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Ceeeer ocd eer eee eon eer Pee eee) pe eM Sc teat = eee es eraee oy eee a e ry 2 _ A SOMBRA DA JUREMA ENCANTADA | > Mestres juremeiros na ° Umbanda de Alhandra ° » 3 > Ryeaeeienneee nie His i i doribra Gasiteteleneamaoe > a eT : IAC y ; parse eer a Peta ea 14977/40 SPBCMON “2 rere : ia } ° Sea ie ei | > eee at) ’ Pee er ee ea) ee ae) PL een Agradecimentos Agradeso 20 Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien- tifico e Tecnol6gico (CNPQ), que financiou esta pesquisa; a Fun- darpe ¢ ao Funcultura, que tornaram possivel sua publicacao; a0 Programa de Pés-Graduagdo em Ciéncias Sociais da Univer- sidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); ao Programa de P6s-Graduagdo em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); minha esposa, Canceicso G. Nobrega L. de Salles, pelas sugestées e pelo apoio; a Luiz Assungao, que orientou a pesquisa; aos Guimaraes de Salles: Sandra, Soraya, Suely, Semiramis (mae) e Semiramis (filha); A Consultexto; a Carlos Sandroni; Eric Pontes; Juliano Oliveira; Dona Elza; Patri- «ia Lima; Silvia Melo; Jodo Assis; Sandra Pequeno; Sheila Accio- ly; Elisete Schwade; Alipio de Sousa; Mundicarmo Ferretti; Re- nato Athias; Roberto Motta; Jos¢ Fernando; José Amaro; Maria do Carmo Brando; David Pimentel; Climério Santos; Joaquim. Izidro; Hugo Pordeus; Kelly Oliveira; Karina Miriam; Keila Cris- tina; Inalda Santos; Tatiana Aragjo; Helena de Lacia; Katarina Menezes; Ana e Sérgio Abranches; Alexandre Simao; Degjslan- do Nébrega; Sérgio Vasconcelos; Juliano Loureiro de Carvalho; «José Maria Borges. Aos juremeiros de Alhandra, especialmente 0s mestres Sebastidio, Deca, Edu, Joo Ciriaco, Inacio Gabriel (da Popoca), Maria das Dores, Lia e Maria Grande, pela atengao, confianca ¢ amizade, que tornaram possivel a realizagio deste trabalho, Finalmente, a Dorinha do Acais e Dona lvete, pela ami- zade e disporibilidade em contribuir para a pesquisa. Digan com Camseanner SuMARIO Prefacio, 13 Apresentagao, 15 lucdo, 17 Seer sobre a discussio do tema, 19 Alguns estudos recentes, 29 Repensando a Jurema: questées tedrico-metodolégicas, 32 Contexto e sujeitos da pesquisa, 35 Plano dos capitulos, 37 Capitulo I | O Legado Indfgena, 39 Consideracdes iniciais, 39 Avila de Alhandra, 47 Os aldeamentos, 49 Aratagui, 51 Do aldeamento a vila: © Diretorio dos Indios e a vila de Alhandra, 53 A extingao dos aldeamentos, 57 Capttulo 1 © Culto da Jurema em Ola do Acais, 63 O Catimbs, 79 A Umbanda, 84 Alhandra e Suas Interfaces, 63 4 4 4 ad 4 a d q 1 Digna com CamSeanner A sonann Da yuna enscantana Capitulo I © Cosmos Religioso, 99 O sistema de crengas, 99 As cidades da Jurema, 104 © universo mitico e simb6lico, 114 © panteio: caboclos, mestres ¢ reis, 122 As obrigacées, 134 O vinho da jurema, 138 A misica ritual, 142 Capitulo IV O Espaco de Celebracao, 159 Terreiros e Centros, 159 Centro Espirita do Mestre Zé Pilintra, 165 Templo Religioso Orixé Sao Joao Batista, 168 Centro Espirita Ogum Beira-Mar, 172 A relagdo entre os terreiros, 175 Capitulo V Os Rituais, 179 Os toques, 179 Toque para Jurema no Centro Espfrita do Mestre Zé Pilintra, 181 Toque para Jurema no Templo Religioso Orixé Sao Joao Batista, 196 As sessdes de mesa, 210 PREFACIO CO livro de Sandro Guimaraes de Salles A sumbra da Jurena encantada: mestres juremeiros na Umbanda de Alhandra, resul- tado de investigacoes desenvolvidas no mestrado em Ciéncias Sociais/ Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), reflete sobre o culto da Jurema em Alhandra, para compreender 0 encontro dessa tradigao com a Umbanda, Os estudos das chamadas religides ufro-brasileivas, desde Nina Rodrigues, voltaram suas atengOes para as tradic6es con- sideradas mais auténticas, mais puras, como as jeje-nago, dei- xando de lado as qualificadas de cultos misturados, como 0 Ca- timb6-jurema, considerado forma impura. Nesse percurso, nos anos de 1930, Mario de Andrade, em sua busca por elementos que representassem a identidade nacional, vai ao encontro das manifestacGes folcl6ricas, das artes populares, dancas e mtsi- cas tradicionais, como também da religiosidade, descobrindo © Catimbé nordestino. Outros estudiosos seguem 0 modernis- ta no interesse por praticas da religiosidade popular: Camara Cascudo, Gongalves Fernandes, Roger Bastide. Mais recentemente, o Catimb6 volta ao foco de interesse dos estudiosos sob a denominacao de Jurema e em um contexto mar- cado pela presenca da Umbanda. Em seu dinamico processo de construco/reconstrucado, a Umbanda vai selecionando elemen- tos religiosos de tradic&es diversas e reorganizando-os em novas concepgdes de crencas e praticas rituais, absorvendo os cultos re- Digan com Camseanner Consideragées Finais, 221 is, dil igiosi gionais, difusos na cultura e religiosidade, ao mesmo tempo éassimilada por eles, produzindo um encontro. de inter-relaghes €m que elementos religiosos sao reelaborados mutuamente. jen SS* Contexto dindmico e dialético, marcado pela timagao da Umbanda e pelo declinio das mesas de seguindo essa linha de reflexao, que o trabalho vai plorando com densidade a tematica proposta, der a perspectiva de ser “um campo fecundo, Relacao dos indios, 235 Observagies feitas por Antonio G. da Justa Aradjo, 238 Referencias bibliograficas, 242 'A SOMDRA DA JUREMA ENCANTADA . desafiador”, como i angie © proprio autor afirma: “sobre o qual temos, mais perguntas do que respostas”, Durante a realizagao da pesquisa, segue um caminho Lodologio qu combina gm Beas etre elicona: seinem ea gee interlocutores, fazendo. uso tanto da su ygrafia, observacdo e entrevista, como de revisao bibliogrs- He Bers as Tae arquivos e utilizando-se do registro em v‘- arog] is Br Be mend um rico acervo documental sobre O trabalho de Sandro traz significativas contribuigses para a compreensio do contexto e da dinamicareligiosa da Jurema ‘na atualidade, seja através da narrativa histérica sobre 0 Tegado fade Alhandra, o cla do Acais estas interfaces com 0 uni- verso mitico e simbélico ali constituido, seja nas deserigdes etno- \s dos terreiros, dos espacos de celebragdes & dos rituais. (© primeiro aspecto condiuzo leitor a conhecer os meandros da hinbria local, do aldeamento de Aratagui, dos indios taba. ,, das guerras, da demarcacdo das terras indfgenas, como Mio ailtimo regente dos indios de Alhandra, mestre Inécio Gon- falves de Barros, seus descendentes, dente eles a mest Ma- $a do Acais. O outro aspecto nos leva a conhecet 2 pratica da Jurema em um contexto marcado pela presen da Umbanda, ‘gem, no entanto, perder 0s vinculos miticos & simbélicos com 0 ‘Catimbé do Acais. Alias, como bem demonstra, € exatamente olegado da tradicao de Alhandra que dotara de uma certa sin~ gularidade a Umbanda local. Por fim, em um momento em que articula diante da destruicao do seu edificagdes do sitio Acais e as cictades Caines cals por exemplo — 0 livrozeafirma a importanes ar as Tatas e 08 processos de resistencia secularmente Ge idos por essas pessoas, ao mesmo tempo que sistemaliza siveonhecimento construido através do didlogo permanente, sa Shuindo para que esses escritos possam set compartilha Goscom essas mesmas pessoas que ajudaram a construi-lo — 0 ‘povo das comunidades de terreiro, 0 povo da Jurema Luiz Assunga Deparament de Anaopologia da UFEN comunidade religiosa se atriménio cultural — a3 ‘da Jurema cultuadas por “APRESENTAGAO jeune? ste livro é uma versdo pin i logia, estado em Ciencias Soiais/ ANSE’ Tn Universidade Fet abril de 2004, sobre 0 cu © objetivo central do Pre: contro entre a tradicio dos mestres j gos indios da antiga aldeia Aratagui, preender 0 €D- gente trabalho € com] que remonta juremeiros, ‘ea Umbanda, cuja © nsdo acompanha a bt! rocratizagao das instituicoes religiosas Pastado, 0 cendrio religioso de eMIhandlra, ao Longe dos anos 1970, seré marcado pelalegiti Jmbanda frente a CO- munidade de jjuremeiros € pelo declinio das chamadas mesas de 4 subme- Catimbd. No contexto do “novo” culto, a Jurema seri ao mitologica e ritual. Essas mudar- tida a uma reinterpretacs tas, contudo, nao ocorreram de moclo passivo, mas dentro de um proceso dinAmico ¢ dialético. O encontro entre esses dois 3s, portanto, sera caracterizado por uma interinfluen- dia ativa, uma circularidade. Assim, procuro mostrar, © partir oe escrito dos rituais ¢ dos relatos dos seus protagonistas, a importancia, na configuracao dos atuais cultos ‘umbandizados, sae tradicao, que fez de Alhandra uma das principais refe- réncias da Jurema nordestina. Faz-se necessario, no entanto, uma breve adverténcia: 0 re ete coc baleen oP CE eee e finalizado no inicio de modo que muitos dab seus : nose gate ano> pe, Se de eae OL eee Ea ee 10 pode ser dito em relacao a alguns los sagrados para os juremeiros — que univ £6.05; eeceeee BEKEREEKEOEE ( @HOOOROKE igh foram destruidos nos ultimos anos. Apesar de algumas modifi- cages e acréscimos, procurei manter as caracteristicas ¢ 0 con- tetido do texto original, mesmo consciente de que poderia té-lo escrito de outro modo e que o cendrio que descrevo ja ostenta novas caras e paisagens. 6 IntRopu¢é0, © culto da Jurema tem sido objeto de um debate signifi- cativo no Ambito das Ciéncias Sociais nos tiltimos anos. Esse expressivo interesse pelo tema, no entanto, surge ap6s quase meio século dos trabalhos pioneiros de Mario de Andrade e Goncalves Fernandes. Nessa (re)descoberta do tema em nossos, dias, um dos seus enfoques me parece bastante significative © culto da Jurema no Ambito da Umbanda. Esta, desde o seu surgimento, na primeira metade do século XX, tem se repar- tido em uma multiplicidade de versdes, que reflete a propria diversidade do ovo brasileiro. © presente trabalho discute © encontro, no municipio de Alhandra, Paraiba, entre esses dois ‘universos, perscrutando suas implicagdes na configuracao dos atuais cultos umbandizados. Na reflexo aqui proposta, pro curo mostrar que a singularidade da Umbanda praticada na regio, apesar das mudangas que essa nova orientagao religi- sa vai desencadear, reside, sobretudo, na importancia para 08 seus adeptos de um legado mitico e simbolico, advindo da tra~ dicao dos mestres juremeiros. Mapear os alcances dessa tradi ‘cao 6 um dos objetivos da pesquisa ora apresentada. Na teniativa de uma apresentagio preliminar, podemos de- finir a Jurema como um complexo semistico, fundamentado nO culto aos mestres, caboclos e reis, cuja origem encontra-se NOS povos indigenas nordestinos. As imagens e 0s simbolos Pre sentes nesse complexo remetem a um lugar sagrado, descrit? pelos juremeiros como um “reino encantado”, os “encantos ow as “cidades da Jurema”. A planta de cujas raizes ou cascaS se produz a bebida tradicionalmente consumida durante 2 sessdes, conhecida como jurema, 6 0 simbolo maior do culto. igh [A sown oa JoneaA ENCAITADA ela a “cidade” do mestre, sua “ciéncia”, simbolizando ao mes- ‘mo tempo morte e renascimento. ‘A expressiva presenga desse culto em Alhandra, sobretudo nna propriedade denominada Acais, vam senco registrada,dire- ta ou indiretamente, desde a década de 1930 por autores como ‘Fernandes (1938), Bastide (1945), Vandezande (1975), entre ou- tros. Todos, no entanto, se ocuparam da Jurema no ambito do ‘Catimbé, culto ainda muito proximo da influéncia indigena, ‘cujo cerimonial consistia basicamente em “trabalhos de mesa”, ‘as chamadas mesas de Catimbd. Passados quase trinta anos da re- alizacao da altima pesquisa na regia0_ (VANDEZANDE, 1975), ‘ocenario religioso de Alhandra passou por mudancas significa tivas, remetendo a novas pergunias e inquietasdes sobre o culto. No presente trabalho, parto dessas inquietagdes para rediscutr ‘a Jurema tradicional, a importincia do legado dos antigos mes- tres juremeiros nesse contexto, e compreender os sentidos dessa ‘gadicio para a Umbanda local. Vale salientar que empreg0 9 tezmo Umbanda designando as crengas e praticas aqui descritas vassim as denominam seus protagonistas. “D teadicao da Jurema na regiio esta intimamente ligada ‘aoe tnciioe da antiga aldeia Aratagui, especialmente 20 dino Segente desses indi, Indcio Goncalves de Barros « seus doe TeBrntes. Denire esses, destaca-se Maria do Acais (FERNAN- Sas 1998), mestra falecida na decada de 1930, que viveu entre Rani 2 Alhandra, cujo prestigio ultrapassou as fronteras da Paratbs!, Ocalto por eles praticado, 0 Catimbs, entra em deel Fipa partir da década de 1970 (VANDEZANDE, 1975). Houve, Tune da localidade (Anis de Baixo) « da fazenda onde resid ce ope ten wen mamuscrito do stculo XIX de autora de uma antigs saris Os propriedade, ela ¢ denominada Acay. Segundo Dorinha atual ne oe Perlige nome da fazenda era Acat Tambem ouvi de juremeiros PP thos que o nome da prestigiosa mestra era Maria do Acat. Parte dio rae roan, Cobatzna, em mapas do século XVI, denominado, em 1865, deere reperrilicas elaboradas pelo engenheiro Anténio Goncalves da fast Arno, como Rio Acs. Nas referias carta, slo também descrtos os Teesrotes ou alton” @as terras do Acais. Taewe es ‘Somono Guneaniss os Sat ‘em contrapartida, um crescimento consideravel da Umbanda, que, nas tltimas décadas, tem se configurado como um rove valor na escala axiolgica da comunidade de juremeiros. ’A seguir, procurarei sitar, de modo introdutério, a8 <5 cusedes cobre 0 cullo da Jurema no contexto das chamadas religies afto-brasieira®. O periodo analisado vai d2 decada de 1960, quando surgem os primeiros trabalhos sobre 0 TST ate oe ance 1990, com o advento das primeiras pesquisas sobre © © 0s ntexto da Umbanda. A apresentacho das pesqi50" mais recentes sobre o assunto, por sua vez, também n29 pre tende ser exaustiva. Limitar-me-ei aos primeiros estudos de- senvolvidos em programas de pés-graduacso. = CONSIDERAGOES SOBRE A DSCUSSAO DO TEMA aparece muito tardia- Ointeresse pelo fendmeno da Jurema de popular no Brasil mente entre os estudiosos da religiosida Nicamo sua presenca nos “candomblés de caboclo”, registrada por Arthur Ramos ¢ Edison Carneiro, passa q492° despercebi- rivou ignorada por eases autores. Este dltimo, embors tenha Sppistrado varias referéncias a Jurema nos cantices POF ele co- Ietados, faz este nico e breve comentario: (0 feitico direto, hoje praticamente abolido, no nos interess% particularmente aqui. Apenas hd a notat, entre as espcieS Y<- yume reasakar a Importincia, a partir da década de 1980, dos estudos sobre Joram em contentos contempordneos indigenas, Esses estudos se inseresy aervente nas penquisas sobre os sistemas de identificacdo étnica dos indios Uo Nordeste. Nesse contexto, a Jurema — como o toré, ao qual esté intima: ‘fant lida ~ figura como sinal diaritico na afirmacéo dessa identidade. {nes trabalhos também tem se ocupado de outras questOes, como as praticas ifgicoreligiosas e medicinals da Jurema e a penetracio de elementos ad- ‘indos dos eultos afro-brasileiros em contextos indigenas. Como referencia, ‘ug etura de Trombon 95), sobre os Kur Granewald (2006), sobre os Athan « Mota G07, sobre oe Kod Kai Xac, Enbort o presente 0 trate da Jurema nessa perspectiva (dos indios contemporaneos), Ro pphincio ceptulo procuro situa o culto a partir da sua origem entre indi ras no periodo colonial oa 19 * ¢ 5 E i COOLER EGS BBS ae igh A sonena 04 junswa ENeanrann r Do mesmo modo, Manuel Querino, em 1938, embora men- -cione a presenca da Jurema e a influéncia indigena nos can- domblés de caboclo da Bahia, limita-se ao seguinte relato: ‘5 encantos chegam as cabecas das mulheres conforme o rito africano, notando-se que o preparo das ervas difere na quan- tidade e na qualidade, pois sdo empregadas apenas duas ¢ ‘entre estas se-distingue o arbusto silvestre denominado Jure ma (QUERINO, 1985, p.74). O fato é que, desde Nina Rodrigues, as atengdes estavam voltadas para as religides afro-brasileiras, sobretudo as de tra- dicao jeje-nagd (DANTAS, 1988; FERRETTI, 2001), considera das mais “auténticas”, mais “puras”; 0 que levou Bastide a afir- mar, com relacdo aos congressos sobre o negro, realizados na década de 1930 em Salvador e no Recife, que neles 0 interesse pelo afro-brasileiro era sempre mais pelo afro que pelo brasilei- ro. Essa insisténcia em uma tradi¢do imemorial incorrompida se mantém indiferente ao fato de os sistemas sociais das cultu- ras afro-brasileiras — ¢ da cultura afro-americana de um modo: geral, como tém procurado mostrar desde a década de 1970 Mintz e Price (2003) — terem sido receptivas a condigdes so- ciais mutaveis. Com efeito, os africanos trazidos para a América estabele- ceram-se no novo ambiente apropriando-se tanto dos novos instrumentos disponiveis quanto da memoria da Africa, trans- mitida e reelaborada de modo complexo e por caminhos diver- sos, Esses argumentos, no entanto, ndo devem ser usados para minimizar a opressao e a exploracdo dos negros nem a desu- manidade dos sistemas opressores (MINTZ e PRICE, 2003), No Brasil, essa busca incessante da Africa passa a ser posta em questo, em uma perspectiva desconstrucionista e icono- clasta, a partir da década de 1980, especialmente a partir do tra- o 10 (1988). balho de Beatriz Géis Dantas, Vous Nagd ¢ Papai Brarc ac 2, Como procurou mostrar a autora, 0 modelo nage #678, gh or aA gee pepe cnn eda ris a so ede por afticanistas como categoria analitica para se PeNS®T de resistencia, sem se dar conta de que “trasos ALTE, an ee” (i ery (O discurso de diversos na sociologia brasileira” (ibid, p. 20) cee conde dis ne acoso so afneana se auto PerP ee ger eo wntes sobre cultos de de Port (2005). oe Be o : matriz africana, como observou Matti; oer ss e ficacdo liga-se a outro aspect A Be eae niaee ecbre' a Rictoria dos OVS dia bém presente nas pesquisas sol ae a mteiro , zi genas, como tém procurado mostrar Monteir ce ae (2003), Boccara (2005), entre outros —, que ago- th ae ae e brancos em categorias mopalltiats erie nicas. Nessa perspectiva, 0 negro é visto ou como aquele 1" resiste, mantendo sua identidade étnica ¢ cultural, sua Per'etl ¢a 20 mundo dos orixis, ou como sujeito aculturado, vstina destruicio, pelo branco, dos seus verdadeiros valores culturais e tradicionais. Nessa logica bindria, 0 negro deixa de ser const derado como sujeito historico, inserido em negociagbes, estrate- sgias de poder, de afirmacao politica e reformulacdes de identi- dade em face das transformacées do contexto social e cultural. Mas a questao que me parece mais importante para a xe- flexdo aqui proposta é o fato de essa busca incessante pelos africanismos, como se deu também no Recife, com 0 grupo or- ganizado por Ulysses Pernambucano®, na década de 1930, ter cidade da civilizaga : de vinte anos da introdugae dos questi it ritos rece! ciados, permanece em muitos esc! a js van An na década de 1930, criou no Recife o Servigo de Hi- Cito afer sistncia a Psicopatas, reunindo diversos estudiosos dos to. Em gerd, © pron Promovendo a aproximacio destes com os pais de sar. Pit © Brupo seguia.aIégica de Nina Rodrigues, de quem Ulysses igh A sonra 04 juneaa eNCANEADA desencadeado uma série de if 3 i aces purificadoras. Nelas, cultos ‘misturados”, como o Catimb6 e outras formas de “impure- Zas”, a0 is”. 3, alee SRS ees xangos mais “autenticos” (0s quais equi- ae a candomblés mais “puros” ds Bahia), Saas a Bnei estudiosos, considerados “ilegitimos”, Riera obra de charlatdes e exploradores (DAN- te }). O Catimbé — que jé nao era visto como uma tra- ligao indigena Pura, tampouco como culto africano, sendo, portanto, a mistura por exceléncia — viria despertar apenas © interesse de alguns poucos pesquisadores. E assim que, ao referir-se ao cenério religioso do Recife dos anos 1930, René Ribeiro faz o seguinte comentario sobre o culto: Intimeras outras casas, no mais com o carter de grupos de ‘culto estruturados, com hierarquia de dignitarios e figs, rituais, de iniciacao e calendario religioso, porém de afiliagdo flutuante polarizada apenas em torno da figura de umn sacerdote magico- adivinho, funcionavam nessa época. Eram centr de eatimbs, de caboclos, onde o sincretismo religioso parece ter avancado mais, e em que parecem ter se transformado as antigas “casas de angola” seguindo rumo um tanto diversificado do que no Rio de Janeiro viria resultar na macumba (1978, p.57). O primeiro a escrever sobre 0 Catimb6 foi Mario de Andra- de, no inicio da década de 1930. Um dos principais nomes do Modernismo brasileiro, ele ndo vinha da linhagem de estudos sobre 0 negro que surge com Nina Rodrigues, a cuja preocu- 1s africanas me referi acima. Como pagalo com as sobreviven: uum expoente do nacionalismo brasileiro, Andrade buscava elementos que representassem a identidade nacional. Assim, vai estudar as manifestacdes folcl6ricas, as artes populares, as dangas e miisicas tradicionais, tendo mantido uma estreita li- gacdo com o pesquisador potiguar Camara Cascudo, a quem incentivara escrever sobre 0 Catimb6. Os resultados dos estu- era discipulo. Compunham o grupo nomes como Waldemar Valente, René Ribeiro e Goncalves Fernandes. 2 Saworo Guincanhes DE SAULES dos de Andrade foram apresentados em uma conferéncia Pro- ferida pelo autor a Associacao Brasileira de Masica, em 1939, com 0 titulo Miisica de Feiticaria no Brasil. Ap6s sua morte, esse material foi publicado por Oneyda Alvarenga. Como 0 proprio autor adverte, o livro consiste em um estudo preliminar sobre tema, com sugest6es para trabalhos posteriores: O Segitestro da Dona Ausente e Miisica de Feitigaria no Brasil i dem ser publicados tal como estao, com a advertencia em su titulo “conferéncias literdrias” porque o trabalho definitive er2 muito mais sério e cientifico. Tal como esto nao passam de sugestdo para o trabalho de outrem (ANDRADE, 1983, 11). Em sua pesquisa, Andrade ird enfatizar a influéncia indigens no culto, distinguindo-o, no entanto, da Pajelanca. Sua obra ce primeira a mencionar a existéncia de uma mitologia no Catimb6, fundamentada no “Reino da Jurema”, que seria “uma das gran des regides maravilhosas dos ares” (ibid. p. 30). Senco um estas do, mormente, musicol6gico, 0 livro traz, ainda, uma andlise de canticos rituais e 43 melodias dos catimbés da Paraiba, de Per- nambuco e do Rio Grande do Norte registradas em partitura Mario de Andrade ainda teria participagao importante, em- bora indireta, em um registro do Catimb6 da Paraiba, em 1938. Trata-se da pesquisa realizada pela Missao de Pesquisas Fol- cloricas, criada por ele no periodo em que esteve como diretor do Departamento de Cultura e Recreacdo da Prefeitura Muni- cipal de Sao Paulo. Na Parafba, que foi o Estado mais coberto pela Misséo, foram registrados trés casos de Catimbé. Dentre eles, 0 do mestre Manoel Laurentino, no qual foi realizado um dos primeiros registros da entidade Zé Pelintra, uma das mais presentes no contexto da Jurema nordestina. Os resultados da pesquisa foram publicados em Catimbé, escrito por Oneyda Al- varenga, ¢ em Cachimbo e Marncd, 0 Catimbé da Missao, de Al- varo Carlini. Este tltimo, que seria a publicagao, na década de 1990, da tese de doutoramento do autor, inclui relatérios de Luiz Saia, chefe da equipe, a Sociedade de Etnografia e Folclo- S888 BAQAASSOESe Nd a a at gee ae SRARAAKAHERAEERE Digna com Camseanner teressasse, uma espécie ‘CARLINI, 1993, p. 64), Essa dificuldade na localizacio dos cultos deve-se a forte repressao policial de que eram vitimas os catimbozeiros. Como observou Fernandes na década de 1930: “Abordar mesa de Ca. fimbo, mesmo das mais conhecidas, sem a fianca de pessoa de dentro, € tempo perdido. A acdo repressiva da policia faz com que retraiam as reuniGes” (1938, p. 89). Quanto ao fato de ter sido informado de que havia “forte nticleo catimbozeiro” exis- tente em Alhandra, Saia afirma nao ter visitado a regiao por- que soubera, através de Goncalves Fernandes, do falecimento da mestra que ali residia. Claro que ele referia-se a Maria do Acais, que falecera um ano antes da visita da Missao. Outra referéncia ao Catimb6 de Alhandra e ao culto pra- ticado na propriedade do Acais jé havia sido feita por Azthur Ramos, em 1934, Ao contrario de Andrade, de quem foi contem- Poraneo, Ramos, discipulo de Nina Rodrigues, esta bem inseri- do na l6gica da purificacdo que marcou 0s anos 1930. E é nessa Petspectiva que ele faz uma das primeiras referéncias, embora acidentalmente, a Jurema de Alhandra. Em O Negro Brasileiro, 24 Sawouo Guinaandes 01 Sates no capitulo sobre o sincretismo religioso, o autor cita um tex- {0 Publicado em 28 de marco de 1934, no Jornal de Alagoas, e™ ue é relatada uma caravana de Maceié com destino a0 Acais A matéria, marcadamente preconceituosa ¢ ironica, do eae Pedro Paulo de Almeida, descreve uma sessao de cura, na ie teriam sido utilizados o fumo e o-vinho da jurema. O Jornal explore, sobretudo, 0 fato de ter a mestra (provavelmente Mere do Acais) zepreendido um dos visitantes que descansava SOP WT Pé dejurema, alegando que tal ato seria a causa do insuces odo texto: teabalho de cura por ela realizado. Vejamos parte do text ae — Meu sino, pru seu caso, ndo pude curar 0 meu Continuous “Saia de ribadomestie” iano, = Qual mesire, minha senhora? — retorguis 9 GrasSe ~ “Do mestze Espiridiao, que morreu, mas do” nesse pé de jurema”! na mao, beljou [..] E para satisfazer a feiticeira, de sees humildemente o tronco da arvore, exclaman‘ = Perdao, spiridiao!* Perdao, mestre Esp ie ncia ao fato, Assim, mesmo nao tendo dado importa ceatisdrios existentes © primeiro registro das cidades da Jurema, s: ‘ona regio. em Alhandra, de fundamental importancia para 0 W''0 "" grupo Goncalves Fernandes, ligado a Arthur Ramos ¢ 4) organizado por Ulysses Pernambucano, € 0 primeizo © a gem afticanista que surge com Rodrigues a interessot 7" 7, estudo do Catimbé. Em 1938, ele escreve 0 Folclore 1 Nordeste, uma das publicagdes da Biblioteca de Divules! tifica, dirigida por Ramos. Apesar de nao tratar exclus Be mente do Catimbé, é esse o tema central do livro, Ele traz. rela" tos biograficos de mestras prestigiosas (como Maria do Acai Joana Pé de Chita), descrigdes detalhadas da Fazenda do Acais, além dle sessdes de mesa e “Jurema de chao”. A influéncia dos estudos sobre as tradigdes africanas no Brasil, preocupagao central do grupo ao qual estava ligado Fernandes, ainda se faz *Apud RAMOS, 1988, p. 112-113. 25 A somana 09 JURBNA BNEANTADA. __ notar pela énfase na presenca das sobrevit f E 5 obrevivencias afric Catimb6, especialmente as de origem jeje-nago. eee Castigado durant Costes te largo tempo de incompzeensio privagSes Hnuas, pouco refeito pelos de sua raca, 0 negro perdeu 2 continuiidadl religiooa na Paraiba, De toda a ua riquezacimbs- lia ficou a pratica do ebs, hipertrofiado como reasio ini para efeitos magicos imediatos, tomando tio necessario era sentido, todo 0 campo que restava duma organizacao mistica, Nao hou- ‘ve fuga para o culto dos orixés (FERNANDES, 1938, p. 8). _ Otrabalho de Fernandes ¢ um marco no estudo do Catim- 66, sobretudo pela riqueza de suas descrigdes: a propriedade do Acais, sua capela repleta de “santos bonitos”, a altivez da mestra Maria do Acais, por ele descrita como “notavel, enri- quecida, de modos de grande senhora” (id. p 86), entre ou- ag. O Folelore Mégico do Nordeste vai orientar diversos estudos sexe o tera, dentze eles os de Roger Bastide, 0 qual vai 0" oor a questao colocada por Femandes sobre os fatores git le Diam onegro na Parafba a “aceitar” o Catimbe como religifo. ar putes estudiosos buscavam as sobrevivéncias africans no Brasil, olhando 0 Catimbd com lentes purificadoras, Cama- Be cascudo vai procurar os vestigios da magi europeia nessa Te digao. Embora em Meleagro ele tambént aponte a presenca narcan! ‘contexto, as influéncias da magia te do negro nesse Seveania — a magia branca europeia — 80, de fate, Sree tp da obra Assim, descrevendo inicialmente © Catimb6, oe firma: “[..] € uma soma de influéncias © convergéncias, He > todos 09 cultos. A feigfo mais decisiva ¢ da feitsaria =X Sopeia’ (1978, p.19). Cascudo descreve oragoes fortes, sess6es, 7OPFolos, a mesa e.0s objetos sagrados do Catimbéy sendo wm dos primeiros a chamar a atengio para o fato de que muito do que se pensava ser de origem africana nas préticas md igico-re- ligiosas do Brasil tem, na verdade, uma origem euroPe Essa aproximasao com 0 universo da magia greco-romar 6 funda- puontada pelo autor tanto pela presenca, no Catimbé, de leis ‘universais” da magia, como as formuladas por Maus, Hume Simos Gurmaadas ve Sates e Frazer, por ele citados, quanto pela presenca de elementos de origem europeia: oracdes, como a da Cabra Preta, esconjuro%, como o “vai-te pro mar coalhado”, e simbolos, como o Selo le Salomao ea chave de ago virgem. ‘Ao referie-se, no final de Meleagro, a “ciéncia catimbozeira” de um mestre de Serraria, que empregava 0 “Sino Salamac” < Sutros elementos da feitigaria branca, Cascudo afirma, “Feline fo Saldanha, 0 catimbozeiro de Serraria, s6 empregou 28% poe e europein, facile sabida, Nem uma reminiscencia 4 negra cu da América indigena” (ibid.,p. 207). Tanbors Roger Bastide, como mencionado, tenha chal atencao dos estudiosps dos cultos afro-brasileiros P&T Tt, cessidade de olhar nao $6 0 “afro”, mas também “brasileiro”, jmanteve um especial interesse pelas formas de ‘conservagao dos tragos africanos no Brasil. Nessa diregdo, ocupow-s= £77 mostrar a superioridade — em termos de pureza — 49 tradigdo nago- EuPefato, o Candomble foi seu principal objeto de exnge, ginda que tenha procurado dar conta do cenério das religiOes ain i jleiras como um todo, no que chamou de Geograt ae Religides Africanas no Brasil. O Candomblé, por cle considera- do o paradigma das religides de matriz africana em nosso Pais, Sia fem terinos durkheimianos) uma “verdadeira” religi80 ao ae nia dos ealtos de tradicao banto, como a Macumba, aie teria se “degenerado”, passando de religido a magia. Seguindo a discussio iniciada por Fernandes (1938) sobre a presens® dos negros no Catimbé da Parafba, Bastide argumenta que esS°5 °°" Hem, em sua majoria, de origem banto, 0 que significaria ter tuna mitologia menos "desenvolvida” e mais inclinada a magia do que a daqueles da Guiné. Assim, diré que 0s primeiros, que no teriam ultrapassado 0 estado de “animismo ou manismo”, ma mitologia tao ricamente organizada as divin- mado a ne que nao possuiam “un como a dos Yorubé, aceitaram com mais facilidade dades da nova patria” (1945, p. 188). Como em Ribeiro (1978), vemos aqui a mesma l6gica que associa os cultos bantos a uma tendéncia a degeneraco, a impureza, ao sincretismo. ~-=222228866004 ‘Asounna on yortun micawrann __ Bastide também argumenta que o negro teria aderido a rel ido do indio como uma estratégia para a ascensao social, uma vez. que o primeiro estaria, desde 0 periodo colonial, abaixo do segundo na estrutura social. Por outro lado, o Catimbd seria uma “‘desforra” contra essa situagdo de “inferioridade”: “E ele [0 ne- gro], em verdade, que se torna catimbozeiro, que dirige a sessio, que comanda o grupo dos caboclos; ele inverteu a situacdo total- ‘mente; pela religio, tornou-se o chefe” (BASTIDE, 1945, p. 252) ‘A presenca dos negros no Catimbé seria, na perspectiva do autor, uma escolha, um ato consciente, no qual 0 sujeito tem plena consciéncia do que esta deixando para tras, de que sua “verdadeira” cultura é a africana. Assim, essa aceilagao do ne- ‘gro em relacao a nao de uma formagoes dos dois autores acima mencionados, 3 ‘brilhante em exquiisa de campo propriamente dita. Embora 8 Ty. aces vad andlises,‘chega, assim, a algumas conelusoes eee an Stressadas, apresertadas em Jmagens do Nordeste Mir, Bomee ¢ Preto e no primeiro capitulo de As Religioes AIT no Brasil, Contudo, a obra de Bastide, cujas contibulske * podem ser desconsideradas, consiste na primeira ano Giologica do Catimbé. Suas ideias sobre o transe, POF 0 ctastendo-se da tendéncia ento vigente que o concebe © *9 fendmeno meramente patolégico — aproximando-se, Ness pecto, das ideias de Herskovits —, foram fundamentals P tim novo olhar sobre as religides de possessao no Brasil. Com sidere-se, ainda, que me limitei, aqui, aos escritos de Bastide sobre o Catimbé, longe, portanto, da pretensao de analisar sua contribuigdo para o estudo da religiosidade popular brasileira como um todo. O mesmo pode ser dito em relagao aos demais autores citados, ALGUNS ESTUDOS RECENTES anc aS ees Primeitos trabalhos, a Jurema s6 viria a tornar-se bjeto de pesquisa na década de 1970, com Roberto Motta, que igh A sowans Da juncNa ENCANTADA ie ee are -pernambucanos, tendo perscrutado a pra- ma nos centros de Espiritismo popular nos terrei- ros de Umbanda e Xango do Recife. pera . Em suas pesquisas, Matta constatou que o modelo considerado “classico” de religiao alti- cana encontrado nessa cidade, o Xang@, era praticado apenas em aproximadamente 15% dos terreiros, A Jurema, por sua vez, era praticada em cerca de 60% dos centros de Espiritismo popular (MOTTA, 2005). O autor inaugura, por assim dizer, uma nova ‘perspectiva nos estudos sobre a Jurema no contexto dos cultos afro-brasileiros. Seus trabalhos, publicados em diversas revistas especializadas e difundidos em encontros e congressos, vao con- tribuir com a insergao do tema nos programas de pés-graduacao ‘Ainda na década de 1970, sob a orientacdo de Roberto Mot- ta, é realizada a pesquisa de René Vandezande. O autor toma como campo empfrico 0 litoral sul da Paraiba, mais precisa mente os municipios de Alhandra, Caapora, Conde e Pitimbu. Ele faz referéncia aos indios que habitavam a regido, situando- 08 a partir do contexto e das tensdes que marcaram 0 perfodo Colonial. A tradicao da Jurema na regio, especialmente em ‘Athandra, é descrita e analisada enquanto uma pratica manti- da pelas famlias descendentes desses indios. Vandezande des tack, nesse contexto, a importancia do mestre Inacio Gongalve Ge Barros, iltimo regente dos indios de Alhandra, e seus des- Cendentes — dentre eles, a prestigiosa mestra Maria do Acais © trabalho de Vandezande, tanto em seus aspectos etno- gralicos quanto te6rico-metodolégicos, configura-se, ainda hoje, como uma das principais referéncias sobre o culto em ‘Alhandra, Ele 6 0 primeiro a estudar o fendmeno das cidades da Jurema ea chamar a atengdo para a destruicao desses san- tudrios. Embora tenha enfocado, sobretudo, a tradigao do Ca- timbo, tendo descrito as sessoes de mesa que predominavam no cenério religioso dos anos 1970, 0 autor aponta a crescente ¢ inevitavel expansdo da Umbanda na regiao. Com efeito, no postéicio da sua dissertacao, lé-se o seguinte comentario: 0 Sanpro Gunwanes 08 Snubs [J estamos assistindo a0 nascer de uma religito tipicamente brasileira, a umbanda, onde os simbolos de outras religioes no Brasil so assimilados a tacos culturais diversos ¢ labo ados em um novo conjunto religioso (1975, p- 208) Em 1991, durante a II Reunido de Antropdlogos do Norte € Nordeste, realizada no Recife, Luiz Assungdo apresenta uma comunicacdo sobre 0 universo religioso afro-brasileiro na © Sade de Natal, destacando o culto da Jurema nese contexto & chamando a atencao para a realizagao de pesquisas sobre essa tematica (ASSUNCAO, 1991). Anos depois, o tema € retomado Toautorem sua tese de doutorado, intitulada O Reino dos En- Caminhos: Tradigdo e Religiosidade no Sertaio Nordestino ‘bre a Jurema, no contexto dos sido realizados em terreiros lo- ‘como Recife, Natal, o autor vai estuda- cantados ~ (1999). Enquanto os éstudos so! cultos afro-brasileiros, tinham si calizados em cidades do litoral nordestino, Joao Pessoa, Alhandra, Pitimbu e Caapora, a em um novo universo espacial, o sertao nordestino. Assim, toma como campo empfrico as “casas” de Umbanda situadas nos sertées da Parafba, do Piauf, do Cearé e de Pernambuco Finalmente, em 1995, é apresentada a dissertacao de mestrado de Clélia Moreira Pinto, Sarmod Jurema Sagrada. Seu trabalho con- siste em um estudo comparativo do culto da Jurema em trés con= textos diferenciados: 0s terreiros de Xango e centros de Umbanda do Recife e entre os indios Atkum, em Pernambuco. A autora nos mostra que a influéncia do Catimbo seria uma das princi- pais caracteristicas da Umbanda praticada no Recife. Do mesmo modo, nas casas de Xang6 mais tradicionais dessa cidade, onde ha uma maior resistencia ao culto da Jurema, este seria praticado pela maioria dos seus membros em outros espacos de celebragao ‘ou em suas proprias casas. Em sua pesquisa, portanto, Pinto evi- soe a see resenca dessa tradicio nos diferentes tipos ee lira existentes na capital pernambucana xposto, pode-se concluir que, nos estud : f z dos sobre os atuais cultos afro-brasileiros do Nordeste, o culto a Jurerr impo Ac 4 x rama se ipoe como fundamental a reflexdo, O interesse tardio pelo A soma Dn JunnMa secatann ‘ema deve-se, mormente, ao fato de as atencdes dos estudiosos, por muito tempo, terem estado voltadas para as tradicées ditas mais “puras”, mais “auténticas”. O fato 6 que o cenério descri- to pelo pesquisador muitas vezes reflete apenas 0 que ele quer ver. No caso em questo, nao era do interesée dos estudiosos aquilo que parecia ameacar a autenticidade do seu objeto de estudo. Afinal, como explicar entidades como mestres, reis ¢ caboclos ocupando o mesmo espaco das divindades africanas, quando se esté assentado em uma perspectiva de coeréncia e pureza das tradigbes religiosas? Como escreveu Barth (2000), 9 antropélogo frequentemente se defronta com um cendrio = cultural sincrético, mas seria “treinado” a suprimir os sinais o- de incoeréncia € multiculturalismo com os quais se depara, modernizagao. Desse modo, o pesquisador tende a olhar seu objeto com um “filtro” que seleciona e descarta o que julga ina- dequado. Contudo, a Jurema se apresenta na atualidade como um campo fecundo, pouco explorado e desafiador, sobre 0 ‘qual temos, ainda, mais perguntas do que respostas. @ ~~. Considerando-os como aspectos nao essenciais, resultantes da £ ~~ a ay REPENSANDO A JUREMA: ‘QUESTOES TEORICO-METODOLOXGICAS O presente trabalho, escrito no inicio do novo século, reflete as preocupagées, os limites e desafios de pensar a religiosidade popular — eem especial o culto a Jurema — na contemporanei- dade. Nas Ciéncias Sociais, e mais precisamente na Antropolo- gia, a andlise dos mundos contemporaneos tem sido marcada por uma tendéncia a autoreflexao e desconstrucéo, pondo em questo a epistemologia modernista, ante a complexidade de um mundo ao mesmo tempo integrado e fragmentado (AUGE, 1997). Nesse contexto, a emergéncia de novas conceptualiz. Ges tem posto em questdo conceitos fundantes da Antropolo- Bia, como cultura e tradigao, os quais nao seriam possiveis de serem empregados sem uma ampla discussdo sobre seus limi- Sawoxo GuIARAES 08 SALLES tes e alcances. Com efeito, a cultura foi quase sempre tratada como uma totalidade dada, objetiva, possuidora de uma coe- rencia intrinseca, situada no tempo e no espaco, capaz. de ser representada com neutralidade pelo antropologo. Quanto as nnogoes de tradigao — que neste trabalho ocupa um lugar cen- tral — ede “sociedade tradicional”, ambas tém sido usadas fre- juentemente como conceitos nao avaliados. Essas concepcoes, diré Giddens, poderiam ser explicadas pelos seguintes fatos: , Na sociologia, em razio de terem sido contrapostas a primei= \ : rena antropelogia, Por aoe gis com a modemidade; cna antropelogy Po aeenepeigo, uma das princpais implicaes da ia do ee tao muito frequentemente tem sido mesclada (GIDDENS, 1991, p- 80). O fato 6 que o conceito de tradi¢ao por muito tempo fa ligado a ideia de “sociedades da passividade”, cuja panels a caracteristica seria a estabilidade dos seus fendmencs © Como procurou mostrar Balandier (1997), essas cose f influenciaram ‘durante muito tempo as atividades te8e’a" © priticas dos antropélogos, enquadrando as sociedagies, PO eles estudadas em um “perpétuo presente etnografico”. aed cdo de tradicio & concebida na reflexio aqui proposta como NT construto simbolico, definido nao apenas pelo passado, Pe OF costumes ou elementos da cultura, mas pelo significado au Ihe é atribufdo no presente, ou seja, pela acao (dos sujeitos Ne! implicados) que vai reafirmar seus valores. : i No campo da religiio, observa-se em nossos dias uma diS- posigéo em compreender os fendmenos religiosos a partir da transitividade e fluidez que tem assinalado suas praticas. A questo de como se formam os sujeitos nesse novo contexto ~ em que as individualidades se assentam em uma “pluralida- de incoerente”, “contraditéria” (CERTEAU, 2003) — e de que modo sao formuladas as estratégias de representagdo e poder estdo no centro das novas reflexdes das Ciéncias Sociais (BHA- BEA, 1998), Digna com Camseanner ‘A somona Da junema sNcanrTaDA Essas ene: nae dee ates sabe Boena dette fx implicayes ase ae 5 grupos humanos vinham sendo representa- velhos métodos e epistemologias. Como se sabe, essas que ao se intensificar a partir dos anos 1980, nos Estados Inidos, desencadeadas, em parte, pela chamada crise das repre- sentapdes, tendo como principais protagonistas Clifford Geertz — mais precisamente em suas conferéncias no Harry Camp Me- ‘morial, na Universidade de Stanford, em 1983 — e membros do projeto Writing Culture, especialmente James Clifford e George Marcus. O centro dessa discussao é a pratica etnografica enquan- to mecanismo textual de produgfo de conhecimento e de autori- dade sobre os outros e sobre as culturas. Geertz e os participantes do Writing Culture, apesar de assentados em perspectivas te6rico- metodol6gicas distintas, partilham a ideia de que a necessidade de uma revisio da pratica etnogréfica seria uma consequéncia do fim do colonialismo, enquanto um fenomeno modificador da natureza da relacdo social entre os observadores e os observados. ‘Assim, a descolonizacao teria alterado as fundagdes morais da etografia, abalando 0 “estar la”. Paralelamente, 0 “estar aqui” seria abalado em suas fundacoes epistemoldgicas pela perda da cconfianca na representagdo etnogréfica (GEERTZ, 2002). Para Clifford, a caracteristica ambigua e multivocal das so- zada no que Bakhtin denomi- ciedades contemporaneas, sintet nou de heteroglossia, tornaria cada vez mais dificil conceber a di- versidade humana como culturas independentes, delimitadas e inscvitas, Desse modo, os procecimentos pelos quais grupos humarios so representados nao seriam possiveis de serem em- pregados sem que fossem propostos novos métodos ou novas epistemologias e sem que fosse considerado 0 debate politico epistemologico sobre a escrita e a representacao etnografica, Ao contribuir para o estranhamento e a desnaturalizacao dessas praticas, 0s eriticos da etnografia, nos anos 1980, inicia- ram um debate que ainda se mantém aberto, a partir do qual mnenhum de nds sairé ileso. Samoxo Guicashe> DE SAS so meto- em relagdo ao percu! to de Finalmente, é preciso dizer, dolégico, que no ha um modelo pronto ou um comer A vonceitgs velhos ou novos que possam ser empregades “it Solugdes aos desafios da contemporaneidade, "est oe forma seria uma contradigao com tudo que foi toe ae Desse modo, cada caso ira nos conduzir a shordagene a veeso eombinar varias delas, assim como SUBST Tt ainda ndo experimentados. Toda essa imprevisil ass ae: se ao fato de nao lidarmos com resis Oe Tins ALE Tee at c te. E, portant alida ( constante. E) portanto, CN andra na atualidade: em {lux quro pensar a tradigao da Jure CConcrixtO E SUJEITOS DA PESQUISA wais interlocutores 0S tive como princip: Sire dos ne, terreiros de Alhan- Grind So Jodo Batista, do pai Bur 0 Zé Pilintra, do pai Jodo, ou Ciriacey do pai Deca. A pesquisa” texto dessas casas. As- jecidas na Fazenda do = ne- Durante a pesquisi sacerdotes e frequenta dra; 0 Templo Religios Centro Espirita do Mestre eo Centro Espirita Ogum Beira-Mar, ‘no entanto, ndo poderia limitar-se a0 con! sim, informagoes valiosas me foram forn ape ‘Acais, por Maria das Dores (Dorinha) e Beatriz (Cacula) fas de Maria do Acais (av6 paterna) e da mestra Cassinur® (avo ‘am as conversas Com OS materna). Nao menos importantes for. : imestres Inicio da Popoca, Sebastiao, mestra Maria Grande e dona Ivete. Minha entrada no cenario da pesquisa di Fazenda do Acais, a Vila Maria Guimaraes, des tros, por Gongalves Fernandes (1938), René Vandezande (1975) e, como mencionei acima, acidentalmente por Arthur Ramos (1988). O Acais foi residéncia de renomados mestres, como Ma- ria do Acais, Cassimira e Damiana. Meu contato com as her- deiras da propriedade (Beatriz e Dorinha) comecou bem antes do inicio da pesquisa, devido a uma antiga amizade existente e através da ta, entre ou- 22.2 ick As ae, Re ee Digna com Camseanner meitos cor oS ee com ee a (Chamados de mestres ou pais n marcados por uma curiosidade recfproca, de modo que, muitas vezes, era eu 0 observado, tendo que evpli car quais eram os meus interesses. Nesses primeites momen Ss ogate ee eee santo e “cliente”, co Além das contribuicdes desses, foram fundamentais as conversas com os filhos e as filhas de santo, sobretudo aque- Jas realizadas em suas proprias residéncias, em um ambiente mais descontraido. Assim, visitei frequentadores das trés casas estudadas, como dona Judite, do Templo Religioso Orixa Sao, Joao Batista; dona Antdnia e dona Severina, do Centro Espiri- ta Ogum Beira-Mar; e, principalmente, dona Ivete, do Templo Religioso do Mestre Zé Pilintra. Fora do contexto dos terreiros, seu Sebastido, discipulo do renomado mestre Cesario, foi um dos que mais ajudaram no desenvolvimento da pesquisa. Seus relatos, enriquecidos com © seu modo peculiar de contar histérias, e sua companhia em varias andangas pela regiao foram fundamentais. Com seus 63 anos de idade, sempre bem-humorado, fez. questo de me acompanhar até as cidades da Jurema ainda existentes, como a do mestre Cesério, da qual era zelador, e de mostrar os lugares conde se encontravam as ja extintas. Foi seu Sebastido quem me Ievou a propriedade de Estiva — que pertencera a Inacio Gon- calves de Barros, tiltimo regente dlos indios de Alhandra —, onde ficava a cidade do mestre Majat do Dia antigas e renomadas da regio. ‘No menos importantes foram as cOn¥S ca, Gabriel, também conhiecido como Inicio 38 20 ga. ty 82anvs de idade, 6 0 mais respeitade dos "et ig do tendo convivido com seu Flésculo, filhe sua esposa, Damiana, Seu Indcio era Ps das filhas do casa, a quem chamav xa, quase inaudivel, ele me recebeu divers2" °C teo na fornecend informagdes importantes SO°% especialmente sobre as cidades da Jur soa 0 Durante a pesquisa, entrevistei em JO a te da Federagao dos Cultos Africano® Cen Sr. Walter Pereira, que gentilmente HX eS meiros da capital e dos municipios de Bayt, ‘historia da tradigdo da Jurema em NYT cionei, esta intimamente ligada ao witim® To da regio, Inécio Goncalves de Barros, © "°°. dados P Desse modo, procurei reunir 0 maior nam veis sobre sua familia, desde os documen’*™ René Vandezande) assinados por AONE Aragjo, responsavel pela demarcacio das 10 Parafba, referindo-se a Inacio Goncalves, até Mr recentes sobre suas propriedades e seus desc goes mi PLANO pos carfruLos Or cinco capialos que compiem 0 livro esto organiza dos da seguinte forma: 0 primeiro, intitulado O Legado ee aborda algumas questdes referentes aos indios norecet no periodo colonial, a presenga da jurema (bebida) entre eles; sua suposta irreligiosidade e as implicagées do seu encontro com os colonizadores. Em um segundo momento desse capi- tulo, procuro situar o contexto em que surge o aldeamento de Assuncao, ou Aratagui, sua elevacio a categoria de vila, até a extingao definitiva do aldeamento, em 1862. 7 igh ‘A SOMRA DA JUREMA ENCANTADA O segundo capitulo, O Ci Interfaces, versa ces ee eel rey lurid o Sua s ica dos processos de transforma- so ¢ reelaboragao do cuit. Nele, procuro situ: do Aca eee eee tuar a propriedade penonacens reneas z la tradicao na regido, onde viveram Besgonasene lnpartantes da Jurema, como Maria do Acais, : ’, Fldsculo e Damiana. No segundo momento, procu- ro situar a Umbanda, sua expansao no Pais e em Alhandra. No Capitulo IM, intitulado O Cosmos Religioso, discuto o sis- tema de crenca dos terreiros umbandizados da regio, a im- portancia da tradicao dos antigos mestres juremeiros na recon- figuracio do cenario religioso, seu universo mitico e simbélico eas cidades da Jurema, Em um segundo momento, analiso a interpenetragio ¢ circularidade dos elementos advindos dos antigos mestres e da Umbanda, o pantedo, as obrigacdes, a m' sica ritual e a bebida consumida durante as sess6es. No Capitulo IV, intitulado O Espaco de Celebragio, procure situar 05 trés terreiros nos quais realizei minhas observacbes. ‘Analiso os aspectos socivestruturais dessas casas, sua organi- zag4o, seus dirigentes ea relagdo entre eles. ‘No Capitulo V, intitulado Os Rituais, descrevo dois toques (cesses) para Jurema: 0 primeiro no Centro Espiita do Mes- tre Zé Pilintra e 0 segundo no Templo Orixa Sao Joao Batis- ta — um mais préximo dos elementos advindos dos antigos 1 csires jurcuieizos, e outro mais umbandizado. Ainda nesse capitulo, abordo as sessdes de mesa e seus significados para 05 umbandistas de Alhandra e faco uma descrigéo de uma sesso de mesa branca e outra de consulta. Capitulo T O Lecano INDIGENA CCONsIDERAGOES INICIAIS ligiosidade dos ‘Ainda conhecemos muito pouco sobre a religiosidaes - indios nordestinos ¢ menos ainda dos indios do pet nial. Contudo, nao € necessario muito esforgo para FEN: que neles se encontram as géneses do culto a Jurem DEBE a presenca de elementos indigenas nas cerimonias © ® Uo tincia da Jurema na construgdo/manutencao da ider' 7, étnica para a maioria dos indios nordestinos (GRONEWATD 2006), entre outros aspectos, evidenciam essa procedehS fa principal evidéncia advém, sobretudo, da rios documentos, principalmente a partir do sécul registram a ligacio desses povos com a Jurema no P'? a percebe! encia de v4 existencis Jo XVI, que iodo CO- 5 dos Indios foal O proprio documento que instituio Diretorio dos em Pernambuco, criddo pelo Marques de Pombal, Cove mos mais adiante, faz referéncia direta a Jurema, de do que seja abolido inteiramente seu uso. Pezessete anos antes do referido documento, em 1741, ume Prete eas Vie fiaca por Flenvicue Lufo Pereira Freire 2 ‘Andrada, Governador da Capitania de Pernambuco, ja alerte va sobre 05 riscos da bebida. A comunicagao versava sobre 4 prisdo de “indios feiticeiros” na Capitania da Paraiba, relatan- do que “nas aldeias usaram a maior parte dos indios de uma bebida chamada jurema”. No anexo da mesma carta, enconta- se 0 seguinte texto: [..] nesta junta propos o Excelentissimo ¢ [lustrissimo Senhor Bispo [que] se buscassem os meios precsos a remediar 05 et- que se tem introduzido entre os indios, tomando certas bebidas, as quais idas, as quais chamam jurema, ficando com elas loucos € AAARARAE VM AAA AAAAAAHRAAAAKSE @e@aeaaanen ig ae ae com visdes ¢ epresentasSes diabolicas pelas quais ficam per- suadidos nao ser verdadeiro caminho 0 que lhe ensinam os missionarios* Outro documento, bastante citado na literatura sobre o tema, também referente ao século XVII, foi descoberto por CA- mara Cascudo nos Arquivos da Sé em Natal. Trata-se de um fato ocorrido um ano ap6s a proibigao (no contexto do Diret6- rio dos Indios) mencionada acima. Como no caso denunciado pelo Governador da Capitania de Pernambuco, refere-se, este documento, a uma prisao decorrente do uso da bebida: Aos dois de junho de mil setecentos e cingtienta ¢ oito anos faleceu da vida presente Antonio, indio preso na cadeia desta ‘idade, por razao do sumério, que se fez.contra os indios da al- deia de Mepibu, 0s quaisfizeram adjunto de urema, quesse diz ‘supersticioso; de idade de vinte e dois anos, ao julgar, e pouco ‘mais, ou menos; faleceu confessado e sacramentado; foi sepul- tado no adro desta Matriz de Nossa Senhora da Apresentacio da Cidade do Natal do Rio Grande do Norte; foi encomenda- do peloReverendo Coadjutor Joao Tavares da Fonseca; e pelo ‘seu assento fiz este, em que por verdade me assinei. Manuel Correia Gomez, Vigério (CASCUDO, 1978. p. 28) Finalmente, em 1788, o padre José Monteiro de Noronha faz, em seu Roteiro da Viagem da Cidade do Pari até as Ultimas Colénias do Sertio da Provincia, o seguinte comentario sobre os indios Amanaié: A sua religito é nenhuma, 114 poréi entre elles pithoes, ou feiticeircs que 66 0 s40 no nome, fingimento e errada persua- #0 a quem consultio para predig&o dos sucessos futuros, em ut ge iteresso, recorrem para a cura das suas enfermi- ace Imuis rebeldes.[..] Nas suas festividades maiores uzi0 ose sic mais habeis para a guerra da bebida que fazem da mit deceto ‘Pio chamado — Jurema — cuja virtude 6 nimia- ‘mente narctica(apud LIMA, 1946, p, 60). D 488 (Projeto Resgate/UEPE), Sansko Gornardes BE SALLES De um modo geral, é possivel afirmar que a literatura dei- xada pelos cronistas a partir do século XVI. assim como OS documentos alusivos ao periodo colonial, ainda que de or questionayel valor para a iisionoee la oa) ra sficiais quanto a religiosidade desses p : : oaiiee ae da questéo indigena no Brasil a oe ‘uitas de no terem registrado nada sobre a c am durante um longo tempo- rem os jest oeta Goncal- daqueles com os quais conviver Preocupagio esta ja manifestada em 1848 pelo poeta Tom ves Dias, que, nomeado pelo imperador para investig5r o estado da documentacdo hist6rica existente nas ee io Para, do Maranhao e de outras peering : dres, los: do Nordeste, lamentava o fato de os padres, preocuPa2y cristianizar os indios, ndo terem “desvendado” seus Cou T, nem registrado nada sobre sua religifio © seus eee Como escreveu Giucci com relagao a escrita ne ae a a ra no sao 05 costumes 014 COS) nial, “O que perdure en e nos arquivos d ind bora: § indigenas, e sim uma série de textos elabo mene conquista, os quais [...] reduzem a historia 4 meméria $° de uma época” (1993, p. 88). somal Ofato € que, desde o primeiro século da colonizasao, fundida pelos cronistas e missionarios a ideia de que pth brasileiros ndo tinham religiao, vivendo em completa anOOT Costumava-se dizer, por exemplo, que estes N40 Ee ai vam as letras F, Le R porque nao possuiam {é, lei ou rei. COnIO escreveu Pero de Magalhaes Gandavo sobre a lingua dos ” geF" tios”, em 1570, “nao se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assim nao tém Fé, nem Lei, nem Rei; € des- ta maneira vivem sem justica e desordenadamente” (GANDA- VO, 1980, p. 124). Essa mesma “formula definidora” (GIUCCL, 1993) é reitera- da por Soares de Sousa (1974) e por Frei Vicente de Salvador. ” Ver preficio da segunda edica 61 setts igo da obra Anais Hi - nhs dohistorador Bemardo Percia Berredo, "©? Pstado do Mara Digna com Camseanner vn onsets cari ‘j Bate escreveu: “nenhuuma fé tém, nem adoram a a 5 nenhuma lei guardam ou precel algum deus; © a quem obedegam” ( mencionada, ainda, » P. 78). A formula & PO Summario das Armatass jesuita anénimo, ean 1504 de escrito por um da Parafba, Essa suposta : sendo associada ao 08, Cuja tradigao de- tras, no acreditavam no Diabo, Com, Castro, “antes de ser ‘ fem efémeras e impr ‘anas, 0s indios deveriam ser sal- Vos, e no escravizados. Essa ne recessidade de converstio dos “gentios”, em que pesem outros interesses, fo! a principal jus- \ificativa para a colonizacao da terra de Santa Cruz’ ‘A des, tmatio das Armatias que se fzeram, eguerras que se deram na conquis ado rio Parahyba, Como escreveu Laura de Mello Souza, muito fo dito sol fornecedora dos mecanismos ideolo brea religiso como escamoteando o inter gicos para a conquista das novos terms, esse econ dmico eas atracidades cometidas tm note de Deus. No entanto, embora sea inegavel a existéncia de um interesse materae, poweo foi dito sobre a iy tsta, dando, \portanicia da religifo na vida do homem quinhen. desse modo, ouea importancia para o mundo complexo da religiosidade (SOUZA, 2002, p. 33). a2 Sawono Goinunnes be Sautst crigo dos indios feita pelos inacianos, portanto, somobasivt essa justificativa. Vejamos, como exemplo, o seguinte relato do padre Fernao Cardim, escrito por volta de 1584, em seu Tratado fda Terra e Gente do Brasil: Be gn en cote pun it, znem de cousa dp Céo, ne se ha pena nem gloria depois dee ‘awida, portato nfo tem adoragio nenhuma nem cern” ins ow cute divine, massabem que ttm alma que ea 5° more. fom grahde medo do deménio...ndo no adorso, nem a alguma outra creatura, nem tém {dolos de nenhuma sorte, {CARDIM, 1978] p. 102). Como escreveu Pompa, ‘Os cronistas se recusavam a ver fatos de orcen religions onde a Escoléstica nig manda encontré-los; por isto, 05 San pet twpinambs so tho birbaros que no tém religito, Mas, Pot onto lado, com ples precisa oe realizar 0 desenho diving 08 Bregasto do evangelho aos quatro cantos da terra, Por Sst clesto "gents" acepsto eS. Paulo ousje nosso Har, nados pela verdaderaf6,mas so pasiveis de recebé-la. Entre barbaros e gens entre selvagens einooentes, entre austncia de eg mera a presen de wn fando de hemanidade que pode tornar o indio um bom cristo, se joge 2 parti construcdo do indgena na terra de Santa Grwsz (2003, p41). Um fendmeno ocorrido no Brasil quinhentista, no entanto, iia por em xeque a ideia deirreligiosidade dos indios. Trata-se da Santidade, culto registrado através das confissdes e dentin- cias de baianos e pernambucanos diante do Tribunal da Inqui- sigdo, em 1591 e 1592, & de dezenas de processos manuscritos depositados na To: re do Tombo, em Lisboa. No relato dos siondrios, a Santid; ROHAN igh Asowana pA juRtMA nearaon de ordinario algum indio de ruim vida" (1978, p. 103). Segundo ele, a Santidade tentava convencer os indios a nao trabalharem, anunciando que, com a sua vinda, chegaria o tempo em que as enxadas cavariam por si mesmas e os “panic” iriam as rocas e trariam os mantimentos. . Existiram varias santidades, sendo a mais conhetida a de Jaguaripe, regio localizada ao sul do Recdncavo da Bahia. Para Ronaldo Vainfas, que estudou particularmente esta iiltima, a Santidade seria o mais importante movimento de resisténcia amerindia ao colonialismo portugues. Sua expressiva aceitagio entre os indios teria sido uma consequéncia do forte declinio das populagies indigenas, vitimadas pela fome, peste e escra- vidio. Esse culto contradizia, portanto, a ideia de “docilidade” dos Tupi, que ndo s6 a ele aderiram, como institufram um papa, ergueram uma igreja ¢ adoravam uma mie de Deus indigena, que era um fdolo de pedra, a quem chamavam Maria. Assim como o Catimb6, a Santidade reunia elementos cris- tos e indigenas e tinha, do mesmo modo, a utilizacio do fumo como elemento central". Como escreveu Vainfas: .] 0 4pice da cerimOnia residia na defumagio com as folhas da erva ou na ingestio de sua fumaga pelos freqlientadores e condutores da cerimOnia, Razao de ser do culto, era a fumaga do petum que transmitia a santidade... 08 indios recebiam 0 “espirito da santidade” e diziam que seu deus viria jé livré~ los do cativeiro e fazé-los senhores da gente branca (VAIN- FAS, 1999, p. 136-137). © que é fundamental para a reflexdio aqui proposta ¢ 0 fato da Santdade most, sins no primo eéculo da coloniza-y 2 Esse fumo, que 0s indios chamavam de erca-santa, passou a ser consumi- do por varios portugueses, que nele se toravam viciadas (CARDIM, 1978, p. 108). Tendo se estendido esse habito aiéas metr6poles, alguns palses europeus ppessaram a proiti-lo, sobretudo por seu cardter “magico e rebelde” (VAIN- FAS, 1999). No séeulo XVI, dois papas manifestaram-se contra sua utilizagio centre os ecesisticos, sob pena de excomunhao, gue indo etavam one dees te gue, 27 tas ideias e crengas do cristianismo acess ntrério da apzegoada passividade dos indigenes no Pro de colonizagio, para se estabelecer nas novas terras, On sores enfrentaram forte resisténcia desses povos @ + 2002). AJurema idade, po xe do texto socioculturs — ae 1 Souz jade por’ wa Souza (2002), o surgimento de uma Feligios Pe ja lis a to de a tar ainda no Brasil quinhentista estaria ligado so it 2 de Ee, pria cristandade brasileira distanciar-se da se da a indivel & explora sobretudo por admitir a escravidao, impressing igma ie Gio colonial, sendo, desse modo, caracteriz& pel ‘ni fraternidade”. A isso se somaria o fato c8 2 colonial s6 ter se tornado uma preocupasdo 26 0 do século XVII. Até mesmo as visitas pastorais ae oat gidas pelo Concilio de Trento, 56 teriam acom a ae. clerono XIX. Assim, diré a autora que a relacdo entre Roma ee standade ; ach Brasil teria dado espago para 0 sur} ger oe ada 00 poder especificamente colonial, muitas vezes SUOT NA 6 negtor! figos de branco, indio ¢ F temporal ou aamnicy Es eR sno pelo fato de ZA, 2002, p- 88)- : (SOUZA, 2002, P- eae raveis ‘pacdo em apontar os fatores favoraveis a0 SY gimento da religiosidade popular no Brasil colonial jé ten sido manifestada por Maximiano Machado na sua Histor’ Provincia da Parahyba. Para ele, houve, na Parafba quinhentis- ta, certa tolerancia por parte dos jesuitas, que permitiam nas aldeias as tradicionais consultas aos pajés e que os indios le- vassem & guerra certas “divisas” ou “sinais”, com os quais Se sentiam invulneréveis. Desse modo, o “corpo fechado” sorte de crencas populares existentes na Parafba teriam deriva- ‘odessa “mistura” de elementos cristéos e indigenas, permiti do is de elementos cristaos e indigenas, permiti- Ga pelos jesuitas. Como escreveut esse autor: . Essa preocu 45 Digna com Camseanner ——S-—ttt—~—N {somes D4 JURENA EHCANTAEA + {J com essa mistura de crengas, ceremonias catholicas e pa- gis ideavam os jesuftas uma theogonia pela qual tivessem sempre 0s indios do seu lado, sem todavia serem suspeitos ao governo da capitania. [..] Ainda hoje na gente rude dos campos... subsiste a crenga do poder sobrenatural dos sezes subalternos dos deuses dos selvagens. E ao mesmo tempo que se confessa, ouve missa e reza o terso, nfo hd quem retire do seu espirito essas abusdes, toleradas ao principio pelos je- suitas, confundidas depois nas crengas e por fim transmitidas as geragées até o presente (MACHADO, 1977, p. 350). Entretanto, ndo s6 0s inacianos foram acusados de serem complacentes para com os costumes indigenas. Segundo Frei Antonio de Santa Maria Jaboatam, em seu Novo Orbe Seréfico Brasilico, quando os frades menores assumiram a administragiio das aldeias ao sul da Capitania da Paratba, trataram decombater nos indios os “maus costumes” tolerados pelos jesuftas. Desse modo, proibiram que cantassem suas “cantigas barbaras” eque utilizassem os “sinais” e as “divisas” recomendados pelos pajés ‘aos que iam A guerra, obrigando-os a casar e viver como cris- tos. Os que se recusavam eram amarrados a um tronco e casti- gados. Anos depois, o governador da capitania, que precisava dos indios como soldados em suas batalhas contra os franceses 0s Potiguara, condenou as agdes dos franciscanos, proibindo que 03 indios fossem obrigados, por “forga e medo", a aderir 20 Cristianismo. Jaboatam, lamentando 0 ocorrido, escreveu: Diretamente contra aley, ¢ doutrina que 08 religiosos tinharn pregado, ate aquela hore, quebrando com isso 0 tronco, por afrontar 0s religiosos, e os desacreditar com 0s indios, man- dando-lhes pregar liberdades, do que resultou a cahida, que Se verd adiante. (..] O que visto, e publico, 0 dito capitao se contenta muito, e satisfaz, dizendo que sio soldados ¢ que para soldados nao ha mister ser santos (1988, p. 6467). Esces relatos, como tantos outros sobre os povos indigenas no perfodo colonial, permitem afirmar, como mencionado aci- ma, que, a0 contririo da apregoada passividade desses povos «6 Swore Gumanais ve Saites no proceso de colonizagio, os indios dlesempenharam um pa- pel muito mais atuanteje complexo do que se supunha, “in- teragindo com os demais agentes sociais de diversas formas, que vio da fuga ao ataque, da negociagao ao conflito, da aco- modagio a rebeldia” (PORTO ALEGRE, 1998, p. 32). As comu- nidades indigenas, portanto, mantiveram um didlogo aberto ‘com os novos tempos (MONTEIRO, 2001). Assirn, embora ej inquestiondvel a natureza contlitante desse encontro, ¢ preciso livrar-se, como nos diz Pompa, [uJ do costume difundido entre historiadores e antrop6logo de configurar o encontro entre os missionérios ¢ 08 indigent ‘como um choque etre dois blocos monoliticos, um imponclo seus esquemas cultlirais e religiosos ¢ 0 outro absorvendo-os, sendo destrufdo (op aculturado) por cles ou, por outro lado, “resistindo” em volta de sua imutével tradigio (2003, p. 21). Nessa perspectiva, 0 indio ocupava na historia um dos dois lugares a ele reservado: 0 de her6i resistente, irredutivel, man- tendo a cocréncia ¢ pureza de sua cultura, ou o de vitima de exterminio, de “aculturagio”, de destruiao de suas tradicdes. Uma Jogica bindria, portanto, que deixa de considerd-lo como sujeito histérico, obliterando suas negociagdes e estratégias de poder, de afirmagado politica, suas reformulagdes de identidade frente as transformagSes do contexto social e cultural. A esse pro- pésito, tem havido, como afirma Boccara (2005), uma disposigao para uma releitura do passado e do presente das sociedades in- Pelee Balle de Bit oi odoroe e antropélogos, inclinados a biel spe recesios pea adaptagao emudanga, aban- io idvemorial, de “aha eto, ene. @ permanéncia de uma tradi- se gmat de um lado, ea diluisio da identidade indigena smos de aculturacao, do outro, AVILA DEAUIANDRA | Até meados da Paraiba cctinha mie XVII toda a historia da C; 1, te ‘apitani: fea hoje identificada como Mata Pat ar O.6 KE CO QL DODAGAREY igh ‘A sowota Di june Encanrana raibana. Essa é, sobretudo, a historia dos Indios que 14 habita- vam e do contato destes com os colonizadores. O municipio.de Alhandra, antigo aldeamento de Aratagui, situado no extremo Sul dessa espacialidade — area dé colonizagio mais antiga da Parafba —, esteve diretamente ligado aessa hist As terras onde a referida capitania foi criada pertenciam, em sua maioria, & Capitania de Itamaracé e a uma pequena area da Capitania do Rio Grande. Para a Coroa Portuguesa, a conquista da Parafba foi.fundamental ex seu avanco rumo ao norte, que linha como objetivos, além da conversio dos “gentios” a fé ca- t6lica, a expansao da atividade canavieira e 0 controle sobre a extragao do pau-brasil. Os poucos trechos ocupados antes da conquista tinham sua permanéncia ameagada pelos Potiguara, que resistiam ao avanco dos colonos luso-brasileiros, a0 mesmo tempo que mantinham relacdes amigaveis com os franceses. Es- tes — que nfo reconheciam a divisao das terras entre Espanha e Portugal, estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas — eram mais um entrave ao avango dos portugueses, construindo ben- feitorias e extraindo pau-brasil no referido territ6rio. O fato que deu inicio a uma série de expedig6es militares a partir de 1575, que resultariam na ocupasiio da Parafba, foi 0 ataque dos Potiguara ao engenho de Diogo Dias", localizado no vale do Rio Tracunhaém, que pertencia A Capitania de Itamara- cé. A tltima expedigao, de 1585, contou com a ajuda dos Taba- jara, que haviam se instalado na Paraiba hé menos de um ano, vindos das margens do Sao Francisco, na Bahia. Esses indios, inicialmente, fizeram alianga com os Potiguara (seus antigos ini- migos) nas lutas contra os luso-brasileiros. Alianca essa, contu- do, que duraria pouco tempo, tendo os portugueses, em agosto ™ Dos indios Potiguara, da Serra da Copaoba, autorizados pelo Governador Geral, haviam resgatado uma jovem india, filha do cacique Iniguary, que se encontrava em poder de um mameluco de Pernambuco, De volta, a0 passa- rem pelo vale do Rio Tracunhaém, Diogo Dias, encantado com a beleza da jovem, teria raptado-a. Os Potiguara revoltados mataram Dias e quase todos (6s habitantes do seu engenho, atacando, ao mesmo tempo, 03 outros povoa- rmentos de Ttamaracs. a a sano’ cordo com os Tabajara, 4 .ceses, prevalec € frances Pe = ito ance wrap de 1585, estabelecido a contra os Potiguara ates tnimizace entre 03 dois povos gual 0s colonizadores bem souberamn 870% Sintra os indios nese processo de OCUPAShS | registrada no Sumario das Armadas, 20 I ST. (ua Grito por um jesuita que acompanhou 92 ara. fe Tabajara) nas lutas sangrentas cont (Os ALDEAMENTOS ; capi ‘A Parafba, que surge como bordinada a Coroa, foi criada ocupanc® © do Rio Abias, na bacia do qual surB°, fal do século XVD, 0 aldeamento de ATASEr fawdo jor indios Tabajara. Na cape i. Veios if primeiros Incumbidos da administragéo 1% 0 que significava cristianizd-los e mante- ee lonos". Esses aldeamentos, de um modo gers) 7 mantidos seguindo a logica eo interesse do coloniz8 mostrou Carvalho, - Inicialmente, quando a posigo portuguesa ainda mente fragil e circunscrita, 03 aldeamentos estéo pequena 4rea ocupada, a protegé-la. A medida que © P potiguara vai sendo afastado, através de suce: digdes de guerra, os aldeamentos so deslocados para mais longe, de forma a permanecer “nas fronteiras” (expressdo comum na documentagdo), protegendo os estabelecimentos existentes, e ocasionando 0 deslocamento/desaparecimento dos aldeamentos mais centrais (2008, p. 29-31). ‘ ina Pato rapa, como fica ainda neste Fstado 0: ou Aralagut, que recebeu o nome de. i io pelos Em 1746, 0 aldeamento é administrad 108 fra! sana noes rome que hes FOR AACTEE hose . Ereanose psuitas regisnamno como Aldet =f0d0r iscanos ejesutas, regisirar=-10.6O" neste Pe a sma pertence? alo ‘Assuncio de Aratagui. A mesma pert elevs o 765, na ocast a. freguesia de Taquara, S6 em 1: 2 te ° apa de vila, passaa ser denominada de Alhance— Do ALDEAMENTO A VILA: RA fo Dineronio 00s {vores # A viLA DE ALHAND! seqoria 18 aia A elevacao. do aldeamento de Arata catebdiget vila de Alhandra) marca o Bim de ue éculos e que jras, mais CO- do de 1755 2 1777, i el. iministro do Rei D. Jos: . al assinou coma Inglaterr# Sebastido José de Carvalho e Melo, 0 ‘ nhecido como Marques de Pombal, no perio. em que este esteve como primeiro-s inicio do século XVIIL, Portug: n ‘ o nat de Methuen, que aumentava sua dependencia om = Jagdo aos ingleses. A grande dfvida que os Jusitanos conta | a partir desse tratado, entre outros fatores, leva-os a uma rn crise econdmica. Com o objetivo de mudar essa situagao, Pom- bal inicia, a partir de 1755, uma série de reformas radicais em Portugal e suas colOnias, combinando princfpios mercantilistas com ideias iluministas. Como parte dessas reformas, a Capita~ nia da Parafba esteve anexada a de Pernambuco de 1756 a 1799. en qual foi anexada também a Capitania do Cearé e certo econbmicae polien de oa tommaresse o grande 0 ¢ politico de todo o Nordeste oriental. 53 Digna com Camseanner S—— | A onan 08 pa ECANEADA Para Pombal, Portugal precisava sair do atras encontrava (em relagio a outros paises europeus), ainda assen. tado em uma politica feudal. Desse modo, os jesuitus foram identificados como o grande obstéculo a criagao de um Estado modero, laico, o que resultaria, em 1759, na sua expulsao da metropole e das colonias portuguesas, Distanciando-se da l6gi 0 em que se tegré-los a Sociedade portuguesa, transformando-os em vassaloe do ral et A mesma lei de- eamentos com um ndmero suficiénte de ita ossem transformad vilas e que fosse tetirado 2.poder temporal dos missiondrios, sendo estes substituidos Por governadotes, ministios e pelos principais dos indios. Pou- © tempo depois, 1757, sob'o argumento de que estes tltimes (ainda) nao eram capazes de se autogovernar, 6 instituido o “Diret6rio que se deve observar nas Povoacbes dos indios do Para e Maranhao enquanto Sua Majestade nao mandar o con- trario”. Como nos diz Almeida: sen Entrava‘se, assim, no dominio do conceito de menoridade do Indio © da necesséria tutela, Criava-se a figura do “dire. tor", um servidor secular a ser nomeado pelo governador do Estado para realizar, a exemplo de qualquer funcionério na colonia, servigo de interesse publico nas missdes que também se haviam transformado em éreas de dominio comum. © Di- eldrio destina-se a instruir esses funciondrios no exercicio de ‘Seu ministério (1997, p.167-168). No ano seguinte, uma versio adaptada do Diretorio écriada em Pernambuco: a “Diregao com que interinamente se deve regular os {ndios das novas vilas e lugares eretos nas aldeias da Capitania de Pernambuco e suas anexas”. O texto apresenta alguns acréscimos em relagio ao de 1757, sendo um deles a Proibigho direta a6 uso da jurema, 84 ps De SAUL Sawpno GuIMiAKAt jos as ebrie- Advirto aos directores, que para desterrar ee ane da su- dade os mais abuzos ponderados, uzem dos meen, avidade e brandura, para que no suceda que, Seger 8 reforma em exasperagto, se retirem dO BO io castigoy quenaturalmente os convida de sua parte o horror &0 Of e da outra a inclinago aos barbaros costumes, & ae entindo:o Ine esto cot instru e exemplo, nao conser ‘cameo dasjuremas contrdio nos bons costames © nada Util, antes prejudicialissimo a satide das gentes*. ‘Odocumento consiste em uma série de adverténcias sae aie retores sobre como esses devem “persuadir” os indios ORE cesso de “civilizagao” e integracao, tomando como m« = a branco civilizado, catélico, Entre as muitas recomendag oe (Ores, enicontram-se as seguintes: o incentivo aos casa’ er tos entre brancos e indios”, a proibicao do uso do termo ea o para designar esses vassalos e seus descendentes, a proibigao 0 uso da lingua nativa e das moradias coletivas. Mais de urna vez, 0 texto se refere a “prudéncia”, “suavidade” e brandura’ que os diretores devem ter em todas as suas execugdes, princi- palmente quanto as reformas dos “abusos”, “vicios barbaros ¢ “costumes”, no sentido de evitar que os indigenas, “estimu- lados da violencia, tomem a buscar nos centros do mato os tor- es e abominaveis ertos do paganismo”s, Somgpct - coed seca fete ges tmeegese ae? in otenes ds graduades dene ican 'POstos, ficam pags CIM 8 ioe OBB SE68KE igh . a a AA ORAOOHHAL a aso EO ; ‘Samono GUINA! A sown Da yunena encarta Para tal missio 0 juiz de fora Miguel Carlos de Pina Castelo Branco, o qual ficou responsével por 23 aldeias nas capitanias do Cearé, da Parafba e de Pernambuco, icando 0 ouvidor-ge- ral das Alagoas, Manuel de Gouveia Alvares, esponsivel por 24 aldeias ao sul da Capitania de Pernambuco. Como mostrou Carvalho (2008), na criagdo das vilas paraibanas, doze alde- amentos foram resumidos a cinco vilas. Os aldeamentos que nao sofreram elevacio foram transferidos para outros, sendo misturados, inclusive, os Tupi do litoral com indios do interior, considerados Tapuia — como no caso de Jacoca, que recebeut indios Panati, vindos de Piancé, sertéo da Paraiba’, Os indios do aldeamento Siri, em Pernambuco, foram transferidos para Aratagui, A ordem que recebera o governador de Pernambuco para fundar as vilas determinava que as mesmas tivessem nomes de lugares e vilas portuguesas. Desse modo, Aratagui, elevada a categoria de vila em 1765, recebeu o nome de Alhandra - Joo Martins Vianria Escrivéo nomeado para o estabelecimen- to das novas Vilas. Certifico que as ordens régias contidas na cextido retro foi publicado por mandado do Dr. Juiz de Fora Miguel Carlos Caldeira cle Pina Castelbranco e para constar oreferido passei z presente. Aldeia do Aratagui a 1°de junho de 1765, ens fé de verdade.Joto Martins Vianna. [.] Pela mier- ‘cé, que receberam na criacdo desta Vila, que o Doutor Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelbranco, Ministro encarregado desta diligéncia, apelidou com 0 nome de Vila d’Alhandra, determinando que junto do Pelourinho, que fez eigis se pas- assem as arrematagdes e mais autos que se devem celebrar ‘em publico e de tudo para constar fez este termo em que assi- rout a nobreza da Vila [.® 3 Como visto, essa mistura de ndios Tupi com indios cansideradas Taputajé hhavia ocorrido em Aratagui, com o descimento, ext 1704, dos Paisex, 2» Apud Carvalho, 208, p. 266. A BATINGAO DOS ALDEAMENTOS ‘Alhandra, que continuaria ligad2 seria mais tarde integrada ao ae sere exteve pando muniefpio em 1959. Henry Kost soar Tnttagine doer sonnet Rien g partimos para Goiaria, & rca de ‘mana partimos P* 0 en ioper “Alhandra,aldeia incligena beat eu SD woado 7% sien peace tos moradores. Esse Po visto. Em vez wnt Pa que 3 om 10 os outros que tet ruas, rs v' a tease #forado Pe TS omals POV. casas de cae ig conservada, nada le! a proxi rasa tena do roe de Ananda, PIT mo 08 Aue es indigenas. : es teguas, nto 80 Soiana core de tees 3 Seman ou rr, seu meio os mamelucos € ™é | a eriagdo da vill tos, Passado mais de meio stele caine 5 documento: ‘go do Diret6rior ira e 28 anos da extin cricenciam as dificuldades entrentadas, no 8 imperial, na elaboragao de um “plano 8% ‘pes existentes ent indios”, revelando a continuidade das tens tro. Dois desses cesses, de um lado, ea Igreja eo governo, de ON Ba, de documentos, um de autoria do vigsrio de Alhand®™ Tn Melo Moniz, de 14 de setembro de 1826, e outro ooo ‘va, data- tedas vilas do Conde e Alhandra, Felis Correia de Sou7®y rest do de 9 de setembro do mesmo ano, foram enviados a0 Pl as dente da Provincia da Parafba, Alexandre Francisco de Seix Machado. Constam nos documentes informacées solicitadas pelo Imperadlor, através do citado presidente, com 0 proposito de ajudar na elaboragao do referido “plano”. Para tanto, eram requisitados dados sobre a indole, os costumes e as inclinag6es dos indigenas e sébre os motives pelos quais os esforcos para nib ee donate despesas da Fazenda Publica”, do Vigiti Brande tan s. Vejamos, portanto, parte da carta ao dos 87 igh tei | A sounes 24 JURE EXEMTABA ed Esta Vila de Alkandtra est situada em um terreno apreciével e muito abundante de pescarias nos rios que a crculam, e man sguss adjacentes, onde os nos vao diariamente carangucja, dai tiram seus sustentos, e fazem alguns dinheiros Sand rarem farinha, por isso que nada plantam....] os indios vi vem aqui 6 entregues a indoléncia, enada trabalham tudo falta de policia... ndo tém indole alguma, vivem brutalment, or isso que nao tem quem com perfeicdo os c inclinacdo dos indios é 0 écio, onda, peisaus em nada, a ‘ocupamy porém sempre se inclinam mais & arte do ma De acordo com o document, a vila era c is de duzentos “fogos” (casas) de indios, Dentre eses pone fers arate se No tan 0 igs f \es dos indigenas, acusando-os de indolentes, de causarem prejuizos aos senhores de engenhos da vizinhanga e de nao aproveitarem os investimentos que 0 Tesouro Publico teria feito para sua “civilizacio”. Vistos den- tro de uma perspectiva meramente produtivista, os indios si0 descritos como preguicosos, apesar de ser relatado que estes “diariamente” caranguejavam e assim garantiam "seu susten- to”. Para combater os “maus costumes”, tanto o vigrio quan- to Felis Correia, em sintonia com a politica assimilacionista da época, propuseram que 0s indios fossem dirigidos por um ‘branco que residisse dentro da prépria vila. O comandante, sendo ainda mais duro que o vigério, enfatiza as questdes de insubordinagao e ociosidade dos indios. Vejamos alguns tre- chos do manuscrito do primeiro ao presidente da Provincia. CO costume ordindrio destes indios em todo tempo ¢furtar e be- ber aguardente, por cujo motivo viveu em abatimento ¢ tudo procede da ociosidade em que vivem, eles nfo temem nem res- peitam a ninguém sto muito mudéveisna sua conduta,e muito {nconstantes em todos os seus projetos, no ha quem vigie sobre cles, para os domar inclinados a civiizarSo. [.] a preguigae in

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