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CURSO “CONSCIENTIZAGAO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA” ENSAIOS LITERARIOS SOBRE OS POETAS: EDUARDO DE OLIVEIRA E JORGE DE LIMA INDICAGAO N° 19 DE 1985 Suxere + manifertagdo ba Comtiider de Relayoes Extenares sobre Ss oportunidide des recumbecrmenty Wiphomatice. pelo Braval. dha SWAPO, deity rade pels Assemblies Geral das Nagoes Unidas como 4 rica ¢ auleninca represemtamie ho pore mamibnane Nos terms des artage 125. she Regemente Interna, encamimbs 1 Mera 5 prem te indicacto volectuando que 4 Comussde de Relacoes Exrenones se manrfeste acerca hs oportumdade do recombecimento diplomuco. pelo Brat. da Organtzixde ho Pore da Africa do Sedboeste SWAPO), tmtudade recombeciubs dende 19° comes Ginna ¢ atemina represemtante der Pose mamibiany. segundo decide he imblera Geral da ONU. organize qe denge sluts bo powo ds Namibes pels tus amdepemdémcsa macromal « pedo firm ste oxupacso colomsliita degal do teu terntirre pela Ajrics dr Sub Jusuticacse: A oxapayso egal da Namibia pela Afnca sho Sul. que impor ao pore mamibamo. 4 ferro © fogo, sew uastemma racits do apartheid. “merece 2 condense © 0 repiidw de todo 0 mundo crdiado Desde 1940. 0 regime racists vem essfiamdes 2s Nagies Uma em sua recirs ese tetra do temiine vxupato obummadamente se vponda 8 todss a cragemnss ds ONU referentes so direrto do (Piro rmabame «ets akralasede imdependincis. ¢ impedindo gue 0 somietbo da ONU pare Gutomdade legalmente comseriuida para sdminsstragdo do temntino, exert se mandate de herd ho 2 imdependincis. Desde 1960. 4 Organrzigso do Povo da Avfaca sho Suabeeste (SWAPO) tidera t tte Le Namibea pela imdependincis mactomsi 4 mire! politico, militar ¢ diplomdtice Indicads em 1973 pels Assemblers Geral a ONU come amis © auténtica Tepresentanie da pore mamibiano. SWAPO shige sobre 2 sua protegse. em ‘Angols Zimbos. milhares de manaibaames refugiados do racume e da repressto do Whe ocupagdo sub-afrcana, Essa fur sereucos de sade. Glimentacdo. ensimo © preparsgdo profissomal, em colaborssso com 0 Imstetnicy day Nyies Unudss para Nameibs Fandada em 1960 como movimento de AF RODIAsr™ A grove Diretor Responsavel ABDIAS NASCIMENTO Diretora Associada ELISA LARKIN NASCIMENTO LAROGUNNIEY Editado pelo IPEAFRO Apoio: RioArte Copyright CONSELHO EDITORIAL Mol K. Asante (USA) Manuel Zapata Olivelli (Colombia) Gerardo Maloney (Panama) Olabixi Babalola * Niger) Sheila Guham Jamaica) Helena Theodora (Brasil) Joct Rut s: (Brasil) 1x5 by AFRODIASPORA WE AE KES rssituater ade tks Mt Fundade Atte: Beaulcirs de Deserted capa ABDIAS DO NASCIMENTO AF RODS Ano 3, n° 667 abril/dezembro de 1985 INDICE Pag. Prefacio........ eexuneneeee eauueetaunas evens! io Nota a propésito do Dia Nacional _ da Consciéncia Negra 9 1.* PARTE: “CONSCIENTIZACAO DA CULTURA AFRO— BRASILEIRA”’: Curso do IPEAFRO 13 Programagao ¢ bibliografia do curso...... Nota sobre os simbolos do curso ¢ do IPEAFRO..... ‘ “O quilombismo: uma. alternativa police afro- brasileira’ . de Abdias do Nascimento......... = 19) “© conceito de quilombo e a resisténcia cultural negra’ de Beatriz Nascimento........... ssestronsesrenes,) Al ““Racismo ¢ revolucdo: a dialética da luta negra’ dle) Elisa) Larkin) Nascimento ie7-2 1. eeetrnrete eee “'Religioes negeas no Brasil” de Helena Theodoto............0cccceeceeeeees Bane ae rs 75 *'Mulher negra"’ de Lélia Gonzalez. **Malés: 0 islio negro no Bras de Nei Lopes... “Cultura banta no Brasil, uma intr 2.* PARTE: ENSAIOS LITERARIOS “O transcendentalismo poético ¢ simbélico na poesia negra de Eduardo de Oliveira"’ dg Ironides Rodrigues... “O estatuto da ambigiiidade: lemme! ‘de Lima e ea eran dac de Dulce Maria Viana.............-0-.-0+- ae + 133 Prefiacio Neste ntimero 6 € 7 da revista A frodiispora, publicames alguns dos textos de pase do curso “‘Conscientizagao da Cultura Afro-Brasileira’’, ministrado pelo IPEAFRO na Pontlfica Universidade Catélica (PUC) de Sao Paulo em 1984, ¢ na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 1985. Con- forme se verifica nos respectivos programas, reproduzidos na primeira parte deste volume. o curso sofreu algumas modificagdes em sua programacao en- ure um semestre € outro. Os textos aqui reproduzidos representam o material escrito utilizado por alguns dos professores que ministraram as aulas. Outros preferiram se limitar a exposicao verbal, as apresentacdes dudio-visuais (fil- mes, videos gravacdes) ¢ 4 discussdo. baseando-se também nas leituras in- dicadas no programa do curso. Foi distribufdo aos que freqiientaram 0 curso em Sao Paulo o *‘Mini-Curso: Hist6ria do Negro Brasileiro'’, dc Joel Rufino dos Santos, em cinco capitulos. Devido a sua extensio, 0 ““Mini-Curso" é © Gnico texto escrito nao incluide no presente volume. Esperamos, em prdxi- mos numeros da Affodidspora, complementar este inicio de publicagao com a edicgio de outros textos. Fica a adverténcia de que os textos aqui publicados nao representam o conjunto do material utilizado no curso, entre apresenta- Oes dudio-visuais, textos escritos ¢ exposigées orais. Em muitos casos, tam- Pouco representam uma versio deabadaie awualizada. Os dados ¢ as reflexdes apresentados nos textos esto sujeisos sempre a novas consideracdes, a discus- so ¢ A fevisio, tanto no contexto do proprio curso quanto no decorrer do tempo em geral. Queremos esclarecer, chamando bem a atengao do leitor sobre este pon- to, que tanto o curso como a propria revista Afrodidspora nao se concebem como realizagées prontas ¢ acabadas, mas como processos dindmicos de apren- dizagem ¢ experiéncia. Um dos objetivos principais do IPEAFRO, conforme expde nosso folheto informativo bisico, UA articulagdo de ‘'um sistema de pensamento analitico baseado nos valores € na visio do mundo cmergentes da experiéncia negra, contribuindo para a claboracdo de um conceito brasi leiro de educacio ¢ pedagogia isento da vigente predominancia curocentris- ta."’ Evidentemente, nao € um objetivo imediato. Trata-se de um processo dialético em que as atividades de pesquisa ¢ ensino do Instituto, constante- mente avaliadas ¢ reavaliadas em suas implicagdes. vao contribuindo ao lon- 0 de nossa atuacdo para o entiquecimento dos nossos conceitos analiticos. curso constitui um dos elementos desse processo de desenvolvimento € ar- ticulagao. Nao temos, alias repudiamos, a pretensio académica de formular conclusdes acabadas ¢/ou dogmiaticas. Tal pretensio trairia a proposta de uma AFRODIASPORA — Ano 3 o% 67 ? scituacie roalmente atro-broileir pra cultura negra Na segunda parte deste numero, publicumos dois textos que veri so- bre Ineratura. O enxuo de Ironides Rodrigues, foalizande a obra poctict de Eduardo de Oliveira, conscitur apenas uma gota no vaste clenco de eseri- tos dewe militante alfo-brasileire a quem quercmos render uma homenagem: jor sua valentia na persstente hua cm prol de negro brasileiro, Um dos ba- juartes do Teatro Experimental do Negro (TEN). Tronides tor o responsivel. entre outtas coisas, pelos curses de alfabetizagao ¢ cultura oferecidos aos mem brovdo Teatro, a maioria consutuida de empregadas domésticas ¢ membros de profissdes igualmente “humildes’”. Seu cnsaio A E ada Ne- gritude' fora tese mais polémica do Primcire Congreso do Negro Brasilet- fo. organtzado pelo TEN ¢ realizado no Rio de Jancito em 1950 © Até hoje, Ironides continua pralifico, rcfletindo © esctevendo sobre a realidade afro- brasileira © enfrentando todas as peripecias de uma vida attibulada. O segundo emaio incuido nesst parte trata da obra poética de Jorge de L considerado tradicionalmente como um dos ilustres democratas fa Giass do Brasil, Duke Maria Viana expoe de maneira comperente as conside- ragoes que tornam no minime duvidosa ess avaliagdo Mais uma vez. a Afrodiispore cnircpa aos scus leitores um conjunto de textos oferecidos ngo como verdades ““cientite as”. mas como fonces de in- formagao ¢ como teses provoradoras de teflexdo. discussdo © respostas da co- munidade negra nacional, Axé! por naturesa dinamict cor a pros Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1985 Ver Mth clade eRe Bal Nona Hronrenta, 1821 AFRODIASPORA 6 4 propésito do Dia Nacional da Consciéncia Negra, 1985 No momento em que redigimos estas linhas, jd que este nGmere esti sendo impresso com grande atraso. a comunidade negra esti celebrando 0 scu dia. E este ano. 0 dia 20 de novembro. aniversirio da morte do herd © martir negro Zumbi dos Palmares. esti marcade por um aconteamento de suma importancia para a nossa populace. Hoje o Ministre da Cultura, Dr Aluisio Pimenta. esta na Serra da Barriga. Estado de Alagoas, representundy: © Presidente José Sarney. assinando o ato de homologagio do tombamente daquele local feito pelo Consclho do Patriménio Historice © Artistico Naciv: nal. Foi na Serra da Barriga que se fundou a Repablica dos Palmares. primci- fa nagio livre criada em todo este continente apart a wa da Europa. Agregando as populacoes de varios quilombos, Palmares conte com mais de 30.000 habitantes. que resistitam durante um século. de 1595 a 1696, a guerra colonial de Portugal. Holanda ¢ do Brasil. Zumbi. o ulumo de seus reis cleitos, tombou na luta armada ¢ constitu! hoje um simbolo vivo da luta pela cmancipagio do pove negro. lair instrenetestripe representa a vitdria da comunidade negra numa aspiracio para a qual est mobilizada desde o final da décuda paxada, quando foi idcalizado o Memorial Zumbi. Esta organizacao, pi neira na historia brasileira, agrega as entidades do movimento negro naciv- nal c Orgies oficiais como a Fundacdo Pré-Meméria. Queromos aqui registrar nossa homenagem a todos os responsaveis pela criagao ¢ consolidacio do Me morial Zumbi_ ¢ as organizagdes ¢ individuos que o integeam. Espeuificamente. evocamos 0 caboclo guerreiro Olympio Serra, o Exu mincito Dr. Carlos Mow ta. ¢ 0 historiador Joel Rufino dos Santos. A persisténcia © dedicagav destes tem possibilitado 6 éxito do nosso projeto, sobretudo nese particular de tombamento Devemos dizer, ao mesmo tempo, que o tombamento da Serra da Bar- a significa apenas o comego. ¢ no o fim, da nossa tesponsabilidade para com a populacio afro-brasileira no que tange ao Memorial Zumbi. O que importa nao € 0 tombamento em si, embora este constitua importante con- quista historica. Para a comunidade negra. o resultado desse ato poderi sig- hificar um avanco ou um retrocesso, conforme o destino que se dé a espaco hist6rico recuperado pelo tombamento. Pois o compromisso do Memornal Zumbi é 0 de ctiar um polo de cultura de libertagio do povo afro-brasileiro. ou seja. um local onde a comunidade possa fortalecer sua consciéncia ¢ iden- tidade histériea. cultural ¢ artistica de colevividade negra com suas raizes © personalidade propria. Tal objevivo requer a mobilizacao de recursos huma- hos, materiais ¢ financeiros que ndo podew ser desviados para a construcao faradnica de atracio turistica inacessivel aos verdadciros herdeiros daquele pa- triménio. Nao Peclemos cotrer © risco de mais um aspecto da cultura negra ser distorcido, foklorizado ou reduzido a condigao de mercadoria, objeto de uma exploracdo comercial cujos beneficiarios ndo pertencem ¢ nem cultivam uae respeito 4 nossa comunidade. s maliciosos oponentes da nossa luta lar com um slogan ja tradicional © esse € um patrimonio nacional colonize ro, naturalmente, nos interpe- “‘Mas nés somos brasileiros. nao negros, Concluindo esse raciocinio, nos rotulardo: AFRODIASPOKA — Ano 3 n 6 ¢ > 2 de racistas as avessas. Ora. o pais esta repleto de museus. igrejas. locais hist6- ricos ¢ monumentos celebrando os feitos ¢ herdis portuguese, que nem por isso deixam de constituir-se em patriménio nacional. Por que entdo negar 3 historia ¢ cultura negras seu conteudo africane, pata proclami-las apenas ¢ exclusivamente “brasileiras’’? Foi iniciativa da populacio afto-brasileira a criagao do Dia Nacional da Cansciéncia Negra a 20 de novembro, data que realmente marca um simbo- lo da luta de libertacio do nosso povo. Cumprindo seu compromisso de levar adiante as lutas da comunidade negra no Congresso Nacional. 0 Deputado ‘Abdias Nascimento apresentou um projeto, ja aprovado pela Camara, decla- rando esse dia feriado nacional. Nao tivemos a alegria ver assinado no mes- mo dia 20 esse projcto, tornando-o lei ¢ configurando mais uma vitdria do movimento negro nacional. Infclizmente. 0 projeto foi tejeitado em voracao de ontem no Senado, onde um scnador teacionario do Para chamado Aluisio Chaves. impediu que se concretizasse, ainda que simbolicamente. 0 compro- misso do Congreso com a democracia em todas as suas dimensdes. Consideramos a realizag3o desse sonho. que € 0 tombamento da Serra da Barriga, como também outras conquistas da comunidade negra. inclusive a cfiagao da Assessoria pata Assuntos Afro-Brasileiros do Ministério da Cul- tura, frutas de uma pritica ¢ teotia de luca afro-brasileira que denominamos de quilombismo ¢ que vem sendo articulada durante toda a histéria do ne- gro no Brasil. Neste volume, o leitor encontrara um texte sobre o quilombismo. que aqui oferecemos 4 meméria de Zumbi Serra da Barriga, 20 de novembro de 1985 Abdias do Nascimento w Ano $n? 6c 7 — AFRODIASPORA 1.* PARTE: ““CONSCIENTIZAGAO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA”’ Curso de Palestras ¢ Estudos 2.° Semestre de 1984 (11 de setembro a 14 de novembro) Pontificia Universidade Catélica Sao Paulo Curso de Extensa Cultural 1° Semestre de 1985 (20 de maio a 25 de junho) UER} Universidade do Estado do Rio de Janeiro PRO’ SRAMACAO b BIBLIOGRAFLA Ocune “Conscenuzccie da Culture Atte-Lrasileia’ for rcalizade pe- IPE AFRO na PUC-SP. de TL de sctembro a ba de novembro de 1985. con: Neo PrORrAMA transc rity a sei No Rio de Lancire. © curse tor tetra em conjunte come Projeta Zambr den Palmares. do Departamento Geral de Cultura (DGO) dia Secreta: Mur Ide Ldcagde « Cubans £ nisty fe Projcte. implantade desde 1983 com a partipacte de Deputade Federal, protesere Dirctor de IPEAERO Abdias do Nascimento. © da profesor Lana Lage da Gama Lima. ¢ dirigide: hoje pele protesora Marta fose Lopes da Sils.t O abjcuve do Projeto Zambi dos Palmares € a integnaio dos asuntos atros brasileiro. Cat prepatacio dos quadros de ma apts ao onsir Tambem participaram cam apoio stices at reatlizitgie dh » RieArte. lostituc Municipal de Atte © Cultura. ditigide pelo pos Mello Mourdo, © 4 Sub-Reitoria ite cdo © Pexquist da UER). chefiada pelo Dr. Gerson Cotta Pe- rora, O Teatro Experimentalde Negro (VEN) contribuiu com bolsas de ex tastes ec junbe de Tus6 0 IPEABRO. Publics aiteress (A inkiatna tem come ebjenve aprofundar o conhecimenty © as retle- ntice seb ture atro-brasilcita. desde um ponte de vista proprio dat aa Munklade negta. o que implica tambem numa visie critica daquilo que a seciedade © 0 aculemicnsme convenconar tem divul respeita: do sunt CO case Lem come Ch toquie .espectti devida. da morale etics. © dit epis eta dt culutra afro-bresileira, Um bibliogratia de textos basicas © abore mplementada com as informa: Gées € experiencias trazidas pelos conferencistis, todos praticantes ¢ eriadores da cultura atro-brasileta, © estudioses doses temas curmeule cscokire mate curse oterecer a CUISE ae dade dit cosmovisae, di filosotis os Fundame O propésito bisico do IPEAEBRO ¢ conuibuir para a correcio da lamen- tivel omissdo existente em nosso sistema educative no que se retere 4 mems- ria. identidade. cultura © perspectiva dos africanos ¢ seus descendentes em nose pais. Lal omissdo funciona come um endosse uicito @ perpeurmao de teortas © priticas que inferiorizan tanto hemem ¢ «mulher de descenden- Ganttricana, quanto a cultura vivida por des. Ito conduz a le i racism © i marginalidade sicio-cconomica das populagdes de ongem africana Geralmente limitado as andlises superticiais, 0 tratamento conyencional acidémno dispensado a experiéneia affarbrasileira a reduz a um fenomeno Cshitico tfolclore no Gumpe cultural. discriminagdes e6picas no campe social cro) Permanccem ignoradas as dimensdes maiares dessa experiencia — filo- teas politiar © socie-ccaunamicas —- cm sua integadade vital ¢ dinamica ©. sobretude. em sua relicdo com os demais conugentes do mundo afficane. Um dos motivos mais destacados dessa carénciat nos curriculos vigentes esta no implicito curocentrisme que ha séculos permeia ¢ orienta ramos do Ane sn Ge 13 estudo c da analise académicos em nosso pals. Embora normalmente ndo ar- ticulado. por constituit-se uma orientagao ja consagrada © “natural”, 0 cu- fase exclusivista no modclo imtcleeual greco-romano- 1a consequente subvalorizagio, proscrig4o ou ignorancia das tra- digdes epistemologicas afticanas (ou indige ios do saber (cién- cia, tecnologia € filosofia) que desde milénios antes de Cristo vém se desen- volvendo até os tempos modernos E dentro dessa perspectiva geral que o IPEAFRO, entidade organizado- ta da 3." Congreso de Cultura Negra das Américas. oferece o curso de pa- lestras © estudos intitulado Conscientizagio da Cultura Afro-Brasileira Conceituagio Sistematica Afto-Brasileira Nos scus varios ramos de atividade. o IPEAFRO tem como um dos seus objetives principais contribuir para a articulacao de um sistema de pensamento Peace Leics Hos mlloaeee maitadGeundoemencntesdkerpereoca afro-brasileira. Esperamos que. com a participagao ¢ contribuigao de_tod (conferencistas ¢ alunos), o cursa "*Conscientizagao da Cultura Afro: Brasi constitua um primeiro passo no desenvolvimento dessa metodologia isenta do curocentrismo subjacente no academicisme convencional Palestras: Sao Paulo, 1984 Setembro 11 Abertura: Diretor do IPEAFRO, Abdias Nascimento. 1 € 12 Joel Rufino dos Santos: Mini-curso “Histéria do Negro no Brasil 18 © 19 Helena Theodoro: *'Cultura. Religiao ¢ Identidade Nacional” 25 © 26 Lélia Gonzales: ‘*Mulher ¢ Cultura Afro-Brasileira’’ Outubro 02 © 03 Juana Elbein dos Santos: *'Simbologia Nagé na Cultura Afro- Brasileira’. Filmes: Jya-mi agba (Mito ¢ met: fose das macs nagd), Orixi Nino € (O pantcon da tetta) ¢ Egungun. 09 ¢ 10 Dalmir Francisco: “‘Negro, Cultura ¢ Cidadania (Hegemonia Racista ¢ Resisténcia Negra Através da Cultura.) 16 Muniz Sodré: Palestra/ Oficina — **Possibilidades de uma Li- teratura Negra no Brasil”” (participacio criativa dos alunos, a tir de textos inédiros), 17 joao Baptista Borges Pereira, ‘*Cultura da Resisténcia Negra’ 23 © 24 “Maria de Lourdes Theodoro: “‘Negro, Indio e Branco: Idenui- dade na Literatura Brasileira’’. 30 ¢ 31 Marco Aurélio Luz: ‘‘Sincretismo Religioso: Aspectos Ideologicos’”. Novembro , 07 Milton Santos, “Espacos Negros no Brasil’’. 13 ¢ 14 Eduardo de Oliveira, ‘“O Negro na Literatura Brasileira’’ Ww Ane 3 n 6 © 7 — AFRODIASPORA Maio 20 Palestras: Rio de Janeiro, 1985 Abertura: Cerimonia candomblecista celebrada pela lyalorixa Mona Bewyi da Nagio Angola-Congo. Palestra do Professor Abdias do Nascimento. Director do IPEAFRO Observagées iniciais do Professor Affonso Marque dos Santos. diretor do DGC. Secretaria Municipal de Educacao ¢ Cultura Palestra de Nei Lopes: altura Male no Brasil"* Nei Lopes: Cultura Bantu no Brasi Lélia| Gonzalez: ‘‘Mulher ¢ Cultura Afro-Brasileira’’. Helena Theodoro: ‘‘Cultura.Religiio ¢ Identidade Negra” Filme Egungun, palestra do seu di Carlos Blajblar Muniz Sodré: ““Cultos Negros ¢ Socialidade’ Beatriz Nascimento: **O Conceito de Quilombo ¢ a Cultura Negra de Resisténcia’’. Neuza Santos Souza: ‘‘Identidade Negra e¢ Ascengao Social do Brasil”. Djalma Corréa: ‘*Sensibilizagao ¢ Percepgao da Misica Afro- Brasileira através da Percussio’”. AFRODIASPORA — Ano 3 n™ 6 ¢ > 15, Bibliogtafia Preliminar Resta Miahayena im ts Sak Mun sealte tonto cl serdecde sealucnda pet um concert de cultura tee Beast Wl Coxicrt Huan Etbeis do Eh Os aurie. Lal Noaves Marco Aurelie baz ClUSs) Caltuns Negea © Iidvokyees ide 0 Neuss Santon Sousa clans) Horace acer bd Graal Vixdias Nacmente (haxay aves do aingue oda esperinga bd Achiame © Rry Ante (un?) O negro evaliade 2" ol. Nuva Hooters WEADRO. bans oe Kevnus Vizes in 8 O eer 6 4 dbolide (aba de 1979) © 0° > Sun ectesene gelisione 6 Tembtes dle bY Tela Gonsales © Cathe HLsenbahe oust) Lagarde negra & fa Joel Rutter she Santos 1 Loxt) O gare eo rcp Tal Bras Eless Lark Naxcime LIND) Parr Alen annestine ta Amerie sof PA Vewes © IPE ABROD fleresran Famandes 10°2) O Negra ne Mundie dis Bearain Ditusie Latopers de Livi feauee Bapeista Berges Peteitas X07), Cur, Prato bileddicke O Nestor eos Radio de Sir Prats td Proneita «USP) Reger Bas » Estuddon Atien.Beasafercan Net Lopes DB ME Vargens. Perspesina Neeritucde (stubs Wabes 1 UERL We Ane Sn Ge > AFRODIASPORA NOTA SOBRE OS SIMBOLOS DO CURSO E DO IPEAFRO No material de divulgacko do curse. aparecem dors simbolos da cultura atro-brasilerra. O primeira, uma mascara aticina estilizada, desenho de ines. qquesivel artis dor do Featre Experimental do Negra (HEN) Santa Rosa na decada dos quarentt especialmente para este Teatr © outro simbe do IPEAFRO. © uma invecacao simuluincamente ¢s- piritual © secular das divindades afto-brasileinis Exu ec Ogum Nao tuindo uma transposigae direta dos patos nositerr cle compoe uma mistura de clementos deses pontes. criagado do artista phi tice atta brasileiro Abdias Nascimento A metade superior do simbolo reproduz o tridente, clement de ponte de Exu_ divindade que abre os dia cxténci oda lata Exu incor: pora ox principios da contradigdo ¢ da dialética Ga presentes na filusofia ate tana muito antes de Hegel © Marx). seni os quai: ndo poderia exisica movi Mento ¢. portanto. as cnenias que possibilitam a propria vt Sendo enti- dade dialetict, Pyu comtemy as foreus 1 Pottante. for errones mente contundide como demonio, 1 © ignorante © Maniqueisti de COTEOS SeLOrES Crises A metade menor do simbolo represes reings césmicos. Descobridot ¢ tund Noe d. da Attica antuga, Ogum se taz presente n simbolo, sygnificando as conquistas cienuticas da Afric suprimidas nas versdes curopers dai historia universal” Ogum & pioneite iio x6 da tecnologia ¢ ais. come tambem da conquista das fronteiras césmicas. E cle quem rompe as barreiras que separam o espiritual do secular unindo os dois num clo dinamico, Essa unidade do espiritual ¢ do secular apresenta talvez 0 aspecto mats importante da forca religiosa da cultura afti- cana. constituinde timbem sua grande distincae das rcligioes judco-cres as quais separam rigidamente ox dois. : Ogum também representa a luta afficana © afro-americar ¢ a libertagio. sendo o deus guerteite ¢ defensor de seu pore jas riscadas: ur ta Ogum. enudade proneira dos avangada tecnologia metaltitgica 1s ferros pendurados no arco do pti, bru pela justi AFRODIASPORA Ge O QUILOMBISMO: UMA ALTERNATIVA POLITICA AFRO-BRASILEIRA * Abahas she Suncumeniees Meméria: « untiguidade do saber negro-atri “no E urgente a necessidade do negro brasileiro recuperat sua memoria. sis- tematicamente agredida pela esteutura de dominagio ocidental-curopcia ha quase 500 anos, Um processo analogo se registra com a historia dos alricanos na conunente © de seus descendentes espalhados pelas Américas A meméria dos afros-brasileiros. ao contritio do que atirmam certos bis- toriadores convencionais de visdv curta ¢ superficial entendimento. nao se inicia com o thafico negreite ¢ nem nos primérdios da cx ravizacao doy at nos no século XV. Em nosso pais, a clite dominance sempre desenvolveu es- forsos para evitar ou impedir que © negro brasileiro, apos a chamada aboli- sao da escravatura (1888), pudesse se identificar ¢ ativamente assumirt suas faizes étnicas. historicas ¢ culturais. com esta operagio tentando secciona-lo do seu tronco familial afticano. A nao ser em funcio de recente interesse do ¢xpansionismo industrial manipulado pela clite ccondmica. o Brasil, como norma cradicional, ignorou o continente africano. Voliou suas costas 4 Africa logo que nao conseguiu mais burlar SR TAB Ise do comércio de care atrica- na inyroraips ja Inglaterra. por volta de 1850. A imigragio massiva de cure: ‘us. subsidiada pelos cofres pablicos, ocorcida daquela data em diante undamentou-se ndo s6 na intengdo das classes dominantes em tornar a po- pulacao do pais cada vez mais branca. como também no proposity de erradi- car da mente € do afeto dos descendentes escravos a imagem da Africa como lembranga positiva de nacao. de patria. de terra nativa. Por isso, no sistema educativo brasileito nunca houve qualquer disciplina ensinando aprego, in- teresse ou respcito as culturas, artes. linguas, religides, sistemas politicos, eco- nomicos ou sociais de origem africana. E © préprio contato dircto do afro- brasileiro com seus irmaos no continente © Na diaspora, foi continuamente impedido ou dificultado. entre outros obsuiculos, pela negagao de mcios eco- némicos que Ihe permitissem viajar para fora do pais. Entretanto, nenhum empecilhe (eve o poder de obliterar completamente de nosso espirito © da nossa lembranca a presenca viva da mae Africa. As estratégias © os expedientes utilizados contra a meméria do negro- africano ultimamente vém sofrendo prafunds crosio e irreparavel descrédi- to. Este fato se deve a dedicagao c comperéncia de alguns africanos preocu- pados com a destituigao que a nacado negto-africana tem sofrido de parte da civilizacdo capitalista euro-norte-americana. Esse grupo de africanos, a um tempo estudiosos. clentistas, fil6sofos. e ctiadores de arte e literatura, cnglo- ba personalidades do conunente ¢ da diaspora africana, Quero mencionar alguns desses nomes: Cheikh Anta Diop, do Senegal: Chancellor Williams, Molefi K. Asante, Shawna Maglangbayan Moore, Hab Madhubuti. « Mau- lana Ron Karenga. dos Estados Unidos: George M. James, da Guiana; Yosef Ben-Jochannan, da Etiépia: Theophile Obenga. do Congo- Brazzaville: Wo- Este text, he apecentake ae 2 Congress stores « turnlakes she IPEMRBO © dapuatach de Cutters Neceretes Anvetm ae Pananes DAS) Sear mates ¢ fooler AFRODIASPORA - Ane 3 n 6 > 1) le Soyinka, Ola Bak de Abimbols. dic Nigeria Tod produsinde obtas funda part a Altiecontemporinea © future Anan do em campos diferentes © sob perspectivas diversas. 0 estore doses cmi- nentes irmados africanes se funde © cunalizia fume a exorczacio das talsid des, distonoes © negucdes que ha tanto tempo se vem teccnde em torne da Africa cont intuito de velar efou apagar a memoria de saber do conhee- mentocientifice ¢ filostico, enfim, das realizagoes dos povos de origem negro- affiaana, A memoria do negro breileite € parte © pariicrpe nesse pigntesce estore de reconstrucio de um pasado ae qual todos os atfto-brasileitos esto ligados. Ter um pasado © ter uma conseqiiente responsabilidade nos destt nos ¢ no future da ngao negromtinicana, mesmo enquante proenande a condigao de editicadores deste pais ¢ de cidadées genuinos do Brasil Considere oportuno fazer algumas observagoes, ainda que breves, a cer as trechos dobre fundamental de Cheikh Anti Diop. princpalmente a seu liveo, A ongem afreana da cudizagdo. originalmente publicade cm frances em 1974. Seja dito de inicio que @ volume confrontagie radi- cal ¢ um desafio irrespondivel ae munde atcadémico ocidental © a sus arro- gaincia intelectual, desonestidade cicntitiea ¢ carencia Etica no tratamento dis- pensado aos povos. civilizagies © culturas da Africa, Diop € quimico. do laborat6ro de radiocarbon do IFAN Cnstituro Fundamental da Africa Negra). cm Dacar, além de cgiptilogo, historiador, linguists © antropo Unilizando-se dos recursos cic os ocidentais, este Sibio esti resgat a significagdo ¢ os valores das antigas civilizagocs crigiday pelos negro-alticanos. ha longo tempo obnubiladas pelas manipulagdcs. fulsidades. distorgdes ¢ rou- bos dos chamados cientistas ocidentais. $40 os bens de cultura criados pelos nowos antepassades no Egito antige. Esses egipctos cram negros. © nde any pove de ofigem branea ou vermelha-cscura conforme estudiosos curopcus do século XIX. proclamavam com énfase tio mentirosa quanto interessada. Eiy como a esse respeito se manifesta Diop: ra presenta trate moral he su > Hers chy mune Os qupows an Ado esta pana se sey de se apresentar a hist munde negro ¢ 0 proprio tentada hoje diante dos nossos olhes. Matematica prrgénca. a teoria dos quatro clementos de Thaley de Mileto. materialisme icureano, idealisamo placonico. judaismo. isamismo. ¢ a ien- Ua modema, estado enraizados na cosmogonia © ma cicncia CREP Cas, So temos que meditet sobre Osiris, o deusredenter, ques Sactifka, more. © resuncitado. uma figura esencalmente ide tificavel a Cristo (ta XIN As afirmagdcs de Diop se basciam em rigorosa pesquisa. derruinde estruturas supostamente definitivas do conheaimento “universal” a respeive da antiguidade ogipua © grega. Gestem au nde gestem. os ecidentats tenn de tragar vetdades come str: es da publicaao de “A mentalidade prin rica negra Muculmana comentaya so quatro séculos tiva’” de Levy-Brubl, 20 Ano 30 @ © > — AFRODIASPORA bre a logica formal de Aristoreles (a qual cle plag negra) Cota espectalises em dialer E nao equecamos. ise acontecia quase $00 anes do nascimento de Hegel ou Marx Diop resolve toda a mistificagio que ransformou um Egico fundamen- talmente negro em pais brance, por artes da magia curopéia dos egiptilopos oodcntes. Ele demonstra que. apes a cunpanha milan de Honan tee Egito. em 1799. ¢ a decifracdo dos hicroglitos da Pedra Rosetta por Cham pollion. v jovem. em 1822. os cgiptologes se desarticularam atonitos diante da grandiosidade das dexcobertas reveladas Eles geralmente a reconheceram como a mais antiga aque uinhs engendrado todas as outras. Maso imper doo que ©. sc torn © Vinadmisivel accitande at teorit evidente até enue: de um ynegre cimento da Egiptologia foi assim marcado pela necessidade de des truir a memoria de um Egito negro. a qualquer custo. em todas as mentes. Dai cm diante. o denominador comum de todas as teses dos egiptologos., sua rolagio intima © profunda afinidade pode ser canuterizado como uma tentativa desesperada de Lar essa opin: de um Egito negro). Quase todos os egipt enfatizaram sua falsidade Como uma questao fechada (1974: 45) crewenteme nsiosidade curoccntrsta nese Cpiddio sc expoc de corpo mt lager prscgumim obstinadamente ove estore de provar “Gen Ufiaamente uma ongem brinca para a antiga cvilizagie do Egite negro Por mais precaria que fosse a base dessus teorias nos fatos historicos. chis cram accitas pelo mundo “civilizado” come uma pedra fundamental do supre- macismo branco. uanto a Diop, compassivo ¢ humano diante do tcroz dogmatismo desses os ocidentais. demonstrou pacténia © genuleza expheando-thes que cle, Diop. nao alegava nenhuma supenoridade racial ou qualquer genio es. pecificamente negro naquela constatado cicntifiea de que a civilizaio do Egito antigo fora crigida ¢ povernada por um pave negro, O sucesso deviasc a fatores historicos, explicou-lhes Diop, devia-se a condiges mesoligicas («li- ma, recursos naturats, etc.) somados 2 outros elementos nao ricicos. Mesmo tendo-se expandide por toda a Africa negra, do contre ¢ do oeste de conti nemte. a civilizagdo egipeia. ao embate de outras influéncias € diversa siti dio histérica. emtrou num proceso de desintegracio francamente retrocessi- vo. O importante € sabermos alguns daqueles fatores que contribuiram para a cdificagio da civilizacao egipcta. entre os quais Diop enumera estes: resul- tado de acidemte geogrifiko que condicionou o desenvolvimento politico sia dos povos que viviam as margens do wale do Nilo: as inundacoes que ti vam providencias colctivas de defesa ¢ sobrevivencit. sttuacio que Exverecta aunidade ¢ excluia o cgoisme individual ou pessoal. Nese contexto, surgia a necessidade de uma autoridade central coordenadora da vids ¢ das atividi- des em comum. A invencao da geometria nasecu dit necessidade da divisao AFRODIASPORA — Ano xeogtatica. ¢ todos os demas avangos toram obtudos no esforco de atender um carencia requerida pele cditicagio de uma sociedade viavel Hum por interes paruicularmente a memoria do negro bra- sileiro: aquele onde Diop menciona as relagoes do antigo Egivo coma Africa neyta, especificamente com o pov Yoruba. Parece que tais relacdes foram tao intumas a ponto de se poder “considerar como um fato histético a posses- conjunta do mesmo hubreat primitiyos pelos vorubas ¢ egipcios. “Diop levantea hiporese de que a kiuinizacao de Horus. filho de Osins e Isis. enh resultado no apelativo orné. Seguindo essa pista de estudo comparativo em Linguistica © outras disciplinas, J. Olumide Lucas (1978: 18) traca os lacos cgipeios de seu pove yoruba, concluindo que tudo leva a verificagio do s guinte: 4) uma similaridade ou identidade de linguagem: b) uma similari lide ou identdade de crenyas religiosas; ©} uma similaridade ou identidade dle dens © pritcas relgiosas: dQ) uma sobrevivencia de costumes, lugares, no- mes de pessoas. objetos. ex Meu objctivo aqui € 0 de apenas hamara (tengae para esta signiticativa dimensio da anuguidade de memoria alro-bras.feita. Sera tareta para os pes uisidores afticanos ¢ atro-brasilciros do fururo complementar os detalhes desse ponte fundamental de nossa histéria Memorta: A Atro-América pré-Colombiana Entretanto. ndo € 56 ne Egito antigo ou na Africa ocidental que er tramos os antecedentes histoncos do atro-brasileiro. Existe outra dimen: de nossi memoria na presenca de afticanos em virias partes das Américas muito antey da chegada de Colombo. E nao xe deve considerar esse um fendmeno passigeito © superticial: trata-se de uma presenca profunda que deixou raizes ‘e marcas indeleveis no rosto de varias culturas pté-colombianas. Diversos hi tonidores © pesquisadores 16m se reterido a esse fendmeno, Enure outros, © temos pate duster o hiscoriador mexicano Orozco y Berra, que em 1862 Mencionaya a felagao inuma. ne mundo antige. que os mexicanos cultiv: vam com os africanos. visitantes ¢ imigeantes. (1880: 109). Awalmente. a contribuigio mais importante nesse sentido é a de Ivan Van Seruma. cujo liveo Ther Came Before Columbus (1976) registra a defi- nitty contnbuiie atricana as cultuns pré-colombianas nas Américas, prin- «palmente no Mexico. Qurros autores. tats como Leo Weinert (1922). Nico: Lis Leon, J. A. Jairazbhoy (1974), Lopes de Gomara (1554). Alexander Von Wuthenau (195). Dr Andreze) Wicreinski (em Seruma 1976). cada qual em sua especialidade ¢ époea respectivas. tém contribuido para a recomposi- «do da presenca dos africanos nas Américas antes de Colombo. Em seu livro Pan-Atticamsme aa Ameéaca do Sul: emergénera de uma rebeliio neger (1981). Elisa Larkin Nascimento timbém assinala o desenvolvimento dessas investigagoes. Ela sugere a relagio entre as esculturas de San Agustin ¢ Ti tadentro. na Colombia. assim como outros simbolos. tacos, tenicas arcisti- cas ¢ funenirias. caracteres somaticos afticanos em obras plasticas de cerca de 600 anos antes de Cristo. com sua conttaparte egipcia ¢ afticana-ocidental. Tais comparacdes podem ser observaday e respeito da cultura taina. da Co: fombra. ¢ das civilizagdes inca. do Peru, Bolivia ¢ Equador. ¢ rolteca. olme- ca. azteca. © mava do México. ~ Ge ~ — AFRODIASPORA Além do extraordinario processo de retratar faces ¢ figuras em ceramicas ¢ esculturas, essas civilizagdes compartilham também técnicas de mumifica- «do, tradigdes funeririas, engenharia ¢ construgio de piramides, temas misti- cos ¢ artisticos. simbolos come exemplifica a serpente emplumada, identida- des linguisticas incontaveis. Todos esses elementos compdem um elogiicnte © visivel testemunho do ative intercambio que existiu entre a América ¢ as civilizagdes africanas da época. Mas conforme nos adverte Elisa Nascimento. assinalat a presenca pré-colombiana das africanos mas Américas de nenhu- ma forma subestima as enormes capacidades de dese nho ¢ engenharia dos povos originais americanos. que foram os autores ¢ construtores das formi- diveis cidades pré-colombianas. (1981: 139) Esse intercambio afro-americano estabeleceu uma relagao ampla ¢ le; lima entre povos afficanos ¢ povos indigenas americanos que pré-data com uma anterioridade de vatios seculos o trafico negreiro esabelecido pelos curo- peus. A base historica pata a solidariedade entre os poves originais de ambos 0s continentes foi muito mais profunda ¢ auténtica do que tem sido geral- mente reconhecido. Assim sendo, se 0 quilombismo busca no presente o fu- turo. ¢ atua por um mundo melhor para os africanos nas Américas, ele reco- nhece ¢ proclama que sua luta nao pode se separar da libertagdo dos povos indigenas destas terras, que foram ¢ so igualmente vitimas do racismo ¢ da destruigia desumana introduzida pelos europeus Consciéncis neges © sentimento quilombists Numa perspectiva mais restrita, 2 meméria do negro brasileiro atinge uma ctapa hist6rica decisiva no periodo escravocrata iniciado de forma sis mitica por volta de 1500, logo apés a chamada “‘descoberta’’ do territatio © 0 inicio da colonizacao do pais. Excetuando os indios, progressivamente exterminados, o icano esctavizado foi o primeito ¢ o Gnico trabalhador. durante trés séculos em meio. a erguer as estruturas ccondmicas deste gigan- te chamado Brasil. Creio ser dispensavel evocar neste instante o chao regado pelo suor do africano. os canaviais. os algodoais, a mincracao de ouro, dia- mante € prata. os cafezais. ¢ todos as demais elementos formadores da eco- nomia nacional, nutridos do sangue martirizado do escravo. Longe de ser um arrivista ou um corpo estranho, o negro € o proprio corpo ¢ alma deste Pais. A despeito dessa realidade histérica, entretanto, os africanos ¢ scus descen- dentes nunca foram e nao so tratados como iguais pelos segmentos minor tarios brancos que complementam o quadro demografico nacional ¢ que tem mantido a exclusividade do poder, As bem estar ¢ da renda nacional. Porcdes significativas da populasao brasileira de origem européia come- ParariVare Hecart ADInareiItrfoe Niicrdctectlairmestiovcomelimiee reeicobres ¢ necessitados . Imediatamente passaram a Nectrotas de privilégios que a so- ciedade dominante. essencialmente racista, hes concedeu como parceiros de taa ¢ do supremacismo curocentrista. Tais imigrantes a0 demonstraram nem escrdpulo nem dificuldades em assumir os preconceitos raciais vigentes aqui ¢ na Europa contra o negro africano, se beneficiando deles ¢ preenchendo as vagas no mercado de trabalho que se negava aos ex-escravos ¢ seus descen- AFRODIASPORA — Ano 3 n* Ge 7 23 dentes. Estes foram litcralmente expulsos do sistema de trabalho “livre” ¢ da estrutura de produgao 4 medida em que se aproximava a data ‘‘abolicio- nista”” de 13 de maio de 1888. Levando-se cm conta a condicgao atual do negro, a margem do sistema cmpregaticio ou degradado no semi-emprego ¢ no subemprego: tendo-se em vista a segrepagao residencial urbana que Bee imposta pelo duplo motive de raga ¢ pobreza. destinando-lhe como areas de moradias os guewos de va- nas dcnominagOes: favelas. mocambas, porgdes, alagados. invasdes, vilas ¢/ou sonjuntos populares ow “‘residenciais’’; considerando-se a permanente bru- talidade policial © as prisdes arbitrarias motivadas pelo fato de ser negro. — AFRODIASPORA ante ¢ destacar que esta tradigie de luta quilombista cxisau ¢ existe através de s Americas Desde its primeiras decadas de 1500. atricanos livres recusaramese a se submeter aos horrores da escravidae européra. ¢ for. Maram compactas comunidades que desataram continuas © vitoriosas lutas armadas contra os colonizadores. isto durante sculos. No México. por exem- lo. essas sociedades afticanas livres se chamatam e¢marrones: em Cuba ¢ Co- mbit seu nome tor palengue: na Venezuela denominavam-se cumbe. na Jamates ¢ Estados Unidos. sociedades nmrouns (Mours 1977: Price 1973), Pes: quisando a hiscona dessas comunidades africanus livres nas Américas. bem como suas bases cultural. ccondmica, politica © social, os atro-americanos de todo o hemistério consolidarao sua heranga de solidaricdade ¢ luta comum O quilombismo ¢ seus viirios equivalentes em todas as Américas — cimarro- ©. palenquisme. cumbismo. Maroonisme — significam hoje uma alte ional para xt organizucgio politica popular das massas 1 «io facil do cnorme numero de organizacdes atro-brasileiras que se intitularam no pasado © se imtitulam no presente de Quilombe ¢/ou Palmares. testemunha quanto o exemplo quilombista significa como valor dinamico na estratégia ¢ na titica de sobrevivencia ¢ progressa das cole! des de origem africana. Com cleo, o quilombismo tem-se revel © capaz de mobilizar diseiplinadamente as massas negras devido ae seu pro: fundo apelo psicossocial cujas taizes estado entranhadas na historia, na cule. ra. no sangue ¢ na vivéneia dos afto-brasilciros. © Movimento Negro Uniti cado Contra o Racismo ¢ a Discriminugdo Racial assim registra seu conceito uilombola ao definir o Dia da Consciéncia Negra. cm manifesto pablico Je 1978 Nos. negros brasileiros, orgulhosos por descendermos de Zumbi. lider da Repdblica Negra dos Palmares. que existiu no Estado de Alagoas. de 1595 a 1695. desafiando o dominio portugués ¢ até holandes. nos reunimos hoje. apos 283 anos. para declarar a todo © povo brasileiro nossa verdadcira ¢ efetiva data: 20 de novem- bro. Dia Nacional da Consciéncia Negra! Dia da morte do gran- de lider negro nacional, Zumbi, responsavel pela primeira € Gn ca ventativa brasileira de estabalecer uma sociedade democratica. ou seja, livre. e em que todos — negros, indios ¢ brancos — tea. lizaram um grande avanco politica, econdmico ¢ social. Tentati- va esta que sempre esteve presente cm todos os quilombos. A continuidade dessa conscigncia de luta politico-social estende-se por todos os estados onde existe significativa populagdo de origem africana. O modelo quilombista vem atuando como Acafona, energia que inspira ¢s- iruturas de organizacao desde © século XV. Nessa dinamica repleta de he- roismo, o quilombismo se mancém em constante reatualizacdo, acendendo As exigéncias do tempo histérico ¢ as situagdes do meio geografico, A essas circunstancias se devem as diferencas nas formas superficiais das organizacoes quilombistas. No essencial todos os quilombos se igualaram. Foram, ¢ sao, nas palavras da historiadora Beatriz Nascimento. “um local onde a liberdade cra praticada, onde os laos étnicos ¢ ancestrais cram revigorados"’. Esta mu- Iher negra estudiosa do nosso passado afirma ter o quilombo exercido “‘um papel fundamental na consciéncia histérica dos negros”” (1979: 17). nt Ge 7 3 AFRODIASPORA — Ano Percebe-se 0 ideal quilombista difuso. porém consistente € perseveran- tc. permcando todos os niveis da vida negra. infiltrando-se até os mais inti- mos retolhos da personalidade alro-brasileira. Um ideal forte ¢ denso que normalmente permancce reprimido pclas estruturas dominantes; outras ve- zes cle € sublimade através dos varios mecanismos de defesa fornecidos pelo Inconsciente individual ou coletivo. Mas também acontece que o negro se apropnia as vezes dos mecanismos que a sociedade dominante maliciosamen- te Ihe concedeu com © propésito oculto de assim melhor controla-lo. Nessa reversao do alvo. o negro uuliza habilmente desses propasitos nio confessa- dos de domesticagao. transformando-os numa espécic de bumerangue étni- co. Nesse tipo de estratégia Candeta, o compositor de sambas ¢ negro int gente dedicaclo a redencao do seu povd, nos deixou um exemplo Hustre. Ele Srganizou a Escola de Samba Quilombo, nos suburbios do Rio de janciro. obedecendo um profundo senso do valor politico-social do samba. Este im: portante membro da familia quilombista faleceu recentemente, mas. até 0 instamte derradeiro. manteve uma lucida visio dos objetivos da Escola que fundou c presidiu. no ume dos interesses mais legitimos do povo afro- brasileiro. No livre que cle ¢ Isnard excteveram, ha trechos como este: Quilombe — Grémio Recreativo Ante Negra (...) naseeu da ne- cessidade de se preservar toda a influéncia do afro na cultura bra- sileira. Pretendemwos chamar a atengio do pove brasileiro para as raizes da arte negra brasileira. (...) A posigdo do ‘*Quilombo"™” € principalmente contriria 4 importagao de produtos culturais prontos ¢ acabados produzidos no exterior. (1978: 87 ¢ 88) Neste tiltimo techo, os autores tocam num ponto basico do quilombismo: © canter nacionalista do movimento. Nacionalismo aqui nao deve ser co fundido com xenofobismo. Sendo o quilombismo uma luta anti-impetialista. cle se articula ao pan-africanismo ¢ sustenta uma tadical solidariedade com todos 0s povos cm luta contra a exploragio, a opressdo, 0 racismo, ¢ as desi- gualdades motivadas por razOes de raga, cor, religiao, sexo ou ideologia. O hacionalismo negro é universalista ¢ internacionalista, conseqdemtemente ele ve a luta de libettagao de todos os povos, respeitando suas respectivas cultu- ras nacionais ¢ integridade politica, como um imperative da libertagao mun- dial. Uniformidade sem rosto em nome da ‘‘unidade"’ ou da **solidarieda- de", condicionada ao ditado de qualquer modelo politico-social do ociden- te, nao esta na linha de interesse das lutas de libertacae dos povos oprimidos. O quilombismo, como uma filosofia nacionalista. nos ensina que a luta de qualquer ¢ todos os povos deve se cnraizar na sua propria identidade cultural experiéneia historica Num tolheto entitulado 90 anos de abolicio, publicado pela Escola de Samba Quilombo, Candeia registra que *Foi através do Quilombo, ¢ nao do movimento abolicionista. que se desenvolveu a luta dos negros contra a escravatura.”” (1978: 7). A luta contra os escravocratas ainda nao terminow ¢o movimento quilombista esta longe de haver esgotado seu papel histérico. O sentido do quilombismo esta to vivo hoje quanto no passado, pois a si- 26 Ano 3 0 6 © 7 — AFRODIASPORA tuagio de pendria ¢ destituigdo das camadas negras continua inalteravel. ou com minimas alteracdes de superficie. Mais uma transcrigao de Candeta: Os quilombos cram violentamente reprimidos, nao s6 pela forga do governo. mas também por individuos interessados no lucro que teriam devolvendo os fugitives a scus donos. Esses espectalis- tas em cacar escravos fugidos ganharam o nome de triste me) ria: capitaes de mato. (197; 3) A citagdo do capitao de mato € Fesinents © orormany via de regra foram cles mulatos, isto €, negros de pele clara, assimilados pela classe dominante Ainda podemos encontrar centenas, milhares, desses negros que vivem uma existéncia ambigua. Nao pelo fata de possuirem o sangue do branco opres- sor, mas porque internalizando como positiva a idcologia do embranqucci- mento ( 0 branco € 0 superior ¢ 0 negro o inferior) se distanciam das realida- des do seu povo e se prestam ao papel de auxiliares das forgas repressivas do supremacismo branco. E tanto ontem quanto hoje. os servicos que se pres- tam 4 repressdo se traduzem em lucto social ¢ lucro pecuniario. Em nossus dias nao devemos permitir que nos dividam em categorias pigmentocraticas adversas de negros, mulatos, morenos, trigueiros, crioulos, etc, divisao con- cebida para enfraquecer nossa identidade fundamental de afro-brasileiros. isto €, de negros-africanos na didspor Neste Brasil rao vasto, existem inGmeras comunidades negras vivendo. isoladas, que denominamos de quilombos contemporineos. Desligadas do fluxo da vida do pais. muitas delas mantém estilos ¢ habiros de existéncia africana, ou quase. Em alguns casos, ainda se utilizando idioma orginal tra- zido da Africa, estropiado. porém assim mesmo um linguagem africana man- tida e conservada na espécie de quilombismo em que vivern. Ocasionalmen- te, essas Pounded es ganna noticias externas na grande imprensa, como aconteceu 4 comunidade do Cafund6, situada nas imediacdes do Salto de Pirapora, no estado de Sao Paulo. Os membros da comunidade herdaram uma fazenda de grande extensio deixada pelo anugo senhor. Nas Gltimas décadas as terras a5 Cafundé comegaram a ser invadidas por latifundiarios das vizinhancas. Obviamente brancos, esses latifundidrios de mentalidade es- cravecrata ndo podem accitar que um grupo de descendentes africanos pos- sua uma propriedade imobiliaria, ¢ esto determinados a destruir Cafunda, avancando criminosamente em suas terras. O caso de Cafundé € ilustrativo da situaca4o genérica dessas comunida- des, constantemente ameacadas pela violéncia dos podeiosos que cobicam suas terras. O Instituto de Pesquisa ¢ Estudos Afro- Brasileiros (IPEAFRO) es- td engajado numa pesquisa investigando esse realidade. Na qualidade de di- retor do IPEAFRO e professor serronstvell pels execugio da pesquisa, oportunidade de visitar varias dessas comunidade negras, e de constatar a exis- téncia de muitas outras espalhadas pelo pais afora. Citando apenas alguns exemplos, evocamos nossas visitas a Jacarai dos Pretos, Cajuciros e Bom Je- sus, no Maranhao; o quilombo do Marmelo em Goias: Droga ¢ Sao Mateus no Espirito Santo: Campinho, municipio de Paraty, Rio de Janeiro. A medi- da em que desenvolviamos a pesquisa, foram surgindo notictas de outros qui- lombos, em quase todos os estados ¢ territérios do Brasil. O numero cnorme AFRODIASPORA — Ano 3 n°" 6 ¢ 7 a de exemplos aumentou tanto o universo de pesquisa que o IPEAFRO se en- controu sem os meios adequados para cobri-lo suficientemente. Entretanto, a revista A trodidspora. editada pelo Instituto. ira dedicat um numero aos te- sultados desse comeco de pesquisa Registre-se que, depois que o IPEAFRO iniciou sua pesquisa em 1981. to- mamos conhecimento de outras pexquisas documentando a mesma realida- de. Entre os exemplos estie as trabalhos incentivados pelo Departamento de Créncras Sociais da USP. através do Protessor Jodo Baptista Borges Pereira. pu- blicados nos livros Negros de Cedro, de Mari de Nasaré Baiocchi (Atica. 1983) © Cupiras Negros no Vale do Ribeira. de Renato S. Queitoz (USP. 1983) O avango de latifundiarios ¢ de especuladores de imévers nas terras da gente negra esti pedindo uma investigagio mais ampla e profunda. E fer meno freqiente tanto nas zonas rurais quanto nas zonas urbanas, Vale na transcrever a esse respeito trechos de uma nota estampada em Vesa. secao “Cidades’. 10 de dezembro de 1975. pagina 52: Desde sua remota aparigdo em Salvador, ba dois séculos, os ter- reiros do Camdomblé foram sempre fustigados por severas restri- c6es policiais. E, pelo menos nos ultimos vinte anos, 0 cero mo- ride pela policia foi sensivelmente fortalecido por um poderoso aliado: a expansao imobilidtia, que se estendeu as areas distantes do centro da cidade onde ressoavam os atabaques. Mais ainda. em nenhum momento a Prefeitura esbocou batricadas legais pa- fa proteger esse redutos da cultura afro-brasileira — embora a ca- pital baiana arrecadasse pordas divisas com a exploracdo do turis- mo fomentado pela magia dos orixis... (...) E nunca se soube da aplicagdo de sangdcs para os inescrupulosos proprietarios de ter- renos vizinhos as casas de culto, que se apossam impunemente de areas dos terreiros. Foi assim que, em poucos anos, a Socieda- de Beneficente SE ¢ do Engenho Velho. ou cerreito da Casa Branea. acabou pe:dendo mecade de sua antiga area de 7.500 me- tros quadrados. Mais infeliz ainda, a Sociedade Sao Barrolomeu do Engenho Velho da Federagio. ou Candomblé de Bogum, as- siste imponente a veloz reducao do terreno sagrado onde sc er- gue a mitica “‘arvore de Azaudonor'’ — trazida da Africa ha 150 nos © periodicamente agredida por um vizinho que insiste em podar seus galhos mais frondosos Com todo ftundamento nesses antecedentes. 0 cineasta Rubem Confere denunciou numa mesa redonda patrocinada pelo Pasquim (14-9-1979. p.A): Quanto foi roubado dos negros! Conheco cinco familias que per- deram todas suas tertas para o Governo ¢ para a Igreja Catolica Jurandir Santos Melo era proprietario das terras desde © atual ac- roporto de Salvador até a cidade. Hoje € um simples motorista. vivendo de pequenos cachés. A familia de Ofélia Pitman pos- suia toda a parte que hoje € 0 Mackenzie. A coisa foi mais séria do que se pensa. porque houve época em que o negro tinha re- presentauvidade ¢ uma forga ccondmica 2x Ane $n 6 e© > ~ AFRODIASPORA. Temos aqui uma pequena amostra do corce de des pela sociedade dominante em tomo de desendente attics das terras do negro, seguem-se o desemprego. a tome, 0 genocidio. N Gipam a destruicae implucivel NEM mesmo ws insutUigdes religiosas sccula- tes. as quais de unt hon para eutra ven) seu espace sigrade invadide ¢ usur pado por representantes day elites demin ©. Quilombismo: um conceito cicntitico histéricu-sockel Conscicates da extensao © protundidade dos probl frentar diariamente, os negros sabem que a stat Oposic Bente fio se esgeta Com pequenas reveindicagdes de carder empregah de direitos civis, no Ambito da dominante soviedade capitalista-burguesa ¢ sua classe média organizada. Terie de derrouar todas as componcnies do si tema social existente. inclusive a sua iaceligeatsé2 tesponsavel pela cobertura idcolégica da opressio do afto-brasileira através dt tworizagio. seja de sua in- terioridade bi fu suuimente compulssria, ou do mito da “democtacta Fc nteligentsia’’. aliada a mentores curopeus ¢ norte-americanos. fabricou uma “cténcia’’ histérica ou humana que aju- dou a massacrar ¢ explorat os africanos ¢ seus descendentes. justificando esse crime através de sua desumanizagio. Prova-se dessa forma que a ciéncia cu- topéia e/ou euro-brasileira nao € apropriada para o pove negro. Uma histé- fia que nao serve as necessidades histéricas do pove ao qual se refers nega-se a si mesma mas que tém de en yao Que ai estat te you Essa Como poderiam as chamadas ciéncias humanas (cinologia. coonomix, histéria, antropologia, sociologia. psicologia, ct.) mascidas, cultivadas ¢ de- finidas por ¢ para povos c contextos sécio-cconamicos diferentes, prestar dtil colaboracdo a0 povo negro-africano, em sua tealizacdo existencial, em seus problemas. aspiracées € projetos? Seria a ciéncia soctal claborada na Europa ‘ou nos Estado Unidos tao universal em sua aplicagao? A raca negra conhece na propria came a falaciosidade do ‘universalismo’’ ¢ da ““isencdo"’ dessa “ciéncia’’ curocentrista, Alids a idéia de uma céneia hist6rica pura € univer- sal esta ultrapassada. até mesmo nos circulos cientificos responsaveis cura- peus ou norte-americanos. O conhecimento que os negros necessitam € aquele capaz de ajuda-los a formular teoricamente — de forma sistematica ¢ consis- tente — sua experiéncia de cinco séculos de opressao, resisténcia ¢ luta criati- va. Havera eftos € equivocos inevitaveis em busca de sistematizacao dos nos- sos valores, em nosso esforco de autodefinigdo © autogoverno rumo aos cami- nhos do futuro. Nao importa. Durante séculos temos carregado 0 peso dos crimes e dos ertos do eurocentrismo “‘cientifico"”. os seus dogmas impostos sobre nés como marcas igneas da verdade difinitiva. Agora devolvemos a0 obstinado segmento “*branco’’ da sociedade brasileira as suas mentiras, a sua ideologia de supremacismo curopeu, a lavagem cerebral com que pretendia toubar‘a nossa humanidade, a nossa identidade, a nossa dignidade. liberda- de ¢ auto-estima. Proclamando a faléncia da colonizacgao mental curocentris- ta. celebramos o advento da libertacdo quilombista. Nés, os negros brasilciros. temos como projeto coletivo € eregiio de uma sociedade fundada na justica, na igualdade ¢ no respeito a todos os seres hu- AFRODIASPORA — Ano 3 nv 67> manos: uma souedade tundada na iberdade, cuja natureza intrinseca torne imposivel a exploragao © 0 racismo. Uma democracia auténtica, erigida pe- 1s destituidos © descrdados deste pais. Nao nos interessa a restauragao de formas caducas de instituigoes politicas, sociais © econdmicas; isto serviria unt camente pata proccastinar o advento de nossa cmancipagdo rotal que exige 4 transformagao radical das estruturas vigentes. Nao nos interessa a proposta de uma adaptagio aos moldes da Geen capitalista ¢ de classes. Confia- mos na idoneidade mental do povo negro. © acteditamos na reinvengdo de nds mesmos ¢ de nossa histéria, Reinvengao de um caminho afro-brasilciro de vida fundado em sua experiéncia historica, na utilizagio do conhecimen- to critico © inventive de nossas proprias instituigdes s6cio-econdmicas, gol- peadas pelo colonialisme © o racismo. Enfim, reconstruir no presente uma pecretide dirigida ao futuro, mas levando em conta aquilo que ainda for atil € positive no acervo do nusso passado Um instrumento conceitual operative se coloca, pois. na pauta das ne- cessidades imediatas da gente negra brasileira. Ele nao deve © nao pode ser o fruco de uma maquinagio cerebral arbictrdtia. falsa ¢ abstrata. Nem tam- pouco pode ser um clenco de principios importados, elaborados a partir de contextos € de realidades diferentes. A cristalizacdo dos nossos conceitos. de- finigoes © principios deve exprimir a vivencia de cultura da coleuvidade ne- gra. So assim estaremos incorporando nossa integridade de ser toual, em nos- tempo hist6rico, enriquecendo ¢ aumentando nossa capacidade de Juta. Onde poderemos encontrar essa vivencia de cultura coletiva? Nos qui- lombos. Quilombo nao significa escravo fugido conforme nos ensinam as de- finigses convencionais. Significa ceuniio fraterna ¢ livre; encontro cm solid tiedade, convivéncia, comunhio existencial. A sociedade quilombola ou qui lombista representa uma etapa avangada no progresso humano ¢ sécio-politico em termos de igualitarismo econdmico, Os precedentes historicos conhes dos confirmam esta afirmagio. Como sistema econdmico, o quilombisme rem sido a adequacdo, ao meio brasileiro, do comunitarismo ¢/ou_ujamaaismo da tradigdo afticana. Em tal sistema, as relagdes de produgao diferem basica- mente daquelas prevalecentes na economia espoliativa de degradacdo social do trabalho, fundada na razdo do lucto a qualquer custo, principalmente no lucto obtido com o suor € o sang ie do africano eseravizado. O quilombismo articula os diversos niveis da vida comunitaria ¢ na dialética interacdo social propoe ¢ assegura a realizacao completa do ser humano. Nessa dinamica. to- dos os farores ¢ elements bésicos da economia sao de propriedade ¢ uso cu- letivo. Disso resulta gue o trabalho nao de define como uma forma de casi 0, Opressdo ou exploracdo; cle € primariamente uma forma de libercacao. uumana 4 qual codo 0

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