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DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO Cintia Vieira da Silva* O anti-Edipo é um texto de extrema importancia para 0 desenvol- vimento de uma pesquisa a propésito do conceito de desejo na filosofia de Gilles Deleuze, por este encontrar-se af formulado, pela primeira vez, de mancira radicalmente diferente da psicana- litica.1 O livro constitui um esforgo de construir um conceito de desejo como produgao puramente afirmativa e real, ou seja, uma produgao que nao pressup6e qualquer falta originaria e cujo pro- duto nao se restringe ao fantastico ou fantasmiatico. Para tanto, os autores procuram mostrar, antes de mais nada, como 0 desejo investe desde sempre todo o campo social, nao se limitando a fa- milia nem mesmo durante a mais tenra infancia. Através da distingdo entre desejo — ligado a um inconsciente de afectos e nado de imagens — e interesse, consciente ou pré-cons- ciente, Deleuze e Guattari conseguem captar os acontecimentos de maio de 68 de modo n&o reducionista, para pensar a politica, © social, prescindindo das categorias de infra-estrutura e ideolo- gia. Além disso, ha, nesse texto, a realizagado de uma tarefa criti- ca, que éa de analisar as “condig6es de instauragao e de reprodu- ¢40”2 de Edipo como complexo psicanalitico. O anti-Edipo, con- tudo, nao é um livro apenas escrito contra, mas contrapée-se a concepgo de desejo proposta pela psicanalise de maneira geral, na medida em que esta se consolida como a forma mais acabada de concepgdo do desejo como engendrado pela falta. * Doutoranda em filosofia, IFcH-UNICAMP. 27 CINTIA VIEIRA DA SILVA Aempresa de Deleuze e Guattari, embora esteja relacionada aos acontecimentos de maio de 68 e a todo 0 ambiente teérico daquela época, contraria uma certa tendéncia entao em voga, que consistia em tentativas de sintese entre Freud e Marx. Tais tenta- tivas reservavam o aspecto propriamente econ6mico para uma andlise marxista, enquanto a inspiragdo freudiana serviria para a andlise da economia libidinal, de tudo aquilo que se pensasse estar ligado ao desejo. Na elaboragao conceitual de O anti-Edipo hd um esforgo para pensar ambos os aspectos — socioeconémico e de desejo — como casos de produgao, funcionando segundo re- gimes diferentes. Relacionando o livro a maio de 68, Guattari diz que a inquie- tagao diante do desfecho de toda aquela agitag4o politica os le- vou, ele e Deleuze, a “considerar que na altura desses periodos cruciais qualquer coisa da ordem do desejo se manifestou 4 es- cala do conjunto da sociedade, e depois foi reprimido, tanto pelas forgas do poder como pelos partidos e sindicatos ditos operarios e, até um certo ponto, pelas préprias organizagGes esquerdistas”? Para delinear melhor a implicagdo entre esses acontecimentos e O anti-Edipo, pode-se recorrer a um debate entre Foucault e Deleuze* Quando se fala em teoria do desejo, no caso de uma filosofia como a de Deleuze, que visa 4 imanéncia, ganha-se muito em en- tender de maneira renovada as relagGes entre teoria e pratica. No mencionado debate com Foucault, Deleuze diz que “a pratica é um conjunto de revezamentos de um ponto teérico a outro, e a teo- ria, um revezamento de uma pratica a outra”,’ sendo que tais tran- sigdes nao se fazem por semelhanga, mas por choques com obsté- culos do real, que impulsionam agées novas e diferentes, na prati- ca ena teoria. Desse ponto de vista, o intelectual nao é aquele que poderia representar as massas, falando em nome delas e apontando a verdade que elas desconhecem a respeito da prépria pratica, cons- truindo, por fim, um discurso capaz de totalizar um conjunto de 28 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO praticas isoladas. Quando um intelectual concebe o préprio tra- balho teérico como luta pela “tomada do poder” e nao se consi- dera representante de uma suposta massa ignara, a teoria torna- se também uma pratica “local e regional”, como diz Foucault. Mas se, para pensar o social, coloca-se em jogo a nogao de poder, depara-se de imediato com a questao de quem o exerce. Para um certo marxismo, “o poder é detido por uma classe do- minante definida pelos seus interesses”. Semelhante andlise, con- tudo, revela-se insuficiente quando esbarra na seguinte questao, indicada por Deleuze: como explicar que pessoas cujos interes- ses no sGio os mesmos que os de uma suposta classe dominante “abracem estreitamente o poder, do qual mendigam uma parce- la?” E também para dar conta dessa questao que Deleuze propée, com Guattari, que se leve em conta 0 desejo. Ao considerar os in- vestimentos de desejo como determinantes — no aspecto econé- mico ou inconsciente, numa palavra, na politica, entendida como campo da agao humana de qualquer espécie, campo da produgao e ocorréncia de acontecimentos —, torna-se possivel pensar o po- der como difuso por todo 0 social, pois, entao, pode-se dizer que so “os investimentos de desejo que modelam o poder e o difundem”,” 0 que faz com que a natureza do poder seja a mesma em todas as ins- tancias hierdrquicas. Guattari explicita, em uma entrevista, o encaminhamento dessas questées para as formulagées presentes em O anti-Edipo. A partir “da idéia de que nao se deveria considerar 0 desejo como uma superestrutura subjetiva”, posto que “no cessa de trabalhar a historia”, coloca-se a quest4o a respeito das condigdes em que “o desejo das massas pode voltar-se contra os seus proprios inte- resses”. A resposta nao poderia vir de uma simples jungao entre freudismo e “marxismo-leninismo”, dadas as ressalvas feitas a certos pressupostos de ambas as teorias. Para Guattari, seria pre- ciso livrar-se da hierarquizagdo “entre uma infra-estrutura opa- 29 CINTIA VIEIRA DA SILVA ca e superestruturas sociais e ideolégicas concebidas de tal modo que recalcam as questées do sexo e da enunciagio para o lado da representagao, o mais afastado possivel da produgao0”. Mas, quan- do se pensa também o desejo como produgao, fazendo-o passar “para o lado da infra-estrutura”, “enquanto se fara passar a fami- lia, o eu ea pessoa para o lado da anti-produgio”,* pode-se garan- tir que nao haja separagdo entre sexual e econémico. Guattari e Deleuze, e também Foucault, nao sao os tinicosa manifestar descontentamento com as categorias de infra-estrutura e superestrutura. Assim, a tentativa de escapar a essa organiza¢gao de “dispositivos segundo o alto e o baixo”? € um dos aspectos que faz com que O anti-Edipo seja recebido com entusiasmo por al- guns intelectuais, como Lyotard. Em seu artigo, ressalta que “a hipétese infra/super” requer a suposi¢gao de que o social seja uma “totalidade organica” dada, ou “pelo menos captavel e analis4- vel”. Mas 0 todo nao é dado, a sociedade nao é uma totalidade unificada, mas deslocamentos e metamorfoses de energia que ndo cessam de de- compor e recompor subconjuntos, e de estender estes conjuntos tanto do lado do funcionamento perverso-esquizo dos érgaos e ob- jetos parciais, como do lado do funcionamento paranéico-neuré. tico do grande significante ausente.'!° Pode-se dizer que, se o social funciona como um todo, este seria produzido por disjungao de elementos dispares. Quando se inclui o desejo, como instancia produtiva, em uma anilise politica, evita-se também um certo paternalismo que consistiria em acreditar que as “classes dominadas” agiriam con- tra seus interesses, conduzidas pelo poder das “classes dominan- tes”. Esse tipo de pensamento parece trazer consigo uma enor- me descrenga na capacidade dessas supostas classes dominadas de discernir o que seria bom para si préprias, colocando-as como 30 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO massa de manobra para uma igualmente suposta classe dominan- te, interessada no préprio lucro e, esta sim, capaz de calcular, acu- radamente, os meios para obter a realizacao de seus fins. Em tal panorama, uma mudanga efetiva s6 poderia ocorrer se um lider bem intencionado fosse capaz de esclarecer as massas a respeito de sua condigao de dominadas, levando-as, assim, a revolta. Ora, tal figura de lider faria exatamente aquele papel que Foucault e Deleuze dizem nao achar vidvel para o intelectual. Mas, quando se pensa que o desejo determina até mesmo 0s interesses, 0 esforgo passa a ser descobrir como ele pode funcionar para levar pessoas a agir de maneira, aparentemente, contrdria a seus interesses, che- gando-se ao ponto de dissolver essa aparéncia de contradigao. Em O anti-Edipo nao ha separagio entre libidinal e econé- mico, pois a energia investida no social no precisa ser dessexuali- zada ou sublimada para fazé-lo. O inconsciente é descrito, por- tanto, apenas economicamente, sem reconciliagao com a topo- logia freudiana, nem distinga4o qualitativa entre politico e libi- dinal. A partir disso, Deleuze pode argumentar'! em favor da critica que Marx faz a economia politica de Ricardo — critica essa retomada por Foucault em As palavras e as coisas —, sustentando que Freud teria realizado algo semelhante na invengao da psica- nalise. A andlise econémica de Ricardo nao remete mais a qual- quer representagdo objetiva, mas a atividade de produzir em ge- ral, irredutivel ao dominio representativo, perpassando, contudo, o dominio da representagdo. Mas o trabalho abstrato, como ati- vidade subjetiva de produzir, é imediatamente realienado, nao mais nos estados de coisas objetivos (a terra, por exemplo), mas nas condigées determinadas pela propriedade privada. A opera- g4o de Freud consistiria, por sua vez, em colocar a libido como “esséncia abstrata do desejo”,'? como atividade de desejar em ge- ral, que é, igualmente, realienada ao ser determinada segundo as condigées da familia. 31 CINTIA VIEIRA DA SILVA Apesar dessa inspiragao marxista, nao ha retorno a Marx, no sentido de uma visao evolucionista da histéria, que condicio- nasse a explicagao das diferentes sociedades e a passagem de uma a outra, como observa Pierre Clastres.'? Partindo da distingao en- tre selvagens, barbaros e civilizados, ou seja, do que constitui “o objeto habitual dos etndlogos”,'* Deleuze e Guattari teriam con- seguido “pensar a passagem da selvajaria para a barbarie”, o que era impossivel para o marxismo, j4 que “nada nas maquinas terri- toriais”, ou seja, nas sociedades ditas selvagens, poderia anunciar “o que vird a seguir: nem casta, nem classe, nem sequer trabalho (se 0 trabalho é por esséncia alienado)” .15 Mas 0 que, entao, teria permitido que Deleuze e Guattari explicassem essa transformagdo entre dois tipos diferentes de sociedade? Para Clastres, teria sido sua “teoria do Urstaat”, que supde que o Estado teria existido desde sempre, “mesmo no mais mintsculo bando de cagadores-némades”. Mas as sociedades ditas primitivas, na sua codificagao do “fluxo do poder”, funcio- nariam de modo a conjurar permanentemente a realizagao desse “Estado latente”," o que s6 poderia falhar, dando lugar ao apa- recimento de um regime despético, pela agao de um elemento vindo do exterior de uma dada sociedade sem classe. Tal con- cepgdo faz com que O anti-Edipo apresente novidades para os estudos etnograficos, teorizando “a propésito dos selvagens e dos Barbaros o que até agora os etndlogos nao tinham escrito”. Essa novidade, segundo Clastres, se ap6ia em Nietzsche, assim “o primado da genealogia da divida” sobre “o estrutu- ralismo da troca”, que po-deria provocar “reticéncias”"” por como parte dos etndlogos, acostumados a supor exatamente o contra- rio. Mas, para abordar esses aspectos de inspiragao nietzschia- na, € preciso expor, resumidamente, o que Deleuze e Guattari dizem a respeito do funcionamento das sociedades, ou maqui- nas sociais. 32 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIpo Em todas as sociedades anteriores a capitalista, o problema em pauta seria o de codificar e territorializar os fluxos, marcando as pessoas. Tal procedimento definiria posigées na intercessio ou no corte desses fluxos, constituindo as pessoas “ponto de partida para uma produgao de fluxo, ponto de chegada para uma recep- cdo de fluxo” ou “uma intersegao de varios fluxos”.'® Na tenta- tiva de definir fluxo, Deleuze supde uma organizagao social de- sempenhando “o papel de corpo pleno”,! ou socius, e 0 escoa- mento de fluxos de um pélo a outro. Tais pdlos funcionam como “interceptores de fluxo”,2° referindo-o a um sistema contavel, ou axiomatica, que substitui o cédigo. Uma axiomatica é “a repre- sentagao finita de um processo infinito”, uma “operagao de fi- nitude que trabalha sobre uma matéria infinita”.2! No trajeto de um polo a outro, o fluxo sofre transformagées de ordem material ou juridica. Tomado como pertencente a um dos pélos, o fluxo constitui um estoque ligado a diferentes setores. Toda essa ana- lise, inspirada no economista Daniel Entier, é resumida por De- leuze na nog4o de corte—fluxo. Deve-se ressaltar, contudo, que cédigo (ou axiomatica) e flu- xo seriam coexistentes, ndo havendo prioridade légica ou tem- poral de um em relag4o a outro. Assim, qualquer sociedade pres- suporia uma determinada regulagao dos fluxos ou, melhor dizen- do, seria uma regulagdo tal — operando por cédigo ou axioma- tica — que permitiria qualificar determinado grupo humano co- mo sociedade. O funcionamento de uma sociedade pré-capitalista supunha uma alta capacidade de codificagao ou, entao, que nao apareces- sem elementos que escapassem 4 sua codificagao. Ora, a diferenga do capitalismo em relagao as formas sociais que o precederam é que ele se estabelece como uma axiomatica. O problema deslo- ca-se da codificagao dos fluxos para a criagao de um mecanismo social capaz de operar com fluxos descodificados. Assim, no ca- 33 CINTIA VIEIRA DA SILVA pitalismo, cada elemento novo, ndo-codificavel de inicio, pode suscitar um novo axioma que garante seu funcionamento incluin- do tal elemento. Dessa maneira, quando se pensa o funcionamento do capita- lismo como axiomatico, encontra-se o que, precisamente, permi- tiu que o capitalismo se constituisse a partir dos fluxos descodi- ficados, que eram os elementos sempre conjurados nas outras for- mag6es sociais; em outras palavras, “o que era 0 negativo de todas as formag6es” se torna “a positividade mesma de nossa formagao”. Esse € 0 ponto que permite aproximar capitalismo e esqui- zofrenia, isto €, ambos “nao cessam de fazer passar, de emitir, de interceptar, de concentrar fluxos descodificados e desterritoria- lizados”*? segundo uma axiomatica. Assim, quanto ao processo econémico, capitalismo e esquizofrenia aproximam-se; contudo ha uma diferenga de regime entre os dois. No caso da situagao capi- talista, ha sempre a inveng4o de territorialidades “artificiais” — por exemplo, a familia — que recordam e invocam um cédigo, sem que ele se estabelega efetivamente no funcionamento da ma- quina social. Mas, antes de retomarmos a andlise que Deleuze e Guattari fazem da sociedade capitalista, poderiamos deter-nos um pouco mais no funcionamento das outras maquinas sociais. Ora, as ma- quinas sociais agem, antes de mais nada, codificando os fluxos e provocando reterritorializagdes. Para os autores, ha trés tipos de maquina social: a territorial primitiva, a barbara despotica ea ca- pitalista civilizada. Cada uma delas funciona segundo um regime proprio e se relaciona, portanto, de maneira diferente com as ma- quinas desejantes. Na maquina primitiva, a terra € 0 motor imével e 0 corpo pleno que se rebate sobre a produg4o e no qual ela é inscrita. So- bre ela sao registrados os meios e as forcas de trabalho e distri- buidos os agentes e produtos. Assim, a operag4o principal da 34 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O AnTI-EpiPo maquina territorial primitiva € marcar os corpos, constituindo neles uma memoria que codifica os fluxos, “uma meméria de palavras e nao de coisas, uma meméria de signos ¢ jd nao de efei- tos”, tragada por “um sistema da crueldade”.?> Talvez o “recal- camento social” realizado em tal sistema permita que “os c6di- gos primitivos” — que organizam “os fluxos do desejo” segundo o “sistema da crueldade — “mantenham muito mais afinidade com as maquinas desejantes do que a axiomatica capitalista que, no entanto, liberta fluxos descodificados”. Isso porque, no sis- tema da crueldade, “o desejo ainda nao esté armadilhado, intro- duzido num conjunto de impasses, e os fluxos ainda nao perderam nada da sua plurivocidade”.** Além disso, a divida, que esta na base da economia primi- tiva, ainda é finita. Para Nietzsche, a mais elementar forma de re- lado numa comunidade seria aquela entre credor e devedor, rela- ao essa que estaria na origem remota do sentimento de culpa. Assim, por considerarem a implicagao entre a inscrigdo operada pelo cédigo primitivo e a divida mais importante que a troca, Deleuze e Guattari langam mao da genealogia da moral nietzschiana para analisar as sociedades primitivas, pois Nietzsche teria sabido co- locar “o problema fundamental do socius primitivo” da maneira mais “pertinente”.?* A inscri¢ao primitiva constitui um “sistema da divida” que coloca em jogo trés elementos: a “voz que fala ou salmodia”, 0 “signo marcado na prépria carne” e o “o olho que tira prazer da dor”, que constituem “blocos de divida abertos, méveis e fi- nitos”.26 © castigo, ou a marca, de acordo com esse funciona- mento, propicia que “o olho” retire “da dor que contempla uma mais-valia de cédigo que compensa a relagdo cortada entre a voz de alianga a que o criminoso se furtou e a marca que nao pene- trou suficientemente no seu corpo”, restabelecendo a “ruptura de conexdo fono-grafica”?’ realizada no crime. Assim, 0 socius 35 CINTIA VIEIRA DA SILVA primitivo é capaz de prever tudo, codificar tudo, menos a chegada do déspota, que traz consigo a instauragao de uma nova maquina. Na maquina barbara despética, o corpo pleno do déspota toma o lugar que era da terra, impondo “uma nova alianga” e colocando-se “em filiagao direta com o deus”.?® Ha uma so- brecodificagao dos fluxos, pois o novo corpo pleno desterrito- rializado conserva as territorialidades anteriores. O Estado cria uma segunda inscrigdo. E nesse sentido que Deleuze e Guattari falam de um significante despotico, que é signo de signo, fruto de sobrecodificagao. Mas 0 que nos interessa m: quina capitalista civilizada e as maquinas desejantes, porque € nessa sociedade que a captura do desejo foi mais bem sucedida, dada a maior facilidade da axiomatica capitalista em incorporar elementos que seriam rebeldes a codificagao, além de ter sido nela que se instaurou a figura de Edipo como complexo, com a circuns- crigdo do desejo na territorialidade criada pela familia nuclear. de perto é a relagao entre a mé- A maquina capitalista funciona nao por codificagdes, mas por uma axiomatica das quantidades abstratas. O corpo pleno do capital é diretamente econémico; por isso, nado ha necessi- dade da intervengdo de outros fatores extra~econémicos que for- mem um cédigo. A axiomatica nunca se satura, sempre pode en- globar mais um axioma. As pessoas sao concretas na medida em que as quantidades abstratas, que sao marcadas, tornam-se con- cretas. A familia, aqui, é apenas imagem da imagem do capital. As imagens sociais sao rebatidas sobre as imagens familiares, nas quais o desejo fica aprisionado. O Edipo, representante deslo- cado, torna-se o representante do desejo. O capitalismo, assim como 0 processo esquizofrénico de produgao de maquinas dese- jantes, funciona por descodificagao e desterritorializagdo, mas a diferenga é que o regime da maquina capitalista se reporta as di- mens6es molares (operando reterritorializagGes), ao passo que as 36 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO maquinas desejantes dizem respeito ao molecular e ao micro, as “micro-multiplicidades”.?? Isso permite que toda investigagao a propésito do desejo possa partir apenas de uma pergunta pelo funcionamento (sem qualquer interesse pelo significado), j4 que, em escala micro, nao ha necessidade de distingao entre modo de formagao e de funcionamento, pois as micromaquinas nao podem ser qualificadas de acordo com os elementos que as compéem. Uma vez que nao se pode qualificar uma maquina desejante como maquina lingiiistica, por exemplo, ja que “ha elementos lingiiisticos” em todas as maquinas, a nogao de significante per- de completamente a utilidade. Conforme Guattari, “o signifi- cante” é “ uma entidade difusa que rebate tudo sobre uma ma quina de escrita desusada”, que opée “significante e significado” de maneira “exclusiva e obrigatoria”, estabelecendo a primazia, ou o “imperialismo” do significante, assim como na “sobreco- dificagdo despética”.>° E preciso deixar claro que maquina, para Deleuze e Guattari, nao é uma metdfora, pois a definem como um sistema de cortes que visa a relagdo das m4quinas (desejantes ou sociais) com o fluxo continuo de realidade. Contudo, as maquinas desejantes sao distintas das maquinas técnicas, pois a maquina técnica opera em regime de confluéncia funcional das partes em relacdo ao todo. Na maquina desejante, ao contrario, as partes funcionam em con- junto, mas em perpétuos desarranjo e disjungao. Nessa perspec- tiva, nao ha oposigdo entre maquina, homem e natureza. A dis- tingdo pertinente, nesse caso, seria entre “maquinismo” e “meca- nismo” — este ultimo designando “certos procedimentos de certas maquinas técnicas”, “ou entao uma certa organizagao de um orga- nismo”, enquanto o primeiro estaria reservado a “qualquer sis- tema de corte de fluxo que supera simultaneamente o mecanismo da técnica e a organizacao do organismo, quer seja na natureza, na sociedade ou no homem”.*! 37 CINTIA VIEIRA DA SILVA Deve-se dizer também de que maneira 0 corpo sem 6rgios pode ser considerado um todo em relagdo As mAquinas desejantes. HA processos de totalizagao e unificagao; mas de tal modo que o corpo sem 6rgaos aparece como um todo ao lado dos érgios desterritorializados, ou seja, subtraidos 4 organizagao do corpo como organismo, e das partes que compéem as maquinas dese- jantes. As partes unem-se numa sintese disjuntiva em que os ele- mentos estao juntos exatamente por nado pressuporem qualquer ligacao necessdria, unidos por suas diferengas.*? Segundo Deleuze, a psicandlise insere-se precisamente na ten- tativa de reterritorializagao que ocorre no capitalismo, confor- me fal4vamos anteriormente, na construgao de um cédigo e de um territério, limitando o desejo e os investimentos libidinais a familia. Por um lado, a psicandlise € um método de decodificagao, opondo-se, assim, ao cédigo. Mas, ao mesmo tempo em que ope- ra uma “descodificagao absoluta”,?? submete o inconsciente ao cédigo edipiano a partir do qual o desejo sera interpretado. A recusa do referencial psicanalitico, em O anti-Edipo, de- pende de uma concep¢do de inconsciente como instancia que pro- duz por sinteses. Tais sinteses, embora dependam de uma certa leitura de Kant, como as sinteses que aparecem em Diferenga e repeti¢ao, nao estao mais condicionadas ao problema do tempo. A “aproximagdo tempo-inconsciente” era o resultado de um tra- jeto que ia “do conceito deleuziano de ‘repeticao””, que, passando pelo “problema das ‘sinteses do tempo’”, “desemboca na apresen- tacdo das trés sinteses passivas do inconsciente”.*4 Em O anti-Edipo, a apresentagao das sinteses parte de uma pergunta de estilo kantiano: quais sao os usos legitimos das sinte- ses do inconsciente? A resposta a essa pergunta leva a uma critica do inconsciente, no sentido kantiano do termo, e a um questio- namento da psicandlise tanto como teoria quanto como pratica de cura. 38 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO A “revolugao critica” kantiana “propunha-se” estabelecer “critérios imanentes ao conhecimento para distinguir 0 uso le- gitimo e o uso ilegitimo da sintese da consciéncia. Em nome de uma filosofia transcendental (imanéncia de critérios) denunciava, pois, © uso transcendente das sinteses que a metafisica fazia”. Ora, 0 complexo de Edipo seria a “metafisica” da psicandlise. Assim, para uma revolugao, agora materialista, impée-se a “critica do Edipo, denunciando o uso ilegitimo das sinteses do inconsciente que a psicandlise edipiana faz” para delimitar “um inconscien- te transcendental definido pela imanéncia dos seus critérios, e uma pratica correspondente como esquizo-andlise”.»5 Mas, apesar dessa parcial retomada da perspectiva critica, Deleuze e Guattari recusam a definigdo kantiana de desejo. Kant, ao definir 0 desejo, na Critica da faculdade de julgar, como “a faculdade de ser pelas suas representagées causa da realidade dos objetos destas representacgdes”,** teria colocado o desejo ao lado da aquisi¢ao, a partir da distingdo platénica entre produgao e aquisig¢ao. A produgao desejante, apesar de nao totalmente im- pensvel em tal perspectiva, engendraria apenas fantasmas, rea- lidade psiquica. Este seria propriamente o desejo explorado pela psicandlise, produtor de fantasmas. O objeto fantasmatico é pro- duzido, no entanto, apenas segundo uma esséncia da falta; a rea- lidade desse objeto é apenas um “por tras” do objeto real. Assim, © desejo é pensado como estando apoiado na necessidade, cuja relagdo com o objeto é sempre de falta. Na teoria freudiana é assim desde o Projeto para uma psicologia, de 1895. Ea vivéncia de satisfagdo da fome que cria 0 circuito do desejo e lhe serve de modelo. Mas, se os autores falam em méquinas desejantes, é justa- mente por inscreverem o desejo na produgio real; nao ha falta de objeto, pois hé multiplicidade de conexdes. Em contrapartida, nao ha sujeito fixo. As necessidades é que so pensadas como de- 39 CINTIA VIEIRA DA SILVA rivadas do desejo, sendo, assim como a falta, posteriores a pro- dugao e, conseqiientemente, ao desejo. Falavamos da preocupagao kantiana de Deleuze e Guattari em delimitar 0 uso legitimo das sinteses do inconsciente, mostran- do ao mesmo tempo que a psicandlise faz um uso transcendente e, portanto, ilegitimo dessas sinteses. Mas € preciso dizer que, em- bora os autores comecem sua investigagao por uma pergunta de estilo kantiano, sua concep¢ao de sintese se afasta da perspecti- va de Kant. Desde Diferenca e repetigao, Deleuze salientava que, para Kant, uma sintese pressupde sempre a atividade do sujeito. As sinteses do inconsciente, porém, so passivas, conforme vimos no primeiro capitulo. Esse carater passivo das sinteses do inconsciente faz com que elas nado dependam da sustentagao de um “eu penso”, de uma consciéncia. Assim, ha trés tipos de sintese no inconsciente: a sintese conectiva de produgao, a sintese disjuntiva de registro e a sintese conjuntiva de consumo. Procuraremos defini-las para, em seguida, apresentar os paralogismos em que a psicandlise re- cai ao usd-las de maneira ilegitima. Antes de mais nada, é preciso salientar que os autores nao negam que o complexo de Edipo tenha um papel no inconsciente, e sua critica nao se utiliza de argumentos de carater etnografico que procurariam refutar a validade universal do Edipo. Querem com- bater, no entanto, a idéia de que seja uma produg4o do incons- ciente e mostrar de que maneira ele é algo imposto a produgao de- sejante e a bloqueia. Nao se trata, tampouco, de negar que os pais sao parte importante do mundo da crianga, mas n4o se pode afir- mar, a partir disso, que ela vive tudo como representagao dos pais. Os objetos parciais nao-totalizaveis em meio aos quais a crianga vive sao, desde sempre, parte de um agenciamento de maquinas de- sejantes com os quais é estabelecida uma relagdo de produgao ou antiprodugao que nao tem nada a ver com representagao. Mesmo 40 DEsEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO na crianga, 0 desejo reporta-se ao corpo sem érgaos, que Deleuze e Guattari chamam de “ovo esquizofrénico”,”” pois, assim como no desenvolvimento do ovo biolégico, os estimulos exercem o papel apenas de indutores, e nao de organizadores, na constituigao do corpo sem 6rgaos. Em tal perspectiva, os pais seriam um estimulo de valor igual a qualquer outro, suscitando respostas envolvidas nas sinteses produtivas do inconsciente. Além disso, devemos dizer que a psicandlise, ao circunscre- ver o desejo ao dominio do complexo de Edipo, apenas fez che- gar ao Apice o processo comegado pela psiquiatria no século XIX, que era ligar a patologia mental a um discurso familiar e mora- lizado, em que se procuram culpados e confiss6es, como j4 mos- trava Foucault na Histéria da loucura.>* Mas, pensando 0 desejo como produg4o que funciona através de sinteses relacionadas ao fluxo e corte de fluxo do real, Deleuze e Guattari procuram sair desse esquema “familiarista”. Assim, no processo produtivo, encontram-se trés dimensGes interconectadas: a produgdo propriamente dita, ou produgao de produgao; o registro, ou distribuigao; e o consumo. Cada uma dessas dimens6es define um tipo de sintese. No uso legitimo da sintese conectiva de produgao, parcial e nado-especifico, forma-se uma maquina desejante que conjuga “fluxos continuos e objetos parciais fragmentarios”,?? de modo que o produzir nao se distin- gue do produto. Através dessa “identidade produto—produzir” e da subversao da organizagao do organismo suscitada pelo uso dos 6rgaos como objetos parciais, surge o corpo sem érgaos. Mas as maquinas desejantes, apesar de produzirem 0 corpo sem 6rgaos, ainda estao muito préximas do organismo. Assim, surge uma for- ¢a de repulsdo entre elas e 0 corpo sem O6rgaos, ou seja, entre uma instancia ainda ordenada e outra ja desterritorializada. O nome dado a essa forga é recalcamento originario, termo emprestado a psicandlise lacaniana, empréstimo que poderia in- 41 CINTIA VIEIRA DA SILVA dicar a tentativa de manter ainda certo didlogo com a teoria psi- canalitica, especialmente com Lacan, apesar da ruptura com seus pressupostos mais importantes. E que, apesar de recusarem a in- terpretagao estrutural de Edipo, bem como o complexo de cas- tragao, Deleuze e Guattari salientam a importancia da teoria lacaniana do ponto de vista do “objeto a”, por constituir um “pélo” em que se pode pensar o desejo como produgao. Contu- do, hé um outro “pélo” na teoria lacaniana, que ligaria o desejo “a uma certa idéia de falta” através da concep¢ao do “‘Outro’ como significante”,*° 0 que, como ja vimos, é criticado por De- leuze e Guattari. Além disso, a nogao de produgao desejante, co- locando em jogo maquinas desejantes e corpo sem 6rgaos, impli- ca uma concepgao diferente do recalcamento originario — que nado se reporta mais a puls6es — e uma outra saida do impasse criado por ele. As maquinas desejantes, constituidas a partir dos érgaos que cortam e conectam fluxos, trazem o risco de uma reorganizagao ao corpo sem Orgaos. Assim, instaura-se uma “maquina paranéi- ca”, pois, de um lado, o corpo sem érgaos “experimenta” a agao das mAquinas desejantes “como aparelho de perseguigao” e, de outro, ele é, para as maquinas desejantes, impossivel de ser con- sumido, além de instaurar uma dimensao improdutiva no seio da produgao. Mas, assim como o capital serve de superficie de re- gistro para o regime da produgao social — conferindo “a esteri- lidade do dinheiro a forma segundo a qual este produz dinhei- ro”,*! através da mais-valia —, também o corpo sem 6rgaos se torna superficie de inscrigdo na sintese disjuntiva de registro de tal modo que, nessa sintese, as maquinas desejantes é que pare- cem ser produzidas por ele, pois a disjungao funciona de modo que haja “permutagées possiveis entre diferengas”. Tais diferen- gas, constituidas pelos diversos modos de operagdo das maquinas conectadas, sdo inscritas como tais na “superficie deslizante” do 42 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO corpo sem érgaos, sem ser unificadas ou se tornarem objeto de “escolhas decisivas entre termos impermutaveis”.*2 A fluidez do corpo sem 6rgaos permite a continuagao do pro- cesso de produgao, ja que, na sintese disjuntiva, se cria um cédigo de registro dotado de tal dinamismo e mobilidade que as “ge- s”43 dele resultantes nunca se estancam em qualquer ins- nealog; tancia que venha a remeter a uma identidade (assim, Artaud pode-se dizer filho, mae e pai a um sé tempo, bem como 0 pre- sidente Schreber pode invocar para si uma complexa filiagao di- vina). A partir dos elementos invocados no registro, surge um tipo de sujeito “sem identidade fixa, errando sobre 0 corpo sem 6r- gos”, o que da lugar a sintese conjuntiva de consumo. E que os elementos do registro designam zonas de intensidade sobre o corpo sem 6rgios, e a passagem de uma a outra regido, impulsio- nada pela injegao de fluxos recortados pelas maquinas desejantes, faz aquele tipo de subjetividade experimentar devires, de modo que atribuir-Ihe uma identidade sé é possivel se a continuagao do processo for impedida ou se perder de vista. Caso contrario, o con- sumo de “quantidades intensivas”,“ produzidas através da cone- xdo de mdquinas desejantes e da delimitagao de zonas de inten- sidade no corpo sem érgiaos, pode continuar suscitando devires. O complexo de Edipo instaura um uso global e especifico da agao coma sintese conectiva, que leva a decidir entre a ident entificagao com mae, o que levaria A homossexualidade, ou a o pai, segundo a qual se adentra o terreno do incesto. Os objetos parciais sio sempre extraidos de uma série e referidos as pessoa’ sGo posses ou propriedades delas. O tema do incesto nos mostra 0 uso limitativo e exclusivo da sintese disjuntiva de registro na psicandlise. Mas, se quiser- mos supor a produtividade do desejo, precisaremos ater-nos a um uso positivo da sintese disjuntiva, que seria inclusivo e ilimitado. A esquizofrenia seria um caso paradigmatico desse uso legitimo 43 CINTIA VIEIRA DA SILVA da sintese disjuntiva. O esquizo, tomado como processo, conse- gue realizar essa disjungdo que afirma os termos disjuntos sem, contudo, fundir esses contrarios. Nao se obriga, portanto, a es- colhas do tipo “homem ou entéo mulher”; 0 esquizo pode ser homem entre os homens e mulher entre as mulheres. Isso porque cada nome, e aqui se incluem todos os nomes da histéria, nao sé o do pai, designa uma regido de inscrigao e vi bragao de intensidades no corpo sem 6rgaos. Assim, essa “teoria dos nomes préprios” nado supde “um eu que se identifica com ra- gas, povos, pessoas, numa cena de representaga4o”, porque tais no- mes remetem “para a classe dos ‘efeitos’”, entendidos nao como “simples dependéncia das causas”, e sim como “a efetuagao de um sistema de signos”.*5 E na sintese conjuntiva de consumo que o sujeito, atraves- sado por intensidades e percorrido por potenciais, viaja pelo cor- po sem 6rgaos. O corpo sem 6rgaos experimenta individuagées e sexualizagdes continuas, em vez das identificagdes segregati- vas vividas segundo o complexo de Edipo. Estes sao como que dois pdlos do delirio: o esquizo-nomddico e 0 paranéico-segre- gativo, o plurivoco e o biunivoco. A partir das sinteses, Deleuze e Guattari encontram os cinco paralogismos da psicandlise, todos ligados ao complexo de Edipo. Os autores justificam 0 uso de “termos kantianos” por considera- rem seu projeto pr6ximo a critica kantiana, que visava “descobrir critérios imanentes ao conhecimento” para delimitar o Ambito de legitimidade (e de ilegitimidade) no uso “das sinteses que a meta- fisica fazia”. Considerando o complexo de Edipo, ja que a nogao de paralogismo é de inspiragao kantiana, retomemos a definigao de Kant para apreciar, em seguida, o humor com que Deleuze e Guattari se servem dela, em contraposi¢4o A teoria psicanalitica. Para Kant, “uma ilagao” ou uma inferéncia “da razdo que, falsa em sua forma, possui embora a aparéncia de uma ilagao cor- 44 DEsSEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO reta, chama-se uma faldcia”, sendo “um paralogismo [...], na me- dida em que nés mesmos nela caimos e, um sofisma [...], na medida em que procuramos fazer de propésito que outros nela caiam”.** Assim, se Deleuze e Guattari apenas apontassem paralogismos légicos na psicanilise, esta ja seria pensada como saber que se auto-engana do ponto de vista formal. Mas parece que o paralo- gismo em questao, para os autores, estaria mais pr6ximo ao pa- ralogismo transcendental kantiano, o qual “tem um fundamento transcendental, que nos faz concluir falsamente quanto a forma”. Tal paralogismo “fundamenta-se na natureza da razao humana e traz consigo uma ilusao inevitavel, embora nao insoltvel”.*” Como veremos mais adiante, a ilusao na qual a psicandlise incorre nao se deve tanto 4 raz4o humana, como, também, ao funciona- mento da sociedade, ou seja, a instauragao de Edipo como com- plexo psiquico depende das condig6es propiciadas pela civiliza- ¢ao capitalista. Para finalizar essa rapida passagem pela filosofia kan- tiana, falta mostrar o que permite que se considerem os paralo- gismos apontados por Deleuze e Guattari préximos aos pa- ralogismos transcendentais. Pois bem, Kant apresenta os para- logismos transcendentais como o contetido da psicologia racio- nal, ou “ciéncia racional da alma”. Tal pretensa ciéncia teria como objeto o “conceito eu, enquanto presente em todo o pensa- mento e independentemente de toda a experiéncia”,** derivado do juizo eu penso, que é a apercep¢d4o pensada como condigao de “possibilidade de toda a experiéncia”.”” Mas Kant demonstra como todos os conceitos dessa supos- ta ciéncia se apdiam em paralogismos, nos quais incorreria por, primeiramente, tomar 0 eu da apercepgao como conceito, ao pas- so que 0 eu seria apenas uma “representagao simples e, por si s6, totalmente vazia de contetido”, posto que é “uma mera cons- ciéncia que acompanha todos os conceitos”.*° Assim, a psicologia 45 CINTIA VIEIRA DA SILVA racional seria uma ciéncia sem objeto. Ora, caracterizando as consideragées psicanaliticas como paralogismos, Deleuze e Guattari estariam igualando-a a psicologia racional, tal como apresentada por Kant, colocando-a, por assim dizer, em situagao embaragosa. E curioso que os autores se utilizem de um aspecto da filosofia kantiana para criticar a psicandlise; em Diferenga e repetigao, De- leuze fazia o contrario, aliando-se A psicandlise para pensar um eu que, a despeito de sua passividade, fosse capaz de realizar sinte- ses. Tendo em vista 0 jogo bem-humorado de Deleuze e Guattari com a definigao kantiana de paralogismo e a perspectiva sombria criada por Kant para qualquer projeto de uma psicologia racio- nal, passemos aos paralogismos apresentados em O anti-Edipo. O primeiro implica um uso transcendente da sintese conectiva. Consiste em eleger um dos objetos parciais de uma cadeia, que por si s6 nao é significante, A posigao de significante desp6tico que dota os outros elementos de sentido. Mas esse objeto parcial é 0 phallus, isto é, aquilo que, no ambito da castragao, falta tanto aos homens quanto as mulheres. Desde Légica do sentido, Deleuze ja procu- rava conceber a produgao de sentido através da circulagao de um elemento paradoxal entre duas séries de signos interconectados, nao pela agao de um significante. Contudo, ainda denominava tal elemento paradoxal de falo, embora o definisse de maneira ligei- ramente diferente da lacaniana, conforme observamos no primei- ro capitulo. Em O anti-Edipo, Deleuze e Guattari passam a consi- derar que o significante realiza uma conversdo, um uso global e especifico das sinteses conectivas do inconsciente. O segundo paralogismo é chamado de duplo impasse, deno- minagdo que vem da emissdo de dois enunciados contraditérios entre si, tida por Bateson como uma situag4o esquizofrenizante. Mas, ao contrario, para Deleuze e Guattari, essa é a situagao edi- pianizante por exceléncia e faz parte da propria instituigao do complexo. O desejo é, ao mesmo tempo, constrangido ao trian- 46 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O anTI-EDIrPO gulo edipiano e proibido de satisfazer-se, ficando circunscrito ao jogo entre a transgressao e o interdito. Ora, 0 desejo nao é repri- mido por ser desejo da mac, mas porque o desejo é revolucionrio, éa propria poténcia de transformagao. O agenciamento de de- sejo implica as linhas de fuga e as desterritorializages. Pode- riamos até nos arriscar a dizer que o complexo de Edipo funciona como um dispositivo de controle em relagao ao desejo. E o recal- camento, que constrange o desejo aos limites do complexo de Ed: po, é um meio a servigo da repressao. Assim, com esse paralogis- mo, a exclusao e a limitagao sao introduzidas na sintese disjuntiva. As inicas alternativas possiveis sao a interiorizagao do Edipo, que implica revivé-lo na figura da autoridade, ou a identificagao neu- rética. O esquizofrénico torna-se uma entidade clinica ao tentar escapar a esses dois polos, refugiando-se no corpo sem 6rgios. O Edipo seria também uma aplicagao biunivoca da sintese conjuntiva, e isso constituiria o terceiro paralogismo da psicana- lise. Aparece uma relag4o simb6lica entre duas articulagées (pai e mae) no lugar do real plurivoco, de toda a multiplicidade de agentes coletivos. Toda essa multiplicidade passa a ser sempre interpretada segundo os agentes da reprodugao familiar, agentes esses que formardo uma estrutura que representa o inconsciente e representa nele todos os outros agentes da coletividade. Os trés primeiros paralogismos reportavam-se diretamente as sinteses do inconsciente, dizendo respeito 4 “forma”, 4 “reprodu- cdo”, a “causa (formal)”, ao “processo” e a “condigdo do trian- gulo edipiano”. Ja os dois tiltimos se referem as forgas da repres- sio social, as “forgas reais”, as “causas reais de que a triangulagao depende”,*' condicionando, portanto, os paralogismos expostos anteriormente. O quarto paralogismo consiste em deduzir a natureza do re- calcado a partir do recalcamento, bem como deduzir da interdi- ¢4o do incesto o fato de que ele é desejado, partindo de uma es- 47 CINTIA ViEIRA DA SILVA pécie de ingenuidade quanto as artimanhas e aos meios que a lej emprega. Mas, para Deleuze e Guattari, o desejo s6 se torna de- sejo da mae, sé é aprisionado na familia, precisamente porque é recalcado. Assim, o que a psicandlise opera é também um deslo- camento. E o complexo de Edipo, se o pensarmos dessa mancira, nao € a instancia sobre a qual o recalcamento se realiza, nemo retorno do recalcado; ele é apenas um produto “falsificado”, ge- rado por deslocamento. O quinto paralogismo é expresso no problema dos fatores atuais neuréticos dentro da teoria psicanalitica. Atual, nesse caso, indica que é recente e posterior aos fatores infantis, mais antigos, que seriam completamente explicados pelo complexo de Edipo. Deleuze e Guattari, porém, pensam que o fator atual é a produ- ¢do desejante na sua relagdo com a produg4o social. Essa relagao esta presente desde sempre, nao sendo posterior a coisa alguma. Nesse caso, o complexo de Edipo é que seria virtual, atualizan- do-se, por vezes, em perturbagdes neuréticas ou psicédticas. Dai o paralogismo, isto é, sup6e-se como posterior algo que sempre existiu, para subordind-lo a uma formagdo que € reacional a pro- dugao desejante. Nao que a psicandlise, para Deleuze e Guattari, desconhega a dimensao produtiva do desejo. Prova disso é a im- portancia dada as “nogdes” de “economia do desejo, trabalhoe investimento”.*? Contudo, tais nog6es sao utilizadas na teoria psi- canalitica de maneira subordinada a um inconsciente que, ao in- vés de produzir, se expressa através de sonhos, atos falhos e sin- tomas em geral. Pode-se argumentar que aqueles que procuram os psicana- listas aceitam as regras do jogo, inclusive a do pagamento, e per- mitem que suas ag6es e paixGes sejam enquadradas no esquema edipiano. A saida para aqueles que nao mais considerassem o diva um lugar confortavel poderia ser tao simples quanto a entrada. Obviamente, tal atitude poderia ser interpretada como resisténcia 48 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O aNnTI-EDiPo a revelacgado de um contetido aterrador das profundezas do incons- ciente, ou como apego a sintomas neuréticos. Tudo isso, porém, se refere a uma esfera por demais privada para que se queira nisto . Mas, quando se toma conhecimento do que certos psi- imisc canalistas fazem com obras de arte, é dificil resistir 4 vontade de intrometer-se. Houve, certa vez, um desses psicanalistas que travou conta- to, por meio do relato de uma de suas analisandas, com um pe- queno conto de Clarice Lispector que se chama A menor mulber do mundo, especialmente com um trecho em que é narrado o amor da tal minima mulher, Pequena Flor, pelo explorador fran- cés que a encontra no coragao da Africa. O texto de Clarice ti- nha suscitado, na analisanda, questdes a respeito do amor. Pa- recia haver ali uma idéia de amor diferente, que nao era tanto por uma pessoa, mas por um conjunto de coisas: a pessoa, seu sapa- to, seu anel. Ou entdo, nesse tipo de amor, a pessoa seria amada nao sé pelo que é, mas também pelo que a envolve, pelo que ela tem. Ou, ainda, o que a pessoa é incluiria tudo 0 que ela temea circunda. Foi com essas indagagées que a analisanda leu o trecho: Ela amava aquele explorador amarelo. Se soubesse falar e dissesse que 0 amava, ele inflaria de vaidade. Vaidade que diminuiria quan- do ela acrescentasse que também amava muito o anel do explorador ¢ que amava muito a bota do explorador. E quando este desinchasse desapontado, Pequena Flor nao compreenderia por qué. Pois, nem de longe, seu amor pelo explorador — pode-se mesmo dizer seu “profundo amor”, porque, nao tendo outros recursos, ela estava reduzida 4 profundeza —, pois nem de longe seu profundo amor pelo explorador ficaria desvalorizado pelo fato de ela também amar sua bota.*? Ja se adivinha a compreensdo que pode ter tido o analista, profissional treinado para a escuta do desejo, desse amor de Pe- 49 CINTIA VIEIRA DA SILVA quena Flor pela bota do explorador: isso nada mais é do que uma poética e delicada maneira de falar da inveja do pénis. Sao his. térias como essa — que no sao apenas casos de profissionais in- competentes, mas interpretag6es autorizadas pelos pressupostos psicanaliticos — que tornam compreensivel o tom polémico, as vezes até furioso, de O anti-Edipo. Além disso, a necessidade de criticar a psicandlise pode ser compreendida por um viés politi- co, pois, na época em que O anti-Edipo foi escrito, a p: tinha grande importancia. O saber psicanalitico, naquela época muito mais que hoje, era tido como um dos mais autorizados e ‘andlise interessantes teoricamente, para se pensar os fenGmenos de de- sejo e os processos de enlouquecimento (ou de desvio em relagio a uma racionalidade tida como padr4o). Assim, para elaborar uma nova maneira de pensar o desejo, era forgoso debater com a psicandlise e tentar criar algo diferente. Deleuze e Guattari propdem, entao, uma esquizoanilise, que teria por tarefa atingir “uma regiao do inconsciente em que nao ha castragao”5* nem Edipo, através de uma andlise do funciona- mento das maquinas desejantes. O que permite que o funcio- namento seja um principio explicativo suficiente é que o incons- ciente, sendo molecular, constitui micromaquinas. A andlise dos investimentos de desejo em termos de funcionamento maquinico tem a vantagem de impedir que se caia em um tipo de pergunta pelo significado, retirando 0 estudo do desejo de qualquer pers- pectiva interpretativa. Além disso, permite encontrar as linhas de fuga que o inconsciente toma, o que nao seria possivel em uma interpretagdo que colocasse os entraves e arremates das linhas em primeiro plano. Tal andlise deve considerar que ha sempre um in- vestimento, revoluciondrio ou reaciondrio, em maquinas sociais, que s4o molares, envolvido no funcionamento das maquinas de- sejantes. As madquinas desejantes operam através da constitui¢ga0 de um corpo sem 6rgaos que permite a passagem de fluxos des- 50 DESEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO codificados. Tais fluxos constituem uma multiplicidade que, to- mada em sentido substantivo, ultrapassa “completamente as al- ternativas do um [ou uno] e do miltiplo”,*’ pois, uma vez subs- tantivada a multiplicidade, o miltiplo nfo mais pode servir de adjetivo para uma unidade qualquer. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS CarritHo, Manuel M. (org.). Capitalismo e esquizofrenia: dossier anti- Edipo. Lisboa: Assirio & Alvim, 1976. Deeuze, G. (1968). Différence et répétition. Paris: PUF, 1988. Ed. bras.: Diferenga e repeti¢ao. Trad. Luiz B. L. Orlandi e Roberto Macha- do. Rio de Janeiro: Graal, 1988. . (1969). Logique du sens. Paris: Minuit, 1982. Ed. bras.: Logica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes. S40 Paulo: Perspectiva, 1998. Deeuze, G. e Guatrari, F. L’anti-Oedipe. Paris: Minuit, 1972. Ed. port.: O anti-Edipo. Trad. Joana Moraes Varela e Manuel M. Carrilho. Lisboa: Assirio & Alvim, s.d. Foucau.t, M. Microfisica do poder. Trad. e org. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979, pp. 69-78. Kant, I. Critica da raza@o pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Ale- xandre Fradique Morujao. Lisboa: Fundagao Calouste Gulbenkian, 1994. . Manual dos cursos de légica geral. Trad., apres. e guia de leitura Fausto Castilho. Campinas: Editora da Unicamp; Uberlandia: Epuru, 1998. Lisrecror, C. Lagos de familia. A menor mulher do mundo. Rio de Ja- neiro: Francisco Alves, 1990. Moura, A. H. (org.). As pulsées. Sao Paulo: Escuta, Epuc, 1995, . Notas 1 Retomo aqui temas tratados anteriormente na dissertagao de mes- trado O conceito de desejo na filosofia de Gilles Deleuze, orientada s1 CINTIA VIEIRA DA SILVA pelo professor-doutor Luiz B. L. Orlandi e defendida em dezembro de 2000 no Departamento de Filosofia do IrcH-Unicamp. Naquela ocasiado, procurei mostrar de que maneira o conceito de desejo, ao longo da obra de Deleuze, vai sendo claborado e ligado ao projeto de uma ontologia da diferenga, de uma teoria das multiplicidades, nao sendo, portanto, apenas a intromissao de um filésofo nos do- minios da psicandlise e da psicopatologia. 2 Manuel M. Carrilho (org.), Capitalismo e esquizofrenia: dossier anti-Edipo. Lisboa: Assirio & Alvim, 1976, p. 8. 3. Idem, op. cit., “Entrevista 1, com Deleuze e Guattari”, p. 56. 4M. Foucault, Microfisica do poder. Org. e trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979, pp. 69-78. 5 Idem, op. cit., pp. 69-70. 6 Idem, op. cit., p. 72. 7 Idem, op. cit., p. 76. 8 Idem, op. cit., “Entrevista 1, com Deleuze e Guattari”, p. 58. 9 J.-F. Lyotard, “Capitalismo energuimeno”, in Manuel M. Carrilho, op. cit., p. 109. 10 Idem, op. cit., pp. 108-9. 11 Aula de Deleuze de 15 de fevereiro de 1972, disponivel em . 12. Ibidem. 13 Manuel M. Carrilho, op. cit., “Entrevista 1, com Deleuze e Guattari”. 14 Idem, op. cit., p. 74. 15 Idem, op. cit., p. 76. 16 Ibidem. 17 Idem, op. cit., p. 75. 18 Aula de Deleuze de 16 de novembro de 1971, do site ja citado. 19 Aula de Deleuze de 14 de dezembro de 1971, do site ja citado. 20 Op. cit. 21 Aula de Deleuze de 22 de fevereiro de 1972, do site ja citado. 22 Aula de Deleuze de 16 de novembro de 1971, do site ja citado. 23 G. Deleuze e F. Guattari, O anti-Edipo. Trad. port. Joana Moraes Varela e Manuel M. Carrilho. Lisboa: Assirio & Alvim, s.d., p. 149- 24 Idem, op. cit., p. 191. 25 Idem, op. cit., p. 197. 26 Idem, op. cit., p. 196. 27 Idem, op. cit., p. 198. S52 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 SL S52 DEsEJO COMO PRODUGAO OU A POSITIVIDADE DE O ANTI-EDIPO Idem, op. cit., p. 199. Manuel M. Carrilho (org.), op. cit., “Sobre capitalismo e esquizo- frenia, entrevista 2, com Gilles Deleuze e Félix Guattari”, p. 147. Idem, op. cit., p. 146. Manuel M. Carrilho, op. cit., “Entrevista 1, com Deleuze e Guatta- ri”, pp. 61-62. Para uma anilise mais elaborada sobre a nogao de corpo sem r- gos, definido muito apropriadamente como aquilo que imanta as linhas de fuga ou os vetores de desterritorializagao do desejo, ver L. B. L. Orlandi, Corporeidades em minidesfile, no prelo. Aula de Deleuze de 14 de dezembro de 1971, do site ja citado. L. B. L. Orlandi, “Pulsao e campo problematico”, in A. H. Moura, As pulsdes. SAo Paulo: Escuta, Epuc, 1995, p. 175. Dispomos de uma nova versao desse texto, ainda nao publicada. De acordo com essa versao, a citagao estaria na p. 22. G. Deleuze e F. Guattari, L’anti-Oedipe, p. 89. Trad., p. 78. I. Kant, Critique du jugement, Introdugio, § 3, in G. Deleuze e F. Guattari, L’anti-Oedipe, p. 32. Trad., p. 29. G. Deleuze e F. Guattari, L’anti-Oedipe, p. 108. Trad., p. 95. Idem, op. cit., p. 111. Trad., p. 97. Idem, op. cit., p. 11. Trad., p. 10. Idem, op. cit., p. 34, nota. Trad., p. 31, nota. Idem, op. cit., p. 16. Trad., p. 15. Idem, op. cit., p. 18. Trad., p. 17. Idem, op. cit., p. 21. Trad., p. 21. Idem, op. cit., p. 25. Trad., p. 23. Idem, op. cit., p. 103. Trad., p. 90. I. Kant, Manual dos cursos de légica geral. Trad., apres. e guia de leitura Fausto Castilho. Campinas: Editora da Unicap; Uberlandia: Epuru, 1998, § 90. Idem, Critica da razdo pura. Trad. port. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujao. Lisboa: Fundagao Calouste Gulben- kian, 1994, B 399. Idem, op. cit., B 400. Idem, op. cit., B 401. Idem, op. cit., B 404. G. Deleuze e F. Guattari, L’anti-Oedipe, p. 134. Trad., p. 118. Idem, op. cit., p. 65. Trad., p. 57. 53 CINTIA VIEIRA DA SILVA 53. C. Lispector, Lagos de familia. A menor mulher do mundo, R: Janeiro: Francisco Alves, 1990, pp. 94-95. 0. Rio de 54 Aula de Deleuze de 16 de novembro de 1971, do site jé citad 55. Aula de Deleuze de 22 de fevereiro de 1972, do site ja citad 0, lo, FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP D568 A diferenga / organizador: Luiz B. L. Orlandi. - Campinas, SP: Editora da UNicamp, 2005. 1. Deleuze, Gilles, 1925-1995. 2. Foucault, Michel, 1926-1984. 3. Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844-1900. 4. Filosofia mo- derna. 5. Diferenga (filosofia). I. Orlandi, Luiz B. L. (Luiz Be- nedicto Lacerda). II. Titulo. CDD 190 ISBN 85-268-0703-X 121 Indices para catdlogo sistemdtico: 1. Filosofia moderna 190 2. Diferenga (filosofia) 121 Copyright © by Luiz B. L. Orlandi Copyright © 2005 by Editora da UNicamp Nenhuma parte desta publicagio pode ser gravada, armazenada em sistema eletrénico, fotocopiada, reproduzida por meios mecinicos ou outros quaisquer sem autorizagio prévia do editor.

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