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DINAMICA E EFETIVIDADE DAS INSTITUICOES DO SISTEMA DE JUSTICA em homenagem aos 10 anos do PPGDIR Roberto Carvalho Veloso Oe td Digitalizado com CamScanner Copyright © by EDUFMA 2022 Projeto Graficoe Capa Eduardo César Machado de Jesus Reviséo Felipe Lauréncio de Freitas Alves Dados internacionais de Catalogagéo na Publicagao (CIP) la ia a Dindmica e efetividade das instituicdes do sistema de jus- ‘tiga: em homenagem cos 10 anos do PPGDIR / Roberto Carvalho Veloso (Organizador). - Sao Luis: EDUFMA, 2022. 504 p. ; 16x22cm ISBN. 978-65-5363-044-4 1, Efetividade - Direito, 2, Justica, 3. Sistema de justica ~ Instituigoes. I, Veloso, Roberto Carvalho. cpp 340 cpu 34 Fiche catalogréfica elaborada pela Diretoria Integrada de Bibliotecas - DIB/UFMA Bibliotecdria: Larissa Verénica Moreira Ribeiro - CRB 13/689 Impresso no Brasil (2021) Nenhuma parte desta obra Ov quaisquer meios (eletroni m qualquer sistema ou bar Poderd ser reproduzida ov transmitida por qualquer forma e/ ie 0U mecGnico, incluindo fotocdpia e gravagéio) ov arquivad Inco de dados, sem permissdo prévia da Editora. EDUFMA | Editora da Universidade Federal do Maranhéo AV. dos Portugueses 1966 | Vila Bacanga CEP: 65080-805 | Sdo Luis | MA | Brasil Telefone: (98) 3272-8158 www.edufma.ufma.br | edufma@ufma, br Digitalizado com CamScanner a VIDA E UMA HISTORIA: A METAFORA CONCEPTUAL NO TRIBUNAL Do JURI Fabio Marcal Lima2s* Monica Fontenelle Carneiro?” i. INTRODUGAO No Tribunal do Juri, vidas e mortes sao narradas através de histérias conta- das por promotores de justica, responsdveis pela acusacao, e por advogados ou defensores ptiblicos, responsdveis pela defesa?**. Com base nessas histérias, o corpo de jurados (Conselho de Sentenga) decide sobre a culpa ou inocéncia do réu, bem como, em caso de condenacio, a respeito de circunstancias do crime gue 0 tornam mais brando ou mais grave”. As historias so contadas segundo um enredo deliberadamente estruturado Para convencer os jurados, de modo que, a depender de qual orador fala, aspee tos das diversas narrativas que podem ser inferidas do processo sdo iluminados 0U ocultados, Defende-se, no presente artigo, que os dliscursos realizadlos nas sess0es do jut “20 cognitivamente estruturados com base na metéfora conceptual VIDA E UMA goes do Sistema de justiga sontiondo no Programa de Pés-Graduagao em Direito Instituigdes do Sisxene 40 WA Erma aidade Federal do Maranhéa (PPGDIR/UFMA), Defensor Piblice do Este Bay A fabiomartim@vol.com.br eee: ra si jeFederaldoCeara(VFC} Protessorado: Depa cts#or@DoutoroeMestreemLingusticapelaUnivrsidadeFaderaldeceur ah - ena sProgramasde! todeletras - DELER - edoquadropermanentedos? roa ane cn ovado ‘arneiro@gmait.com. PPG Pop AS(CompusdeSdolvis}ePPGLB\CampusdeBo« atjdau monicate ©grama de Pés-Graduagdo em Direito da UFMA. E-mail: “ jlo opasto, 0 da acusagSo, NO come pessvat We advogados © detensores piblicos figureM Ne Pose ea oe nal govsada, 08 jurados ig Otibgge {© decidir se condenam ou absolvem a pessoa acu re causas de dim pena e sob! nto de 4 Nhigdg’ g) Pa" decidir sobre qualificadoras e cavsas de aumento Jos judicicis (artigo 5? ‘ circunstane o Cg CUS fatores que influenciam na quantidade de pena sponderados pelo jui a retale circunsténcias agravantes e atenvantes- $00 F #08880 (artigos 483 @ 492 do Codigo de Processo Pen iz togade que Digitalizado com CamScanner HISTORIA. As partes estruturam suas: narrativas de modo a oferecer 05 jurados uma narrativa coerente sobre as vidas afetadas pelo caso sob julgamento e820 fazé-lo, propdem inferéncias sobre a verdade ou falsidade das hipsteses de fato suscitadas no proceso, a respeito das quais nao exista consenso- Em outras palavras, as histérias narradas assomam como instrumentos otientados para 0 convencimento dos jurados acerca dos fatos controversos no processo, uma estratégia que nao é tragada com fundamento apenas €m provas, mas sobretudo com base em um juizo de coeréncia entre a hipétese de fato que se quer dar por demonstrada e a(s) histdria(s) de vida contada(s). A anilise realizada no presente artigo dedica-se ao nfvel estavel do discurso, isto é, a influéncia da metéfora conceptual VIDA £ UMA HISTORIA nos dis- cursos de acusacao e defesa no Tribunal do Jari, deliberadamente construfdos a partir de mapeamentos e implicacdes licenciados pela metéfora conceptual. Embora 0 foco seja 0 nivel off line do discurso, propdem-se incurs6es no nivel episédico (on line), porquanto importa demonstrar como a metéfora conceptual dialoga com a dimensao pragmatica da linguagem em uso. Para alcancar esse objetivo, utilizam-se duas teses de Antropologia sobre 0 Tribunal do Juri, uma vez que oferecem estudos etnograficos capazes de iluminar a maneira como as partes costumam estruturar seus argumentos para convencer os jurados: contando as histérias das vidas de réu e vitima. 2. LINGUISTICA COGNITIVA, METAFORA CONCEPTUAL E VIRADA COGNITIVO-DISCURSIVA A Lingufstica Cognitiva, com base em uma visdo nao modular (FERRARI, 2018), rejeita a ideia de que a linguagem ¢ reflexo exato do mundo, mera reproduga0 do ser das coisas, as quais possuiriam significados imanentes correspondentes palavras que deles seriam perfeitas representacdes. Em vez disso, a linguagem é construfda cognitivamente com base nas expe riéncias sensoriais, corpéreas, neurais e socioculturais dos seres humanos; 20 mesmo tempo, condiciona a cognigao, em uma relacao de miitua implicacao. A linguagem, portanto, participa como intermedidria entre o homem e o mundo hha compreensao € produgao de conceitos e sentidos (CARNEIRO, 2014). Para esse paradigma lingufstico, a metéfora tem papel de destaque. Segund¢ Lakoff e Johnson (2002), o sistema conceptual humano é essencialmente M& 392 Digitalizado com CamScanner ae OO ico, As metdforas linguisticas seriam a manifest sptais de representacao, as metdforas conceptuais, fc Fancias corporeas, sociais e culturais, experi acdo visfvel de estruturas ormadas a partir de nossas tal Na formulagao ides aBEENITal dos autores, “A esséncia da metdfora & eender ¢ experienciar uma coisa em termos de outra” (2002, p. 47-48). igo cognitiva Mebilienria © entendimento de conceitos maig abit en termos de conceitos mais concretos, estes de mais ficil elaboragao e assim lato, porque radicados na experiencia corpdrea ds seres humanos, , gxpressdes metaforicas usadas no dia a dia para conceptualizar entidades ‘abstratas seriam possiveis por causa de mapeamentos cognitivos entre domfnio fonte e dominio alvo (CARNEIRO, 2014). Ou seja, parte dos atributos de um conceito seriam projetados sobre o outro, o qual, via metafora, conquistaria ‘estrutura conceptual”, Desde a seminal obra de Lakoff e Johnson, na qual apresentam a Teoria da ‘Metéfora Conceptual (TMC), novas pesquisas sobre a metafora ofereceram con- ‘tribuicdes e desenvolvimentos importantes, a exemplo de Fauconnier e Turner, ,, Narayanan e dos préprios Lakoff e Johnson, que propuseram a Teoria grada da Metéfora, publicada pela dupla de autores na obra Philosophy in Flesh e em outros trabalhos de Lakoff (CARNEIRO, 2014). Com o reconhecimento de seu papel cognitivo", a metafora deixa de ser t- de linguagem para ser figura de pensamento, operando achamada “virada ya” (VEREZA, 2013b). entanto, como aponta Vereza (2013b), a TMC enfrentou criticas por nado ar sobre corpora auténticos que pudessem justificar empiricamente as téforas conceptuais deduzidas no plano tedrico. Passouse, ento, a usar corpora auténticos nos estudos sobre a metafora, 0 ie redundou na primeira fase da chamada “virada cognitivo-discursiva’: No ee AO Os autores citam diversos exemplos de metaforas concepts ais comet a RUGOES, IDEIAS SAO ALIMENTOS, DISCUSSAO E GUERRA ® tantos astne oe panera {aM 0 longo de toda a obra, parte da estrutura do conceito dee fesse i rato de clot CONSTRUGOES, ALIMENTOS e GUERRA) ¢ projetada Parente ores, 6.0m ‘0 dominio alvo (nos exemplos, TEORIA, IDEIAS @ SES Ct “pia roce! jo metafdrico que O sistema < Rcauiapenene poem ey ‘tem alicerce fragit"; 0 juri” (LAKOFF: foi reconhecida em 264. Co, 7 ri etafora Como esolorece Vereza (2017, p. 138), a dimense cognitive O10, com apublicagde = *880 longo, que “se inicioucom Richards (1936) @| Black “ Mo Metaphors we live by, de Lakoff e johnson (1980)"- ae Digitalizado com CamScanner (..) a metéfora estaria inserida na dimensdo do sistema conceptual socialmente tithado, fazendo parte do discurso visto como organizador e estruturador da experiéncia do ponto de vista so vo; ou se, 0 que Podemos chamar, para fins operacionais de Discurso (com “D” maitisculo). Assim, © pensamento ao qual a expressio “figura de pensamento” se refere & 0 pensamento coletivo, inconsciente e compartilhado, formador de e formado pela cultura (..) (VEREZA, 2013b, p. 4). As criticas, porém, persistiam, uma vez que 0 foco permanecia no sistema conceptual (VEREZA, 2013b). Assim, em uma segunda fase da “virada cogniti- vo-discursiva”, os aspectos discursivos da metafora em uso passaram a ser objeto j de estudo, o que deu azo a criagdo de novas unidades de andlise capazes de dar conta, de forma sistematica, da emersao da metdfora no discurso. J Entre essas abordagens, é digna de mengdo a Andlise do Discurso & Luz da Metéfora (CAMERON; et al, 2009; CAMERON; MASLEN, 2010), que, fiel ao para- digma linguistico cognitivista, preconiza um modelo interdisciplinar e lastreado em uma concep¢ao dindmica do discurso’”. Entre as categorias criadas por essa perspectiva tedrico-metodolégica, tem-se a metdfora sistematica*®. Outro paradigma fundamental, adotado como referéncia tedrica no presente trabalho, é 0 de Vereza (2007; 2010; 2013a; 2013b; 2016; 2017). A autora cunha alguns conceitos fundamentais, a exemplo dos conceitos de nicho metaférico metdfora situada. De acordo com Vereza (2013a, p. 111), 0 nicho metaférico é um grupo de express6es lingufsticas metaféricas relacionadas entre si e que derivam de “des- dobramentos cognitivos e discursivos de uma proposigao metaforica superorde- nada normalmente presente (ou inferida) no proprio contexto”. Como explica a autora, nao se trata de metdfora tinica, mas de uma rede metaférica constituida de diversas expresses que dialogam no texto, referenciando e reforcando a teia 242. “Mesinoreconhecendo gimporténcia da TMC como “visor de aguas" em relagao. metsfor, $389 obordogem opresenta algumas divergéncias em relagdo a propasta de Lakott ¢johnson 1980» que concere & sva origem © emergéncia, Sua base funda-se no entendimento de que & metatora é local ¢ emerge no discurso, @, dessa forma, nao tem coma panto exclusive de origema Cognigdo e tampouco se enquadro, necessariamente, nas generalizages sobre palissemis e padres Inferenciais que evidenciom o sistema conceitual @ estdo presentes na TMC (CAMERON, 20070) A metéforana linguagem em uso, ainda segundo Cameron (2007), resulta de uma temporaria estab da negociago de conceitos que se estabetecem entre os interlocutores em um evento discursiNO ‘cujas instabilidades sd0 neutrolizadas por meio de varidvels diversas," (CARNEIRO, 2014, p.3 243. As metdforas sistemdticas surgem no discut . colaborativa na interagao discursiva, meio da linguagem figurada, e exigem, Ceriteriosos (CARNEIRO, 2014), 394, Digitalizado com CamScanner tecida para dar um sentido c ; africa 0€S0 € discy im us0 (VEREZA, 2013). nsivamente eficaz lingua. gel 4 petes desdobramentos metafricos no texto que caracterj isédic: aracteriz, ggrico remetem a metafora(s) episddica(s) ou localtis), nao a wae nicho meta- ney IB ifora episddica e1 nie letdfora(s tuallis). Essa metafora p dica, que emerge na linguagem ¢ (3) concep- yértice a0 nicho metafrico, € a metafora situada, 'M USO € serve de nadefinigao de Vereza 2013b, p. 6), podemoscaracterizar uma metéfora situada como uma meta cognitivamente textos especfficos, princip, fora, i ue, apesar d almente nichos estruturar ci licit . Metaféric textos, nao precisa ser explicitada linguisticamente. No entanto, ao crc nO NESSES fora sistematica, ela conduz, cognitiva e discursivamente, todo sn at 4 mets mapeamento textual, online, episédico, construi a (MON DADA e DUBOIS, 2003), ou um ponto ee nado objeto de discurso seja, a metafora situada nao ¢ apenas dliscursiva por estar presente, feat nema no nivel cognitivo, na linguagem em uso; ela, de fato, encontraseclaramente na nen entre cogniga0 € pragmitica, ajudando-nos a compreender, sob um dado angule cone plexidade desse entrelace. , a.com Embora a perspectiva tedrica de Vereza se ocupe do plano cognitivo-discur- sivo da linguagem em uso, ela articula o nivel episédico (on line) da cognicao, onde operam, por exemplo, 0 nicho metafoérico e a metéfora situada, com o plano estavel (off line) da cognicao, no qual reside a metafora conceptual, tema central deste artigo. Quer isso dizer que a metaforicidade textualmente desenvolvida em discur- 80s reais pode ser alimentada por metdforas conceptuais subjacentes. Quando iss corre, a metdfora situada e seus desdobramentos no nicho metaforico Sto reforcadas pelo n{vel estavel da cognicdo, pertinente ao sistema conceptual (VEREZA, 2013a). 7 O presente artigo nao mergulha sobre um especifico corpus auitentico, Pols tem foco no elemento estavel de uma discursividade concretamente referenciada ‘€deliberadamente construfda para persuadir com base em implicagoes cognitivas da metéfora conceptual. ; ‘ ae A propésito, sabe-se da existéncia de pesquisas Fe ee eciam Encontraram evidéncias de que expressoes linguisticas ee (0138) Istanciagdes de metéforas conceptuais subjacentes. Contudo, é motivacdo diferencia instanciagao de ativagao (ou acionamento). A primeira 395 Digitalizado com CamScanner no plano do sistema, que dispensa ativagao no nivel episdico da linguagem em uso; a segunda, por sua vez, € motivacao lingufstica. ce enfraquece epistemologicamente de metéfora conceptual nao se ent : ‘ a fato de que, em pesquisas experimentais, ele ndo pode ser comprovado peta (ou nao) de sua realidade psicoldgica. Por estar inserida no nivel do sistema, a conceptual deve ser primordialmente abordada como uma estrutura cognitiva de geracdo de sentidos a serem instanciados na linguagem verbal, aqui incluindo tames co quanto a gramitica, e visual (VEREZA, 20132, P. 112). Dessa forma, 0 con Portanto, trabalha-se com uma especffica metaéfora conceptual em busca de um campo fértil para sua ativacao pelo discurso. Parte-se da pesquisa documen- tal de trabalhos académicos da Antropologia para diagnosticar © Tribunal do Juri como espaco de construgdo episddica (on line), ainda que nao explicitada, de argumentos formulados sob os influxos de elementos estaveis do sistema conceptual, particularmente da metéfora conceptual VIDA E UMA HISTORIA. 3. A VERDADE DA METAFORA CONCEPTUAL “VIDA E UMA HISTORIA” Na obra que representou a “virada cognitiva” no estudo da metifora, Lakoft e Johnson (2002) contrapdem-se a ideia de uma verdade absoluta e objetiva. Pro poem que existam, sim, verdades, mas sempre relativas a um sistema conceptual, © qual, como ja se mencionou, &, em boa medida, metaforicamente estruturade. pessoas Explicam os autores que, para entender o mundo e nele agit, categorizam objetos e experiéncias, ou seja, classiticam-nos a partir de certas caracteristicas (LAKOFF; JOHNSON, 2002). Nesse processo de categorizagio, € normal que certas propriedades desses objetos e eventos sejam realgadas em graus diferentes, conforme dimensdes naturai abelecidas a partir da interagso (Corpérea, social, cultural ete,), As Categorias sao definidas a partir do que Lakotfe Johnson (2002) chamam de propriedades interacionais. Sao interacionais porque selecionadas com base No contexto experiencia! do ser hum NO, isto & nas percepgdes e intencdes qe as pessoas tém ao interagir com o obj "i i yeto Ou evento a ser descri lassificado, categorizado. ser descrito, cl Porta i nat se en as partes Nao sao inatas, mas mediadas pela interagao corps ‘ognitiva. Daf a conclusao de que a nogao de verdade nao ¢ objetiv™ 3% gabsoluta, mas pertinente as propriedades interacionais que ja em questao, as quais sao forjadas de acordo com is “ Somtpoette a cate- e socialmente compartilhadas (cultura) e pelo cence See ca iuals em avaliado™*. que 0 objeto ou evento & Em resumo: (.) Averdade depend da categorizacao das quatro manelras que seg em: ma afirmacao pode ser verdadeira apenas com r mi do que temos om relacaoa \¢40 a alguma compreensdo que tem: A compreensao envolve sempre a categorizaca é do envolve set isd humana, que € uma funca Gadesinteracionals(¢ ndo inerentes) e de dimensdes que zmergem de sh ere stncla. rigncia, ‘Averdade de uma afirmagao é sempre relativa a if Remieenchrma;so(.). iva As propriedades iluminadas pelas categorias As categorias nao sao fixas, nem uniformes. Elas sio definidas ai , mone Por protéti cas de familia ligadas a protstipos e sio modificéveis segundo o Rr carasic odjetivos diversos (...) (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 269). F Como a metafora nao é uma questao de ornamentacio lingufstica, mas de sistema conceptual (figura de pensamento), 0 juuizo sobre a verdade de algum objeto ou experiéncia conceptualizado metaforicamente nao difere do juizo ‘sobre a verdade de outro objeto ou experiéncia cuja compreensao néo depende ‘de projecao metaférica. Afinal, a verdade deve ser compreendida sempre con- ite e em relagdo a um sistema conceptual parcialmente estruturado Os autores ainda esclarecem que metéforas novas (ndo convencionais) sub- ao mesmo proceso de “aferigao” de verdade. Todavia, aqui interessa de met4fora conceptual desenvolvido pelos autores para tratar da metaférica: VIDA & UMA HISTORIA*®. p. 266): “Em geral, as afirmagdes verdadelras que portant, no que é iluminade pelos portanto, necessariamente ‘Nas palavras de Lakoff ¢ Johnson (2002, sbaseiam-se na maneira como categorizamos os seres & Bes naturais das categorias. (...) Toda afirmagae verdadeirc |0 que é atenvado ou escondido pelas categorias usadas nela"- ‘Ametéfora conceptual VIDA & UMA HISTOR! presentada pelos autores NO capitulo 24 JOHN de verdade como: necessariamente: slacional . See eae repel navi gdes objetivistas ‘acerca da verdade. A sistema conceptual determinado, repelindo concen wen etétora conceptucl em questo & empregada como contraponto da mesarora neva soho soni ional) VIDA E.,, UMA FABULA CONTADA POR UM IDIOTA. Nesse pant Oo la, oa aUtgtms oor FE eee nono srsroe nove podem aor oonsidercaas vercoderan SAT Ta osigdo de novas perspectivas sobre nossas experiencias, as qual4 ores {BULA CONTADA POR TE ee eee eeergvrae, 0 metafora ve VION ee eadospela MOOT one oto ee compreenderavido, uminando ckPeetse Cr ro sbida Metéfora conceptual VIDA E UMA HISTORIA, a exemplo do posslultentaea €m uma dimens8o cadtica, marcada por rupturas © eventos incongruente 397 Digitalizado com CamScanner Segundo Lakoff e Johnson (2002), 0 conceito de Nee é estruturado: Parcial- mente pelo conceito de HISTORIA, o que significa dizer que o ser humano en- tende a sua vida e as vidas das demais pessoas como uma histéria coerente com comeco, meio e fim - este nao (necessariamente) coincidente com a morte, mas, na maioria das vezes, correspondente ao momento presente. Trata-se, Portanto, de metéfora altamente convencionalizada na nossa cultura. Ao falar da vida de alguém, constréi-se uma narrativa que possui participan- tes, partes™*, etapas, linearidade™”, causalidade, finalidade (metas e planos). Tais elementos comporiam o que os autores chamam de uma “gestalt experiencial tipica’, a qual permite experienciar e entender a VIDA como uma HISTORIA de forma coerente: Note que compreender sua vida em termos de uma hist6ria de vida coerente envolve iluminar determinados participants e partes (episddios ¢ estados) ¢ ignorar ou esconder outros. Envolve ver sua vida em termos de etapas, de conexdes causais entre as partes e de planos engendrados para atingir uma meta ou um conjunto de metas. Em geral, uma his ‘t6ria de vida impde uma estrutura coerente aos elementos de sua vida que sio iluminados, (LAKOFF; JOHNSON, 2002, p. 275). Ao falarse de categorizacao, viu-se que a definigao dos diversos objetos ¢ eventos depende da selecdo de certas caracteristicas consideradas mais impor tantesem nossas experiéncias individual (corpérea, perceptual) e compartilhada (Social, cultural). Assim, enquanto algumas dimensdes interacionais do objeto 0u atividade sao iluminadas, outras sio colocadas em uma zona de penumbra ou mesmo encobertas pela escurida O mesmo ocorre quando se convencionou em nosso sistema conceptual que @ VIDA deve ser compreendida em termos de uma HISTORIA. Em busca de converter a propria vida em uma narrativa coerente, como costuma ser uma historia, o ser humano seleciona 0s “personagens” da sua vida que contribuem Para dar sentido a historia que deseja contar, assim como escolhe aqueles acon- tecimentos que parecem explicar seus abjetivos ¢ metas, quem & e por que & bem como a Tazao de estar na “fase” em que est, Ao mesmo tempo, pessoas € fatos Pouco importantes para constituigao da Sestalt experiencial aparecem como coadjuvantes e, quando incoerentes com as dimensdes naturais da gestalt, sao naturalmente ignorados, . 246. “Ambiente, fatos Significativos, epi; Alauns estas originals! (LAKOFF:JOHINSON, 2oge gil ICivs inclusive 0 astodo tial P.278). 247, As varias conexdes temporci: Paes Nons mporais e/ou causais entre episddios tados sucessivos (LAKOFF 398 Digitalizado com CamScanner assim ocorre quando se conta a prépria historia, conta (ou ouve-se) as HistOrias de outras vidas, Bg jag morte anda se evrdigico deste trabalho. ‘mente este o ponto ao serem contadas hist6rias de vida no Tribu, falantes © ouvintes consideram o fator coeréncia ¢ medida a expectativa de coerénc ia, Sociocognitivamente conceptual VIDA E UMA HISTORIA, induz inferénci ou falsidade das verses controvertidas acerca do crim al do Jari, em que medida + Mais import ‘ante, em que ancorada na metéfora aS a respeito da verdade \e? A partir do momento au que a metafora se desloca da lit pensamento, as pessoas nao apenas compreendem w outra, mas também agem em fungao desse entendimento. Se a VIDA £ UMA HISTORIA para 0 sistema conceptual, € de se esperar que as vidas de-véus e yitimas sejam narradas como tal no Tribunal do Jari e, uma vez que as pessoas agem em funcao da metdfora conceptual, é relevante analisar Se as acusacées, defesas e julgamentos sao realizados com base nessa premissa cognitivamente compartilhada. nguagem para o ma coisa em termos de Este artigo, embora dedicado a andlise da metdfora conceptual, tem o objetivo de dialogar com os atuais estudos ligados 4 abordagem cognitivo-discursiva da ‘metéfora em uso. Busca-se identificar a metafora conceptual VIDA E UMA HIS- TORIA como elemento cognitivo estavel que orienta a estruturacao dos discursos no Tribunal do Jiri e compée a argumentatividade construfda com intencdo pragmatica. Em outras palavras, pretende-se situar a metéfora conceptual na sua operatividade no interior da nossa cultura, especificamente de julgamentos de crimes de homicidio pelo Juri Popular, e abrir senda para investigacao do seu uso ‘na linguagem a partir de desdobramentos episddicos desenvolvidos oralmente com o fim de convencer os jurados. 4,0 QUE SE JULGA E COMO SE JULGA NO JURI POPULAR? A Constituigdo brasileira prevé a institu do iri no seu artigo 58, ineso _ XXVIII, deferindo-Ihe competéncia para julgamento cos crimes os macs vida (BRASIL, 1988), ou seja, os crimes praticados com a INGE “entre os quais figuram 0 aborto, o infantic{dio, o induzimento, io a suicidio, e 0 homicidio™*. orto}, 123 linfanticidio), 2 (esse crimes so definidos no Cédigo Penal nos ortiges 324 ae (abor {induzimento, instigagdo ov auxilio o svicidio) e 42 (ho 399 Digitalizado com CamScanner O procedimento para julgamento desses crimes pelo Tribunal do uiri é pre. visto no Cédigo de Processo Penal. Ele é estruturado em duas fases. Na primeira, de carter preliminar, um juiz de carreira (juiz togado) decide sobre a viabilidade da acusacao, isto 6, decide se existem prova da existéncia do crime doloso contra a vida e indicios suficientes de autoria contra a pessoa acusada {artigo 413, caput, do Cédigo de Processo Penal). Caso entenda como satisfeitos esses dois requisitos, o juiz pronuncia 0 acusado, isto é, profere uma decisao que determina que 0 caso deve ser julgado pelo Jtiri Popular. Na segunda fase, tem-se © julgamento do caso pelo corpo de sete jufzes leigos, os jurados, que integram o Conselho de Sentenga. Estes, sim, decidirao sobre a culpa ou inocéncia do réu, segundo um critério de julgamento em que a dtivida deve favorecer a defesa. Os jurados decidem pelo sistema de conviccao fntima, pois nao existe um momento deliberativo no qual podem debater sobre as provas produzidas e os discursos realizados em plendrio do Juri. Assim ocorre por forga do principio do sigilo das votacées (artigo 5°, XXXVIII, b, da Constituigao de 1988), motivo pelo qual as decises dos jurados sao insondaveis para as partes, juiz togado que preside a sessao e, principalmente, para o puiblico, que sequer pode adentrar a sala secreta™®, onde ocorrem as votagdes*™. Por outro lado, embora 0 Cédigo de Processo Penal faculte aos jurados acesso aos autos do processo (artigo 480, § 3°), € extremamente raro que isso ocorra. Dessa forma, os sete jurados tomam suas decisGes com base nos depoimentos de vitima (nos casos de crime tentado), testemunhas e réu prestados durante 2 sessao*” e nos discursos realizados por acusacao e defesa. 251. Apropésito, ndoé incomum. mi deol , que testes m7 meaeiant a Pee eee eso wunhas no comparegam e sejam dispensadas 4e ot rev m depoimentos na roy eens *08 na fase processual anterior. Vale lembrar oUt interrogatério pode ndo ser efetive, 90 processo em liberdade, tenha ue ha sessdes do jor 400 cio (artigo 5, ncisa Lx vod 90 $*, Inciso LXIIl, da Constituigao}, razd0 pelo wee realizado, o que também ocorre caso esteja responce QUE nenhume mtd € No haja comparecido a sesso. Quer is50 12% Prove & produzida perante os jurados, 08 quais jH!9%™ Digitalizado com CamScanner lids, nas sess6es plendrias do Tribunal jegislagao sobre 0 que pode ou nao ser dito penal estabelece, de forma timida, alguma: nenhuma das quais direcionada a lealdade 1 fagio da prOVa e, POF Conseguinte, a0 re de julgamento. - Jari, os Controles fixados pela 0 poucos. 0 ¢ ‘6digo de Processo S vedlagdes nos artigos 478 ¢ 47 na formulacao de propostas de valo. SPeito a presuncao de inocén ‘omo ur IG40 de inocéncia ¢ Entdo, 0 controle sobre a justica da decisio ~ que absolvigao em caso de diivida -é confiado a0 carter di: oe distribui iguais oportunidades e tempo de fala a ac eassistente de acusacao) e a defesa (defensor Public inclui, naturalmente, a alético do procedimento, Usaca0 (Ministério Public ‘0 Ou advogado), No sistema brasileiro, nao sao oferecidos quaisquer cursos ou atividades de instruga0 an a, pe ee antes de sua efetiva atuacao. Durante a sessao do jari, segundo 0 C cs = aad Penal, no artigo 472, cabe ao juiz presidente apenas fazer a singela exortacdo: “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com Babarcialidade a proferir a vossa decisao de acordo com a vossa consciéncia e os ditames da justica.” Sobre a importancia de uma instrugao mais encorpada, argumenta Nardelli (2019) que, no sistema anglo-americano, a instrucdo dos jurados é considerada essencial para a regularidade e a corre¢ado dos julgamentos por ju‘zes leigos. Portanto, uma vez examinado 0 procedimento do Tribunal do Jiri, constata-se gue promotores de justica, advogados e defensores ptiblicos t’m ampla liberdade para construir argumentos e contar histérias sobre vidas e mortes. £ um cenério no qual a metdfora conceptual VIDA £ UMA HISTORIA tem ‘grande possibilidade de inspirar, deliberadamente ou nao, os discursos realizacios 4 ro j ae ‘por acusacdo e defesa, bem como a decisdo dos interlocutores principais dess: falas, os jurados. ieee e ‘menor relevancia com base nos discursos das partes, que, a depender do caso dao maior ov menor Para exposiedo e interpretagdo das provas que constam no process. Pc 2252, art. 478, Durante os debates os partes ndo podertio, sob pena ce nuildada, Wot I= 4ideciséode pronincia, ds decisées posteriores que julgaramadmissivel one “Nagao do uso de algemas como arqumento de avtoridacle que benetc!6” " i de requerimento, em seu prejuizo. i loc ecvenin out cusoi seo Je gainer cu minee Sn 479. a permitida a leitura de Uteis, dando-se tierce epee ee ‘a antecedancia minima de 3 (trés) dias Otel ni aout quer outro Bxtarato nice Conproende:se na proibigdo deste artigo 0 telture see ees aes Scrto, bem como aexibigdo de videos, gravagées, fatoar anes Oe metida a opreciagso © Meio assemethado, cujo conteudo versar 5 dos jurados. 401 Digitalizado com CamScanner Alias, pesquisas realizadas fora do Brasil sobre as estratégias cognitivas utili- zadas por jurados para processar as informagdes recebidas durante Ojulgamento reforcam essa hipétese. De acordo com o estudo empirico de Pennington ¢ Has- tie, “os jurados decidem predominantemente pelo raciocfnio holfstico a partir do chamado story model.” Eles “procuram organizar os fatos apresentados por meio da construgao de uma representacdo histérica explicativa que se mostre completa e coerente (...)” (NARDELLI, 2019, p. 162). Os autores da pesquisa também avaliaram a eficdcia da argumentacao das partes, confrontando a exposigdo demonstrativa e ldgica das provas com o dis- curso centrado em uma histéria. Segundo os pesquisadores, Nos casos em que a acusagao apresentou 0s fatos sob a forma narrativa ¢ a defesa nao 0 fez, a taxa de condenacio foi de 78%. Por outro lado, diante da situacao inversa, a taxa de condenacio fora de 31%. Tal fato pode indicar tanto a necessidade do jurado em apoiarse nessas historias para a compreensdo dos eventos, como também pode sugerir a sua grande suscetibilidade aos artificios persuasivos empregados pela acusaco e defesa, o que se revela bastante perigoso (NARDELLI, 2019, p. 163). Esses dados fortalecem a tese de que a metdfora conceptual VIDA E UMA HISTORIA, sociocognitivamente compartilhada, pode ter um grande peso nos julgamentos realizados no Tribunal do Jtiri. Ainda que a metaforicidade nao seja explicitada textualmente no nivel episédico (on line), mediante a constru- cao de rede metaférica que Ihe dé ainda mais vida, a sua convencionalidade é de tal forma consolidada que o compartilhamento de suas implicag6es parece ser intenso, a ponto de dispensar um mapeamento tigoroso do dom{nio fonte para o dom{nio alvo em relacao aquilo que se pretende iluminar, a exemplo da implicacdo da coeréncia que aqui se destacou, a qual se desenvolve no Tribunal do Jari com pretensao preditiva, como se vera no t6pico seguinte. 5. AS VIDAS NARRADAS NO JORI: CONTRIBUIGAO ANTROPOLOGICA Neste t6pico, adota-se como referéncia as Pesquisas etnograficas de Schritz- meyer (2001) e Nunies (2018; 2019), as quais descrevem, com amplitude e profun- didade, a dindmica do plendrio do Tribunal do ju Delas, infere-se que 0 julgamento pelos jurados leigos realizado em ritual repleto de dramaticidade, teatralidade e de alta densidade Itidica (SCHRITZ- MENS, 200) alm de irmar a construcéo casu{stica de moralidades (NUNEZ) 402 Digitalizado com CamScanner 2018), peculiar ‘idades que conduzem a decisdes na “4 Shean itr ‘do i com parametros técnico-jurfdicos, necessariamente sintonizadas om base em sods de sessées do juiri reatiz, d garas do Tribunal do Jitri de Sao Pauto/sp, Seititems ‘as entre 1997 e 2001, nas gue, no Tribunal do Jiri, decide-se sob quaiscircunstanege es) come mmatar é exercido de forma legitima ou ilegitima: “Depen ar ne 2° Poet de feesto comtadas e imaginadas ~ transformaclas em endendo de como as mor : ima j possiveis usos do poder de matar sao socialmente legtimada cae los ou nao” A autora oe ay que 0s oradores do chama de “jogadores”, devem transportar i ‘ 3 adimensao da “vida narrada”. Sem 19 o ntulateonerey Saari sii popular (0 jogo) simplesmente nao acontece (SCHRITZMEYER, 200, ame Como desdobra mento dessa Premissa, Schritzmeyer constata o grande peso das historias de vida de réu e vitima nos debates e, fatalmente, na decisao dos jurados. Além de antecedentes criminais, comportamentos sociais heterodoxos aos olhos de mentalidades conservadoras podem selar destinos, orientando a propria decisdo sobre se o réu era ou nao capaz de cometer 0 crime do qual acusado, ou se o assassfnio foi um desfecho legftimo ou ilegitimo a luz desses passados pessoais (SCHRITZMEYER, 2001) **. Sobre as histérias de vida contadas, Schritzmeyer identifica que essas vidas sao narradas nos termos descritos acima ao falar-se da gestalt experiencial criada -apartir do esquema de categorizacdo necessdrio para compreensao de uma vida uma historia. Cada orador escolhe os personagens, os acontecimentos ¢ as dades da vida de réu e vitima ao sabor da argumentatividade que pretende Para persuadir os jurados*. Certos acontecimentos do passado — os Plendrio do Jari, a quem *Se oréuouré possui registros de passagens anteriores pela policia, antecedentes criminals ov 1Provas testemunhais de que seu. comportamento 6 “condenavel’ isso the sera desfavorsvel , Ocupard boa parte do discurso da Jacusagéo. (...) Como bem: analisou Mariza Corréa {160s que ndo so “trabathadores’, “bons pais de familia” ov jovens. solteiros e honest inheiro para caso, sd0 agressivos com parentes o afins, tam varias mulheres S/N fithos 1uma delas, ov sho homossexuais, consomem alcool @ avtras dregos, nd tém emprege to=fleam mals suineravels aos ataques da aousagdo, pois o desenrolar do 338 vidos on '0 partir desses aspectos, de modo que o comportamento criminal surae cnsturcimentel aUéncia do may comportamento social, Rés que, Por Suc Yer sgqunco systeruntos ov jPoliciais e judicials, ndo correspondem & figura de “boa spose” ® Mint TT A hhonesta’, também tém, no iri, atravas do disourse do promoter. Wares (Por ogsae Carccteristices, Neases casos, normatmente, os defensores ton oT A pecorino 230 dade” i a 1de" atribuida pela acusagde a certos estera0tiP ae trechos que nao Nesse sentido, Schritzmeyer (2004, p. 164) faz 403 interessante citagdi lit Madvogado coconerc freviiade seu cient, deve tomnerouldado Pore a Digitalizado com CamScanner quais, em princfpio, nao estdo (ou nao deveriam estar) sob julgamento*® ~ sao iluminados — e outros ocultados ~ para elaboracdo de uma hist6ria coerente a respeito das vidas em jogo, com o fito de convencer os jurados de que a hipétese de fato cuja verdade se sustenta é coerente com a histéria de vida narrada: A manipulacdo dessas marcas sociais é que esté em jogo em qualquer julgamento e, es- pecialmente, nas sessdes de Jtiri, pois € ela que permite aos arguidores caracterizar réus, resumindo, em algumas horas, anos e modos de vida que justificaro passagens da liberdade a0 aprisionamento ou vice-versa. ) Nos julgamentos pelo Jiri, hd uma reconstrugao do tempo das vidas dos réus. Elas so ree- laboradas a partir da constatacdo de se houve ou nao repeticao de comportamentos social e legalmente recrimindveis. Se, com o passar dos anos, os réus repetiram atitudes consideradas socialmente “positivas” — trabalharam, honestamente, criaram seus filhos e ajudaram sua familia, dando-Ihes alimento, estudo, satide, moradia etc —, a ocorréncia criminal de que 0 acusados ¢ percebida como uma excegao de cuja autoria se deve desconfiar. Do contré rio, se suas vidas revelam um actimulo de “més condutas sociais” a acusacao criminal em julgamento se torna quase que uma decorréncia esperada (SCHRITZMEYER, 2001, p. 103). Os jurados decidem o final das histérias de vida que ouvem. Trata-se de uma escolha realizada com base em valores que estruturam as narrativas dos orado- res, pois cada uma das histérias contadas em plendrio possui a sua “moral”. A deliberacao do Conselho de Sentenca é um desfecho, um final da historia que prevaleceu. Ou se decide que “o acusado deve ter seu poder de matar controlado pelo Estado”, ou se compreende que ele é capaz de autocontrole (SCHRITZ- MEYER, 2001, p. 105). Num € noutro caso, esta aposta no futuro assemelha-se Aquela que as pes- soas fazem ao terminarem de assistir a um filme. Imaginam que as vidas dos personagens continuam mesmo depois de os créditos dominarem a tela. Como comprovem 0 crime. Suponhamos que um jovem esta sendo julgado por um delito e que ele integr®. pee Deere) se a Nneraniee de uma gangue podem ser inocentes. Mas esse fato, certamente, crac eegoncelte enorme em torne do ropa, cso fosse presented na ugament®,O a 255. 0 Direito Penal democrético deve julgar fatos protegdo constitucional, Por sua ver, 0 Direito Pr Condutas tipificadas pelo Direito Penal sejam der 6nus da parte que acusa, Ferrajoti (2002, p. 79-80) se compromete com a criagdo de infragdes penai sancionados penalmente, mas sim criminolizam “ati perigosidade ov de hostilidade ao ordenamento, delituosas concretas”, O autor igualmente tac! subtrai o 6nus da prova da acusagao e o direito 404 condutas lesivas de bens juridicos dignos de ‘Ocessual Penal democratico pressupde que oS monstradas através de provas, cuja produgao & } Guatitica como autoritario o sistema penal que is que ndo descrevem comportamentos a seem tudes ou situagdes subjetivas de imoralidade, 4® Para além de sua exteriorizagdio em manifestagoes ha de autoritério o modelo de proc que Tio 0 model rocesso penal de detesa. eer Digitalizado com CamScanner jmaginam esse Prolongamento depende de uma projecio pastériag) que terminaram de assistr, $80 coerente com a(s) A pesquisa de Nuties (2018; 2019) permite semel do objeto deste artigo. Sua andlise concentra-se na for sribunal do Jtiri sao administrados, com especial fo cos atores convergem ou divergem quanto aos val siuacionais” que devem guiar a solugao dos casos, ede que diferentes maneiras divergem?, Ma Como os conflitos no CO NO Modo como os diver- lores morais e “moralidades como negociam essa solucao oe 2019) afirma que ha pessoas mortas que no merecem o status de vitima, assim como ha autores ms mortes nue escapam de serem adjetivados de bandidos. Para além das moralidades situacionais, Preocupacao da autora, essas constatacdes set que, além da acusacao e das respectivas Provas, as histérias de vida dos envolvidos no processo tém notdvel influéncia sobre Os argumentos desenvolvidos por promotores de justica e advogados ou defensores piiblicos, bem assim sobre a decisao dos jurados. Essas historias so contadas com fundamento em recortes parciais, selecio- nados, em grande medida, de forma deliberada, para estruturar uma narrativa coerente sobre a vida de quem mata e morre nos casos submetidos a Jiri Popular. Para ilustrar, em uma das sess6es do juiri acompanhadas por Nuiies, ela Teporta que o Ministério Publico, ao pedir absolvicao, descreveu a vitima como “cracuda”, “alcodlatra”, a mae de muitos filhos de pais diferentes. A sua historia de vida permitia presumir que muitos poderiam ser os autores do crime, uma inferéncia baseada na coeréncia que se espera de uma histéria (NUNES, 2019, P. 100). Em outro caso, desta vez em relacao a um acusado, a inferéncia segue Outra direcéo: “O réu Bruno, por ser estudante de pds-graduagao, um menino “de famflia’, s6 poderia estar nesse lugar se fosse ‘doente”, dat a convergéncia entte acusacao e defesa na sustentagao da inimputabilidade do réu (NUNES, 2019, p. 109),257 Asituagao muda quando 0s réus sao criminosos notérios ou apontades como . Mesmo em situagdes nas quais 0 conjunto probatério é ae ail, de “baixa qualidade”, os promotores de justiga sustentam pedidos de 286. Com ou sem briga (carga, na nomenelatura da autora), : " ia’, bas presentes em agg vaNt0 05 estudantes ‘tinham familia’, eram meninos ‘fom cmos reer Um 0 @mencionadas ‘nas falas dos agentes, Moria de Me ne hetdheal ‘usando drogs (NUNES, 2019, P. iii). 405 poanheiro com o qual ‘sai para beber’ e que 0) encontrar uma amiga para continuar ‘bebendo' ou Digitalizado com CamScanner condenagao e “com carga”, isto &, com discursos entusiasmados e marcados por maior agressividade™. 8), isso $6 € posstvel em razao de _) como demonstra 0 trabalho de Figueira (2008), i sa Phatomnjmseuprensennar lini itn, tanto pela acusagao quanto pela defesa, de modo igual para sustentar os respective argumentos (NUNES, 2019, p. 113). A oralidade caracteristica do procedimento do Tribunal do Jtiri reduz a importancia das provas para 0 julgamento, como constata Nunes. Em con- trapartida, as histérias de vida de réus e vitimas avultam em importancia na definicao do resultado da causa. Como se viu, Nuiies verificou que ha casos nos quais 0 conjunto de provas Possui baixa qualidade, mas, ainda assim, 0 Ministério Puiblico pede condenacao, Linhas atraés mencionou-se que a situa¢ao de duvida, a qual deve ser aferida com base nas provas, deve conduzir 8 absolvicao. Todavia, os promotores de justica ignoram essa diretriz quando o réu possui o perfil de “bandido”, “tra- ficante” e quejandos. Em um dos casos pesquisados, Nufies relata que o promotor de justiga lhe confidenciou que tinha a inten¢do de pedir a absolvicao do acusado, desde que a defesa fosse realizada pelo defensor ptiblico. No entanto, o réu contratou ad- vogado particular, para a ftiria do membro do Ministério Ptiblico, que, apenas por isso, resolveu pedir condenacao™?. Vale conferir a descricéo de Nufies (2018, p. 168-169): Durante 0 julgamento de Piolho, em comparacao com o que aconteceu com 0 caso de Fernandinho Beira-mar, falou-se menos ainda da dinamica dos fatos. Se, no caso de Beira-mar, os agentes ainda mencionaram a dindmica do crime durante o intertogatsri0 de Celsinho da Vila Vintém, no caso de Piolho ela sequer foi abordada. A acusacio feita Por Pablo foi baseada exclusivamente na “periculosidade” do acusado, na ‘necessidade de que fique afastado da sociedade”. 0 Promotor também argumentava que © Juri “€ © lugar onde cidadaos de bem vém fazer justica” e dizia que “se tem um lugar que 0s senhores podem largar o tecnicismo e fazer justiga, esse lugar é aqui”. Disse ainda a0s jurados, claramente, que a pericia ndo encontrou provas de quem cometett o me. 80, logicamente, também impediria que encontrassem provas de quem porventura 0 tivesse 258. “... casos em que homens como Fernandinh é ae 2 = om due homens como Fernandinho Beira Mar figuram como réus, mesmo fac cerdmancio de “indlcls” ov ‘provas", ov mediante a sua inauficiércia os mromovares sustantm© eondenagto (NUNEZ, 2017)" INUNES, 2019, p. 113), i 406 Digitalizado com CamScanner ogdenado. No entanto, para embasar Seu pedo de cong te pode esperar do Brasil o que se espera de cst gy on que, natora do voto, embrassem do “atentadoem nena! foi assassinado pela quadritha desse cidaday at" acer nagao do “cidado”, de modo que, para tanto, os juradon mae la Feauerendo a conde, por fim, que ele poderia pedir a absolvicao de wean 8 's morais apontadas durante suta tals ae nacao, argumey ‘or fim, requer dur ntou que “nao EU ads jurados ‘ante o qual um “mening ado da sociedade” 8 Nao 0 faria por todas as mudanga na estratégia de Pablo, portanto, nao ‘ou quaisquer outros elementos. O jiiri, que seri defensoria, tornow-se um “jiri de brig. meacdo do advogado, S¢ Telacionava com 0 caso, suas pr 50, Sas provas fosse sustentado pela Promotor notou a no- < ia “de acordo” se a”, NO momento em que o Nocaso relatado, o promotor de justica tinha conhecimento de que se tratava de uma situacao na qual nao havia provas da autoria. Ainda assim, resolve pedir a condenacao do réu. Como relata Nuiies, . 0 fato criminoso sequer foi objeto de consideracao. 0 discurso foi construido com base em acontecimentos da vida do réu criteriosamente pincados para a construgao de uma hist6ria de vida coerente, aexemplo do fato de (supostamente) integrar uma “quadrilha” e do fato de essa quadrilha (supostamente) ter sido a responsavel pelo homicidio de um “menino”. Qual seria o ato ou o capitulo seguinte desta historia de vida? Na argumentacao orquestrada pelo promotor de justica, o crime de homicidio ‘sobjulgamento na sesso em questdo. Nao porque houvesse provas da autoria, uma vez que proprio orador admitiu que nao havia. A condenacao foi pedida Porque a hipdtese de que o réu era o autor do crime era coerente com sua histéria de vida. Como explica Nuiies (2018), nao se trata de caso isolado. Em casos nos quails 4Piova € fragil, mas sobre o réu recai 0 esteredtipo de criminoso contumaz, ©Ministério Ptiblico investe seus esforcos argumentativos sobre a historia de Wida desses personagens, mediante a selecdo de eventos que os convertam em € facam da culpa uma consequéncia inevitavel’*. : macondenagac. 242. 0s promotores, diante dos casos envolvendo o “trafice de drogas", sustentcrn oe ta079mentos se baselam nalustificativa de que "a gentoestalidandocann TS stg ‘Como a materializagdo do mal. Dizia a promotora em uma cnr TA ong, setor reln~ 0 pior crime que tem, a lei de 2006 proibe graga, Indulto. st tn ao rque.aquitoalid lopen8°tem condicional. E por que olegistador pune severaNMET cuipa do tiation, nd08 tant Para 0 eu] 6 tudo que causa o mol. Tudo esta ligado.oo WNT a, crapathando, nos V0 V8 o tréfico como tal. Traficante tem que S&F Pres: POTHTE Tn yao avreditar nisso- t50g0h4° horror e acabando com a nossa cidade (.) pelo Gat Igo tem esperanga mals NAO: mH ' Tesme C1280; depois posto na rua e volta a cometer ea Campo)" (NUNES, 2018, p. 3952 194 ae Pegar uma pena muito boa. (Notes do Caden? o Digitalizado com CamScanner 6. VIDA E UMA HISTORIA QUE CONDENA OU ABSOLVE Uma caracteristica singular do procedimento do Tribunal do Jari é a Predo- minAncia da oralidade. Como demonstra Nuiies (2018), isso cota aimportancia das provas para 0 julgamento dos crimes dolosos contra a vida submetidos 4 apreciacao dos jurados. Por outro lado, constata-se que os jurados desempenham suas funcées sem que antes sejam instruidos sobre o funcionamento do ritual de julgamento oy a respeito dos parametros que devem orientar a tomada de decisao, a qual, no sistema brasileiro, é solitdria e sigilos Em contrapartida, a legislacdo processual penal nao impée limites para 9 que os “jogadores” (SCHRITZMEYER, 2001) podem dizer ou deixar de dizer, Promotores de justica, defensores puiblicos e advogados tem significativa liber- dade para apresentar pedidos e porqués. Chega-se ao ponto de promotores de justica confessarem a auséncia de provas da autoria, mas, ainda assim, pedirema condenacao dos réus, colocando a conviccao subjetiva acima das provas (Nuiies, 2018, 2019). A questo que surge é: como isso é possivel? Se a ideia de que uma condenacao criminal depende de provas € basilar, fundante mesmo da dogmética juridica penal, € mesmo ressonante na nossa cultura, por que essa estratégia discursiva Que ignora o conjunto probatério nao causa estranhamento em plendrio do juiri? A tese defendida é de que um dos mMotivos para isso é a ativacao da metafora conceptual VIDA £E UMA HISTORIA. Afinal, os jurados decidem com base em um modelo holfstico de apreciagdo da Prova**', isto é, através da construgao de historias que facam sentido e sejam capazes de esclarecer o caso (NARDELLI, 2019, p. 162). no Tribunal do Jari estruturam seus argumentos encadeados em forma de hist6- Tias que facam sentido e iluminem as vidas que protagonizam os julgamentos, geralmente as de réu e vitima, ae na paittevesiyoo a0 modelo, Gtomista, que analisa cada prova individuatmente e afere 0 seu a ‘ prot mh 2,0 modelo holista "pressupde. ‘ue 0 julgador tende a apoiar-se em estru- Sopra pens ease facilitar a compreensdo dos fatos da causa” (NARDELLI, 2039, P- |. Ou seja, ni fel |, 88 Provas so apre, ri Consigam dar sentido o todas elas em conjunto, 108 Mediante a construgdo de histérias ave 408 Digitalizado com CamScanner seo interesse € a condenacao, fatos desabon, iminais, vicios, r * secede crimi ede de relacées Suspeitas etc) 63 ra comport coerentemente a gestalt experiencial (LAKOFF; SAO selecionados neira a persuadir os jurados de que sua historia 3 JOHNSON, 2002), mal ; ade de controlar 0 seu poder de fato de matar phe es i go contar as historias de vida de réu e/ou de vitim, go ituminados © outros encobertos, em busca de fa demonstra a ne- TZMEYER, 2001). a, alguns acontecimentos s ‘ converter a sarrativa coerente que impulsione para a agao, a acdo dos jars a vida em uma forme a intenca los, de conde psalver, conforme a intencdo do orad A i » de condenar ual ilk + A expectativa de coeréncia, cog- sitivamente compartilhada por causa d. COB: la metdfora conceptual VID; uIsTORIA, € usada pelos oradores para convencer sobre a verdade ase A ses sustentam. Ela disputa com a prova - ou mesmo a substitui (NUNES, 2018) _ como estratégia de persuasao. NES, se ametéfora é figura de Pensamento € compée nosso sistema conceptual, serdades sao construfdas metaforicamente. Estas verdades, por serem verdades em termos do sistema conceptual compartilhado, encontram nele seu fundamento. Logo, considerando que a VIDA E UMA HISTORIA, e a coeréncia é uma carac- teristica esperada das histérias, um acontecimento (crime) pode ser considerado yerdadeiro (culpa) pelo mero fato de estabelecer coeréncia com a historia de vida ‘do réu; nao sera verdadeiro, todavia, se incoerente com essa mesma histéria. ‘Vereza (2013b) demonstra que, em certas situacGes, metaforas situadas, con- “quanto epis6dicas, criativas e intencionalmente usadas com inten¢ao argumenta- ‘iva, nao causam estranhamento no interlocutor, tendo em vista radicarem seus fundamentos no sistema conceptual, que a elas atribui a necessaria coeréncia. Esses fundamentos podem ser metéforas conceptuais. Este ¢ um efeito impor ante que uma metéfora conceptual pode desencadear no discurso: assegurar ‘coeréncia ¢ eficdcia persuasiva, ainda que o discurso em questao se depare com ‘Outros desafios, £ justamente esse 0 caso do promotor de justi¢a que deseia demonstrat a ‘Culpa do réu sem provas, auséncia que sequer dissimula. O seu diseurso no soa porque sua argumentacao, ainda que de modo implicito, ae da metéfora conceptual arraigada na cultura VIDA i UMA HIST Bi Lia ‘tem como implicagdo importante a expectativa de coeréncia entre o fut i jstico do mapeamento *(.) oprocesso de “realgare encobrir” thighlightining & aie earn ‘gnaldgicas como um férico (LAKOFF; JOHNSON, 1980, 2002) @ de grande parte a rmtexto® (VEREZA, 2036, P. 24). ‘Oto, concorrem para o estabelecimento do argumentatividede 409 Digitalizado com CamScanner m outras palavras, o passado firma premissas causajs do mesmo modo que lacunas de obscur. dade na “‘trajetéria” de vida pod preenchidas pelas expectativas que sua his sia licencia, bastando, para tanto, que alternativa® Sejm oferecidas. E elas compre sao oferecidas aos jurados. Ainda que miiltiplas, s40 condensadas em .scolha bindria: SIM ou NAO. / al VIDA £ UMA HISTORIA contribui para o al do Jtiri. Ela absolve ou condena pela forca passado de uma pessoa. ET 0 que pode ser predito, de um futur jem ser umae Portanto, a metéfora concept propdsito comunicativo no Tribun da coeréncia que invoca. 7. CONSIDERAGOES FINAIS No Tribunal do Jiri, acusacdo e defesa disputam atencao € adesao dos sete jurados que formam o Conselho de Sentenga. No desempenho de suas fungées, gozam de consideravel liberdade para construfrem seus discursos, pois s40 poucas as disposicdes legais que regulam 0 que pode ou nao ser dito em plendrio do puri. Por outro lado, os jurados sao pessoas nao versadas na dogmatica juridica ou na dinamica de funcionamento do Poder Judicidrio. Os rituais e formalidades so novos para eles. No sistema brasileiro, nao sao oferecidos cursos para que os jurados conhegam deveres e direitos na condigao de juizes leigos, tampouco sdo instrufdos sobre os parametros que devem guiar as suas decisGes. Tem-se, entao, um contexto propicio para que a metdfora conceptual VIDA £ UMA HISTORIA atue no nivel estdvel (off line), servindo de base para a cons- trucao do objeto do discurso nas falas de promotores de justi¢a, advogados ¢ defensores piiblicos. Com base nessa metafora conceptual, é realizado o mapeamento episddico de suas. implicag6es nas narrativas das historias de vida de réus e vitimas. Aconte- cimentos pontuais na vida dessas pessoas, mais ou menos conhecidos e mais ou menos Incontroversos no proceso, sao utilizados para montar uma historia de forma deliberada e pragmitica, ou seja, discursivamente orientada para um fim. Uma implicacao fundamental nesse processo de ativagao da metéfora con ceptual VIDA £ UMA HISTORIA no Jiri baseia-se na ideia de que vidas sao entendidas como histérias coerentes, Apoiadas nessa expectativa cognitiva culturalmente compartilhada, acusagao e defesa contam as histérias de vida relacionadas com 0 caso de maneira a demonstrar que um fato controverso € 410 Digitalizado com CamScanner yr verdadeiro porque € coerente com a histéria narrad: jncoorente com a historia narrada Como apontam os estudos antropoligicos referenciados, a o lidad a ey fados, a oralida qribunal do Juri induz essa orientacdo argumentativa dos discursos A no do processo; em regra, concorrem para a construcao da narrativa, ma meh estao sujeitas a0 jg0 de revelar ¢ encobrir, tipico do mapeamento a eae epson. discursiva- Algumas vezes, eG © conjunto probatdrio é completamente ignorado ou assume posi¢ao coadjuvante na determinagao do que se tem por demonstrado na sessi0. A decisao final, a cargo dos jurados, os interlocutores que acusacio e defesa \dem. convencer por meio de suas narrativas, demarcard o final (provisério) des hist6rias de vida construfdas em plendrio do jtiri. a; OU que é Falso, porque Esse final, a verdade “revelada”, ¢, em parte, uma questao de prova; mas € igualmente uma questao de coerén: REFERENCIAS BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Codigo de Processo Penal. Brasilia, 3 out. 1941. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ ‘ccivl_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 9 out. 2020. “ERASIL, [ConstituigGo (1988)]. Constituigo da Republica Federative do Bras! Brosilio, 5 out. 1988. Disponivel em: http:/Mww.planalto.gov.br/ccivil_O5/ “constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 9 out. 2020. CAMERON, Lynne et al. The discourse dynamics approach to metaphor and metaphor Todidiscourse analysis. Metaphor and Symbol, Fitadéltia, v. 24,1. 2, p. 65-89, 2009 CAMERON, Lynne.; MASLEN, Robert. 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