolve & margem e ackma dos Estados nacionais. Essa luta se expressa nao apenas na ado da sociedade sobre os organismos estatais, por uma descentealizagao administrativa e pela consolidagao de mecanismos de representaao Politica, como também através da organizagao de associagées civis independentes, voltadas para questées espectficas (meio-arn! 74 © PATRIMONIO em PROCLSSO liberdades civis, etc). (Cf. Campitongo, 1988) ‘A nogao de cidadania envolve, atualmente, uma gama diversificada de direitos: di -05 (de primeira gerago, fun- dados no valor da liberdade) (de sogunda gerago, fundades no valor da igualdade); solidariedade (de terceira geracao, fundados no valor da fraternidade).. A diversificagao dos direitos humanos corresponde uma cres- cente particularizacao dos sujeitos a que se referem esses di hhomem, ou 0 cidaddo, enquanto identidade politica, ndo € mais es- pecificado apenas por sua nacionalidade ou classe social. Define-se também a partir de Categorias como sexo, etnia, religiao, cull De um certo ponto-de-vista, os componentes do mei flora, biosfera, etc) assumem também © status de suj em que passari a ser objeto de protecao especifica. Esse fato confirma a evidencia de que os direitos humanos sao histéricos e demonstra que sua formulagao acompanha as transformagoes socials. Diz Norberto Bobbio (1992:25) que o problema atual dos direitos humanos nao é 0 de sau fundamento, e sim o de suas garan- tias. No caso dos direitos econémices, sociais e culturais, esse aspec- to 6 mais complexo, pois nao basta seu reconhecimento juridico nem -0, que respeite as liber- ite © estabelecimento de um regime democ: dades individuais: 6 preciso que a estrut a todos os cidadios 0 acesso a esses direitos. Portanto, a real con- quista desses direitos depende de um empenho do Estado e de uma izago da opinido piblica - 0 que, na maior parte dos paises, sobretudo os menos desenvolvidos, est longe de ser alcangado. Por outro lado, € inegavel que a mencao a esses direitos em diferentes discursos — declaragGes internacionais, constituicbes naci- onais, leis, imprensa, etc. — contribui para Ihes conferir visibilidade € para converté-los em objeto de interesse politico. A expresso direitos cult constituicao soviética de 1918, mas s6 foi reconhecida, em nivel internacional, na Declaragao Universal dos Dir ONU, em 1948 (art. 22). A 1is surgiu pela primeira vez na 56 se tornou possivel depois que a instrugdo e a educacéo (esta entendida come bifdung, como formagao) passaram a ser consideradas bens necessaries a todos © no apenas como interesse de alguns." Na verdade, foram certas condigSes especificas do segundo Pés-guerra que levaram a formulagao dos direitos culturais enquanto direitos humanos. Por exemplo, ils a extingaio do colonialismo @ o surgimento de Estados inde- pendentes em dreas de colonizacao européia, que precisavam recons- truir uma cultura prépria; 23 ‘© aumento do consumo de bens culturais, em decorréncia do maior acesso a educagao formal e do desenvolvimento dos meios de reproducao técnica; iss a antropologizaao do concelto de cultura, que passou a abranger a atividade humana em geral, e as manifestacoes de qual- quer grupo humano, 0 que levou a consciéncia da necessidade de defender as culturas “primitivas”, ou “de minorias", ameagadas por culturas mais poderosas. © fato, porém, & que, até hoje, poucos tam conseguido tra- duzir a expresso js em termos de demandas definidas. A percepgao da cultura — e seria © caso de perguntar, que cultura? — como bem indispens4vel a todos os homens no se exprime, nas sociedades modernas, estratificadas @ com campos auténomos, com a mesma contundéncia que a luta pelos meios materiais de sobrevi- vencia. Por esse motivo, talvez, as tentativas de formulagses no sen tido de expl © efeito de utopias vilidas \exequiveis, © que ocorre sobretudo em sociedades como a |, marcada por tremendas desigualdades econémicas ¢ soci- ais. Além disso, € preciso lembrar que 0 concelte de cidadania no esté historicamente attelado a uma “concessio” do Estado, formatizado no que o cientista politico Wanderley Guilherme dos Santos (1987:68) denominou “cidadania regulada”, “cujas raizes en- contram-se, nao em um cédigo de tema de estratificaga ido por norma legal." Falta- olitica brasileira, um solo fértil para que se lores politicos, mas em um sis- © FATRIMONIO tm PRocEsSO possa concretizar uma pratica politica na base de uma nogao que Pressupée a crenga em um conceito de cidadania universal Para Alain Touraine (1988:442), uma das dificuldades para a implantagao da democracia na América Latina é que ela tem como Pressuposto “uma consciéncia propriamente politica de cidadania, de pertencimento a uma col ‘A luta pelos di humanos na América Latina s6 pode ser compreendida se vinculada a resisténcia ao at mo que, nos anos 70, predominava no continente. Tratava-se de uma conjuntura diferente da européia, onde ocortia um esgotamento dos modelos de Estado: © do socialismo soviético @ o do bem estar social. Dizem, a respeito, Calderén e Janlin (1987:80) (Os direitos humanos surgem junto a uma revalorizacao da democracia como construc, e néo como algo dado e preexistente. Todos aqueles valores que eram dbvios, ¢ que conformavam algo assim como um conjunto minimo de normas éticas que se davam por aceitas e além dias quais se dirigiam as lutas politicas e socials, tiveram que tomar a ser reconstrufdas, recolocadas e revalorizadas a partir da experiéncia de sua violagao sistematica pelos governos ditatorials. No caso dos direitos culturais a questo é mais complexa, sobretudo nos pafses que se originaram das coldnias européias e foram marcados pela escravidao. Esses pafses herdaram uma nogao de cul- tura duplamente restrita: no apenas em termos de classes sociais — na medida em que ndo se reconhecia, do mesmo modo que nas ‘metrépoles, o caréter de cultura as produgdes e praticas dos extratos a “verdadeira” cultura era aquela importada das metrépoles européias. ‘A nogao de direitos culturais €, portanto, nesses pafses, carente de sentido para a maior parte da populacéio, de mesmo modo que a ogo de cultura. E se, como observa Eunice R, Durham (1984:29), 72. A consraucke Do rareMoNIo pA aa cias em direitos”, 0 que pode ser visto “como um amplo processo de tos revisio ¢ redefinicao do espaco da cidadania”, no caso dos di culturais, pelo menos no Brasil, essas “necessidades e caréncias” em grande parte ainda dependem, para serem formuladas enquanto direi- tos culturais, da mediacao dos agentes estatai \clulda_na_constituigao , a no ser em casos A expressiio direitos culturais foi brasileira de 1988 (art. 215), mas, até hoj excepcionais, essa temitica nao foi incorporada as pé na forma de propostas de trabalho. Nesse sentido, os di no Brasil no passam de “direitos fracos”, meras declaragées de boas intencoes. Tema cada vez mais presente nas agendas politicas nacio- nacionais, a questo da cultura encontra, no Brasil, fortes ica, que costuma considerar (nem des muito mais prementes a serem atendidas (e também, muito pro- vavelmente, que esse tipo de discurso “nao da voto"). Aos olhos da maior parte dos politicos brasileiros esse nao é um campo propicio a0 exercicio e A afirmacao do poder e essa postura fica evidente na auséncia do tema em programas de partido e plataformas de el Por outro lado, ver se cbservando recentemente um crescente inte- resse de governos de estadas e municipios em marcar sua atuacao com iniciativas na area da cultura. A questao se torna mais complexa quando cot telectual, a difusto da ideologia do rel sa qualquer concep¢ao universalista de cul- também no mei: cultural torna problema tura ou de direitos culturais, 0 que significaria legitimar uma cultura fem detrimento de outras. Essa problemética define também as rela c6es entre paises nos organismos internacionais. A propésito, 0 cien- tista politico Paulo Sérgio Pinheiro observou, sobre a Conferéncia Mundial dos Direitos do Homem, realizada em Viena, em 1993, que “foi o embate enire os patses que reconhecem a universa- lidade dos direitos humanos ¢ aqueles que pretendem afirmar a espe- cificidade cultural de cada sociedade.” (Jornal do Brasil 1.7.93, p.11). 7a © raTRIMONIO cm PROCESO nio histé- ial se deu no ambito da formagiio dos Estados- gla do nacionalismo, sua versio atual, enquanto indica sua insergao em um contexte mais amplo temacionais — e em contextos mais restritos — © das comunidades locals. Nesse sentido, nas duas Gltimas décadas ‘essa nogdo fol ressemantizada, extrapolou 0 seu dominio tradicional, © dos Estados nacionais, ¢ passou a envolver outros atores que nao apenas burocratas e intelectuais. As modificagées na conceituacao e ‘no gerenciamento do patrimdnio enquanto objeto de pol cas indicam sua progressiva apropriacaio como tema pol da sociedade, 0 que trouxe conflitos a uma pratica tradicionalmente exercida pelo Estado, com 0 concurso de intelectuais de perfil dofi- nido, © & margém das pressdes sociais. Resumindo, se a emergéncia da nogao de p: rico e artistico naci nagoes e da ides patriménio cultur — © dos organismos Nos piéximos eapitulos, vou analisar a prética de preserva- $40 do patriménio cultural desenvotvida no Brasil, procurando, pri- meio, situé-la numa trajetéria que tem iniclo no final dos anos 30, Para, em seguida, me deter nas mudancas institucionais que ocorrem 2 partir dos anos 70, com a entrada em cena de novos atores, a adocio de uma concepgio ampla @ abrangente de cultura, 0 ensaio de novas formas de protecao e, sobretudo, uma proposta de democra- 140 da politica de patrimanio em nivel federal. © objetivo dessa analise 6 esbosar as quesises © os conflitos que emergem dessa nova orientasao, no sentido de aprender referencias para uma reflexao tanto critica quanto prospectiva, 79 AGOMSTAUCKO 90 ATRIMONIO ay © Austriaco, historiador da arte com formagao em direito e filosfla. Trabalhoudurarte \rios anosno Museu Ausirlaco de Artes Decorativas. Fol nomeado, em 1902, rasi- ‘dente da Comissio Austriaca de Monuments Histéricos, eencartegadocde elalorar ‘uma nova legislagdo para a conservagao de monuumentos. * Franets prefer honaitodo Collage France, autor de asia basset Hits Histcriad Franca e antigo conservador-chete da Saco Antiga dos Arquivos Nacio- nals. Autor de virias obras sobre hitéria e monuments da Frana. Francesa, historiacora das teorias ¢ das formas urbanase arquitetOnicas, professora ‘da Universidade de Paris Vi, > Naatividade de colonizarao emprecndida pelos europeus ern outros continentes no No Brasil pintores como Pedro Américo @ Vitor Meirelesse-vollaram, em sua atividar de artstica, para a exaltago da nacionalidade. _Asinsirudes do inventirio de 15 dedezembrode 1790 recomendavamn “a conserva- ‘sods manuscritos, mapas, solos livros, impressos, monumentosda antiguidade e ch dace Média etme cinco e ou objetos relatives Asbelasares, saris 'mecdnicas ea histérla natural, aos costumes @ usos dos povos tanto antigos como ‘modemos, frovenientes de mobilliro das casas eclesisticas ¢ que integram osbens ‘racionals” 1 Gric Hobsbawin (1964:22.23) observa que “no nos devemos deixar ongariarporum paradoxo curioso, embora compreensivel: as nagées mademas, com toda essa Jstfica porque o interesse atual da conservagao deve prevalecer sobre.o respeito ‘absoluto polo passado. ‘Aodefender a explicitago das partes restauradas (através de materiaisou cores dife- rentes, legendas indicadloras, etc.) Boito pode ser considerado 0 responsvel pola instauragaoda restauracao como disciplina, ™ Paraessa visdo abrangentede monumento deve ter contribuido sia experiancia, di rante dez anos, como diretor do departamanto de textolsdo Museu Ausrfaco de Artes Decorativas. ® Essa problemtica j vinha sendo abordada na Franga, desde o final do século XVI, ‘Por ocasiio da Querelle es Anciens etdes Modemes. (© curocentrismo comegou a ser questionado polos europeus no contacto corn os ‘estemunhos das antigas civilizacoes amerindias, asiaticas @atricanas. =O Romantismo incorporou.a ade Média, come tema @ como mativo, a seu reperts= rioestético. x PARTE 2 O PATRIMONIO NO BRASIL

You might also like