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SUELY KOFES UMA TRAJETORIA, EM NARRATIVAS DADO ITERNACIONAIS DE CATALOGAGHO KA PUBLICAGAO (EP) (CAMARA BRAS LEIA DO LVR, 59, BRAS Susy Koos. Corgis SP: Mesea e 1. Gedo, Consul, 198-863 2.Nulheres—Blograta | Tao, ova con.nsan089 cepa paint gc: Vane Rota Goce repre tos ogi tsa Cc Srp les ‘mares eacoarente: area Gece ‘EstAoRa cowrou come APaiO 60 "PROGRAMA DEFOS-GRADUAGAO 00. INSTTUTO De FLOSOFIAEGENCAS Em meméria do Paulo, que deve estar ainda ao pé de uma Serra rindo das histéi jas que ouve. [IRETOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA ‘© rrencaoo ve ceraas eoigdes ELivnaniaLTOA. “ost (10 227 ta0r8.t0~ Campinas SP ash iwostarcase-de- eat comoe Da v6 Zarrua, que me ensinou a nao ter medo de bruxas. A Jamila @ ao Seme, meus pais. AGRADEGO O suporte financeiro do Fundo de Apoio ao Ensino e 4 Pesquisa (FAEP), da Unicamp e ao CNPq pela Bolsa Produtividade. ‘CO pstimulo intelectual daquelas que pioneiramente compuseram 0 primoiro projeto integrado do Mioleo de Estudos de Género Pagu Histériae Femininas, Momériase Experiéncias’ 2 deli até ‘ioe, 0 didlogo fecundo com Adriana Piscitol A Carlos Brandéo @ Maria Alice pelo apoio e pelas informagées toa posquise. A Joanne Marie pelo interesse em me ouvir falar desta pesquisa ‘SUMARIO Bololl pela leitura paciente e estimulante do texto, sua 0 9 organizagao gréfica final dos originais da tese, llunos que compartiiharam comigo 0 curso sobro o método narrativas, Nossa interlocugao esté aqui expressa. 1@, porque sendo imprescindivel no Departamento do E:PNOGRAFIA, EM TRAMAS: PESSOA, texto das (9 nas) tramas . ‘me receboram com simpatia e afeto na cidade de Gos 6 Manama soe coet bes sraries i, codendo-me partes de seu tempo, documentos, fotos final: género e cultura na politica ou politica | em sas casas, no Gabinete Literério, no Colégio Ri 670 a potietoa nna, no Lieu de Golénia, no Colégio Bstadual Professor gusto Pirlo, nes Gartérios, no escritério do IBGE, em nas calgadas. Mesmo sem aqui nomear cada uma das em cada um dos lugares, todos que mo roceboram sabom igo inostimavot que deram a este trabalho. Aceda = | MODIJANTIRO/ OUTROSENREDOS........ ontribuigdes, 0 meu reconhecimento. Inesquecivels ITINERARIO, EM BUSCA DE UMA TRAJETORIA . . . at - 31 - 35 - 60 n .79 4, _ ENTRE TRAMAS E ENREDOS, PESSOA E PERSONAGEM . . . , 123, Narrativas @ alguns estilos deenredo.. 0... 02... 2. 123 Um paréntese para uma interconexdo narrativa: apoctada cidade . . 5. NARRATIVASE EXPERIENCIA.. . . Uma experiéncia de deslocamento . . . A exporiéncia da publicizagéo.... 2... se Ele: Ela: Género em esbogos......... Experiéncias, reminiscéncias, contexto... (Que me dis quando fal do esqueclmento, 1.20 mesmo tompo rconheco de que fal, come poderla eu reconheetio so ndo 0 recordasso.* APRESENTAGAO, ‘Ao contrario das damas de Duby, Consuelo Caiado, cuja trajetéria cons- sscreveram sobre as mulheres pensavam delas. Confia nestes ela verciade que dizem, mas no que dizem,* O século XII esta bem mais longe deste historiador que Con: esta muitos dela ainda se lembram, esta tornou-se uma lembranga privada, sendo ‘a5 narrativas sobre ela motivadas, principalmente, pelas perguntas que fiz. Publicamente, Consuelo foi esquecida, mas no porque néo tenha ocupado uma cena publica. Como foi tecido este escquecimento? E esta a pergunta formulada neste trabalho e que ordenou sua elaboragao.” Esta pergunta, considerando que Consuelo Caiaco nascou em 1899 © morreu em 1989, exigi um percurso retrospective no tempo, além do deslo- ‘camento geogréfico (Consuelo viveu quase toda sua vida na cidade de Goiés, estado de Gotés). Alguns pressupostos orientam este trabalho. O primeiro é que nao harrar alguém ou algo é um mecanismo eficaz de institui-los, metaforicamen- to, como “mortos”. © segundo é que a meméria se constréi no jogo entre Jombrangas e esquecimentos e, no plano dos agentes, no embate entre o que @ lembrado eo que 6 esquecido,’ entre o narravel e o inarravel. Afinal, o “ser ‘ nao ser" de Hamlet poderia sor intorpretado como um diloma entre narrar lombrar como morreu o rei, sou pai, ou esquecer 6 tomar isto esquecido inarrvel no reino. Assim, o terceiro pressuposto, decorrente dos dois pri- meiros, considera a presenga de embates politicos, permeando a constitui- (pho das narrativas e permeando a lembrenga e o esquecimento. 2. Nisin Conta cmumnigo sore anrpgasto Bras anbmesausids somoantopdeea nos fia “noon retpetv, to senvere, essen de ceo eonens qe sam « sor comiderdos scusdro, Ms uma basa na sti poera mcr ua ct Conjuntta que evel sa importici, Ou, perio der oar fora, om Sather, sida finland de Anropologia, que ceo conexos toa alguns ates “ora de conten ribo ‘esc stand uma “autos”, rem am campo etc ods, emoreau ‘aan nso com as aes ow autres frlizads nests referrals, perme mr relat prin holo A ue foreland: x war de cmc de jus peongens ee consti de um novo cortex Vex Cas, M.A mts imgincn 9 gto a hsria da atepolgi ine Cero Pag (Sh 1995; Srathom, BM. “Pera de fom, Las finer persasvas de ta anroptot’, iz Reyoxo C.F surginint de ‘nirepeloya posers Nexo, edie. 1991 Chien Seana. Hire narra em W. Ben, Sto Pal, Pepetn, 1998, Note Iva precoro amie pergtandose wba npr do conar oma Misr" estbeec uma Highton Mlowta dc binned eraurade Wer Deni. Su etry, qb ich Pr dice a inp dala Ho mj, As nog de pena soe igh \erelulglo hs spersoe 9 ejctiant ‘Mas, pressupostos assim tao gerais justificam-se quando, como 6 0 caso desta pesquisa, 0 foco é tdo modesto e tao particular, isto é, debruga-se fobre a trajetéria de uma pessoa? Aceitel o desafio de nao mudar o foo, proservando os pressupostos, Mesmo porque, estou convicta de que a experiénoia de um sujeito preciso nao escapa das concretudes socioculturais que tensamente o realizam enquanto pessoa. Eis porque minha intengao. nou é fazer da inteneao biografica um exercicio atnogratico, Para isto, busquei inspiragéo em algumas discussées contempora- hoas sobre narrativas. Sem resistir eu propria a "armar um enredo". A pesauisa de campo que fundamenta este texto foi realizada entre 1094 © 1995, em duas viagens ao estado de Golds. Na primeira, permaneci 40 dias na cidade de Goias entrevistando pessoas, lendo e copiando o acorvo lo Gabinete Literdtio e lendo a literatura local. Se, para os padrées etnogré- {ipos, otempo foi curto, a intensidade da “imersio" compensou parcialmente Min pouca extensdo. Outra compensagao é que o material copiado e fotoco- Pitco © os livros adquiridos prolongaram o “campo” quando en jéestava em ‘Pampinas. A segunda ida ao campo foi um ano depois, durante 15 dias, quando ‘itive apenas em Goiéinia, entrevistando ex-moradores da cidade de Goids Iignclos a Consuelo Caiado e também alguns escritores que escreveram ‘Wobro a cidade,* Pormiti-me varias licencas na escrita deste trabalho. Uma delas, o mamento de fronteiras disciplinares sem o devido aprofundamento em questées especificas. Um historiador, por exemplo, poderé, com razao, jialtlerar minhas incursdes bastante ingénuas. A minha resposta fragil 6 munca abandonei os pressupostos do meu préprio campo de conheci- jologsia, ao longo de sua trajetoria, elabora interpretagdes, explicagées, | também se constitui narrando as estérias ouvidas, escrevendo 0 ‘Pergunta «ue explicitet acima (como foi, na meméria da cidade de tWcido 0 esqueclmento de Consuelo Caiado) foi uma espécie de fiona ‘ho ll Con tem Hoje 0 stato de mugeridas, mia porque, para (8 tajetoria do @ “bxcquacido", elementos marcantes em eua experiéncia e umn contexto (04 quais nada sei: ou porque néo possivel saber, ou porcrue néo me lim, OW ainda porcue esta néo foi minha intengéo nesta pesquisa, illo fo1 possivel escaparinteiramente de uma das regras da narracéo, ela dla sologéo cue os agentes fazem do que é ou néo contado. Ainda quando trata-se de alguém que “escondou” sua propria vida. Assim, idoxalmente, as trés distintas experiéncias femininas que Natalie Davis It. ¢m sou livro, embora no século XVII, estiveram mais acessivels A lynciora, Nada foi escrito sobre Consuelo e, aparentemente, ela nada Eis porque ao focalizar Consuelo Caiado encontrel-me com Cora it © com o poder da escrita, Dols textos inspiraram-me nesta ‘abordagem biografica”, que nao 6 bmente uma biografia, pois se focaliza a experiéncia de um sujeito, onde a reconstrugdo de sua “vide Um doles, o curto ensaio de Hebert Baldus, "O Professor Tiago Mar- #0 cagador Aipoboreu". Longe de ser uma biografia exaustiva, este lo 6 um rolato vigoroso que nos permite a compreenséo dos impasses fonfiguram uma experiéncia. ‘Mago Aipoboreu, Bororo oriental, patrocinado pelos patires da Misséo dla sua excoléncia escolar, ¢ educado, viaja pela Europa e acaba sous em Sangradouro, nem europeu nem Bororo, Em curtos pardgrafos, os leva ao fulcro desta trajetéria quando nos fala sobre como as clo tefeit6rio do seminério, abertas a Tiago Aipoboreu para tomar café las do festa, vao se fechando; 6, quando, apesar de querer ser um lon Tago nao mais poderia s¢-1o, *ndo tinha otalhe atlético dos antigos HNegiindo texto cue me inepirou, pela mesma razio do anterior, 6 0 Darcy Riboito sobre a experiénoia de Uird, indio Urubu, que teria ‘Ao final da Joitura de ambos néo é preciso pedir mais do que as iagboe crue foram dadas, porque foram to sensivelmente encadeadas, ‘ Hoxo ontre a experiéncia social ¢ a trajetéria singular, tanto ade Tiago 0 i do Uird, tormam-se compreensivais. Este nexo no esta posto 1 do longas explicagées dos autores sobre o que ¢ individual e © que |, 0 que 6 ou ndo objetivo, mas vai sendo tragado pela propria narragao, {iW ordlona estes relatos néo é o comeco e o desonrolar de uma vida, mas 00H sobre 0 sou final, ou seja, porque teriam terminado desta ou forma: Tiago Aipoboreu, pobre ¢ sem lugar entre os dois mundos foratn possiveis um dia; Uiré suicidando-se no Rio Pandaré, ‘Nibo 6 esto um caminho interessante, o de tentar compreender uma no sentido inverso do que é 0 ciclo de uma vida, isto 6, ter o seu Ponto de partida? Tt heste sentido, guardadas todas, e néo sfio poucas, as diferengas Mou trabalho ¢ estes citados, que me permitiram consideré-los tontativa clo comproander a trajetéria de Consuelo © ordenar 0 que lexperiénela, foi dada uma énfase particular as questéos rolativas a ‘Nito para afirmaralgo como “esta é a biografiado uma mulher" 01 “esta .genero" onde situo a experiéncia de Consuelo, Para isto foi preciso ancorar-mo em uma parspectiva que procurasse entender os valores de masculinidade © fominilicdade que circulavam em Goiés nas épocas que considerei cruciais para {a constituigéo da experiéncia de Consuelo e de sua trajetéria. Para 0 acesso a ‘estes valores recorti aos jornais da época e @ literatura (também entrevistei pessoas de Golds que estdo hoje com £0 e 90 anos, mas sem a ingenuidade de considerar que cristalizam valores passados). AA intengdo original da pesquisa era ainda mais modesta do que este seu resultado, No inicio, tratava-se de uma pesquisa cujo objetivo era entender porque esta “estranha” Consuelo teria "ficado rechusa”, conforme os primeiros relatos que ouvi. No final, algumas revelagées: eu nada sabia sobre a discusséo fominista em Goids, nem sobre algumas peripécias locais da Federagao para 0 Progresso Feminino e sua luta sufragista 0, tando ouvido falar, desde a inféncia ‘om Golds, da “familia Caiado”, cuja projegéo sempre foi marcadamente mascu- lina, nunca soubera que ali se abrigava “uma” que bem poderia ter sido “um” doles, embora deles também se distinguisse, Seesta aberturadeconhecimento, ‘foi mencionado um plano estritamente empirico (houve outros), for comparti- Ihada também pelos leitores, este trabalho satisfaria o minimo daquela pers- pectiva que constitui, espero que ainda, um dos pressupostos fundantes da lantropologia: um estuco monografico que, ao debrugar-se sobre uma especifi- ‘oidado, amptia os horizontes do j4 conhecido e, ao precisar um contexto diferenciado, alsre, como nos lembra Dumont,’ possibilidades de comparago e lo generalizagao, Mas nao alimentare ilusées, estas possibilidades sao apenas horizontes, © que vai ser encontrado aqui, e permiti-me, é um artesanato intelectual bastante mitido. Segue-se, portanto, minha contribuigao 20 “handeirantismo", no caso hada herdico e bastante as avessas, Ethaographi wings can and do inform ‘human conduc ars Ludyomont in Inumorabl ways by Pointing to the choteos and restictions that reside atthe very har of soca ife* La socologia et ethnologo descriptive exigent que fon ‘soit afte charts, histaien, satistcen.. ‘et aussi omanciox™ Janeiro de 1994. 0 porcurso pelas ruas da cidade de Golés 6 um Fourso no tempo. Se o passelo se restringe a sua area central, © fazemos atentos aos seus monumentos, atravessamos a historia da cidade, simultaneamento, hho atual, Afastar-se muito do centro é aproximar-se apenas aos dias de hoje e, é também, curlosamente, encontrar em placas de JoJas ou servicos o nome “moderne”. Nos primetros reconhecimentos que fiz da cidade, antes de formar 8 redo mais densa de rolagdes que me pormitiscom comegar a /posquilsa propriamente dita, perguntando aqui e ali sobre a pessoa ouja trajetéria eu queria desvendar, notel © mesmo percurse na memoria. Lombravam-se dela quando mais moravam no centro ¢ “adi sablam deta quando mais dele estavam afastados. 4 ITINERARIO, EM BUSCA DE UMA TRAJETORIA mente, Augé nos lembra a relacéo sedimentada, e simplificada, cue © presente para os antropélogos, o passado ¢ o estudo dos documento} 08 historiadores. Poderiamos acrescentar, o que é bastante afirmado explicita esta concepgao, que ambos, antropélogos e historiacores, lila com a alteridade, no espaco ¢ no tempo. Entretanto, nesta pesquisa an polégica, com observacdo dircta do campo e com documentos escritos do iptorconoxio de temporalidades em um “agora” e, também, com aia eee Se lugares ex ut, ecru Em janeiro de 1994, dirigi-me a cidade de Goids, antiga capital do ‘estado de Goids, para realizar uma pesquisa. Minha intongdo era levantar varias narrativas quo me permitissem compreender, mais que reconstituit, do umamulher cue nasceu em 1899 emorreu em 1981, O interesse nesta biografia foi motivado pelo primeiro relato que me fizeram dela, em ‘Campinas, por uma pessoa que passara algum tempo em Golds. Neste relato, Consuelo, nascida em uma familia tradicionalmente poderosa na cidade, toria se tomado auto-reclusa: teria rompido com todas as relagées sociais @ Viveria sozinha “em um sobrado, deixando crescar os cabelos © as unhas”. ‘Tudo apontava para um conto de fadas (formei logo a imagem de um velho ® soberbo casarao, cercado de drvores centenérias, onde viveria uma “fera ‘dormecida’, Digo “fora” porque neste mesmorelato apersonagemera mais doserita como uma bruxa.). A maneira de um mito, esta narrativa também | proptinha um enigma: o que teria levado Consuelo a recluséo? Iniclalmente, tomoi a narrativa como descrigdo e, partindo da verdade da recluséo, me dispus a tentar entendé-la sob uma perspectiva estrutural 4 partir da histéria de vida de Consuelo Gaiado, Minha hipétese foi que esta Toclisdo seria um indicio de uma crise de relagbes sociais © que o acesso a hist6ria de vida com énfase na reconstituicao de suas xelagées sociais © de as “crises de vida" desvendaria tal enigma. Se, pouco depois de iniciada a pesquisa, fui levada a pér sob suspeita © ielato inicial sobre reclusao de Consuelo © a complexificar minha pri- moira hipétese, foi importante reter o que sustentava esta roferéncia a uma rectusao. Evidentemente, nao se trata de recluséo como as de um recolhimento institucional, retigioso por exemplo. Mas, desde 4 alerto quo iremos reco- uhecer nos wltimos anos da vida de Consuelo uma forte nogéo de honza, ‘janquanto preservacao de uma reputacéo,’ apontada como caracteristica de AWelus6es religiosas. A “recluséo" de Consuelo também nao indica um “ignunciante” no sentido que, livremente, DaMatta incorpora de Louis Ditinont para analisar um dos herdis arqueétipos do Brasil a partir da narrativa ‘o Augusto Matraga.* Mas, poderemos reconhecer uma certa liminaridade e rentincia no ‘final da vida de Consuelo. Esta, entretanto, deve ser lida mnito parcialmente, | Sobre ws intvigdes de elusura feminina~ religiosas¢ leigas -, no pero colonial, no stadste Tysilio, yor liveo de Algrani, LM. Monde devas: mulheres ck celui. BraslaRio de bai dunbexé Oly, 19, Alo La Mi ids pp se considerarmos o sentido forte que Ihe da DaMatta, ou seja, quando “destacada de seu fundo social, do seu meio, de sua classe e, conseqiiente- mente, fica individualizada, Isto 6, fica em oposigao total A sua sociedade, apresentando-se como uma altemativa para o comportamento social”.> Parcialmente, porque ndo reconheceremos a segunda parte no que teria significado a trajetoria de Consuelo, ou seja, o de apresentar-se culturalmen- te como uma alternativa para o comportamento social. “Reclusdo" e “rentincia” singulares, a pesquisa mostrou os limites de uma explicagéo estritamente sociolégica para entender seus sentidos na experiéncia de Consuelo. Além disto, eu nao poderia levantar uma histéria de vida da forma classica pela qual a antropologia se utilizou do método biografico, ou seja, ouvir tal histéria diretamente da pessoa biografada. Foi preciso, portanto, erseguir os rastros, ténues no inicio, mais densos depois. Sobre a “objetividade" de sua existéncia tive logo acesso a alguns indicios espalhados: certidéo de nascimento e de ébito (fotocopiados no ccartério, por recomendagéo de uma de minhas "informantes"); fotografia de sua casa (um “sobrado” fantasmagérico no primeiro relato, sua farmacia e ‘casa em outros, uma "Casa Cultural” cuja renda seria revertida para mulhe- tes solteiras, 0 que teria sido sua intengdo), que é hoje um escritério de contabilidade corcado por prédios comerciais; alguns de seus méveis objetos, dispersos por doagao; algumas fotos encontradas com parentes; sous livros, colegio e zecortes de jornais, seus relatérios e correspondéncia, ‘08 quais manuseei e li, que estao hoje no Gabinete Literario da Cidade (cendrio de reuni6es literérias em outros tempos, hoje transformado em uma ipécie de pobre biblioteca pibblica). Além destas “inscrigées objetivadas", nuvi os relatos do que as pessoas lembravam de Consuelo, relatos orais. Ao falar de “inscrigdes objetivadas” e de relatos orais e, portanto, “bperar ima distingio, minha intengao nao é opor & objetividade da “inscri- 10" a subjotividace dos relatos. apenas chamar atengéo sobre as primel- ‘como maroas que proservam mais o tempo, o qual, na oralidade, 180, inelusive pelas tomporalidades distintas dos préprios sujeitos que \qui falar dostas "inscrigSes objctivadas” (onfa- his concentrada na pessoa teal) como fala Lévi-Strauss sobre os churinga: #0 papel dos churinga seria, assim, o de compensar o empobrecimento ‘ortplativo da dimensao diacrénica: eles s4o 0 passado materialmente pre- onto 0 oferecom o meio de conciliar a individualizacao empirica e a confts’o ‘mitica”.° “Empobrecimento” e “confusio", evidentemente, nao sendo os {eimos com que cu proferiria designar as interpretagées miticas, nem as “pitrrotivas as quais tive acesso. Certamente, nao hé um empobrecimento da Jeinporalidade nestas narrativas que ouvi. Menos do que empobrecimento, ‘Hieconhecendo que trata-se de temporalidade que se faz acessivel por meio fla linguagem, é preferivel reconhecer com Ricouer que: “...essa certeza da Uinguagem, da experiéncia e da agéo s6 seré recuperada depois de ter sido ‘pordica e transformada".” Foi nesta relagéo de perdas e transformagées, de precis6es e impreci- nOou, constituindo histérias que, nesta pescuisa, as “inscrigdes objetivacias' (lnmnbém dispersas pelo trabalho do tempo-muitas delas escritas—reunidas ra coincidiam, ora ampliavam o quadro contextual, ora lam revelagées ausentes nas narrativas orais. Mas também o inverso, isto ‘uy narrativas realizavam atos equivalentes em relagdo as tais “inscrigées' wtabelecendo este didlogo que eu Ii, vie ouvi sobre Consuelo. A gultanto 6 menos uma biografia bem delineada, plena de detalhes, sendo miltiplos tragos, esbogando uma trajetéria. H4 sombras, longos silén- intorvalos obscutos, privacidad indevassada, que terminam por falar © tempo faz. com a meméria de uma vida, vislumbrando apenas o que fA vercladoira oxporiéncia desta vida no tempo. Nao se trata portanto, ¢ Jo hem, evidentemente, etnomrafar a cidade de Goids. Seguindo os da primeira, e para isto incorporando a segunda, escrevo sobre o que ‘Her construido, tecido através das indagagées sobre uma pessoa. Esta eb 6 O pense sevgen, So Pal, Compania, Naiol, 2 eh, 1973p HO emu aro resin oni aot aap: "Sabe que referéncia, a pessoa Consuelo, nunca foi um pressuposto abandonado. Se la se toma personagem nas narragées e se nao ating} a verdadeira vida de Consuelo, também néo a inventel. Os que a recriaram como personagem, a0 contar sobre ela, falam da pessoa Consuelo, mas também de si, de relacbes, de valores, de politica ¢ da histéria local. Nao estarei, portanto, operanco com oposigées como individuo/sociedade; método hiografico/método etno- _gtéfico ou sociolégico. 0 foco sobre uma singularicade, no caso uma trajet6- ria, revelou varias relagées, permitindo que a pesquisa guardasse na intengao biogréfica um procedimento etnografico: crientada pelas perguntas sobre Consuelo Gaiado fui seguindo seus caminhos, ¢ o que ouvie encontrei {oi sobre muitas outras coisas, Trata-se agora de escrever sobre este encon- tio, entre um itinorério de pesquisa e a trajotéria do um sujeito pesquisado. ‘Mas, de que ponto de vista falar de trajetéria? Bourdieu, para criticar a nogéo de histéria de vide e sua entrada “de contrabando" nas Ciéncias Sociais, aponta o que seriam os pressupostos principais desta abordagem.* Um deles, o de que “a vida" constituiria um todo coerente e orientado, com seqiiéncias cronolégicas ordenadas. Para 0 Autor, neste pressuposto haveria um postulado do sentido da existancia (sentido entendido como significagdo e direcdo) compartilhado pelo entre: vistado @ pelo entrevistacior. Ambos cimplices em aceitar “essa criacao artificial de sentido"° Para Bourdieu, a quebra da narrativa linear no romance modemo seria himulténea a critica da viséo da vida como existéncia dotada de sentido. Noste artigo, “A ilusdo biografica”, 0 autor cita uma frase de Macbeth, na bona V, que exemplificaria a vida Como anti-histéria. Mas, tomandoo mesmo {recho citado por Bourdieu, ampliando a citagdo, encontramos néo somente i subs{dios para uma interpretagdo sobre a vida como “anti-histéria”, mas Jambém uma tensao nao explorada pelo autor, a da impossibilidade da }preenséo da vida sem o contar da histéria, sem a linguagem. Qual o trecho ‘bitado por Bourdieu? “Uma histéria contada por um idiota, uma hist6ria cheia ‘yom © de firia, mas vazia de sentido". Vejamos o Shakespeare citado, ‘omeceros tum pouco antes e paremos um pouco depois, no mesmo jsariamente descartados. Marc Augé, por exemplo, fala de i ‘Avidanadamais édo que uma sombra que passa, um pobre histrido que ar de itinerario, 6 falar de partida, de estada e de retorno, mesmo que se vo apavoneia @ se agita uma hora em cena ¢, depois, nada mais se ouve entender que hé varias partidas, que a estada é também viagem e que o dole. uma histéria contada por um idiote, cheia de firia ¢ tumulto, nada no nao ¢ jamais definitivo”."? Ou seja, o deslocamento objetivo implicaria significando, (Entra um mensageiro.) Vens para fazer uso de tua lingua? Uitides subjetivos naquele que se destoca, naqueles relacionados a este jlocamento e naqueles que jé foram inscritos no préprio deslocamento. ‘Mas, hé outros complicadores. Varios trabalhos que tém na histéria Gonta tua histéria depressa, On soja, para Macbeth, em Macbeth, a histéria “bem constraida” néo prescindlir das histérias contadas “por um idiota”. Entretanto, o panto @ 10 sontido (@ixegao), embora pressuponham sim as possibilidades inter- W@ Hourdiou quer chegar é a critica metodolégica ao conhecimento que parte ativas de suas experiéncias pelos préprios agentes e nao descartam onsagdes singulares do sujito @ a proposigio do habitus como unificador jos sontidos como vias de acesso compreensivo @ explicative. Mesmo Iupresentagces e praticas. A nogao de trajetéria ("série de posigdes suces- 340 em si mesmos entrecruzamentos de relagdes mite ocupacias por um mesmo agente — ou mesmo grupo, em um espago unis esto ligados, quer pelos significados jé dados a estas relagoes ip eer rete sre emma eI onstituiem os sujeitos enquanto pessoas sociais, quer pelos significados los agenciam ¢ narram, Diferentemente, portanto, do que sugere @ ora de Bourdieu, a do metré e sua estrutura de redes. Alids, para um. que comeca criticando @ nogao de histéria com sentido — diregao - é ima personalidad) teria que ser vinculado a0 conjunto de outros ho campo consierado, Dificil reconhecer muitos dos tratamentos interpretativos dados a “his- do vida" na caracterizagao que dela faz Bourdieu. Facil reconhecer na deste autor uma forma de enfrentar as clissicas oposigées que cercam @unsho sobre “histéria de vida" em suas varias aparigées nas Ciéncias joma atacado na discussao de Bourdieu, 6 de uma explicagao que leva | onta a interpretagéo dos sujeitos ¢ a prépria idéia de sujeito. Gomo ja observou Francoise Morin,"* a aborcagom biogréifica implics ite clo pescmuisador, uma atitude enalitica que procura no encaixar 0 fom categorias externas, mas compreender os campos semAnticos dos agentes. ‘Um dle seus termos, Refito-me as marcas que os sujeitos imprimem pretacdes @ as suas existéncias, que néo esto incorporadas na Mntrotanto, das obras que se tornaram marcos classicos da aborda- igrafica na antropologia™ até os experimentos contemporaneos com bupera quando fala de trajetéria, O inverso 6 verdadsiro, 6 possivel oli "Anthiopoogle et porspeotivas que, idando com uma nog do trojotéria, partem da He oleuiqu, ses pontenciaies, in: Cahiers interatonaus de sociotope, LXIX, 2 do mujoito © do sua narrativa 60 _ Alli, Woo mndtodo biogrities pode wor encontrado de forma axparna naw Cibrician Socials (muitas vexed, histérias do vida aparocom bili anexos explicitando-we mals como dacou on ilustragSes), ha 10H 61H GUO AvsUMe Ama corta centralicade analitica, Para Crapanza- Bre jar dt boa recepgto do algtins estuclos biograficos (a exemplo doa “Widnidon eltactos anteriormente em nota) as historias de vida seriam perifé= A Antropologia, isto, para este aiitor, teria relagio com a propria fa(podigto desta cisciplina no ponsamento do séoulo XX, isto enite vincular-go a literatura e ciéncia, ou entre representagéo e gene- © “rossurgimento” atual do método biogratico (varias publicagées, ‘olistiongdo das discussées, presenca em varios campos disciplinares) po- BBR frac telecionado com as crticas contomportness ao objetiviamo ¢ ao " WiUluuralismo. Entretanto, ha perspectivas objetivistas no uso de histérias a como por exemplo em Daniel Bertaux; ou generalizantes como em TAVId G, Mandetbaum. © que toma seu uso bastante distinto dacuele que ‘The dA por exemplo, Crapanzano."* Para este autor, a histéria de vida é resultado de uma “complexa ‘inigooiagho de constituigao do si mesmo" (a complex self- constituting nego- Uiatlon), Do ponto de vista do sujeito, a histéria de vida seria “um produto de Refv-ie a0 Twisted histories, altered conteus. Represeting the Chambr ina word aystem, Neste {ivo, ous autres, Debora Gewertz« Frederick Eriglon, etnogram os Chants, populago da Nova Ciné, sos relagSes entre si, como Chamtri, com 0 Estado Papua Nova Guiné © com o “sistema Jil” situando algunas histeas pessois. Entramos assim em ui mundo completo onde o Iuisio, umn Estado malitnico, as vérase disintas trajtérias pessoal complexiicaram, mas fo J , —fivablizaramsina um torma panicarde ee" dcnardesituars:o tee” Chamber, Deora ri Eis Hose Tited hors, ated conan Rpeenng the Cami a ord Suen ee epee TA, Chnpavano, V.“Litetisores, tn: American entropologst, vol ee ropologst, vol. 86, December, 1988, pp. FYB. Gitaus, D.“tApproache biogaphiqu: sa vallié method ‘ jes valié mfthodlolgue, ss potenialtes” Opt. / 117-206; Ctapancane, V. ham: porate Marocan, Chicago, University of Chleago Press, 1980. , ‘arbitréria 6 poouliar buses do putro/a anUEpdlogo" s para cute, bw ‘uma Taaponta ao informante: Rate Jodo, de buKcan e denujon, gjovernarta Jgyludo vida e daveria wer levacto om conta na avaliagho do material que ‘jraniformado de produgto oral em produgao escrita Nosta porspectiva, Crapanzano ndo supde a histéria com 0 sentido ‘ndio por Bourdiou, mas néo ignora nem descarta os sujeitos na consti- iyho desta histétia, Pelo contrério, lida com esta dimensao subjetiva na aida om que considera tal histéria, primoiro, como resultado de um Gontro, segundo, da eseriure preciso agora situar minha perspective. ‘Nunca encontrei, face a face, Consuelo Caiado. Nao houve, com ela, \n encontro etnografico, no senticlo que Ihe d4 Crapanzano, onde negoctas- somos nossas procuras para a construgio da sua historia de vide, Mas nem hob outros critérios, que néo os de Crapanzano, trata-se de uma “historia de Vida", Vou reter a nogao de trajet6ria, mas sem me ater estritamente a0 jontido que Ihe dé Bourdieu. Sord preciso levar em conta a temporalidade e nao apenas uma spacialidade social. Fui levada a ressaltar a temporalidade, fundamontal- jhonte, por uma motivagdo émica, Voltemos entéo ao inicio deste capitulo, quando teferi-me ao primeiro relato que ouvira sobre Consuelo Caiado, pnfatizando a recluséo da personagem. Recluséo parecia sugerir uma crise {las relagées sociais. Embora este aspecto deva ser reconhecido nos momen- los cruciais da experiéncia de Consuelo, a pesquisa mostrou-me um outro ontido, Sentido este marcado pela temporalidade. Ora, no plano estrutural, sta trejetéria aponta para um congelamento da “série de posigoes sucess! ‘em outro plano, esta Vamente ooupadas por um mosmo agente”. Mas, trajetéria agencia uma reversao da temporalidade, Digo agencia porque stou considerando que nos relatos sobre Consuelo ha que levar-se em conta as narrativas tecidas por ela prépria. A recluséio de Consuelo remete a sua tontativa de congelar uma temporalidade precisa. Penso, portanto, que posso situar melhor o que estarei aqui chamando de configuragao de uma experiéncia social singular. © fe Rema hen ha do trajetéria—o proceso ‘tudo isto serd retomado. Sl yy Dia aia aumonta 0 nimero de gente no ano é preciso ober 0 cu ara saber, basta vera ‘quantidade cle sombras no ché..* Heitl ene irscnte ou desandaro caminno; continu! parado alguns segundos até que rocuel pé ant pé, Ao transpor a porte pare @ ua vies no rostow na attude uma expressio. ‘que ndo acho nome certo ou claro; go que me parece | aueram sor sons mal se podiam consolar. Consolave-os a saudade desi mesmos."* Veiga 3 Somber derchadues Rode aneio NECIC: sry 1973.19 1+ hai had ge Mens ies Ros ence, MEG Bra. 187,021 2 ETNOGRAFIA, EM TRAMAS: PESSOA, PERSONAGEM, ATOS, FATOS, LUGARES, TEMPOS rama inicial ‘im 1907, um acontecimento 6 marcado em jornais locals! D. lracema Caiado ‘Transmitiv-nos 0 telegrapho a dolorosa noticia do fallecimento a 24 do ‘corrente, na Capital Fedoral, da exma Snra. Iracema de Carvalho Calado, \virtuosiesima consorte do nosso distinto amigo, Dr. A. Ramos Caiado, talentoso Secretiirio do Interior, Justiga e Seguranga Pablica HA tres annos comecou d. Iracoma Caiado a sentir-se doente nesta 02 ouidados da familia. D, Iecema cahiu vietimada pela ersel enfermida- de, ainda com surpresa dos seus parentes, que jamais acteditavam na ‘possibilidade de um desenlace fatal. ‘Ainda ha um mes esteve no Rio de Janeiro 0 seu dediicado esposo, voltando esperangoso de vel-a completamente restabelecida em breve tempo. D. lracema de Carvalho Calado contava 30 annos de idade, era filha do distincto engenhoiro Dr. Manoel Maria © ora geralmente estimada nesta capital pelas suas peregrinas virtudes. ‘Almprensa envia sentidas condolencias ao distincto amigoDr. A. Ramos (Caiado, que se acha ausente na sua fazonda das Thesouras, © aos Gemais parentes da finada. Hije as 8 horas, na Igreja da Boa Morte, foi celebreda e missa por seu descango etemo," D Iracema de C. Caiado Por um telegramma tivemos a 21 do corrente, a triste noticia do falleci- ‘mento, no Rio, de dona Iracema Carvalho Caiado, dina esposa do nosso ‘amigo Dr. Antonio Ramos Caiado, Secretério do Interior, Dona Iracema estava em tratamento, hé dous annos, em casa de seus illustres pass, sendo seu medico assistente o Professor Rocha Faria, Do seu conséxcio Quem 6 0 personagem a quem mais diretamente sao dadas as condo- nivias? Quem é Antonio Ramos Caiado? sjetéria de Consuelo ¢ parte desta trama e esta trama marca ail tativas sobre Consuelo, As estérias sobre ela, recorentomente, assitn gam: 1ca exercou a profissso. jer cult. A mae estudou no Colégio Sion, era de ‘Janvito, Yolo pera Golds, depois adooeou® Acidade de Goids era ento a capital do estado, o Rio de Janeiro era Apesar da enorme distancia geogréfica, acrescida das |S tifanfiias mais ricas para ‘thiigatsria na trajetéria de Consuelo, pelas atividades do pai e pela origem ‘He Mia mae. Palar de Consuelo é também falar da romantica historia de sua mée: \Uititnoga refinada, que vivera na Europae na Corte, conhecera Toté Gaiado, tt Homom bonito, quando este estudava Direito no Rio, conforme a maioria ‘Win bhxoval europeu, uma festa de casamento suntuosa e a ida para uma Tiibida em Goids depois de ume viagem de quase um més.° Sete anos Hbpols, Iracema, apés ochoque, as insatisfagées e uma tuberculose, morreria de Janeiro, onde ficaram as trés filhas com a familia matema. ‘nto, Toté Caiado, o pai, traria as filhas para Goits quando casou-se ‘As roupas finas das meninas seriam substituidas pelas roupas Contexto das (e nas) tramas Golds era bom no meu tempo, ois retrocedeu. Tinha cultura, tinha elite. Hojo quem 6 importante na cidade foi pedreire, foi empregado do ‘mou pai. E tem até busto. Estes dias fui a Goiés © me perguntaram se eu ndo ia conhecer 0 ‘busto de um fulano. ‘Perguntei quem foi, foi pedreiro. Goids é hoje dos que nada fizeram por Gotds.® © recurso ao “tempo antigo", como um paradigma de conheci- mento do presente, 6 parte do niicloo da ideologia da sociedad, ‘A este reepeito encontra-se antre todos os habitantes: brancos @ _negros, fazendetros & migrantes, uma uniformidade de interpre~ tagées, ‘Mas, a presenga de uma era anterior, desde onde avaliam-se os “dias de hoje", é curiosamente dividida, ais velhos edas “familias iezas da cidlado ligada ao |permanéncia da capital do estado de Golds. Para os brancos negros, patrées e empregados, nascidos ¢ ccriados nas fazendas, houve um tempo anterior de “fartura” que xtura” depende antes da propria decadéncta do do gado na regido ¢ da reqularizaglo da vide Fora as varlagbes, objeto de estudo neste capitulo, as versbes que ‘exoluem valores do "tempo antigo” do nicloo de representagses do presente so dos ovens, sobretudo as que nasceram ou vivern na Cidade; possuem reduzidas experiéncias ruraise sfo estudantes. ‘Ao contrario da de seus pais, a versio dos mals jovens excluf de ites do primelro, uma svidente maioria de , as “familias da cidade”.® Goids, como outras cidades histéricas, expde aos olhos do visitante A provincia estava dividida em dois grupos ~ clubistas e empadistas, aquoles ditigidos por Buthées ¢ estes por Anteristas e Fleurys.!* © calgamento, os muros, os becos, Deitei-me na cama do govero...¢ deitado contel ¢ xecontei as ripas de do Govemo, a praga com 0 coreto, a ourivesaria onde pai e filho ‘taquara do tethado balzo, suo @ aco, convancendo-we afinal que tua lho do avd. Tudo isto competindo com o movimento atual: ‘aquilo, quo estava vendo @ apalpando, era um palécio,@ dormi sonhancio 3s, carros. Mesmo alguma coisa do que desapareceu ainda eit in ccna ea de fotos: a Escola de Farmacia (foto exposta em uma das Ra aaa aa ae ee eee tog cheios com barcas ~ timulos flutuantes; pontes caidas; tremedais semtermo, lagos podres, lamas, caldeitées, chuva torrencial, sol afticano, ppouses em barracas; em ranchos abertos junto dos parcos, no meio de ratos, © quase asfixiados peles baratas!. Feu dormi sonhando que era um presidente de provincial"? joje um terreno vazio ao lado do Museu das Bandairas, antiga préximo ao Colégio Sant'Anna, referéncia presente em todas as a foto do coreto da praga principal (zelosamente guardada por lista local), cercado de arame para garantir que os escravos, os 108, os pobres permanecessem do lado de fora, No século XVHI, Arraial de Santana, depois Vila Boa de Goids, torna-se, A capital 6 descrita por Leite Moraes como uma cidade de cinco a seis nil habitantes sem melhoramentos materiais, exceto o cais na margem dieita do rio Vermetho sem iluminagao e cujas Igrejas “séo igrejinhas".'* Assim como encontramos a énfase na “ruralidade”, “rusticidade" ¢ Jamento” de Goids nos relatos dos que por ali passaram e que também expressavam sua comparagao valorativa com costumes © condigdes mais janas e cosmopolitas, a mesma oposicao encontra-se em muito do que al escrevia em seus jomais, mesmo quando a comparagao parecia, gnaltecer Goids. De qualquer maneira, no primeiro caso, um néo via o outro pryunizou © govern republicano do estado. Em 1937 a capital 6 transforida ‘pire Goidnia, cidade construida para ser a nova capital do estado. ois foi descrita por viajantes, como Saint-Hilaire, e por alguns dos 18 de provincia que saindo de Sao Paulo ou Rio de Janeiro enfren- \ga viagem. Um deles, o general Couto de Magalhaes, aos 24 anos ‘empossado como presidente da provincia de Goids. Em seulivrodefendeu iuclanga da capital para as margens do rio Araguaia, o que facilitaria a e (O municipio de Goiés, com uma area de 3.188,8 lm’, situa-se na microrre- do tio Vermelho. Seu tentitério apresenta um relevo bastante acicentado, 86 destacam a serra Dourada, serra de Sta, Rita, serra do Macaco, serra langabal e os morros de Sao Francisco, Cantagalo e das Lajes. weite Moraes, presidente da provincia entre fevereiro e dezem- faz um relato das impresses de um paulista, nomeado presi- {9 dla provincia, sobre Goids no final do século:"° anit, mis fuamentainentes Desde a transferéncia, Golania passa a representar 0 "novo" e a Oidade de Goiés, “Golds Velho”. Vegetacio de cerrado, banhada pelo rio Vermelho, Goiés tem uma populagao de 27.779 mil habitantes (20.131, urbana; 7.648, rural), conforme © conso de 1991. A histéria do estado de Golds confunde-se com a histéria da cidade lo Goids A histéria desta cidade confunde-se com a dos bandeirantes, com da mineragao e com a dos grandes proprictérios do terra. Como observa Rodrigues Brandao, passando da mineracéo parao gado iuzido a partir do século XIX), Goiés teria visto o ouro “aumentar oa da Coroa e as riquezas dos comerciantes-financistas do Sul. Da forma, 0 luer0 obtido com a venda do gado ficou retido nas maos de 's grandes fazendeitos... grandes senhores rurais, moradores, muitos tas cidades”. Alguns entre os “golanos" (homens de elite) estudavam "fora", pri- a escola de Direito em Golds) Modicina. A estrada ferrovidria, em -cho, 86 funcionou em 1911; as estradas, ruins, eram transitadas por olinais © carvos de tracdo animal. Portanto, durante muito tempo e ainda em muitas lembrangas (e em jhultos habitos atuais) o contraponto a simplicidade da vida goiana era 0 da vida da Corte (é 0 cosmopolitismo do Rio de Janeiro). Em 1920 wrada a luz elétrica eem 1924 0s jomais, anunciando acomemoracao iversdrio do governador — Dr. Brasil Caiado -, elogiam a luminosidade lo Jarctim Pablico (de frente ao palacio Conde dos Arcos, residéncia oficial Mibu overnadores na época). Neste ologio, a comparagao é que "nem Sao Paulo, nem o Rio teriam tal luminosidade". inicio do século XK em Gods teria siclo mareaco por uma ofervescéncia ‘eraia: fundagao da Escola de Direito, Academia de Letras, varios jomais,"® paraus @ tocatas (""serenatas de salao") onde “nasceram @ viveram as ‘Nos anos 20, 0 cenario da cidade, na doscrigao d oxisténcia de cinemas (Luso-Brasileito, Ideal ¢ Centr clube Renascenga ("ponto chic e fidalgo da cidade goyan: b’clock tea, bandas de musica, orquestras do cinema com “virtuoses” (ho- mens e mulheres) locais. No jornal 0 Democrata anunciam-se os que chegam, on viajam (coluna intitulada “Héspedes e Viajantes"). Sobre os viajantes, {nla-se quase sempre sobre @ ida da elite local para suas temporadas na {nzenda, ou dos politicos ao Congresso Nacional. Hoje, muitos dedicam-se a contar sobre a Golds antiga: Himsa: ‘os que satisfazem a curiosidade dos visitantes, dos turistas, icipalmente, em Spocas como Camaval e Semana Santa; pesquisadores ‘Wn 6pocas variadas. Cidade que foi um foco de tradigées catélicas ¢ também Weclo do um dos bispados mais importantes do pais como expressao da Twologia da Libertag&o, em seus momentos dureos, Goids mostra hoje a ipso errire 0 traticionalismo © 0 progressismo catélicos, enquanto wm } Dhsseio pelas ruas mais periféricas da cidade, nos finais da semana, permite (onhecer um intenso movimento de Igrejas Pentecostais e séo visiveis os Vitios Centros Espfritas. Ainda se vé, nos finais de tarde até a noite, as pessoas sentadas & Horta de suas casas. Os jovens reclamam a: {lo controle das fofocas locais. Os mais ricos viajam sempre, muitos deles Dara o Rio de Janeiro. O contato com Goidnia, a capital do estado, intenso. if varios horarios de énibus, quase sempre lotados. A viagem pode durar {tro duas 6 trés horas. A polltica local expressa as tensdes das marcas do passado no pre- Jionte. O Partido dos Trabalhadores concorreu as eleigdes municipais em 1991, embora bem votado nao foi o vencedor. O candidate eleito tem a familia Gaiado como ancestral. Os relatos politicos atualizam a todo instante a \iptoria politica de Goiés como se ainda estivéssemos antes de 30, embora Jom nenhuma civida nos 90. Tilo Govemo do estado de Goias, sob organizagao e inspiracdo de alguns Mpradores da cidade, envolvidos com promogées cultura, se nutre do que ela foi: pela ve doce de limo em calda; " ffrango com poqui;os empadées; as ceramicas;os banhosno “largoda Carioca" _ Shs cachooiras; o ro Vermelno, com suas pontes na cidace e em cujamargem “Alnda se pode ver, nas pedras, uma calma tartaruga; 0 camaval de rus; as "Minandandes ‘encapuzadas, carregando tochas acesas durante a Semana Santa; ‘Wauitovara antiga; becos e muros de pedras; o barro°o; as Tgrejas; para ouvir Vista panorimica da eldade de Golds ‘Um bece de Golée Consuelo, pessoa-personagem, nas tramas ‘Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resulte! de tudo..."® ‘Consuelo Caiado nasceu na cidade de Goids no dia 07 de novembro do 1899, Filha de Antonio Ramos Caiado, natural de Goids, e Iracema de Carvalho Caiadio, natural do Rio de Janeiro, casados no Rio de Janeiro, entao capital federal. Primeira filha do casamento (que se deu em 29 de setembro de 1898, no Rio de Janeiro), Consuelo viveu em Goiis até 1906 quando, devido & doonga de sua mao, foi para o Rio de Janeiro. Com a morte da mae, em 1907, Consuelo (e suas duas irmas) morou com os avés maternos até 1910, quando o paia levou de volta para Golds, onde ficou o resto de sua vida. Freatientou escola no Rio de Janeiro durante sua permanéncia na entre sete © onze anos. Nos documentos do Colégio Sant’Anna e do 11 do Goide nao consta sou nome nos livros de matricula, no periode que valeria ao de sua escolaridade. A tnica referéncia ao seu nome, encon- nos arquivos do Colégio Sant’ Anna, é de 1916 e registra seu pedido de insericao para exame nas matérias do primeiro ano normal. Consta & apro- -vaglio com grau dez em Geografia, Matemstica, Francés e Desenho e nove Portugués, Conforme a sobrinha de Consuelo, as filhas de Toté Caiado , Toto Caiado nao deixaria as filhas estudarem em colégio catélico, polls ora ateu e nem mesmo as batizara. "Consuelo era pag”, me disseram varlas vezes, Em 1922, com a criago da Faculdade de Farmécia, na cidade do Goids,"? Consuelo nela ingressa e se forma em 1927, entéo com 28 anos. Alids, somente a partir daf encontrei registro puiblico de sua presenga, época ‘ein que 0 Partido Democrata, presidido por Toté Caiado, tendo como canal reso o jornal O Democrata, enfrentaré a oposigao vitoriosa om 30 & que lovou a mudanga da capital do estado.” 0, F, Tabacariae outros poemas, Ria 8 Into, Eioar, 1996, p res foi quando de sua formatura, descrita pelo jomal 0 Democr: primeiro registro do nome de Consuelo encontrado ‘Neste mesmo jornal, no dia 13 de janeiro de 1928, na 1" pagina, foi publicado: ‘AFesta da Escola de Pharmacia ‘Ums noite de desiumbramento Esteve deslumbrante a festa, com que os pharmacolandos de 1927 solennizaram a gua formatura, realizada no dia 6, no paldcio do goveno, ccodido gentilmente pelo exino. Sr. Dr. Brasil Calado, (0220, polas 8 hores do um dia clato © de sol espiencio, fot canteda a rissa solomne,colehrada por ns. Conficio ue foi acolytade por dous sacerdotes. ‘A cathedral enchen-se de grande nimero de familias ede cavalhoros da nossa “elite” social O templo que teve, postada no adro, a banda do tsica da Forga Piblica, executando harmoniosas pegas de seu variado repertdrio, revestu.se de empolgante omamentagao prépria da lturgia romana No cbro, voz femininasfizeram so ouvir, tendo o offcoreligioso teri- nado orca das 9 horas A tarde, que fo encantadora e meiga,a praca Pinheiro Machado, onde 0 ‘movimento eresceu de modo invulger,tomoa tim aspecto fora do com- 0 autos cruzavam em todas @s direog6es © os convidados em massa compacta chegavam apalacio, onde erem recebidos carinhosaments por uma commissdo que os ntroduia nos seldes vastoe da residencia pres ential, os cuaes foram caprichosamente ilsminados. 0 “baile Rosa” néo ficou apenas registrado na imprensa. Ouvi narra tivas sobre ele de senhoras, com mais de oitenta anos, com quem conversei. ra de Iracema Caiado, © “baile Rosa, no Palacio dos ' assunto que lhes permitiu falar dos “bons tempos de Goiés", de suas fostas © das roupas elegantes. / ‘Também do “baile Resa” guardou Consuelo seu caot de dangas © lguns detathes do chapéu usado, dados de presente As que conviveram com fli no final de sua vida. , Consuelo em sua formatura © “baile Rosa” foi em 1928, Consuelo tinha entao vinte e nove anos. Noste perfodo, o debate é acirrado na impronsa local. De um lado, a “oligar- quia Caiado" ~ 0 Partido Democrata, a “velha orcom"~ de outro, a oposigéo |é fortalecida expressa-se no jomal A Voz do Povo.” Jé estava em curso a Rovolugao de 30 em Golds. Enqanto os ataques se sucedem na Voz do Povo,”* no jomal O Democrata as noticias referentos a Toté Caiado param em ologios, multiplicam-se as noticias sobre as manifestagées de apoio que roceberia em viagem. diveis, os deiractores, isto, aquelles que anteriormente no occultavam ‘a sua admiragao pelo noseo intermorato chefs, Fazemos votos para que S Rxcla, faga optima viagem(23\09\28), om definitivos inimigos) é eleita rio da cidade de Goiés, assim descrita, Neste momento, om quoa alma goyana vibrade grande entusiasmo pela sorte do glorioso Partido Democrata, a figura homérica ¢ varonil do eatiza-se no demingo passado a eleigio para a Director do Gabinoto Literdsio Goyano, velha eit instituigdo fandada nesta capital om 1864 (© nosso gabinete de leitara jé tov periods de grande prosperidade © do grande betnantismo. ‘Al ge encontravem az melhores obras de ltteratura contemporinee, obras solentiieas, xm archivo copioso de factos do nossa Torr. infelis- ‘monte agora, ache-se om perfodo de grande decadéncia, a maria de ‘nas obras esta incompleta, o mimero de volumes muito redusico & chogoua ter somente 61 sécos. li nosta hora angusticea pars essa petsética inattuiggo, que o senador amos Gatado num etevado gosto de civismo, tomot a incicatva do cooperar, para a eleigdo de uma nova directoria, que pudesse euidar [Em dias desta semana, seguiu para uma de suas proprisdades pastoris ‘nosso preclaro chefe, Sr. Senador Ramos Caiado, ‘Aauséncia de nosso director ndo seré longe: S.Excia, ester de volta por ‘estos poucos dias mesmo porque « sua presenga a esta capital se faz hecesséria, @fim de confundir, como tem feito, com argumentos imaspon- Presidente, senhorita Consuelo Ramos Caiado; vice-presidente, Senhor\- ‘ta Annita Perillo; 1) secretéria, senhorita Noeme Lisboa de Castro; 2) ssocretaria, sonhorita Maria Carlota Guedes de Amorim; thesoureira, dona Argentina RemigioMontoiro; radora, senhorita Genozy de Castro; fiscal, senorita Carlota Maria Ramos Jubé. ‘A reunido fol brlhantissima, tendo-se inscripto grande nimero de novos 6cios; ha muito que nfo se realisava alliuma seselio com tdonumorosa assisténcia. Depois da nova directoria empossada a presidencia agradeceu os seus ‘loitores e prometou esforgar-se por collocar o Gabinete altura donosso meio intellectual. Concedeu em seguida a palavra a quom della quizesse usar. Falou deputado Jubé Junior saudando a nova directorla em bello improviso. Rospondow-Ihe a oradora regem-eleita, om brilhante oragéo, exaltando 0 bom feminismo e agradecendo a todos em nome da nova directoria. Os radores foram ovacionados com calorosas salvas de palmas. Sénotamos ‘que nao foram enviados os relatérios exigicls pelo regulamentoe lamen- tamosnaohaver comparecido o presidente desembargacior EmilioPévoa. ‘rama final: género e cultura na politica ou politica na cultura e género na politica \panhar alguns acontecimentos. ‘86 ora da politica porque ela era filna do Tét6...* Consuelo conservou, om seu acervo pessoal, todas as atas de reunides {odo em que foi presidente do Gabinete Literdrio. Londo-as podemos Him rouniao do dia 28 de abril de 1929 foi eleita a nova diretoria para pommitiu que quatro assim votassem. Consuelo teve trinta e dois votos, a primeira reuniéo da nova diretoria deixa também ver a tensio -vando-se em conta a presenga ¢ o interesse de seu paina eleicao jete Literdrio, um conério que talvez ajude a entender a presenga lo participante, pelo menos um dia antes da eleigao. A legalidade da {fol afirmadia, conforme registra a ata, alegando-se a inexisténcia de ia abrir a assembléia com qualquer niimero de sécios e que isto fora ip\io na presenga da antiga diretoria. Reafirmada a legalidade, foi reconhe- fato consumado da eleigéo © protesta-se contra a “illegimitidade Jle tempo como uma espécie de “cr6nica falada e ininterrupta da Lugar de sociabilidade e também de circulagéo das tensées sociais, Embora, daf em diante, tenhamos a impressio de que o cotidiano do Gabinete entrara em um ritmo apenas literério, algumas vezes nos depara- 's com algumas tenses. Por exemplo, uma nota da ata de uma reuniao, setembro de 1929, onde consta que “A Snrta, presidente pediu fosse ignado na acta o seu protesto contra um artigo langado na Fiamma”, lado “O Gabinete Literério Goyano”; ou, em julho de 1931, quando foi municado na reuniéo que 0 jomal A Voz do Povo publicara uma nota sobre Gabinete. A nota referia-se aos sécios que teriam procurado o jomal com as reclamagées. Diante disto foi resolvido que chamar- pela imprensa, uma reunido dos sécios insatisfeitos que tivessem reclamagao a Iyxor, quando e onde seriam levados em consideragao. Embora o movimento ‘ip ontrada e saida de sécios tenha ocorrido sempre, houve uma reunidoneste iso ano que registrou trinta e uma entradas e vinte e seis safdas, ou seja, sha movimentagéo considerével. Também foi discutido se o Gabinete deve- In responder, ou néo, a um artigo publicado no suplemento “Mensageiro do sobo titulo “Conferencista infeliz..” ¢ resolveu-se que nada fariam, fora 0 conforencista o atacado © nao o Gabinete. No cotidiano do Gabinete, os temas mais freqiiontes nas reunides, atraso ou perda de livros que 0 sécio deveria ressarcir; atraso no mento de mensalidades; estrago ¢ desaparecimento de livros e as é seriam tomadas; levantamento do acervo, feito logo no resolugaio de compras de novas obras & ‘as de revistas e jomais, quais comprar e assinar; e, ainda, o que 10m 08 sécios om divida quo solicitavam sou dosligamonto 0 sobro os dirotoria resolveu “tomar providencias enérgicas”. & freatiente mos elencadas, nas atas das reuniées, a inscric&o de novos sécios, de outros. cotidiano, alguns eventos eram marcados, como a formagéo em Jum grapo para fazer uma festa em homenagem a Snita. Maria da Rocha Lima, eleita “Miss Capital” no concurso intemacional de promovido polo jomal A Noite; ou uma festa, proposta por Consuelo, pomemorar o aniversério de fundagéo do Gabinete (dois votos a favor, {ont ela desempatou pelo sim); a remodelagao do Gabinete, para a cor mais conveniente a um salao de 6 do inscrig6es, eram om boa parte # importante ressaltar que, jé sob a ameaga da Revolugso de 30, Tots Caiado, come fica notério na leitura das atas, investe politicamente no Gabinete através da eleigdo de Consuelo Caiado pera presidente (6 curioso quo entre os fondadores do Gabinete Literério, em 1864, estava 0 avé matomno de Pedro Ludovico, lider da alianga vitoriosa em 30). Consuelo, por ou lado, investe intensamente na administragéo do Gabinete e no seu oorcuimento literério. Em todo o periodo de sua gestdo, acompanhando as fatas, nota-se que ela 96 faltou duas vezes as reunides, no caso, a duas conferéncias, de julho @ agosto de 1930. Durante sua presidéncia, as conte- \clas exam freatientes; o acervo foi ampliado; houve medidas para evitar, ue parecia ser comum, a perda de obras; foi recriada a revista do Gabinete, Polha Goyana; e procurou-se solug6es infra-ostruturais para ofuncionamento cdo. ‘A gestao de Consuelo e o Gabinete Literério nao estavam alheios 20 ito politico local. Por exemplo, vemos que no dia 23 de maio de 1929, Mario de Alencastro Caiado (parente de Consuelo que apoiou Pedro Ludo- Vico ‘Teixeira ¢ um dos fundadores do jornal A Voz do Povo, em oposigao a io Ramos Caiado, seu jomal © Democrata e ao Partido Democrata) u-se do Gabinete, por “pedido oral” através do bibliotecdirio. Nomesmo din om que foi anunciado o pedido de Mério A. Caiado, registrou-se a decisao ‘a prosidente do Gabinete em nao aceitar mais "demiss6es verbais”, clara taitica ao procedimento de Mario, Ainda em 1929, no dia 17 de julho, fot inoutido o que seria feito diante da interpelacao feita a Diretoria do Gabinete polo Dr. Americano do Brasil, em artigo na Voz do Povo, reclamando de um lutigo contra ele langado em 0 Democrata. A resolugéo tomada fol esperar a Josposta do articulista do segundo jornal. proferidas mensalmente a convite da diretoria, Essas conferéncias, em dp Castro conflando que nela antevia o talento vivo e promissor do bom ‘ess0es notumas (85 19 horas), registradas em ata propria, faziam-se com a fominismo, a cujoe pés eollocava praseiroso sua medesta pena. Leu em wogtuida ante o, selectissimo auditério que attenciosemente o ouviu seu ‘rabatho intitulado “A dér na Psychologia de tédas as épochas”. Finda a onferéncia travou-se interessante diélogo onde fulgurou mais uma vez, 4 jovem belletrista patricia Snrta. Floracy Artiaga na defesa da mulher de todas as épocas", "Pass: ", "Causas do hermetismo' bvidenciando os pontos fracos do homem. Respondendo Dr.Jubé Jinior Inizou que em matéria do combates deste genero desejava sempre sér Ins") © “Inglaterra no século XIX". Todos estes temas foram tratados por conferencistas homens. H4 ogistro de uma tinica conferencista, cujo tema néo foi dado na programagao, nom mesmo na ata de sua realizagao. As conferéncias comegavam com a formagéo da mesa (diretoria @, Ree ere ttieireatna Goa water Gud baa balla Da conferéncia sobre o tema “Origem da alma Humana’: A soquir a Snrta, Presidente concodeu a palavra & Snta. Oradora, incu apresentar A selecta assistencia a ilustrada conferencista. Com © espirito que Ihe #80 peculiares, a Snrta. oradora despetalou, squonin e ingpiradlo improviso, as lores de sua Ticida e aprimo- Jligencia alliada a uma cultura bastante extensa e sélida, oxponténieas abafaram o echo de sues derradeiras palavras. a convite da Snrte. presidente, Dr. Vietor de Almeida dou sonferencia: Origem de alma humana. hoasdo. A banda, porta, que tocara no inicio, também o fazia ao final. Alguns curtos trechos ilustram a linguagem com a qual! as ata fnlavam destas conferéncias. Sobre um dos conferencistas: Este, justificando a fama de que gosa em todo o Estado, empolgou os aseietentes, quando, com sua voeforteo alogiienta,lembrouem-O lmao das Cigarras ~ 0 brilhante posta Olegério Mariano. Concluindo a sua discertagéo, fol 0 illustre goyano calorosamento cumprimentado pelo jlocto auditério, emocionado o tomado da mais profunda admiragio. 1 a \inica conferéncia proferida por uma mulher, Floracy Artiaga, {ilo no foi mencionado: P caer eee a alifs jo fizera a instalagdo da nova i apenrncto da saa. Petaae beteen meets fisieea Hyetoria, os valoroatobre masculinidade e feminilidade @ o embete cot nn eae ene ey forninismo". Sobre o tema "Psycologia clo toclas as épocas": vem de flocos espirituaes, loves, delicados. ida. jar da palavra, pela Suita, Presidente, nillavra ao Dr: Jud Jdinior que, pela segunda Yer, eorivite rio em phrases repassadas de modestia, Pari grande injustiga para consigo mesma, pots a sua confo- -vordacilr tniunpho, usm sional constliado de oxtelian {do prata. Dedicou a Snuta presidente 0 seu delicado trabalho e comegon ‘a rocitar, com voz constante e doce, © sonho rosado de um zoceal de sonhos.. E desdobrou as asas da fantasia levando-nos todos a regio encantada dos seus rosees floridos de péticas roshas difanas, dasabro- ‘chadas num recanto delicioso do sua alma sensivelo sonhadora. A forma ura e perfeita, ao encanto da idéia, nobre e simphatica, a Snrta. Floracy, allia uma voz impressionante, de timbre melgoe carinhoso que vaibuscar 2p mais recondiito do coragao a impresséo nelle aninhada timidamente. [Nao 6 preciso dizer que foi delirantemente applaudida. Volpor®, com sua verve acaptivante soube tornar breves e répidos sos, minutos em que se fez ouvir. Terminou, considerando cousas herméticas fominiemo, futurismo, ete. ¢, com fina ironia, recitou, para ulimar um {Yecho te Catullo, em que compara o coragio da mulher a agua quieta de ‘manga lagéa. Mas... @ ocoragae da mulher é fielem reflectir, em maguar © Kom fori, a imagem nelle espilhante, 0 coragio do senhor homem & orrento impetuosa, que val devactando sem so importar com os destro- go que apts si vai deixando, Bna énsia curiosade fazerconguistas novas ‘val rolando vai lovando 0 coragéo das mulheres que ee incautos © tinooros, arrastacos ans tranbol6as véo tombar cheios de dor no abysmo IMormidor do fugir das ilusbes. Se o coragio das mulheres ¢ vario © neonstante, o dos homens 6, quando pode é tyranno, Bobre a conferéncia “Outro Brasil”: Outros relatos sobre duas conferéncias, sobre a conferéncia “Causas lo hermetismo": @ estas extensas plagas brasileiras. f um canto & grandeza da Patria, sonhada sem limites, num futuro talvez remote, mas corto, Se todos os, brasileizos sonhassom com um "Outro Brasil” Dr, Colemar Natal e Silva firmou com gélidos elicerces a morocida fama de trabelhador ineansivel e intelligente, lutador perseverante em prol das causas justas ¢ nobres, Merecidas palmas abafaram-the os tltimos ‘sons da voz quonto © onthusiastica. mandaram procuragdes para o voto. ‘Nesta reunio, Consuelo fez. um relatério de sua gestéo onde destacou © aumento das aquisigées para o acervo, o aumento do mimero de sécios € do movimento de livros, Feita @ votagdo, o resultado foi: para presidente, Altair Caiado de cincoenta votos; Consuelo Caiado, dezenove, outras duas candida- um cada uma, Dificil saber se o resultado foi o que queriam .eu pai, ouse foi mais uma dorrota politica, desta vez no Gabinete ‘86 compareceram .écios, com representagées de mais 11 ia vinte © um de abril (data tradicional de eleigao da diretoria do 12 6 realizada a eloigao da nova diretoria para o periodo de com a presenga de todos os membros da diretoria e sécios 1tre eles Antonio Ramos Caiado, alguns dos seus irmAos e filhos. Na ata de “Reabertura Solene do Gabinete”, em abril de 1978, consta fontre 08 convidados ilustres (Secretaria da Educagéo ¢ Cultura; Repre- nte do Instituto Histérico e Geografico de Goids; delegado do Ministério do Fducagao e Cultura) a representante da Academia Feminina de Letras, Cora Coralina. No mesmo ano, em uma reuniéo do més de dezembro de 1978, jistra-se 0 recebimento de uma verba do governo do estado ao Gabi na homenagem (doag4o de uma tela da pintora Goiandira do Couto) & jira Dama do Estado em retribuigao ao seu interesse pelo Gabinete. Para receber a Primeira Dama do Estado, em visita ao Gabinete, programa-se um recital com a pianista vilaboense Belkiss Spenciore, no io Conde dos Arcos. Esta festividade estaria igada as festividades do ontenétio do chafariz. Seriam também homenageados o jomal © Popular, través do seu fundador o jomalista Jayme Camara ¢ a “poetisa” Cora . sogruido de coquetel no Palésio Conde dos Arcos. Nota-se, nesta programagao de festividados, a inclusao de escritores \s de Golds e de Goidnia, uma homenagem a primeira dama com 0 lo de Golds (desde a mudanga da capital até hoje, uma vez ao ano, 10 do estado se instala por alguns dias no Palacio dos Arcos). Ou imos aqui uma negociacdo, hierarquizada, entre Goids e Goidnia, jasisado @ o presente. Noste conério, em que espago 0 tempo ampliados recontextualizam a Consuelo Caiado, ombora ainda vivae residindo na cidade, ‘80 esta mencionada. Bim 1983 (reuniao do dia vinte e um de abril) a diretoria do Gabinete ia enviado um oficio a familia Caiado, sclicitando 0 acervo da, Jia © ex-prosidente do Gabinete, Snita. Consuelo Caiado” Pantiga. 80 nfo recebeu homenagens, ou se as recusou, Consuelo foi acti Tomlizada polo sou acervo, doado ao Gabinete. O que nfo seria sua vontada, ‘nbs teria sido uma deciséo de sua sobrinha e herdeira. Consuelo néo teve projegao nenhuma Sempre dominada pelo pai, néo escreveu nada, néo era uma intelectual, Abiiblioteca dela era muito pobre, Nao tinha grandes obras, ‘ram aqusles romances para mogas, agucarados... (O nome de Consuelo aparece no dia 9 de novembro de 1929 (jornal O Democrata), pela primeira vez, entre os aniversariantes do dia 7 de novem- bro, Seu nome esteve ausente dos registros de aniversério (coluna freqiiente nos jomnais locais da época), antes de fomar-se ¢ exercer a presidéncia do Gabinete Literario. Festejou, nesse dia, seu natalicio a Snrta, Consuelo Caiado. Figura de relevo na sociedad ono scenario intellectual feminino da terra, presidonto do Gabineto do Leitura, a cuja recente remodolagdo dou 0 melhor de sua intelligenciae deseuesforgo, ailustre anniversariante teve ‘ensojo de verificar, mais uma vez, nas demonstragoes de sympathia que foram levar suas amigas 0 sous admiradores, 0 olovado o justo concoito fem que séo tidos 08 sous altos dotes de espitito e de coracéo. "O Democrata” enviathe suas felleitagsos.”* Consuelo, apés sua formatura como farmacéutica, teve sua propria far- “Infivia (onde elaborava produtos, isto é, era também farmécia de manipulago). Em 1926 seu nome constava no Conselho do jomal O Lar e em 1931 ‘piyjnizou na cidade a Sociedade para o Progresso Feminino local. Com a morte de seu pai, em 1967, Consuelo muda-se para casa aolado Fibora soja dificil precisar exatamente quando, Consuelo passa a titulos de livros em francés, principalmente literatura e livros cientifi- fortemente pelo Espiritismo. Isto pode ser visto, inclusive, pela “os (fora os diciondrios e gramaticas). Entre os livros de literatura, havia uma colegio completa de José de joncare Manoel de Macedo, além de obras de Machado de Assis, Graciliano ‘amos, Guimarées Rosa, Jorge Amado, Clarice Lispector, Shakespeare e ‘arios livros de Madame de Ségur ao lado de Gorki (A mae), J. Austen, iréz, Balzac, Stofan Zweig (24na soria, por Chico Xavier, a quem Consuelo doou “100 ‘anos da fazenda Tezouras”, conforme registro om ‘Partérlo no dia dezessete de junho de 1975.77 A biblioteca de Consuelo, conforme um dos relatos, “era muito pobre. 1a Grandes obras, eram aqueles romances para mogas, agucara- 1a biblioteca continha tais “livros agucarados", “para mogas" —M. Magali, Corin Tellado ~ que hoje, no Gabinete Literério, so retirados por senhoras,”* mogas nos anos 20 0 30. ‘pootas goianos, entre eles um livro de Cora Coralina (Poemas dos becos de Wolds 0 ostérias mais). ‘Além de biografias como de Joana D'Arce Cleépatra, muitas das obras do Consuelo trazem nos titulos, direta ou indiretamente, mulher": A mulher e a civilizagéo; Cartas de mulher; A mulher sileira; Gritos femininos; A mulher forte; A mulher @ o lar; A lar; Uma muiher de temperamento; Uma mulher de brio; Alma de ‘A mulher, @ histéria e Golds, Almas femininas; As mulheres néo lorem amor; Profissdo de esposa; La femme qui travaille; Uma moga de hoje; “A mulher, médica de sua casa; Imagens da mulher na sociedade; O que uma deve saber; Mulheres famosas do todos os tempos; A mulher; O que a ico; Anuério das senhoras ¢ A nova mulher @ a moral ual, do Alexandra Kolontal. Nao 6 possivel saber o que desta biblioteca, ngdes sobre ela falam de suas horas e horas de: ‘om rolatar 0 que lera. Tudo indica que boa parte dos seus livros er ymondados por ela diretamente as livrarias do Rio de Janeiro, principal Garnier, ts pessoas de suas rolacdes quando estas viajavam, ou ainda \dos por ela prépria na tnica viagem, de que tenho referéncia, que por Consuelo. As elas visitas © consultas sua biblioteca constituiria um fundo que seria revertido em auxilio As mulheres soainhas. ‘As narrativas scbre Consuelo associam-na ao pai eA mae, ao colégio que teria estudado no Rio de Janeiro, ao fato de falar francés, aos livros e a0 ser culta, Ela sempre viveu aqui em Goiss. Logo que a mae morreu ela vivew uns fanos no Rio com 0 avé matemo, Estudou o primério no Sion. Estudou no Colégio Sant’Anna. Ela estudou farmécia em Goids, uma das primeliras oianas a fazer 0 curso de farmécia. Muito inteligente, muito culta, lia ‘muito, estudava muito, A biblictoca dela esta no Gabineto.. Eu era meninota naépoca da Revolugao de 30, nasciem 18,Eutinkapavor dela porque era Caiado. Sempre fui contra os Calsdo, eram uns oligarcas foram um atraso para Golds. Fuime aproximar dela no fim, quando comece a pesquisar na casa dela para escraver maus livros. Teve um fim de vida horrivel, sua, até cheixava, ‘mal. Segregada, parece que nfo teve muitas relagSes com a familia. No final da vida, Consuelo ficava sentada om una cadeira de macieira, dura, ‘eu tinha dé dela, Uma mulher como ela! Néo tinha nada daquela moga ‘madura, que descia toda arrogante, de bolea, ¢ com quem eu nunca ‘conversara. Mordvamos perto mas nao misturava, ela néo misturava assim com povo, Bla ajudou muito Goiés sé por terlevantadoo Gabinete, fez uma diretoria 86 feminina... Bra uma feminista, nao desta de subir em palancque mas de ar apoio & mulher, Ela mo incentivava, eu dava livios para ela, ola gostava muito, A importéncia de Consuelo 6 mais cultural que politica, ppelo serviga que ela prostou ao Gabinete. Goids foram para Goifinia, porque eram funcio- Lovoitas escolas, Hospitais,o Liceu, escola de Delta, Lavon até oJardim de Infincia, Ci ap apes tens. a lal Bla contava cada coisa, que nem me interessava, intimidades, me ontou uma sobre 0 pat de Cora, que na mina idade eu nao precisava ‘ouvir. Z enquanto contava dizia, “escreve, que # Rta todo mundo saber" Sabla coisas quo nem eu sabia, rauum arquiva'vvo, Fla minca escrevet Inset com ola. la tinba paixdo pelo Dr-Tasso e peo to dela, Brasil Gaiado, 60 que as ‘pessoas falavam.. \Vonho no siléncio dossas vozes cristalizadas nas paredes do Gabinete Literério, de Lyceu, do Colégio Sant’Ana tomplos sagrados da inteligencia e do sentimento vilaboonse, jive alguns conferencistas oradora do mesmo, que jenses, Cora Coralina, livro finaliza com fotos Ub B Goianciira do Couto, do autor acompanhado de personaliciades homenageadas ao longo do livro. A titima foto mostra uma senhora bem velha sentada em uma riisticae larga poltrona de madeira. A legenda da foto: “O autor em companhia de Consuelo Caiado, notével personalidade vilaboense". Esta lembranga de Consuelo, semelhante aquela do Gabinete, remete apenas ao que ela pessoalmente podia contar sobre Goids ¢ ao acorvo que deixou. Consuelo morreu em Goidnia no dia 16 de margo de 1881 e foi enterrada na fazendla Europa. ~ Los ols sociales me pisent op sure coeur ot ‘mo déchiren top vivement pour que je pulsse m" ‘lover dans te ceux Mas ls lls no soat peut tr as ausscrullos qu les sontles usages du ‘monde. Ont fe mondo! = Nous dovons, madame, obsirauc uns at aux autres: Ie oes a parol, ets usages sont es actions de a société. = Obbird la socité..opita marquise en lssant Sehapperun geste dhorreur Hél monsiou tous nos ‘maux vennent del. Dieu ns pas faitune seul ol fo malheur mals on so réunissant es hmmes ont | fausé son oouvo, Nous sommes, nous femmes, © | plus matratbes par te cvitzation quo nous fe ‘serions parla nature.” 3 FEMINISMO E OLIGARQUIA, GOIAS E RIO DE JANEIRO: OUTROS ENREDOS: A Sociedade Brasileira para o Progresso Feminino ‘Vamos realizar om junio 0 Congreso Feminists, do que trata a carta e propaganda que Ihe envio anexando em soparado. Teria praser em cconhece-1a pessoelmente e em vé-la aqui nessa ocasio. Miss Elizabeth Sleen sempre falou-me com grande entusiamo om seu nome e outras pessoas também, Soi que 6 presidente de uma Academia, Centro Liter’: lo @ esta poderia perfeitamente se representar. Envio mais alguns "_prospectos do Congreso e da Federagdo, que necessita muito fundar ao ‘menos um Directorio em Goyaz. Nao quer nos ajudar? ..) uma correspondéncia com Consuelo Caiado. tre velhas pastas no Gabinete Literario." mulheres, diz: “...penso, mesmo em beneficio das mulheres. Que a hora nao 6 chegada ainda, do seo exercicio de voto, ndo porque a mulher seja mulher, , com todos os seus cortejos de cousas Mas, recuemos trés anos. Em 1928, no jomal O Democrata, um attigo assinado por Gercino discutia as bandeitas civis ¢ politicas de Bertha Lutz, daFederagéo Hraciloira pelo Progresso Feminino, ¢ as conseqiientes discussGes sobre 0 fpsunto no Congtesso e na imprensa. Dizia ele: mas porque a politica é a polft #spantosas, para os espiritos republicanos, nos dominios eleitorais". Luiz do Couto traga uma distingio entre entre as velhas ponderagées ‘qual seria a missao da mul ,ao lar no conchego carinhoso do na dourada alegria dos filhos, tendo por maxima aspiracdo a recta \e Ihe tragaram os barbaros de todos os tempos, entre 0 cesto de costura a cozinha; que fora do lar a mulher seja a sombra do marido" Ponderagao como esta, diz ele, “jé vae tdo longe como a sombra do {iltimo pharaé e o rabicho do primeiro mandarim...”. Aceste tempo o Procurador opée a era do rédio, uma época que “cerra Jip mesmo abrago o presente que marcha e 0 passado que recua”. ‘Assim, ndo haveria nenhuma oposig&o entre “eleitorae excelente mae Seria inoportuna a entrada da mulher nas lutas politicas, porque nhuma gloria Ihe advir4: viréo os desenganos; e, dessas luctas sahirao ompanhando a ruina dos seus idelais". rancamente, pormais que euraciocine, néo posso compreender por que ‘a mulher emprega tanta energia nessa cruzada pela conquista de vanta- ‘gens (?) que mais vardo, quando Ihe forem concedidas, s6 Ibe traréo desgostos, desilusées, ao mesmo passo que a sua promiscuidade com os omens, nas justas politicas, fard que elles néo mais a julguem merece- dora dos carinhos que até hoje, ao menos theoricamente, he consagram. Contrapse a esta causa, outre, mais “consetaneos com 0 sexo, de {omar a muthor utilissima a sociodade. Entregue-se ella, por exemplo, Acbra Moritoria, altruistica, de difundir a instrugao primaria". Neste mesmo ano, 1928, pela primeira vez a Junta de Recursos Elei- lbiis do Goiés 6 chamada a se manifestar sobre @ legalidade do voto fer Isto foi motivado, em 1926, pela incluséo da “senhorita Benedita hayes Roriz” no alistamento do municipio de Santa Luzia, em Goids. A Tewolugdo da Junta foi anular tal alistamento pela ndo-existéncia de “lei ‘Aeelaratéria do direito politico que ora pleiteam gentis patricias". Mas “a Constituinte o permite. E preciso obedecer". iz do Couto ita o artigo 70 da entao Constituigao da Repttblica: |tores os cidadaos maiores de 21 annos que se alistaram na forma da Recusando a interpretagdo histérica (as mulheres nunca votaram) Para tal decisao foi interpretado como sendo cidadaos os individuos De ae eee Eee een ee ten as sobre a eleigéo no Rio Grande do Norte e a reagao do Senado, 0 Mii "exo masculine, Considerada a eleigao como fungao publica, alegou-se ‘ ‘ ‘ : cst oetirador Geral vai tecer sua argumentagio em torno da interpretagao da “Giie 6 com a concesséo expressa deste dirsito as mulheres é que estas 0 MORE cciscan Ssicereacie aes data ore a ited rela jolaclamento, mas em confronto com o mesmo vocdbulo, que é empre- fin diversos artigos da Constituigéo. Nao s6 a palavra cidadaos, mas im palavra brazileiro bem assim outras do género masculino que se ram nos textos". B termo cidladtéos referer-se-ia a “ambos os sexos". “O masculine TESi#A io comum para os dous sexos, principalmente na elaboindas Hus (8 Henhuma divida mais se levanta a respeito". Perguntando-se, de passagem, sobre se este uso néo contoria uma dominagéo, Luiz do Couto reconhece que assim como brasileiros refere-se a ‘mens e mulheres, também cidadaos refere-se a hiomens e mulheres. Para igo a propria definigao ainda que de pae estran- izando, vale-sedalégica para dizer que ou as mulheres nfo so brasileiras, ou as mulheres 640 cidadas, Porgunta-se entéo a que pais pertencerao as mulheres, pois: “Ora, se 0 vocdbulo no masculino, nos artigos da lel, 86 diz respeito ao homem, € nfo a ambos 0s sexos, cehieremos no absurdo de em uma nacéo culta dosapparecer a entidade mulher, que néo sera titular denenhum direito, nem jpassivel de deveres”. Continua seu percurso sobre o que a Constituigao diz a rospoito da ocupagao dos cargos piblicos (*brasileiros"), perguntando: Porque cidadtios do artigo 70 serdo unicamente homens e eidadaos do artigo 68, o homem e mulher? Onde esta a lel que tal distingue? Se a palavra cidados do artigo 70 96 compromete 0 sexo masculino, e neste caso. Constituiggonega as mulheres. direito dovoto, apalavracidadéos artigo 69 comprehende da mesma maneira unicamente 0 sexo mas culino enega, assim, amulher nascidano Brasil a qualiclade ae brasileira, Dos vocdbulos “brasileiro” e “cidadaos”, Luiz do Couto passa a per porrer 0 cédigo civil para chegar as mesmas conclusdes sobre o campo voberto pelo termo "homem". Detém-se nos artigos 2 6 citados: Axtigo 2: Todo homem (6 mais positive ainda que cidacléo @ brasileiro) $ capaz de direitos e obrigagées na ordom civil’. K a mulher nin sord também capaz? “Art. 6: A personalidade civil do homem comega do usoimento com vida". E da mulher quando comega? Invertendo a pposigho ios dous artigos teremos esta solugio: ~ a mulher nao nascou, pportanto néo tem direitos e abrigagves. “Tagnbém como contribuintes, Luiz do Couto lembra quant 108, Dopois deste Logo, eidadios, do artigo 70, abrange indiscutivelmente os dous sexD6, B assim no se deve por em divida que a Constitnigao outorge tanto a0 ‘homem como & mulher, odireito de voto. Qualquer restric a esta direito ‘86 poderia ter logar om virtude de uma disposigao clara, precisa, termi nant. E'o que vemos na Constituiggéo justamente o contrério disto.. __ Alegando quo ha excluséo na lei (@ exemplo de mendigos e religiosos ‘sujeitos ao voto de obediéncia), se as mulheres fossom excluidas isto estaria xplicitado como estava nos outros casos, ou soja, “Como distinguir onde a Lniz do Couto aponta algumas das possiveis objegées a esta amplia- ho de direitos as mulheres. Uma destas objedes poderia ser a correlata mpliago dos deveres, entre eles, o do servico militar. sua propria constituigao organica”. Mas, este ndo é ainda 0 nto final. O Procurador vai buscar na regulamentagao do Servigo 0s decretos de Epitécio Pessoa que excluem a mulher do servico Ao final, 0 argumento natural junta-se ao argumento legal: Se alei deu odireito do voto as mulheres 6 porque elas o podem exercitar ‘80 negou-Ihes o dever do sorvigo militar é porque este servigo escapa & ssa prépsia natureza, Esta no principio do Estado lberalisar o8 direitos ‘todos, mas impe somente obrigagbes compativeis com anatureza dos Jo © a forte registéncia ao feminismo suftagista, embate que mostrar fan co jomal O Lar, ‘Trés anos depois de publicada a argumentacéo de Luiz do Couto, em 193), 6 instalada na cidade de Golds, capital do estado, a Sociedade para o Progresso Feminino, presidida por Consuelo Caiado. Em maiode 1936, Consuelo uorove a Bertha Lutz nao mais como Presidente da Sociedade, apesar dos bilhetes anteriores de Bertha a Consuelo, tentando convencé-la a manter-se na Prosidéncia, "mesmo como dissidente”. Mesmo tendo retirado-se da presidén- ela, Consuelo continuou como a interlocutora local de Bertha Lutz (cartas © documentos da Federagao continuavam a chegar-Ihe &s macs). Em 1936, reafirmando a Bertha que néo mais presidia a Sociedade, Consuelo diz ainda: Também nesta experiéncia, de feminismo institucional, encontramos a identificagao de Consuelo com seu paie a busca de um modelo masculino para. classificé-la e situar nao 86 seu “temperamento” como seus argumentos.” Acompanhemos alguns momentos da Sociedade através dos relaté- rios de Consuelo. Em ata de instalagao, escrita e assinada por Consuelo Caiado, no dia 7 de maio de 1931, 18-se: ‘As abaixo assignadas, conhecendo a utilidade da fundagio de uma ‘assoclagéo que trabalhe para 0 progresso feminino nosto estado, ani- ‘mam-se a convider es sras, aqui presentes para a fundagao da mesma, ‘que proptem seja denominada ~ “Federagéo Gayana pelo Progresso ‘Feminino” ~ © deverd ser fliada & Rederacio Brasileira polo Progresso Fominino, com sede na Capital da RepGblica. Apresentam também os estatutos que elaboraram @ que, discutidos, deverao ser approvados, para, entrando em vigor, procedr-se a oleigéo de que trata o att. 8 dos ‘mesmos estatutos. Sempre procurei estar de acordo com os fins da Federacfo, mas penso ‘quo so deve trabalhar por convicgéo e nao de boa vontede. Procurando ‘comesponder & eua franquoza e lealdado dovo dizor-Iho que muitas véz0s me rebelei contra ordens e resolugées vindas da Matriz, mas que jamais, live ensejo de escrever-Ihe sobre isto porque quando aquichegavam seus podidos do sugestéas ou cépias dlo rosolugdos adoptadas os prazos 0 rogpostas estavam terminados estando-me apenas a obrigagaode adop- tar a opiniao da maioria. Entreas vinte presentes, as assinaturas mostram sete vozes 0 sobrenome ‘Waiado", um sobrenome repete-se duas vezes, outro, trés vezes, dois sobreno- ‘ips estdo ligados poralianga a familia Caiadoe um dos nomes indica apresenga praets' Carta: Coneteld Gaisdacgusete #4 cunhada do pai de Consuelo, no segundo casamento de Toté Caiado, bre qual seria o lema que constaria no pavilhdo da Federagio local “# Yotiagio deu-se entre “Uma por todas e todas por uma”; “A mulher tudo ‘que a mulher quer, Deus quer”. Foi escolhido o primoiro, deveria ampliar estes bene foria Central ficou para ser oscolhida em outra data, em uma juanto as patroas. Finalm Goral para a qual seriam convidadas um “grande namero de werem parte da associacdo e que se mostrarao favordveis & sua Noda 10 de mato de 1931 foi reunida a Assembigia Geral, quando foi lo.0 emblema da entidade que doveria ser "o retrato da Sra. Bertha no mesmo ano, em 1936 uma longa carta de Bertha Tait 111%, Gotwaclo pelas cores da bandeira goyana: azul, verde e amarela”. ‘Texpondo a Consuelo: Proaida amiga D. Consuelo, - ’ Hecebi n mun cnita, muito clara 0 ‘lito mo tombrou a pine ‘potnonalidad forte » deoidica do} —— Sociedade com trinta e oito votos. Houve quatro outras candidatas que que seria enviacio Yooeberam, em conjunto, sete vo' Eleita a diretoria, Consuelo Caiado foi escolhida a Presidente da Um relatério da Sociedade Goiana dirigido as suas sécias pela presi- Como no caso clo Gabinete Literdrio 6 possivel, através das atas e dos fio de 1932. © caso narrado intitula-se “Festa das Maes". Seu relato comega \do que “recebendo ordem da Federagdo Brasileira pelo Progresso nino para realizar em Goyas a festa das mies, ¢ atendendo as sugges- por ella enviadas...". Estas sugestées eram: conseguir adesoes ao “Dia ‘us Maes" e buscar apoio e interesse dos p4rocos. Seguindo tais sugestoes, jelo foi até 0 vigario geral e conseguiu marcar uma reuniéo com jontantes de diversas associagdes, no dia 1* de malo, na residéncia do {Pcito. Seria entao preparada a programagao da festa. Mas, no dia marcado, Ingo cedo, Consuelo recebe um oficio do vigario cancelando a reunio, "es cr nea cence ea) , acompanhada da Consultora Jurfdica da Federagao, foi até 0 ios de Consuelo, acompanhar os temas das reunibes da Federagso Goiana para 0 Progresso Feminino. Na mesma reunido em que fj eleita, Consuelo propos que antes de Iniciar a “realizagio ele seus fins" o Estatuto da Federago Goiana deveria ‘wor enviado & Federagao Brasileira para ser aprovado, reforgando assim os |agos de filiagao, A roumio torminou com a proposta de que se formasce uma so para levar as homenagens da “Federacéo" as Inmis do Colégio 10 esforgo que sempre desenvolveram em prol da edueagio Muller, elevando o nivel da instrugio feminina”. Assinaram a ata desta io quarenta e uma mulheres com sobrenomes variados. Esta homena- gomas frotras do Colégio pode, por um lado, indicar a énfase deste fominiemo educagao 0 instragéo da mulher e, por outro, a importéncia politica da wjitio pedir explicacées sobre o oficio, quando teria ouvido do préprio ja Catélica em Goiss na época, atrav , de suas escolas. No lirio, reforéncia as acusagées sobre o carter espirita da Federagao Bra- (pa80 especifice, porcue 0 Colégio Sant’Anna era, tradicionalmente, um pica. Consuelo teria ficado espantada (pelo menos em seu relatério expres- oduto de educagao feminina da elite local. ospanto, pois ela escreve, apés a frase do padre, citada entre aspas, a0 Na terceira reunio (que a ata chama de primeira reuniéo ordinétia) da ia palavra “espirita” varios pontos de exclamagao) dlretoria, em 31 de mato de 1931, com quatro participantes, foi discutida Mostrados ao padre os estatutos das Federagées, Brasileira e Goiana, ‘arta de Bertha Lutz c.om Yes votos de louvor daquela Federagio”, com suges: \ostrou-se convencido e pediu o enderego da Federacao Brasileira Gos de modificagées clo estatuto; decidiu-se também sobre a data de inaugu: far a0 Cardeal, no Rio de Janeiro, e pedir-lhe esclarecimentos gio da sede da Fedsracdo que, até entao, reunia-se no Gabinete Literatio, Para implemen tar “os fins a que se propée a Federagao" foram sug . 1idas varias comissées, para as quais a diretoria indicaria alguns nomog ‘quo jé haviam dito no dia 1! deste més em seus sermées, ou seja, luntre as sécias. As comissdes sugeridas foram: Caridade, Instrugao, Socorrg yam os fiéis a abandonarem a Federagio e, ainda, acrescentaram __Doméstica e Pré-Moral, A rouniéo terminoa com a resolugio de que sel que estes no comparecessem a sesso do dia das mies piganizado, mensalmente, um cha, onde seria sorteado um prémio ent Al nécias.® 0 cas0 6 significative porque condensa varios embates na época. {form sobre uma disputa entre a Fedoragao @ a Igreja locals. Vimos ‘© apoio da Igreja, a iniciativa de . um colégio feminino. Ora, a 18 dominicanos om Goids renovaram no dia 8 se afirmava a formagaa religiosa como a mulher, Havia, portanto, uma disputa

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