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Como Supervisionamos em Grupoterapia LUIZ.CARLOS OSORIO O ensino sob a forma de trabalho supervisionado € talvez a mais antiga forma de transmissdo de conhecimentos. Embora, com um pouco de imaginagao, seja possivel situar seu surgimento no est4gio tribal do processo civilizatério — onde os mais ve- Thos “supervisionam” os mais jovens na aprendizagem de formas rudimentares de sobrevivéncia através da caca, pesca e obtengao de elementos nutritivos do reino vegetal —, foi durante a Idade Média que a supervisio se institucionalizou através da dinamica peculiar & relagdo do mestre-de-oficio e seus aprendizes, No campo das ciéncias psicolégicas, foi a psicandlise que introduziu em sua praxis formativa a supervisio como um dos pilares do treinamento de novos psicanalistas. Kusnetzoff (Groisman, 1984), apés assinalar a auséncia significativa de uma definigao sobre o termo, na literatura sobre supervisio, define-a como “um sistema de auditoria-assessoria, onde um estudante adquire as habilidades e os conhecimen- tos necessérios para um desempenho adequado na tarefa psicoterépica”. Tendo a supervisio da prética psicoterdpica se originado — como se assinalou antes — do modelo de treinamento psicanalitico, nao seria de se estranhar que ela se apoiasse na relagdo dual supervisor-supervisionado é privilegiasse o relato verbal das sessdes. No entanto, em se tratanto de grupos ~ como se vera adiante -, esse modelo obsolesceu e se tornou insuficiente para a desej vel transmissdo de conheci- mentos. Como as distintas técnicas de superviséio atualmente empregadas em grupo- terapias estao estreitamente vinculadas a suas modalidades, elas sero apresentadas no contexto de cada uma dessas modalidades. MODALIDADES DE ATENDIMENTO GRUPAL: SUAS PECULIARIDADES E CORRESPONDENTES TECNICAS DE SUPERVISAO E tarefa extremamente complexa tentar qualquer forma de sistematizagao das distin- tas modalidades de atendimento grupal: ora se pode referi-las as linhas tedricas que Thes do sustentagiio (psicandlise, psicodrama, teoria dos sistemas, teoria do campo grupal, teoria da comunicagao humana), ora a faixa etéria que term como alvo (crian- gas, adolescentes, idosos), ora ao tipo de pacientes em questio (pacientes psicossomaticos, pacientes terminais, drogadictos, psicéticos), ora ao conte xto grupal 84 + zmeRMana osorio (casais, familias, instituigées), ora as dimensdes do grupo (micro ou macrogrupos), ora aos objetivos a que se destinam (ensino, terapia, realizaco de tarefas institucio- nais), e assim por diante. Como se vé, nada facil. Optou-se, entdo, por referir apenas aquelas modalidades grupais em cujo contexto se desenvolveram os modelos ou téc- nicas de supervisio prevalentes nos dias atuais no campé cas grupoterapias em geral. Grupoterapia analitica A grupoterapia analitica é também referida como psicoterapia analitica de grupo, psicandlise de grupo, psicoterapia grupal de orientagao analftica. Se nos ocupamos dela inicialmente, € porque cronologicamente a psicandlise foi o primeiro marco referencial tedrico para 0 estudo ¢ a compreenso dos agrupamen- tos humanos, visando a instrumentar seu atendimento. Embora, a rigor, 0 psicodrama atenha antecedido como método de abordagem grupal, nao a precedeu como estrutu- ra teérica a partir da qual se pudesse entender os mecanismos grupais e pressupor uma ago psicoterdpica sobre os individuos que compdem um grupo. ‘A grupoterapia analitica, introduzida em nosso meio em meados da década de 50, experimentou répida expanséo em toda a América Latina, a partir de seu polo irradiador em Buenos Aires, tendo, no entanto, apresentado um acentuado declinio nos anos 70 — para alguns, pela deserc&io dos pioneiros em fungao das pressdes da instituigZo psicanal ftica contra a psicoterapia coletiva, sob a alegacdo de que psican4- lise s6 & possivel numa relagdo dual e, para outros, em decorréncia dos sistemas politicos autocrdticos vigentes no continente sul-americano nos anos 60-70, todos eles obviamente antagonizando quaisquer modalidades de praticas grupais, por sup6- las fermento de atividades subversivas, Sé mais recentemente a grupoterapia analiti- ca voltou a representar uma alternativa psicoter4pica de peso, no contexto global das grupoterapias em geral, mas j4 agora experimentado um afastamento gradual dos delineamentos técnicos originais, muito comprometidos com a mera extrapolagao dos eventos inerentes relago dual do processo analitico para a situagdo grupal. Atualmente, a grupoterapia analftica vem incorporando a sua pratica e se deixando fecundar, em sua sustentagdo teérica, por elementos oriundos de outras vertentes, tais como a dinamica de grupo, a teoria dos grupos operativos, a teoria da comunicacaio humana, a teoria sistémica, o psicodrama e outras mais. Isso, ao que tudo indica, deverd afetar singularmente a praxis das novas geragdes de grupoterapeutas de linha- gem psicanalitica e, conseqiientemente, a pratica da supervisio, j4 ndo mais agora apenas calcada no classico modelo do relato verbal das sessdes, mas enriquecendo-se com a utilizagao do role-playing (contribuigio das técnicas psicodraméticas), do em- prego do espelho unidirecional e do video (de uso corrente nas supervisées das tera- pias familiares sistémicas) e da utilizagao do préprio grupo em supervisio como matriz do aprendizado (como nos grupos de reflexdo sobre a tarefa, oriundos da pratica com grupos operativos). Como a imensa maioria, para niio dizer a totalidade, dos que praticam a grupo- terapia analftica em nosso meio possui treinamento prévio em psicandlise ou psicote- rapia analitica de grupo’, sua praxis clinica é supervisionada segundo os cénones da * Esta nBo é, contudo, uma peculiaridade de nosso meio. Foulkes (19°72) assinala que, num levantamento estatfstico realizado pela ‘Associagio Americana de Pricoterapia de Grupo em 1961, 86% dos grupoterapeutas haviam sido previamente treinados com modalidades de atendimento individual. COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS + 85 supervisiio psicanalitica, onde o supervisionado traz o relato verbal das sess6es, € 0 supervisor discute com ele aspectos da compreensio dindmica do grupo, da técnica ‘empregada, do emprego e adequacao das interpretagdes ¢ do manejo dos sentimentos transferenciais ¢ contratransferenciais. Nao existindo entre nds, até recentemente, uma formagao sistematizada de psicoterapeutas de grupo, o trabalho assim supervisi- onado se constitufa na quase exclusiva forma de transmissdo de conhecimentos. A primeira geracio de grupoterapeutas analiticos (décadas de 50-60), como s6i aconte- cer com os pioneiros, foi de formacao basicamente autodidatica, embora alguns te- nham recebido treinamento ndo-sistematizado noutros centros (Martins, 1986). A segunda geracdo (década de 60-70), ainda que na aquisi¢do dos conhecimentos te61 cos continuasse em moldes autodiddticos, péde enriquecer suas vivencias grupais, seja como pacientes de grupos analiticos de colegas da gerago precedente, seja como seus supervisionados. A par disso, a experiéncia institucional subjacente a seu treina- mento psicoterapico, cada vez mais impregnada pelas técnicas ambientoterdpicas, forneceu-lhe subs{dios aprecidveis para a familiarizacdo com o atendimento de indivi- duos em grupos. A terceira geracdo que ora surge (década de 80), além dos elementos de aprendizagem j4 mencionados, passa a contar com a possibilidade de sistematizar seus conhecimentos teéricos ¢ enriquecer a pratica supervisionada com outras modali- dades oriundas de distintos referenciais tedricos, conforme supracitado. Por razdes que nao cabe aqui discutir, ndo se tornou entre nés pratica corrente aexemplo do que ocorreu noutros centros — 0 emprego do observador de grupo como uma modalidade de treinamento. Embora, a rigor, no se possa consider4-o propria- mente uma forma de superviséo do trabalho grupal, pois seria o supervisor e no o supervisionando que estaria atendendo o grupo, o aprendizado do atendimento grupal através da prética de observar a forma como o grupo é conduzido por um profissional mais experiente apresenta-se, por assim dizer, como 0 “negativo” da supervisio tradi- cional e, portanto, enseja vivéncias que, lato sensu, permitem inclui-lo como uma modalidade de supervisao. Supée-se que, pelo cardter andmalo de se manter no gru- po um membro institucionalizado como periférico e nao-participante, isso criaria uma distorgdo da dindmica grupal que torna bastante discutivel o método de aprendiza- gem em questio. Para alguns, sé a inclusiio do supervisionando como co-terapeuta, com direito implicito a iniciativa na condugao do grupo e sem distingui-lo funcional- mente do supervisor perante 0 grupo, permitird manter-se 0 equilibrio homeostatico para que decorra produtivamente 0 processo grupal. A co-terapia, ainda que levan- do-se em conta, no caso, a defasagem no nivel de experiéncia dos coordenadores, propiciaria, entdo, um veiculo mais adequado para a aprendizagem supervisionada, por respeitar a estrutura funcional do grupo. A supervisao em grupoterapia analitica pressupde — a par das distintas maneiras de conduzi-la — que se inicie j4 com a selegdo ¢ 0 agrupamento dos pacientes, uma vez. que a constituigao do grupo € momento crucial para sua futura viabilizagao como adequado continente psicoterapico. H4 quem afiance que em nenhuma outra fase do processo grupal a supervisdo tenha papel to prepoderante a desempenhar como nes- ses instantes prévios ao funcionamento propriamente dito do grupo, o que metaforica- mente se expressa neste aforisma de Anthony (1968): “cada terapeuta tem o grupo que merece”, E mister, entdo, selecionar ¢ agrupar convenientemente seus membros, respeitando ndo s6 a compatibilidade dos individuos que devem comp6-lo como as idiossincrasias contratransferenciais do terapeuta. Para finalizar essas consideragdes sobre a supervisdio em grupoterapia analitica, consigne-se que, numa visio prospectiva, esta tarefa est cada vez mais impregnada dos modelos de supervisio empregados em outras formas de atendimento grupal; 86 + zmeaman a osonio isso, contudo, nao compromete a utilizagio do referencial analitico para sustentar a compreensio ¢ o manejo dos grupos, mas apenas instrumenta a transmiss4o de conhe- cimentos, via utilizagao de procedimentos cuja eficdcia tenha sido comprovada, sobre- tudo pela desmitificacdo da figura do supervisor como agente emissor de conhecimen- tos e detentor do saber institucionalizado para trazé-lo a sua real dimensio de mero catalisador do processo de auto-aprendizagem, a partir da experiéncia clinica a ser desenvolvida pelo supervisionando. Psicodrama Opsicodrama, como instrumenio psicoterdpico, desenvolveu-se a partir do “teatroda espontaneidade” e do sociodrama morenianos. Alicer¢a-se na “teoria dos papéis”, ou seja, no conjunto de posigdes imagindrias assumidas pelo individuo desde seus primérdios, na relacdo com os demais. Para Moreno (1986), a psicoterapia grupal é um método para tratar, consciente- mente, ¢ na fronteira de uma ciéncia emplrica, as relagdes interpessoais ¢ os proble- mas psfquicos dos individuos de um grupo. O método psicodramitico usa a representagao dramética (a cena) como centro de sua abordagem dos conflitos humanos; essa tepresentacdo une a agio a palavra, privilegiando a expressio corporal, ao lado da comunicagao verbal. Dai decorre que 0 método de supervisdo por exceléncia utilizado na formagao e no treinamento dos que aempregam — o role-playing ~ consiste em procedimentos em que orelato verbal da supervisio analftica é substitufdo pela experiéncia revivenciada do proceso psi- coterdpico através do “jogo de papéis”, Em que consiste 0 role-playing? Muito sumariamente dirfamos que 0 role-playing é um “como se” da sessio psicoterépica, no qual, por exemplo, supervisor e supervisionando, assumindo altema- damente os papéis de terapeuta ¢ paciente, possam juntos compor as varias alternati- vas do processo psicoterdpico através do revivenciar psicodramético de situagées ocorridas na(s) sess%o(6es) prévia(s) ou ensaiar os passos futuros de sess6es vindou- ras, Assim, no s6 0 role-playing serviria para preencher as lacunas compreensivas do material de sessdes jé ocorridas, como possibilitaria a antecipagao imagindria dos eventos possiveis ou provaveis no devir gnipal, ensejando ao supervisionando 0 domi- nio das ansiedades frente ao novo ¢ desconhecido, que tantas vezes o paralisa em sua fungao psicoterépica, ‘Ao dramatizar uma sesso jé ocorrida, 0 role-playing permite ao supervisionan- do revivencid-la, experimentando distintos angulos de (auto-Jobservagao do papel que desempenhou, bem como ampliar 0 enfoque compreensivo do material aportado pelo grupo, através de sua observacdo especular, pela rotatividade de papéis inerente A prépria natureza desta técnica de aprendizado. Por outro lado, a representacdo, através do “como se” dramético, de uma sesso futura, oferece-Jhe a oportunidade de testar previamente suas atitudes e reagdes fren- te aeventuais emergentes grupais, assim como Ihe permite 0 confronto com as vicissi- tudes da tarefa, sem a sobrecarga ansiogénica da realidade factual. Ocardter experimental dessa modalidade de supervisio confere-lhe, analogicamente, a fungdo de retroaprendizagem que a pesquisa enseja a toda e qualquer ago terapéutica. E, portanto, um cadinho de nuances ¢ possibilidades da prética da supervisdo. © role-playing mostra-se de extremo valor no treinamento prévio, ao infcio do trabalho psicoterdpico com grupos; numa comparago qui¢4 um tanto inadequada, COMO TRABALIAMOS Com GRUPOS © 87 dir-se-ia que equivale & realizagdo de condigdes simuladas de priticas cinirgicas an- tes de efetiva-las em determinado paciente. Grupos operativos Os grupos operativos foram introduzidos na préxis grupal pelo psicanalista argentino Pichon Riviere, na sua famosa “experiéncia Rosdrio”, em 1957. Trata- te, da incluso do vértice psicanalitico na leitura dos processos grupais, feita anterior- mente por Kurt Lewin, no que se convencionou denominar “dindmica dos grupos”. Como assinala Tubert-Oklander (1986), “grupo operativo nao é um termo utili- zavel para se referir a uma técnica especifica de coordenagdo de grupos, nem a um tipo determinado de grupo em funcio de seu objetivo, como poderia ser ‘grupo terapéutico’, ‘grupo de aprendizagem'ou ‘grupo de discussio”, mas se refere a uma forma de pensar ¢ operar em grupos que se pode aplicar & coordenaco de diversos tipos de grupos”. Em nosso meio, institucionalizou-se uma prética equivocada de se contrapor 0 grupo operativo a0 analitico, como sendo este todo grupo manejado com a técnica instrumental da interpretagio dos contetidos inconscientes, € aquele um grupo onde, ainda que empreguemos o referencial analftico para compreender os fendmenos que nele ocorrem, nio se utilizam interpretagdes analiticas em sew manejo. Esta leitura equivocada dos conceitos de grupo operativo ¢ analitico se deriva ou esté a servigo de uma compartimentalizagao do poder terapéurico: os grupos analiticos seriam, nesta concep¢io, territ6rio de acto exclusiva dos psicanalistas; todos os demais grupos coordenados por ndo-psicanalistas, de acordo com esta ética distorcida, cairiam na vala comum dos grupos ditos operativos. Destarte, s6 os psicanalistas deteriam 0 poder de realizar agées psicoterdpicas em grupos com o referencial psicanalitico, circunscrevendo-se a agdo dos demais A prdtica nos grupos operativos, entendidos assim como ndo-analiticos. Como supracitado, tal concepeio é errénea, pois justamente os grupos operativos se propdem a vincular as nogdes oriundas da dindmica dos grupos ao referencial psicanalitico. E, conforme sugere a observagao de Tubert-Oklander transcrita anterior- mente, um grupo analitico é um grupo operativo que se destina a tratar individuos em grupo como referencial psicanal tico. Além dos grupos operativos terapéuticos, existi- tiam grupos operativos de aprendizagem, de reflexdo sobre uma determinada tarefa grupal, de discussdo de objetivos institucionais, e assim por diante. Feito este esclarecimento conceitual indispensvel, face ao emprego inadequa- do da expresso grupo operativo, vejamos qual sua contribuigdo para a praxis supervisora. Ainda citando Tubert-Oklander (1986): “Nos grupos operativos, a tarefa interna exige qué os membros realizem uma permanente indagagio das operagdes que se realizam no seio do grupo, em funcdo da relag’io com a tarefa externa, vista como organizadora do processo grupal”. Esta atitude de “re-fletir(se)” sobre a experiéncia do proprio grupo enquanto grupo é o ponto de partida dos assim chamados grupos de reflexo, contribuigao da teoria e da técnica dos grupos operativos & aprendizagem supervisionada em grupos. Esses grupos, onde os supervisionandos utilizam a propria experiéncia de par- ticipar com membros de um grupo de ensino-aprendizagem como parte de seu treina- mento, derivam-se dos chamados grupos T (training groups), introduzidos a partir de 1949 nos laboratérios sociais de dindmica de grupo inspirados nas idéias de Lewin. 88 + zoterwane osorio Os grupos T — por sua vez uma modificagio dos grupos BST (basic skill training groups), cujo objetivo primordial era adestrar para a ago operativa em grupos — passaram a centralizaro aprendizado na indagagao do que ocorte aos préprios partici- Ppantes enquanto membros de um grupo de treinamento, revertendo a perspectiva de adestramento, pois jé ndo seria um saber institucionalizado externo ao proprio grupo a fonte de aprendizagem, mas, sim, os proprios fendmenos intragrupais focados a partir da e em direcdo a tarefa inerente a tal modalidade grupal: o treinamento em técnicas grupais. Na América Latina, a primeira experiéncia sistematizada com tal forma de apren- dizagem grupal ocorreu em Buenos Aires, a partir dos anos 70, conforme descrito por um de seus mentores, A. Dellarosa (1979). Resumidamente, os grupos de reflexdo oportunizam a aprendizagem das técni- cas grupais através do proprio grupo de aprendizado involucrado na experiéncia de treinamento, de tal sorte que a praxis supervisora inclua as vivéncias do supervisor com seus supervisionados, e destes entre si, como elemento nuclear do processo de aprendizagem E mister assinalar que, embora seja objetivo dos grupos de reflexdo lidar com a patologia do processo de transmissao-aquisi¢ao de conhecimentos, mediante a elabo- ta¢do das ansiedades inerentes ao processo de aprendizagem c as relagdes humanas nele involucradas, est4 interditada, por 6bvias razbes, qualquer utilizagio do material emergente nesses grupos para assinalamentos ou interpretagdes que se dirijam a vida privada dos participantes. Os grupos de reflexdo tém por finalidade precfpua desenvolver as habilidades dos participantes de “‘pensar” o proprio grupo a partir de uma experiéncia compartilha- da de aprendizagem, mantendo-se, contudo, uma cuidadosa discriminagio entre a proposta de utilizar os sentimentos emergentes no grupo para compreender os fendme- nos grupais, simultaneamente desenvolvendo as habilidades de seus componentes € qualquer outra intengio de cunho psicoterdpico dirigida a seus membros. Esta inten- 40, sempre que estiver presente, seja na mente do(s) coordenador(es) como na dos demais participantes, ser4 entendida como uma interferéncia indesejavel e que com- promete a eficiéncia do grupo de reflexio enquanto instrumento de aprendizagem. Terapia do grupo familiar A terapia do grupo familiar é também designada como terapia familiar, terapia de familia e grupoterapia familiar. A terapia do grupo familiar experimentou, nas tiltimas décadas, um grande in- fluxo, a partir de sua fundamentagao na teoria sistémica, Ainda que a familia possa € tenha sido anteriormente abordada segundo o referencial de outras correntes teéri- cas, tais como a psicanalitica ¢ a comportamentalista, em verdade foi a abordagem sistémica a responsdvel por sua definitiva incorporagiio as modernas técnicas psicoterdpicas de maior expresso. E em que consiste essa abordagem sistémica? A ruptura epistemolégica ocorrida a partir das pesquisas de Bateson e colaborado- res, no chamado grupo de Palo Alto, na década de 50, nos Estados Unidos, causou uma mudanga substancial no enfoque das doengas mentais, visualizadas a partir de ento no mais como uma decorréncia dos conflitos intrapsiquicos, mas da interago dos individuos no contexto do grupo familiar. COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS « 89 A cibernética, a teoria da comunicagao humana ¢ a teoria geral dos sistemas sio os trés grandes vértices tedricos a partir dos quais se passou a considerar o funciona- mento do psiquismo humano em termos interacionais, ¢ ndo mais intrapsiquicos, A metéfora central deste enfoque ¢ 0 registro da caixa negra dos sistemas eletrénico: onde o importante a considerar nao é © que est4 no “cérebro” do sistema, mas sim seus inputs € outputs, ou seja, as informagées aferentes ¢ eferentes, Ao considerar a famflia como um sistema, o doente mental ou paciente identifi- cado (PI) passa a ser visuatizado como um emergente ou porta-voz da “doenca” sisté- mica, o que muda o enfoque psicoterdpico do intrapsiquico para 0 interacional, origi- nando-se aquela que talvez tenha sido a maior revolugdo na abordagem dos conflitos humanos desde 0 advento da psicandlise. Ao retirar do foco diagnéstico e terapéutico o paciente individual e privilegiar 0 ‘estudo de seu grupo de origem, a terapia familiar foi responsdvel, indiscutivelmente, pela revitalizago do estudo, compreensio e metodologia das abordagens terapéut cas dos grupos em geral e, como nao poderia deixar de ser, introduziu novas ¢ revo- lucionérias técnicas de supervisao. O uso do espelho unidirecional ¢ do videoteipe, j4 empregados anteriormente de forma timida e quase clandestina na supervisio das psicoterapias “cldssicas”, foi institucionalizado entre nds pela terapia familiar. A par do emprego dos recursos da modema tecnologia, outras técnicas auxiliares foram sendo inseridas: 0 uso do inter- fone, permitindo a comunicagdo direta do supervisor com o supervisionado durante a propria sessio; a solicitagdo da presenga do supervisor durante a sessio, como uma espécie de consultor ativo; a eventual substituigdo do terapeuta por seu supervisor na -condugio de determinada sessio (ficando 0 supervisionando na sala ou no outro lado do espelho, quando isso ocorrer); a ocorréncia de uma inversio de papéis, funcionan- do ocasionalmente o terapeuta como “supervisor” de seu supervisor, € assim por diante. Todas essas variantes do modelo de supervisiio alicergado na pratica da sessio observada ao vivo e/ou gravada em video trouxeram uma mudanga fundamental na relaco hierdrquica supervisor-supervisionando, além de desmitificar a figura do rapeuta, outrora narcisicamente entricheirado no segredo da pratica de seu ofici prdtica essa agora ostensivamente revelada pela observagdo simultnea, podendo os passos do terapeuta, suas insegurangas, titubeios, erros ou acertos, seu estilo, enfim, revelar-se por inteiro ao supervisor, do outro lado do espelho ou na pantalha televisiva, Com tais inovagdes, certas questdes éticas fora suscitadas, como a decorrente da necessidade de se apresentar & famflia o supervisor e de notificd-la da presenca dos demais eventuais membros do team psicoterdpico presentes no outro lado do espelho. O sigilo profissional — que antes, quem sabe, servia mais aos propdsitos de proteger o terapeuta, no expor seus equi vocos, do que ao préprio paciente em revelar seus conflitos — precisou ser rediscutido neste novo contexto. Podemos questionar, aceitando ou ndo, tais modalidades de supervisdo introdu- zida pela terapia familiar, mas indubitavelmente no podemos mais deixar de reconhe- cer sua vigéncia e a contemporaneidade de suas propostas. E possivel imaginar-se que, ao longo do tempo, 0 uso do espelho unidirecional ¢ o emprego do videoteipe se generalizarao nas supervisées de todas as formas de psicoterapias, individuais ou grupais, é — heresia das heresias! — na prépria pratica psicanalitica. Infelizmente, a extensdo prevista para este capitulo ndo permite que se va além da simples mengio dessas. modalidades de supervisiio, das quais ja so {ntimos, no 90 + zotrman & osorio seu cotidiano profissional, os terapeutas de familias e as quais poderdo ter acesso os demais, através da consulta d bibliografia especializada, UMA EXPERIENCIA PESSOAL NA SUPERVISAO DE GRUPOTERAPEUTAS Como é de conhecimento geral, a formagio de grupoterapeutas em nosso meio, inicial- mente levada a cabo de forma nao-sistematizada e de cunho predominantemente avtodidético, surgiv entre os psicanalistas locais que também se dedicavam a gmupoterapia, seja em instituigdes, seja em seus consultérios particulares. A supervi- sio dos mais jovens pelos colegas mais experientes, segundo o modelo cléssico do relato visual das sessdes, foi quiga a pedra de toque desses primeiros tempos, que remontam a década de 60. Desde entao, com a paulatina desativagio da Sociedade de Psicoterapia Analitica de Grupo de Porto Alegre, entidade que congregava os psicoterapeutas de grupo em nosso meio, a pritica grupoterapica supervisionada deslo- coUu-se para Outras vertentes tedricas, tais como o psicodrama, a andlise cxistencial, a gestalterapia e, mais recentemente, a terapia familiar. Num esforco para resgatar a matriz de origem da formago grupoterdpica entre nés, e em fungdo de crescentes solicitagdes de colegas mais jovens interessados na pritica com grupos, criou-se uma entidade* destinada, entre outros objetivos, a de- senvolver um modelo de treinamento de novos grupoterapeutas. Este modelo é baseado no tripé conhecimentos-habilidades-atitudes, ¢ sua estrutura inspirou-se nos progra- mas de educagdo continuada patrocinados pela Associagao Médica do Rio Grande do Sul, nos anos 70-80, nos quais cada médulo de ensino consta de uma parte teérica, outra pratica e um grupo de reflexdo sobre a tarefa em questdo. Ainda que muito recente, os delineamentos basicos deste programa de forma- gio de grupoterapeutas estiio claramente esbogados € neles se privilegia 0 trabalho supervisionado. Consideramos supervisio nao apenas o trabalho dos alunos com seus respectivos grupos sob a orientagao do supervisor, mas igualmente o aprendizado na parte pratica, em que os temas tedricos so ilustrados a partir das vivéncias clinicas dos alunos, como também a experiéncia nos grupos de reflexo, onde, como vimos No item correspondente aos grupos operativos, o proprio grupo constitufdo por alu- nos e coordenadores é um instrumento de aprendizagem, através das vivéncias com- partidas e do pensar cooperante em tomo da tarefa de ensino-aprendizado comum a todos os membros do grupo. Pretendemos gradativamente ir introduzindo neste programa as praticas super- visionadas a que alude o presente artigo, colocando a ténica na supervisdo coletiva, pois é em grupo que se aprende a trabalhar com grupos. Independentemente da modalidade de atendimento grupal que se qucira ensi- nar, as técnicas supervisionadas em questo (role-playing, grupo de reflexdo, acompa- nhamento de sessGes ao vivo no espelho unidirecional, discussdo do registro em vi- deoteipes) enriquecem sobremaneira o treinamento dos supervisionandos, € por isso ‘as preconizamos como indispensdveis a qualquer programa contemporiineo de forma- go de grupoterapeutas. Como foi assinalado anteriormente, esta experiéncia com supervisio de grupo- terapeutas em formagio é bastante recente e ndo permite ainda que dela se extraiam * Centro de Propramas de Educagto Continuada (CEPEC), COMOTRABALHAMOS COMGRUPOS + 91 elementos conclusivos ou que se retroalimentem os pressupostos enunciados; se aela aqui é feita referéncia, é pelo cardter de atualizago deste livro. Num futuro préximo, poder-se-4 retornar a essa experiéncia pessoal para entio focd-la apenas do angulo das expectativas ainda por cumprir, mas submetendo-a a uma andlise critica. CONSIDERACOES FINAIS A super-visdo, como a etimologia do termo sugere, pressupde a existéncia de um profissional mais experiente que lance um olhar sobre o trabalho de seu colega — menos experiente e geralmente mais jovem—e que, da posigao privilegiada de quem detém o saber desejado, o oriente paternalisticamente nos meandros da pratica pro- fissional em questio, no caso a grupoterapia. A evolugdo da grupoterapia através das modalidades técnicas resenhadas neste artigo ensejou, conforme vimos, profundas mudangas na concep¢do ena metodologia do trabalho supervisionado. A primeira e mais importante conseqiiéncia dessas mu- dangas foi a desmitificagdo do supervisor como portador do saber grupal e seu tealinhamento no processo de aprendizagem como modelo identificatério e catalisador do saber a ser buscado pelo supervisionando. Uma segunda — e ndo menos significa- tiva — conseqiiéncia, foi a desmitificagio da prépria figura do terapeuta como habi- tante de uma “torre de marfi profissional a que s6 dé acesso através do relato verbal (consciente ou inconscientemente incompleto ou distorcido) de sua experién- cia pessoal ao supervisor: ele agora é despojado da malha protetora de seus relatos, pela exposigao integral de seu trabalho na transparéncia da observacao simultanea do mesmo. Um terceiro efeito, intimamente vinculado aos anteriores, é 0 cambio das préprias atitudes do grupoterapeuta diante de seus pacientes, a quem nao mais se apresentaria como detentor da verdade e como lider inconteste do grupo, mas como um de seus participants, cuja hierarquia € determinada na medida em que formula hipéteses compreensivas consensualmente validadas pelo grupo. Como conseqlién- cia, a super-visdo transforma-se numa co-visdo, onde o olhar mais experiente neces- sariamente nao € 0 que melhor percebe ou discrimina, mas tZo-somente o que aponta os caminhos jé palmilhados. A fungdo do supervisor — denominagao que conservamos por consagrada pelo uso, ainda que divergindo de sua concepco original — é basicamente se oferecer como modclo de identificacao profissional e, para tanto, deve permitir que 0 supervi- sionando tenha acesso, na propria experiéncia grupal de ensino-aprendizado compar- tilhada, a observagao direta de seu modo de sentir, pensar e agi Concluindo, queremos enfatizar uma vez mais a contribuicao das grupoterapias & propria técnica da supervisio do trabalho psicoterapico com pacientes individuais ou em grupo. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ANTHONY, J. Reflections on twenty-five years of group psychotherapy. International Jounal of Grouptherapy, 3: p. 277, 1968, DELLAROSA, A. Grupos de reflexidn, Buenos Aires: Paid6s, 1979. FOULKES, S.H. et al. Psicorterapia de grupo. 2 ed. So Paulo: Ibrasa, 1972. p. 196. GROISMAN, M. & KUSNETZOFF, J.C. Supervisio ¢ co-supervisio grupal: ensino: terapia e aprendi- Zagem em um setor institucional. In: ~. Adolescéncia e saride mental, Porto Alegre: Artes Médicas, 1984, p. 112.

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