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INTRODUCAO a GEOGRAFIA (Geografia ¢ Ideologia) NELSON WERNECK SODRE 6) Rdigho Petropolis 1987 aay nc Formagio da Geografia A Goosnaria ¢ talver a citneia de histéria mais longa, Bla comega, na verade, eom as primeiras comunidades gent cas, Um dos faios mais curiosos que 0 estudo da pré-histéria hos revela é, certamente, 0 da tendéncia ao movimento auc, 0 lado da também preccee dispersio humena, contribuit para os primeiros conhecimontos das regiées diferentes da- uelas de habitacao inicial das comunidades e onde estas fstabeleceram relagdes com a natureza, Sabemos muito pouco Gas migragées da etapa antorior ao periodo histérico, Pode- mos admilir, entretanio, que © homem se dispersou muito cedo na superficie terrestre e que, também muito cedo, fot Gotado do mobilidade, Essa dispersto, como a mobilidade, no foi detida pelos grandes obsidculos geogréficos, nem ‘mesmo o§ mates ot a8 altas cadeias de montanhas, A onl presenga humana deixou vestigios por toda parte, Um dos Tragos comuns aos conhecimentos humancs, entretanto, esta em qno, de fendmenos sabidamente universals, conhecemos quase tosomente aquilo que tove como cendrid as terras & fs mares da Europa ¢ as mais préximas da Asia e da Kfrica. Dai girarem sempre as reconstituigdes — como esta — em toro do quo ocorreu naquela axoa, Vale este registro como ressalva do que diz respello ao distante Oriente, eujas cul furas primitivas sio, normalmente, apesar de stia inportan- cia, omitides ou subostimadas polos estudiosas ocidentais, Queisuer que fossem 0s motivos dos deslocamentos © das migragées mais antigas — variando da necessidade & aventura — elas levaram ao conheoimonto mais amplo da superfiele da ‘Terra e & tendeneis a0 registro ou a transmis- sho dese conhecimento, ‘Trata-se, ineontastavelmente, de ma- terial geogrativo, 0 falo de ser empirico pouco importa, no 13 ‘ciiso.' Ori, 0 que vai importar, entéo, é a possibilidade de ) conhecimento ser transmitido'e retido, Assume particular ie, conseqiientemonte, 0 registro desse conhecimento, } 86 aceitarmos uma divisiio da histéria dos conhecimen- ‘tos geogrdticos — para nao falar ainda em Geografia — que inelua a etapa preliminar da pré.histéria, ela comportaria Juma subdivisio; antes do registro ¢ depois do registro. Aqui, nile se encontrard sero o que pertence & segunda parte, isto & a parte posterior ao registro, Ora, desse Angulo, é geralmente admitido que os gregos foram 08 primeiros a registrar de forma sistematica 0s co- nhecimentos geograficos. Foram os gregos, slifs, que bal tam 08 conhocimentos sobre a superficie da Terra como Geo- grafia. A Grécia nio tem importaneia apenas, para colocar 5 conhecimentos geozréficos em destaque, do ponto de vista de sta posieAo naquela area que, com grave impropriedade, ficou situada na Histéria como «mundo conhecido», Claro esta que — além das possibilidades de registrar os conheci- mentos — a Grécia so situava em posigio privilegiada, no extremo da Europa, &s portas da Asia em face da Africa, entre 0 Mediterraneo e 0 Mar Negro, ponte para contatos ¢ confrontos entre 0 Ocidente e o Oriente, fundindo culturas diversas ¢ assimilando-as, A Grécia tem importéncia, tam- sm, por ser 0 centro de uma sociedade escravista que rece- bera e ultrapassara a heranca mereantil dos fenieios, Ora, ‘9 coméreio é a fonte principal dos contatos; no apenas esti mula a curiosidade como obrige ao conhecimento. Cabe aos gceges, consediientemente, coletar, sistematizar, como quo eompendiar os conhecimentos de natureza geogratica, Cabe- Thes, também, teorizar, numa primeira etapa, a base desses ¢onhiecimentos. Dominando 0 Mediterraneo, eles conhecern 0 litoral sul da Buropa co litoral norte da Africa como 0 es treito litoral oeste da Asia; conherem o Mar Yermelho como. © Mar Negro, a Mesopotamia e 0 Golfo Pérsico e as terras que s9 esfendem aié A india, Pervorroram estes mares ¢ eases torras; em niuitos lugares estabeleceram feitorias. Em grande parte, os conhecimentos foram registrados nos périnlos. (cir- He jtinseaeon vag ‘Sr Ma esorafia, Ubon, Seeds ty Toe RDM 14 cunavegagio) ; a Odissdia € nitida reminiscéneia doles, Essa variedade de conhecimentos — e o fato de ser a Grécia o centro da grayidade do mundo de entéo — é que permite pascar da coleia & sistematizagio © desta aos primeiros on saios de teorizacho, ‘Nessas distantes origens, os conhecimentos geogréticos sfio objeto da atengio, particularmente de navegadores, m litares, comerciantes ¢, em outro plano, de matemiticos, his- toriadores e {ildsofos, Herddoto nao foi apenas 0 «pal da Iis- t6rias, como fieou mais conhecido; ele foi, tembém, 0 pri- maeiro, entre os conheeitlos, que tratou de aspectos geogrifi- cos em sux obra, Seus conhecimentos da Area de infludne dos gregos eram amplos; ole viajou peles ilhas do Bgeu e amplion, seus horizontes conhecendo o sul da Ttélia, a Cirenal: ca, 0 Bgito, « Babilénia, 0 Mar Negro, Herddoto subin o Nilo e chegou a oria do Saara, tomando contato com os carava neiros que vinham do interior da Africa e de Cartago. Su descrigées histivicas so enxameadas de informacées geogr: ficas, Ele foi, provavelmente, ainda o primeiro a arrisear a existéneia de relagdes deterministas entre o meio e 0 homem na conelusio de sua chra histériea, atribui a Ciro proclama gio aos seus guerreires em que afirmava que eas torras riso- nhas produzem homens efeminades, nfo podendo, por isso, produzir fruios saborosos e guerreiros valorosos». Cinco sé- culos antes da nossa era, pois — Herédoto vive entre 484 e 424 aC, — aparecia, com a responsabilidede de um homem famoso, a estria determinista; ela nasela, ois, antes, € multo antes mesmo, do aparecimento da Geoarafia, Outra figura famosa, um contempordinco de Herédoto, com as preceupagtes voltadas mais para o homem do que para 0 meio, mas aceitando a preeminéncia deste — Hips crates — levaria 0 determinismo a limite extromo, No texto de sua obra clissica, Dos Ares, das Aguas ¢ dos Lugares, es- tabelece a distingdo entre os habitantes das montanhas ¢ os das planteies: aqneles, por forea da infinéneia das terras al- tes, vimidas, batidas polos vontos, soriam do estatura alta, braves e de temperamento suave; esies, por forca da influ cia das formas leves, descobertas, desprovidas de agua, com bruseas variagies de temperatura, seriam secos, nervosos, in- déceis, arrogantes, mais lowros do que morenos.' HipSerates ho beastie aay conyem prevenlt, seg Gerad ¢ ou mio 6 ute, elem in ANS rtetinn TE in ake aces, aa, Sealant etubedinonta’ geass aD ipdemstens Die lt," dea"Bous a €eaiete, Pan, 18, b. 8, Th 15 publicou seu trabalho no ano da morte de Herédoto, Parece nfio ter havido, pois, influéncia de um sobre 0 outro, Talver em: ambos tivesse influido Heeaten, que proceden a verdadei- ro levantamento geral do mundo conhecido, Bsse determinismo nfo derivaria, provavelmente, de in- fluéneias tedricas, mas estaria, antes, no espirito do tempo, representaria caracterfstica cultural da supremacia hetGnica, de sua sociedade escravista, — tio impropriamente, a rigor, comhecida, nos compéndios histérieos, como demoeriticn, He. cateu, que sumavion 0 conhecimento dos Ingares ¢ das’ gen tes, fol precedido, entretanto, pelos fundadores da Geogratia MatemAtica, Anaximandro e Tales, nos séeulos VII e VI a. © conheeimento da Terra oxigia a sua medida mas foi, cer- tamente, 2 proprielade privada que estimulou o eélculo das fens, fazendo dos grogos og eriadores da Geometria, A ima- gem geométriea da Terra foi oferecida por Bratéstenes, no século TI a.C, Diretor da biblioteca de Alexandria, onde es- tava recolhidos os registros dos eonhecimentos | coletados pelos sfbios que haviam aeompanhado o grande conqnistador que, da Macedénia, chogou ao Indo, Erastétenes deixou mu- merosas obras mas, delas, 86 nos restaram alusdes, criticas ¢ ag referéncias transmitidas por Estrabfo, Erastdtenes divi- dia 0 emundo conhesidos em compartimentos que se apoia- vam em dois elxos perpendiculares: um deles era o merl- diano que passava por Alexandria e por Assui; 0 outro pas- sava por Atenas, Rodes © as Colunas de Hércules. Por meio dese sistema, defintu por coordenadas pontos conhecidos, Es- tabeleceu, por outro lado, a medida do grande cireulo ter- rostre, Acroditava na esforieidade da Terra e chegou aquela medida através de duas operagies, wma astrondmnica, outra geométrica, aquela deduzida do comprimento das sombras sol- ticiais, Apresenton um mimero que pouco faltou para ser exato e dev, assim, uma idéa da ordem de grandeza do planeta, + © conhecimento dos fendmenos que constituiriam objeto da Geografia Visica foi mais lento, Varios autores pesquisa- Yam aqueles relacionados A temperatura, as marés, ao vul- ‘canismo, Outros estudaram as enchentes do Nilo e a forma- read 'Ai'aman Be6nrat chsrvagten" (René Ghar op. Gt, br 2 16 0 dos deltas, Poliblo descreveu como as correnies cavavam os _vales e Possidénio media a profundidade do mar na re- gifo da Sardenha e descroveu os poyos da Galicia e das As- tGrias, ambos entre os séculos IL e 1 aC, Teofrasto, disci- pulo de Aristoteles, escrevera uma historia das plantas, rela cionando-as com 0 clima. Agertécides, do século IT aG., clas- sificou as tribos da Btiépia eegundo a sua dicta, Materiais geograficos, temas geogréticos , principalmente, # definigao desses elementos iniciais do conhecimento sic eneontrades nos trabalhos dos fildsofes gregos mais eminentes, Em Pla- 10, no livre V das Leis, por exemplo, quando considerava destavoravel ao fortalecimento do Estado a situagio mariti- ma, Ou em Aristételes, nos livros IV ¢ VIT da Politica, quan- do, neste diltimo, considerava entre os limites da polis a maior densidade da populagio a que pudesse assegurar vida auto- suficiente, Ou ainda, ultrapassando a Area especifieamente filosética, em Galeno, que acompanhava o determinismo hipo- erdtic, Mais do que referéncias ou observagdes de caréter geografico, porém, 0 que os pensedores gregos fixaram, em suas obras filoséfieas, histérieas, médieas, foi a concepcio de mind em que se refletiam as condigdes do eseravismo, na fase em que esse modo de producto teve a Grécia como ce- nario principal, A justifieagio do regime, no nivel ideol. gieo, conduzia, nocesssriamente, a uma concepgio determinis- ta ¢ natural das desigualdades sociais, como a expansdo mer- eantil ou militer despertava a necessidade de legitimar domi- nagho © exploragio, As contradigdes da sociedad grega lova- ram, finalmente, ao deciinio e 4 submissio ao dominio roma- no, Este, entretanto, que utilizou as conquistas culturais gre- 498, nfio inovou, de forma alguma, na Ares dos conhecimentos gcogréficos, Nem teve neceasidade disco, pois persistiria, com & expansio romana, que recebeu a heranca da dispersdo gre- ga no espaco geogrifien, 0 modo de produgéo eseravista e, portanto, a postura ideolégiea de legitimé-lo, Os romanos ampliaram aquela heranga geogrética, e as operagées de conatista que efetivaram deram lugar, em al- guns casos, a descrigdes das éreas entio devassadas ¢ subme- tidas, César comega sua narragdo da campanha que coman- dara com suméria apresentacio fisica da Gélia, Os romanos ‘am conquistedores, mas deixavam aos srresos submetidos ainda a primasta de acumular os conhecimentos. geograticos. Foi assim que se destacaram Hipareo e Possidénio, Aquele, 17 ‘© maior, sem diivida, entre os astrénomos da Antiguidade, Tevelou & precessio dos equindeios ¢ apresentou os primeiros elementos da geometria da esfera e da resoluedo dos tridn- ‘gulos esféricos, fazendo avangar 0 sistema do localizagio dos facidentes geogrificos pelas coordenadas terrestres, meridia. nos ¢ paralelos, Ficava estabelecido 0 principio de que a di- ferenga de longitude de dois pontos é igual A diferenca dos Angulos horérios, isto é, a diferenca das horas locais. simul- taneas desses dois pontos, Hiparco methorou o sistema de projegio até af utilizado, inventando a projecio estereogra- fica, quo permitiu maior fidelidade na representagio das re- giGes © dos roteiros, renovando a cartografia, Possidénio, como era comum no tempo, freqtientava diversas areas do eonhecimento, a histdria, a filosofia e aquilo que poderia ser tido como Geografia; passou da descrigéio das rogiées 4 ma- tematica, repetindo Eratéstenes, com a determinacdio do com- primento do grande arco terrestre, Aqueles que sistematiza- ram os conhecimentos geogrificos da Antiguidade, porém, foram Estrabio © Cléudio Plolomeu. © primeiro vivew na época de Cristo e sintetizou, em longa obra, tais conhecimen- tos; era também historiador © viajante, mais do que geé- grafo, O segundo yollava-se mais para a matemética, Sua obra Geographike Syntasis, acompanhada de projegdes, trax quadros com a latitude e a longitude @ eélealos sobre a varia- gio do dia conforme a distancia do equador; 0s arabes de- ram A traducio daquela obra o titulo de Almagesto e lhe asseguraram dutadouro prestfgio, Tuerécio, no final do livro VI da De Natura Rerum, apresenta material geogrifico nio merecedor de esqueeimento, A Historia Naturalis, de Piinio, ea De Choregraphia, de Pompénio Mela, valem menos do que a fama quo conservaram, por terem sido eseritas em latim e terem, assim, chegado’ mais facilmente aos pésteros, A Geografia, na Antiguidade, valeu pelos pasos dados, fs vezes yagarcsamonts, as vo20s orzaiamente, soja no sen- tide da informagao sobre a superficie da Terra (um pouco sobre fendmenos de que era cenario, ou que ocorriam acima dela), seja no sentido do dimensionamento, da_quantifieacio, da localizagao relativa de pontos (pela distancia de determi hada origem), Resumla-se, pois, numa ampla compilagao des- ‘48 conhecimentos, na acumulacio que definiu sempre as eta- liminares das ciéneias, Tais eonheeimentos, ainda que ivos, estavam condicionados A concepgéio que os an- 18 tigos tinham do mundo em que viviam, ao grau de desen- volvimento social atingido, Como tudo, eram historicamente situados, Isto do ponto de vista mais amplo, do geral, Do ponto de vista particular, importa destacar como os elemen- tos geogréficos estavam anisturados, quando nao subordina- dos, a outros, que apareciam como principais, Nao havia Geogratia, E gedgrafos, conseqlientemente, Havia filésofos, historiadores, cientistas, que se referiam, secundariamente, a aspectos geopraficos, A’ Geogratia aparesia, antes de definir © seu campo, 06 seus métodos, as suas téenicas, como tribu- térla, ¢ desimportante, de outras 4reas do conhetimento, cien- tificas ou nfo, Estava ainda carregada de mitos, lendas, de- formagées, que escondiam o que, em seus rudimentos, havia de yerdadeiro e de duradoure, Seu desenvolvimento, visando saa future autenomia, estaria ainda, e por muito tempo, na Cependéncia das Areas, eientificas o nfo, de que o homem so seryia para sobreviver ¢ progredir. A derrocada do esevavismo romano € a fusio, no colo- nato, das comunidades gentilieas dos denominados «bérba- vos» processou-se em longo period de turbuléncia que teve correspondéncia, nos dominios da cultura, em estagnacio ou tal redueio de atividades que a ela se assemelhava, Os tex- tos, As yezes lembrados, do Amiano Marcelino (séulo TV), clo Higrocles (século VI), de Constantino (séeulo X), care. cem de signifieacao, BE Kuropa cristi — quando europeu e cristio eram sinénimos — defronta, entio, a extraordinaria ‘expansio inugulmana, de que os drabes so aguerridos poria- dores, E siio estes, realmente, os herdeiros da cultura grega, que assimilam e transmitem. As obras de interesse geogra- fico que entio aparecem ou séo antigas ou sio aquelas que surgem da cultura Arabe, em que se destacam figuras como a de Edrisi e particularmente a de Ibn Khaldun, Defendida, no fundo do Adriético, pelas suas lagunas, e mantendo-se quase sempre ligada as pragas bizantinas, Veneza encabeca 08 contatos com o Oriente, que as Crazadas retomardo, em outros termos, adiante, Do ponto de vista geoaréfico, a época oferece as grandes viagens, estimuladas pelo interesse rel gioso ou pelo interesse mereantil, de que constituem exem- plos as de Pian di Carpine, Guilherme de Rubruk e Marco Pélo, Claro esté que néo foram apenas mercadores veneziae nos 0s grandes vlajantes, e menos ainda apenas os citados, No século XIII, 08 monges franciseanos Pian di Carpine 19 Guilherme de Rubruk demandaram o Oriente longinquo, enviado pelo Papa o primeiro; pelo rei de Franga, o segundo, Som o auxilio dos mercadores nio lhes teria sido possivel realizar 0 percurso que era imposto aos que protendiam ir ‘tio longe, Nos fins do mesmo século, os irmfos P6lo e Marco, filho de um deles, chegaram & China atual, deixando este a interessante narrativa de suas vingens @ permanéncia no Oriente, Os Arabes procuraram, também, estabelecer relagdes ‘com povos distantes: no século XII, Edrisi enriqueceu seus eonhocimentos geogréficos em longas viagens e, no século XIV, Ibn Khaldun conheceu, num esforgo de mais do trinta ‘anos, a Africa, do litoral egipeio a Timbuetu; a Buropa, até © sul da Riissia; e a Asiz, da Palestina 4 China, passando pela india, Nos fins do séeulo XIII, os comerciantes itallanos — venezianos ¢ genoveses particularmente —, que detinham 0 monopélio comercial dos produtos orientais, reeebem profun- do golpe, com 2 queda das colénias frances da Siria, Aban- donando Damaseo e Beirte, recorrem a Alexandria, que era, ‘a0 tempo, uma das encruzilhadas das correntes comerciais, tornando-a a praca mais importante para as trocas com 0 Oriente, Estas seriam cortadas, ainda ai, com a barrelra turco-rabe, que fechou todos os acessos terrestres & Asia. Os comerciantes da peninsula italiana tentaram contornar a Africa, mas caberia a navios portugueses, comandados por um genovés, deseobrir as ilhas Aforlunadas (Canévias), em 1841, A revolucio de 1385 om Portugal, om que desempenhou destacado papel 0 grupo mercanti] estabelecido na costa lusa, fe de composicio heterogénea, estimulou a busca de contatos com as ptacas do Oriente, por via maritima Atlantica: na- vegadores lusos atingem o Ric do Oure, em 1346; chegam a Cabo Verde, em 1445; transpdem 0 equador, em 1471; atin- gem o Cabo da Boa Esporanga, em 1487. ssa expanséo extraordinéria — a maior que a Histérie eonhece. — e que constituiria a etapa inicial do movimento moreantil, gara as téenicas de que nevessita: a naverracho em allo mar tornou-se possivel com o aperfeigoamento da bis- Hola, ainda no século XIII, e particularmente do astroldbio, que os arabes inventaram e cuio uso se generalizou no sé @ulo XV. A criagio da caravola, de largo velame © bordas faltas, reduz a inseguranga dos navegantes, Os conhecimen- ‘Yow acompanham esse avanco ténico: a Geografin de Ptolo- 20 meu foi traduzida em latim, em 1409, ¢ logo se tornou co- mhecida em todos os meios interessados. J em 1436, 0 yene- tiano Andréa Blaneho apresentava 0 portulano que trazia as iltimas descobertas, 6 a época de um astrénomo do porte do florentino Toscanelli, Em 1484, 0 cosmégrafo de Nuremberg Martim Behaim, depois de instalar-se em Lisboa, constréi o globo que tomou o seu nome, Eram conhecimentos de natu- reva geogréfica, Mgados & expansio mercantil dos fins do medievalismo, ampliando 0 chamado «mundo conhecidos. Es- sa ampliagfo atinge seu limite maior quando, no fim do 36. culo XV, Vasco da Gama chega 3 fndia, apis contornar a Afrlea, abrindo roteiros que, no século seguinte, se tornarao conhecidos. a época em que Colombo chega A América e Cabral chega ao Brasil, Portugueses ¢ espanhéis — holande- ses, ingleses ¢ franceses depois — devassam 0 Oriente. Fer- néio de Magalhies d4 a volta ao mundo, A cartogratia acom- panha essa expansio: os portulanos funeionam, entio, como 0s périplos, na Antiguidade, As narrativas de navegadores, mereadores, conquistadores, constituem precioso repositério Gos conhecimentos geograficos, Cartégrafos como Ortelius @ Mercator registram esses conhecimentos. Copérnico liquida a concepgio ptolemaica do nosso sistema planetério, impondo 0 heliocentrismo, desde a publicacéio, em 1543, de sua obra De Revolutionibus Orbium Coelestium; no ano seguints, Sebastitio Miinster publicava a sua Cosmegrafia, Os chamados descobrimentos — isto é, 0 contato dos ‘europeus com torras © gentes distantes, que desconheciam — prossegue, no século XVII, Como acontece nas fases em que 6 ritmo do proceso hist6rieo se acelera, aprofunda-se 2 rela- gio dialétiea entre esses edescobrimentosy 0 as chamadas inyengbes, quer dizer, as inovagdes téenicas que os ajuda ou deles dependem, Assim, os pesados galeGes substituem as ca- yavelas; 0 efleulo da longitude se aproxima da exatidio; a velocidade dos navios pode ser medida; aparecem os rel6- gios maritmos ¢ 0s crondmetros; Picard mede 0 areo do me- ridiano eom precisio; Torricelli inventa o barémetro, As via. gens de devassamento se multiplicam, em todos os mares €, nos fing do século XVII, comegam a assumir carter eten- tifico ou t2-1o como presente. A informacio era, assim, abun- dante, mas caética, pois misturaya fatos observados com crendices, supersticdes, fantasias, conheeidos de oitiva, 0 que se ligava & Historia, aos primeiros rudimentos etnograficos, 21 fa tudo aquilo peculiar as areas afins da Geogratia — a Fi- sica, naturalmente — como o que se referia as plantas, aos animais, ao clima, aos maros, aos rios, O particular assumia proporedes inumeriiveis, Fazia falta o geral, Mais ainda o universal. Dai a distineia que separa essa riqueza informa- tiva da pobreza da sistematizagio ¢ particularmente da teorizagio. # fécil constatar essa distancia no arrolamento das obras do tempo prescupadas em anslisar e em estahelecer 0 geral. ‘Ainda naquelas néio especificamente voltadas para os pro- Dlemas geogréfieos, Como [1 Princize, de Maquiavel, que apa- roce no inicio do séenlo XVI. Sate anos apés sua publicacso, nascia Jean Bodin, que nio apenas eritiearia severamente aquele como aos utopistas e retomaria o determinismo hi- pocritico. Com efeito, no capitulo I do livre V de sua obra De la République, procuron demonstrar a existéneia de rela- bes catisais entre us condicdes fisicas do meio c as condigées sociais de seus habitantes, Giovanni Botero, de sua parte, om Ragione di Stato, de 1589, como em Cause della Grandezza delle Cité, de 1597, tentou mostrar as relagies entro as cstradas e a8 cldades ¢ seas governos; nos livros Delle Rela- zioni Universali ofereceu amplo panorama do meio € dos po- vos do sew tempo, O problema polities das fronteiras natu- rais foi tratado pelo francés J, A. de Thou (‘Thusnus), em sua Historia Mei Temporis, Mesmo em Bodin, cuja influé cia sobre Montesquien parece ter sido exagerada pelos que estudaram a obra deste, nfo estava preceupado com a natn- reza geogratica dos fatos ou dos processos de que tratava. B seu determinismo parece ter sido também exagerado, Lu- cien Petre analisa com clareza esse aspecto.? Como, de rr to, as passagens deterministas do abade Dubos ¢ até de Cor- neille, de Malebranche, de Boileau, de La Bruyére, de Fon- tonclle, de Fénelon e até de Buffon, Todos, menos o ultimo, meros curiosos do assunto — influéneia do clima — repe- tindo a ciéneia do tempo, preconceltuosa, sem diivida, e mos- trando a generalizecio da crenea no determinismo climatico, esposado inclusive pelos mslhores pensadores entiio em atividade, § f, osien Febrre: La Terre ot Tvaution Munaine. Iatedseton Gloorapniowe 8 tuitions Pang, OS, 927 MeEsite ast Bane race da shrne. dans, autoren_ mottrando camo, cei Monk atasaidade a rlagho" determinate “go elina.whre © heen, Wer. de eh encnnby ph cnt ik gy mo it Cla: ese, caer oe uy RET ofan) RS SRE pan an 'cegue Susan sorta tae." “O 22 © século XVII assiste As primeiras tentativas de langa- mento das bases da Goologia, com Stené, do estudo siste- matico da Botnica, com John Ray. Os primeiros mapas com linhas hipsométricas so também da segunda metade daquele séeulo, que vin surgirem avances tecnolégicos como na com- Posicko do microscopic, avancos que abririam horizontes as esquisas no campo da Biologia, 0. mais importante, porém, do ponto de vista da histéria da Geografia, residiu ‘no apa- recimento de duas obras gerais: a Introduedo @ Geografia Universal, de Claverius, de 1626, e a Geographin Generalis, de Varenius, de 1650, Aquela compie-se de duas partes. Na i cial, Claverius resume os conhecimentos da Geografia Ma- temética; na segunda, que dé a medida do valor do livro, alinha a deserigio regional de numerosos paises, Em Ber- nhard Varen (Varenins), a Geografia tem um de seus maio- res pioneiros, Ele consideraya que o estudo dos fendmenos registrados na superficie da Terra dividia-se em trés par- tes: celestes, terrestres ¢ humanos, Sua obra ficou incom- pleta, mas o que deixou 6 suficiente para medir a sua mar- eante importincia,” Nos fins do século, G. Sanson publicava a sua Introduction a la Géographie, desenvolvendo as idéias do Varenius, Com o alastiamento das relagées capitalistas © corres- Pondente declinio do medievalismo e com a revolucto burgue- sa na Inglaterra’ infeio do processo que a efetivara na Fran- ¢a nos fins do século XVIII, pode ser aceita a convencéo do encerramento do longo periodo inicial, preliminar, prepara- torio da Geogratia, stia pré-histérin por assim di cantilismo & a culminfncia dessa fese, com o devassamento de extensas dreas ullramarinas e @ contato dos europeus com os habitantes dessas Areas, Essa expansio geografica, que importa em extraordingria acumulagio de conkecimentos ¢ em sua extrema variedade, anuncia ou instala a etapa iniclal do colonialismo: as relacdes das Areas incorporadas 20 , Ritter nio renegava 2 face empirica do método: a verdade geogréfica, a seu ver, eatava em partir da observagio para a concluséo ¢ néo da opinigio ou da hipétese para a observacio, Essa posigio con- trariava, portanto, a relacio dialética entre a teoria ¢ a pré- tiea, 0 que mostra como Ritter vin apenas uma faixa da verdade, «Precisamos solicitar da Terra as sues leis» — es- reve, Nessa busca Jo geral, eutretanto, ele permaneceu na formulacio, quanto A definigio metodolégica. 0 eixo do ra- ciocinio deveria ser constituide pela comparagio, Tudo, po- rém, subordinado a uma finalidade, Bssa base teleoligica, uma das caracteristieas da obra de Ritter, foi sempre dis- cutida © muitas vozes contestada, ainda fora da Alemanha. Parece ter sido sua heranca Kantiane, 6, realmente, 0 lado vyulnerdvel que ela apreserita mas que nao pode, de modo alum, fazer exquecer os outros, ane Ihe fixaram lugar de relevo — quase sempro ao Indo do de Humboldt, apesar das diferencas entre elas — na histérla da Geogratia, Em sua obra Landerkunde, Ritter destacou a importancia das divi- s6es_naturais, em’ contraposi¢io as divisdes politicas, esta belecidas pela Geografia Regional, ou a que esta deveria obe- decer, Penck definiu Ritter como aquele que havia dado a Geografia 0 seu asnecto sistemAtico, Nio era pouco. ‘Humboldt e Ritter morreram no mesmo ano, 1869, quan- do Darwin publicou a Origin of Species. Dez anos antes, em 1848, Marx e Engels haviam divulgado 0 Manifesto Comu- ‘nista, O materialismo mecanicista, oriundo da primazia des ciéneias naturais, na época, vinha a ser substituide pelo ma- terialismo cientffico, O prestigio de Kant decafra bastante, enquanto erescia 0 de Hegel. Era uma fare de mudanga, que enuneiava 0 aparecimento do imperialismo, que busearia co- jocar a Geografia a seu setvigo, A burguesia comecava a temer pelo seu dominio: um fantasma assustava o mundo, realmente, As contradigées do capitaliemo aprofundavam-se € a luta Ideol6gica assumia formas calorosas @ ocupava 0 ce- nério das atividades culturais. A filosofia clissica chegava ao fim, com Feuerbach, © a economia vulgar ora seriamente contestada, A morte de Humboldt ¢ de Ritter prevede # aber- 35 tura imediata dessa fase tormentosa, politicamente assinala- da pela unifieacio italiana como pela unifieagio ales, Ia ‘comegar, realmente, a iiltima etapa do capitalismo. Do ponto de vista da Geografia, na Alemanha, sua pétria de origom, © que assumia destaque era, justamente, 0 cardter contro verso de suas teses fundamentais, Ali, Frébel limitou a Geo grafia A Geografia Fisica, imeluindo a Etnogratia; Ltidde es- tabeleveu regres para a aplicagio do método comparativo; Peschel destacou 4 causalidade puramente mecdnica dos fe. némenos, Para este, 2 Geogratia seria ciéncia sistemitica © empirica; seu método tinico consistiria na observagiio, Pes- chel notabilizou-se, particularmente, pelas suas pesquisas mor- foldgicas, influindo poderosamente na obra de W. M, Davis, a que se deve importantes trabalhos sobre 2 exosio, Abri se nova fase de desenvolvimento quantitative, com estudos sisteméticos sobre Climatologia, em que se distinguiram Bu- chau, Loomis, Hann o Képpen; sobre Geografia Botanica, com ‘yon Sachs, Haberlandt, Grisebech © Warming, Gorland daria o sentido geval dessa fase, afirmando: «A Terra é um conjunto de matéria om processo de desenvolvi- mento, A tarefa do gedgrafo 6 pesquisar a influéncia das for- ‘gas que operam no material dessa Terra e 08 resultados da operacio de tal forca na forma e na modificacio dese mats- rials, A idéia de movimento, como manifestagio da matéria, seria importante se superasse, em Gerland, a mera formula- io, Mas a Geografia, assim definida, devia ser uma exata cleneia fisica, da qual o homem estava, desde loge, exelufdo, pois os estudos de que era objeto nada ensinavam sobre a Torra © nfo eram suscetiveis de tratamento por leis exatas, Tratava-se, conseqiientemente, de wma combinagio enire a Geofisica ¢ a Geografia Fisica meramente descritiva, A Geo- gratis vinha sendo englobada no amplo movimento ideolégico de cardter antichistérico que empreendia desmesurado esforgo no sentido de criar obsticulos e desvios as cléncias sociais em ascensfio, No caso, mais eficazes 0s desvios — a Sociolo- gia, por exemplo — do que os obstéculos, O Determinismo Geografico O osrensunisao nasceu com os primeiros rudimentos so- bre aspectos ¢ fenémenos que viriam a ser objeto da Geogra- fia, A forma iniciel do determinismo ostove ligada i relagfio entre 0 clima eo homem, Exemplo de formulacéo ligada a esse modelo de interpretario pode ser 0 de Hipoerates: «Se 08 asifitieos so hesitantes, sem coragem o de eardter menos belicoso e mais doce do que os europeus, 6 preciso procurar & causa esseneial disso na natureza das estacdes, Sem sofrer grandes variagées, elas sfo, entre aqueles, quase todas idén- ticas, pasando insensivelmente do eslor ao frio, Nessas con- digdes de temperatura, a alma nao experimenta essas vivas emocoes, como 0 corpo nio se ressente dessas bruscas mu- daneas, umas © outras eonferindo, evidentemente, ao homem um cardter mais rude, mais rebelde, mais yiolento do que quando ele vive nas condigées de temperatura invariavel; pordue esas passagens bruseas de um extremo a outro des- pertam 6 espfrito do homem e arrancam:no ao estado de pro- guica e de insatisfagiioy. No medievalismo, o pensamento rao mesmo, ainda entre os arabes, herdeiros da cultura heléniea e da oriental que esia assimilara.¥ Na dvea cristit isso cra admitido também como verdade absoluta, Exemplo frisante dessa linha esté na obra de Jean Bodin, Lucien Febyre tentou provar que Bodin era um determinista ate. nuado, mas o fato é quo ole accitava ¢ difundia o primado climético.* Mais do que isso, allés, porque admitia até a influéneia dos astros no clima e, eonseqiientemente, no homem, He racine casa iteraturn Arbo eléae ar ‘gga laotls o"Tin "Khater nniica ew ith, Sorts; ns" Calon cme tiel teh Shea be ere fa Hatha) an ear As chun fide buiousrnents o> oe ema ee een eee ee ‘ein, feo ilies Sermerta ay queasy Migs georrtio ta fo Invefelenta «co axsitaro” (Leslen Febvee: op st, 37 ae

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