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: Cultura ou Ideologia? Lourengo Ros Presidente do Fundo Bibliogrifico de Lingua Portuguesa Reitor do Instituto Superior Polit nico e Universitario Quando aceite’ o convite para dissertar sobre o tema definido previamente para este seminario, 0 qual se referia & Lusofonia, sabia de antemao que estava num terreno polémico ¢ nada consensual, sobretudo aqui em Mogambique. Por isso, gostaria de pedir que vejam a minha intervengdo numa perspectiva de discussio académica sobre um conceito que ainda nao consolidou os seus contornos. Normalmente, quando se utiliza a expressio “Paises Luséfonos” a referéncia imediata sao os paises africanos que tém 0 portugués como lingua oficial e que por circunstancias historicas foram colénias de Portugal, tendo ascendido a independéncia na década de 70 do século XX. E por extensio, ja mais tarde, Timor Leste. Normalmente é senso comum que o Brasil e os brasileiros nao sio incluidos neste conjunto, muito menos Portugal. Ora, se no plano empirico as coisas assim se passam, € porque, do ponto de vista desse senso comum, algo se cristalizou a partir de um jogo de aproximagoes semAnticas que nos remetem a teoria de conjuntos. Quando em 1988, Itamar Franco se reuniu com os seus homdlogos em Sao Luis do Maranhao, 0 encontro nao se designou Luséfono, mas sim dos Paises de Lingua Portuguesa. Assim, também as bases para a constituigdo de uma comunidade constituida por esses Paises também nao adoptou o nome de Comunidade Luséfona, mas sim Comunidade dos Paises de Lingua Portuguesa, CPLP. Este & 0 primeiro ponto que coloco a reflexao e discussdo. Por que razio é que do ponto de vista oficial, na diplomacia e na cooperagao multilateral, jamais 0 termo lus6fono foi adoptado? E por que razio é que a nivel do discurso politico, sobretudo na relagdo entre o olhar de varios segmentos da sociedade portuguesa, este termo tem vindo a ser consagrado como sendo o de maior utilidade para identificar os espagos as gentes que historicamente jé estiveram ligados a Portugal, sobretudo. Rosario, Lourengo. Lusofonia: Cultura ou Ideologia, IV Simpésio Internacional de Lingua Portuguesa. Maputo, Maio de 2007 Marcelo Rebelo de Sousa esteve recentemente em Mocambique, no ambito de cooperagiio académica entre as universidades portuguesas € mogambicanas. Ele escandalizou meio mundo ao, pela primeira vez, assumir a postura muitas vezes pronunciada em surdina de que havia que resgatar 0 lado bom do colonialismo, fazendo justiga aqueles que, embora servidores do sistema, conseguiram dar-lhe um rosto humano. E chocou, porqué? Na justa medida de que para nés, € um dado adquirido de que 0 colonialismo € sempre mau para quem 0 sofreu e € sempre bom para quem dele beneficiou. Esta ura de aguas publicamente assumida num Pafs que foi colénia até ha pouco mais de trinta anos vem demonstrar que muitas contas esto ainda por fazer para nos entendermos no mundo dos conceitos. Para isso € que servem as discussdes. Levanto esta questio do pronunciamento de Marcelo Rebelo de Sousa para remeté-la & problemética do mito do império que habita 0 imagindrio cultural ideol6gico dos portugueses desde o século XVI. Independentemente da postura partidéria de quem quer que seja e que pode enformar o discurso, hoje na esséncia, a questio permanece inalterével. O destino dos portugueses € plasmar 0 seu ser nos quatro cantos do mundo. A histéria, em parte, confirma isso, na medida em que, a partir do século XV. Portugal tornou-se numa grande poténcia mundial, presente em todos os continentes, fazendo-se respeitar e fazendo com que a sua lingua se tornasse na lingua franca nos meandros da economia, do comércio e da diplomacia. Mesmo com o enfraquecimento do estado portugués e consequente desaparecimento desse poderio real, os portugueses interiorizaram esse designio de grandeza historica que Ihe nao permite ser contido naquele pequeno rectdngulo que constitui o seu territério. ‘A versio moderna do mito do quinto império é ensaiada através das teorias Lusotropicalistas sistematizadas por Gilberto Freyre, que, do meu ponto de vista, séo bem mais antigas, as quais aparecem em alguns pronunciamentos, principalmente nos debates sobre a questo ultramarina, no século XIX, um pouco por consequéncia da independéncia do Brasil. O Lusotropicalismo nfo ¢ somente uma teoria socioldgica. Quanto a mim, uma tentativa de dar rosto cientifico a um pressuposto ideolégico. Por isso os estrategas do Estado Novo acolheram com muito entusiasmo o discurso lusotropicalista. Rosério, Lourengo. Lusofonia: Cultura ou Ideologia. 1V Simpésio Internacional de Lingua Portuguesa. Maputo, Maio de 2007 O primeiro grande golpe sobre o mito do império ¢ dado no inicio da década de 60, com a saida pouco gloriosa de Portugal dos territérios ¢ coldnias da India. A rendi¢ao rico dos herdis do mar, nobre povo € nagao valente itar bateu fundo no orgulho hist Mais do que o Ultimato Inglés dos anos 90 do século XIX, a perda de Goa, Damio ¢ Diu da, criada e deixada por Dom Joao Hl. constituia a primeira machadada na heranga sonha mera coincidéncia, Gilberto Freyre Quero lembrar aqui, que pouco tempo antes no por fora héspede convidado de Salazar, naqueles territérios, onde foi buscar mais subsidios para consubstanciar as suas teorias lusotropicalistas, ido de Cabo verde. Nessa mesma década, a de 60 do século XX, 0s movimentos nacionalistas de e Mogambique iniciavam a Luta Armada de Libertagao, designada Angola, Guiné-Bissau inicialmente por Salazar de campanha: por Marcelo Caetano, ¢ Guerra colonial , apos 0 25 s de Africa contra o terrorismo, baptizada depois de campanha contra 0 comunismo, de Abril. ‘Até meados de 70 do século XX e no limiar das independéncias das colénias afticanas, jamais alguém utilizou o conceito luséfono ou lusofonia para se referir ao que quer que fosse. Esta € a segunda questo que ponho a discussio. Por que razéo ¢ que s6 depois das independéncias emerge de uma forma evidente este conceito? ‘A década de 60 do século passado é conhecida por década de Africa, A maior parte das colonias africanas da Gra-Bretanha e Franga tornaram-se estados independentes na primeira metade dessa década. Os interesses politicos e sobretudo econémicos fizeram. com que as ex-poténcias coloniais desenhassem uma estratégia de continuidade com outra. roupagem. Quer isto dizer que, ao colonialismo classico se seguia o panorama neocolonial. E uma das configuragées que esse novo modelo tomou foi o de comunidade linguistica. Assim nasceram as comunidades francéfona e anglofona. Contudo, um olhar mais atento ha de provar-nos que a lingua como factor de formagao das comunidades em aprego nfo passava de um pretexto. A Franga, por exemplo, manteve a sua presenga ostensivamente, indo da moeda até a presenga militar, através da Legitio Francesa, com 0 tinico fito de salvaguardar os seus interesses. A francofonia e anglofonia é sobretudo um produto neo-colonial. Rosério, Lourengo. Lusofonia: Cultura ou Ideologia. IV Simpésio Internacional de Lingua Portuguesa. Maputo, Maio de 2007 Este Sta € a terceira questo. que ponho a discussao, sera por aproximacio designagdo destas duas comunidades que se_ foi buscar o term : » lusofonia? Se assim foi tera havido 0 © do 0 cuidado de se reflectir sobre as diferengas dos factores? As ExPressdes no valem por si. Valem sobretudo pelo alcance que tém ¢ pela Solidez dos factores que thes deram origem. Assim, se quisermos ver legitimado 0 Concelto que a expressdo Lusofonia contém, devemos ir a fundo na busca dos seus referenciais. Se assim nao acontecer, reduziremos 0 seu aleance a um mero exercicio de ret6rica politica, banalizando-se o seu significado. Uma das grandes discussdes que ainda divide os integrantes das estruturas do Instituto Internacional de Lingua Portuguesa, com sede em Cabo Verde, reside precisamente no facto de os representantes portugueses com a neutralidade cumplice dos brasileiros considerarem que aquela instituigdo deve velar essencialmente 0s interesses € defesa da lingua portuguesa, denominador comum dos paises nele representados. Os africanos procuram lembrar aos seus parceiros que 0 panorama linguistico dos trés paises africanos continentais ¢ Timor Leste ¢ de diversidade linguistica. E se o Instituto € uma instituigéo que emana da CPLP. nao faz sentido que essa realidade seja derrogada daquela estncia para uma outra com o mesmo fim. Se a lingua portuguesa é 0 sedimento do edificio luséfono, entdo esse edificio teré muitas rachas em que se infiltraré a realidade linguistica desses quatro paises € porque no também os crioulos de Cabo Verde ¢ Sao Tomé e Principe. O impasse tem praticamente paralisado 0 HILP que nao consegue encontrar s jdas © 0s poucos projectos alternativos nao avangam por falta de vigor. ‘A quarta questiio que ponho a discussio é, sendo os paises africanos, na sua generalidade, incluindo os de lingua oficial portuguesa, de origem colonial, mas com uma realidade sdcio-cultural bipolar, pela natureza da adversidade etno-linguistica, com que legitimidade os poderemos designar de Jus6fonos? Se formos pela via da lingua ou pela Rosario, Lourengo. Lusofonia: Cultura ou Ideologia. [V Simpdsio Internacional de [.ingua Portuguesa. Maputo, Maio de 2007 "card subtraidos desse desiderato, referencia, Se formos.pelas razbes de a iasmo que um discipulo sente quando egra a equi eI equipa do Mestre. O Prof. Doutor Fernando Cristévao é actualmente um dos Poucos académicos portugueses que tratam a questo das relagdes culturais entre os Paises falantes do Portugués com muita seriedade € respeito. As suas intervengdes sfio Pautadas pelos critérios de rigor intelectual, ponderagdo ¢ respeito pela diferenca de ideias e opinido. O seu verbete sobre o conceito Lusofonia e a sua fala no acto de apresentag&o da obra confirmam o que acabo de referir. Quero pois render a minha homenagem a postura integra deste Catedratico, convidando a todos para revisitarem 0 que no dito diciondrio diz o Professor acerca da Lusofonia e integrar 0 texto na discussao que venho propondo. II Na primeira metade dos anos 60 do século passado, como aqui ja referi, aconteceram as independéncias de inimeros paises africanos, colénias da Franga e da Gra Bretanha, mas foi também o inicio da queda do império colonial portugués, tendo comegado com a queda de Goa, Damio e Diu, chamadas entdo de Estado da india, bem como 0 inicio da Luta Armada de Libertagao Nacional de Angola, Guiné e Mogambique. O Almirante Sarmento Rodrigues, entio Governador Geral da Colonia de Mogambique , mandou publicar e espalhar pelo territério um panfleto com um slogan politico que na altura, adolescente, nao descortinava o alcance. Esse slogan rezava o seguinte: “ Mogambique sé é Mocambique, porque ¢ Portugal.: Hoje tenho revisitado esse slogan nas minhas aulas da disciplina de Historia das Ideias. Sendo Mogambique um Pais de origem colonial, nas circunsténcias € no contexto em que o slogan foi produzido era verdadeira Rosario, Lourengo, Lusofonia: Cultura ou Ideologia. IV Simpésio Internacional de Lingua Portuguesa. Maputo, Maio de 2007 @ acepco de que M, aN yma, lovambique devia a sua Origem a Portugal © naquele momento estava Portuguesa. isto ¢ . ra UM terTitério portugues. Mas o slogan comém uma dimensio semantica ¢ ide r = : ntronca no grande designio de Nagao na e Indivisivel, do Minho a Timor. Vol Império. Dai que. a diversidade turbuléncia fosse tamos a uma das formas de Icitura do Mito do Etnica © Linguistica dos povos dos territérios em Vista como aliada da portucalidade, na medida em que sem este factor, a desintegragao seria inevitavel, © Prof. Doutor Femando Cristovao que prefere prudentemente defender uma repiblica baseada na lingua, insiste numa ideia a qual também partitho, que essa replica da lingua nao deve ignorar aquela realidade de diversidade étnica € linguistica Contudo, © impasse que se vive no IILP sobre esta matéria, testemunha o mar de ambiguidades em que vivemos, por auséncia de debate aprofundado sobre estas questoes, Nao € 0 termo em si, Lusofonia, que transporta as ambiguidades, pois desde a altura das independéncias que se busca uma expresso consensual realidade emergente: PALOP, PAEP, PAL. que designe a A falta de consenso resulta do défice espistemologico que por consequéncia niio cobre as zonas cinzentas que os espiritos inquictos querem ver esclarecidos. A terminar, apenas uma constatagio que exige reflexdo. A Africa do Sul ¢ Portugal festejaram Bartolomeu Dias, as Américas do Norte, Centro ¢ Sul ¢ festejaram Cristovao Colombo, o Brasil ¢ P. Espanha ortugal festejaram Pedro Alvares Cabral, por que razio Mogambique ¢ india nao festejaram com Portugal Vasco da Gama, simbolo maior da saga portuguesa no que toca a epopéia da Expansito Maritima? Fago parte dos que tém 0 espirito inquieto sobre esta questio. Lusofonia: Cultura ou Ideologia? Muito obrigado! Roséirio, Lourengo, Lusofonia; Cultura ou Ideologia. IV Simposio Internacional de Lingua Portuguesa. Maputo, Maio de 2007

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