You are on page 1of 20
Licodes de Direito Economico Leonardo Vizeu Figueiredo BSc) Aue Merrie LEONARDO VIZEU FIGUEIREDO Procurador Federal Especialista em Direito Puiblico pela UNESA Especialista em Direito do Estado pela UERI Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho Professor de Direito Econémico € Processo Constitucional da Universidade Santa Ursula Professor substituto da Universidade Federal Fluminense Professor do Centro Universitario Plinio Leite Professor-palestrante da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro Licoes de Direito Econdmico 4? edicgdo revista e atualizada pt * 1k Sans 2—N | FORENSE Rio de Janeiro Digitalizado com CamScanner TOSUZAYeU Gs UUs eee eee é tarefa exclusiva do Poder Piiblico, mas responsabilidade de toda a sociedade que compée a Nagao brasileira. 4. DIREITO OBJETIVO, SUBJETIVO E POTESTATIVO O direito objetivo, na classica ligio romana (normas agendi), corresponde ao conjunto de leis, isto ¢, de normas escritas que ditam as regras pelas quais os individuos devem se orientar para a vida em sociedade. Observe-se que 0 direito objetivo se traduz na representagao grafica da norma juridica. Trata-se, tao somen- te, da tradugao em texto escrito da norma, oriunda do processo politico de escolha dos valores basilares que fundamentam a vida em sociedade. Jao direito subjetivo é a faculdade que o individuo tem de invocar a seu favor o amparo legal para defender seu patrim6nio juridico, quando violado ou ameaga- do por outrem. Trata-se de individualizagao da norma juridica, incorporando-a no patriménio de determinada pessoa, que podera exercé-lo, ou nao, de acordo, tinica e exclusivamente, com sua vontade e seu livre-arbitrio. Na ligdo romana, é 0 fa- cultas agendi. Observe-se que 0 titular do Direito Subjetivo o exerce, via de regra, sobre 0 patrim6nio juridico de outrem, isto é, 0 exercicio deste direito implica em dever e obrigacao para terceiro. Por sua vez, 0 direito potestativo é 0 direito potencialmente existente, cujo nascimento depende exclusivamente da vontade do respectivo titular. Assim, nao se encontra relacionado a uma obrigacdo, mas, t4o somente, a uma situagaio de sujeigio que depende da manifestacao unilateral de vontade do respectivo titular. Ante tais razdes, 0 direito potestativo nao se encontra, em um primeiro momento, atrelado ao cumprimento de uma presta¢do por parte de outrem, mas, téo somente, A submissao deste 4 vontade daquele. Seus efeitos patrimoniais somente irao acon- tecer apés a exteriorizagao de vontade do sujeito, podendo, ou nao, ter reflexos sobre terceiros. 5. DIREITO ECONOMICO O estudo da Economia foi estabelecido como ciéncia pelos fisiocratas, que acreditavam, originariamente, que todo fator de produgao se originava na terra € seu cultivo. Posteriormente, os fisiocratas passaram a interessar-se por outros fa- tores de producdo, mormente com o avan¢o do mercantilismo, movimento que se caracterizou pelo incremento das relagdes comerciais ocorrido na Europa. Podemos definir, conforme veremos adiante, 0 mercantilismo como 0 marco inicial para o Estado Liberal, que se caracterizava pela primazia da liberdade in- « Digitalizado com CamScanner bw Introdugso A dividual nas relages juridicas (liberdade contratual — pacta sunt servanda), bem como na no intervengao do Estado na economia, tendo seu auge no século XIX. Todavia, a disputa por mercados econdmicos bem como o exercicio abusi- vo das liberdades e direitos individuais levaram a derrocada do modelo liberal econémico, tendo como marcos histéricos a I" ¢ a 2" Guerras Mundiais, fatos que motivaram o Estado a repensar seu papel diante da Ordem Econémica interna € internacional, atuando, inclusive, no sentido de limitar ¢ cercear os direitos ¢ liber- dades individuais. Assim, podemos conceituar 0 Direito Econémico como 0 ramo do Direito Piiblico que disciplina a condugdo da vida econdmica da Nagao, tendo como fina- lidade o estudo, 0 disciplinamento e a harmonizagdo das relagdes juridicas entre os entes ptiblicos e os agentes privados, detentores dos fatores de produgdo, nos limites estabelecidos para a intervengo do Estado na ordem econdmica. Outrossim, podemos conceituar, subjetivamente, 0 Direito Econémico como o ramo juridico que disciplina a concentragdo ou coletivizacao dos bens de produ- ¢G0 e a organizagao da economia, intermediando e compondo o ajuste de interes- ses entre os detentores do poder econémico privado e os entes ptiblicos. Podemos definir, ainda, objetivamente, 0 Direito Econdmico como sendo o conjunto normativo que rege as medidas de politica econémica concebidas pelo Estado, para disciplinar o uso racional dos fatores de producéo,> com 0 fito de regular a ordem econémica interna e externa. Segundo Eros Roberto Grau:® Pensar o Direito Econdmico é pensar 0 Direito como um nivel do todo social — nivel da realidade, pois - como mediaco especifica e necesséria das realidades econémi- cas. Pensar Direito Econdmico é optar pela adocdo de um modelo de interpretac3o essencialmente teleoldgica, funcional, que instrumentard toda a interpreta¢3o juri- ica, no sentido de que conforma a interpretacao de todo o direito. E compreender que a realidade juridica nao se resume ao direito formal. E concebé-lo — 0 Direito Econdmico - como um novo sentido de anilise, substancial e critica, que o transfor- ma nao em Direito de sintese, mas em sincretismo metodoldgico. Para Fabio Konder Comparato, é “o conjunto das técnicas juridicas de que langa mio o Estado contempordneo na realizagiio de sua politica econdmica”.’ Na ligd&o de Washington Peluso Albino de Souza:* Trata-se do (...) ramo do Direito, composto por um conjunto de normas de contet- do econémico e que tem por objeto regulamentar medidas de politica econdmica 5 Por fatores de producSo podemos entender todo o aparato, posto a disposi¢ao do homem, a fim de criar bens necessarios e ttels a vida em sociedade. 6 — GRAU, Eros Roberto. A ordem econdmica na Constituicdo de 1988 (interpretacao e critica). 7. ed. Sdo Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 179-180. 7 Oindispensével direito econémico. In: RT, v. 353, 1968, 8 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econémico. Sao Paulo: Saraiva, 1980. p. 3. Digitalizado com CamScanner FEI ices de vireito Econdmico | Leonardo Vireu Figueiredo Tz teferentes As relagdes e interesses individuals e coletivos, harmonizando-as ~ pelo principio da economicidade ~ com a ideologia adotada na ordem juridica. No campo do Direito comparado, a doutrina francesa, a qual citamos pelo magistério de André de Laubadére,’ nos ensina que 0 Direito Econémico € (...) 0 direito aplicavel as intervengdes das pessoas pliblicas na economia e aos 6rgios dessas intervengdes, Por sua vez, 0 ilustre doutrinador lusitano, Luis $. Cabral de Moncada,"" le- ciona que: O direito econdmico assim perspectivado, afirma-se fundamentalmente como o di- reito puiblico que tem por objetivo o estudo das relagées entre os entes puiblicos e 0s sujeitos privados, na perspectiva da intervengo do estado na vida econémica. Por fim, cumpre mencionar que 0 Direito Econémico transcende 4 mera ana- lise econdmica do Direito, sendo esta, t30 somente, um estudo sobre a influéncia da Economia nos negécios juridicos do Estado e das relagdes privadas. No que se refere a diferenciagdo acima apontada, leciona Vitor Fernandes Gongalves que: Ao contrério do Direito Econémico, que se ocupa do estudo, de um ponto de vista juridico, de temas de Economia, notadamente de Macroeconomia, como 0 controle da inflag3o, da livre-concorréncia, do equilibrio dos mercados e dos diversos secto- res produtivos da sociedade, assim como com ciclos de crescimento e politicas de desenvolvimento econémico, a Andlise Econémica do Direito~ AED faz exatamente © oposto: cuida de analisar, de um ponto de vista econémico, a eficiéncia das re- gras juridicas que regulam assuntos no visados diretamente pela Economia e pela ‘Macroeconomia, e que se encontram dispostos nos diversos ramos do Direito. (..) AED revela-se mais um modelo de raciocinio, aplicdvel a todos os ramos do Direito, indistintamente. A propésito, aliés, a AED como que constitui uma certa especiali- zagio de uma matéria multidisciplinar denominada “Direito e Economia” (Law and Economics). Com um nitido carater filoséfico, o estudo de Law and Economics tem por finalidade avaliar e comparar como os arranjos sociais, politicos e econémicos de uma comunidade refletem ou nao as respectivas ideologias adotadas, e em que extenso tais arranjos influem na elaboraco das regras legais existentes nesta mes- ‘ma comunidade. Muito mais restrita em seu objeto, a AED analisa, em termos eco- némicos, a eficiéncia das regras legais, a principio sob o prisma do capitalismo e da livre circulago de riquezas, bem como tendo em conta conceitos econdmicos de ‘ampla aceitacao, em relago aos quais nao faz qualquer questionamento de ordem filos6fica.”® 9 LAUBADERE, André de. Droit public économiqueby . Paris: Jurisprudence Generale Dalloz, 1979. Tradugio e notas de Maria Teresa Costa, revista por Evaristo Mendes. Direito piblico ‘econdmico (titulo nos paises de lingua portuguesa). Coimbra: Almedina, 1985. p. 25-27. 10 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito econémico. 3. ed. Portugal: Editora Coimbra, 2000. p. 11. 11 GONCALVES, Vitor Fernandes. A andlise econémica da responsabilidade civil extracontratual. In: Revista Forense, v. 357, p. 129-130. Digitalizado com CamScanner kE introdusso EN Por fim, destacamos que, para Letacio Jansen: Enquanto o Direito Econémico trataria, pois, da intervengio do Estado no dominio econdmico (ou, mais do que isso, da prépria diregdo da Economia pelo Direito), a Andlise Econémica do Direito estaria preocupada, inversamente, com a intervenc3o da economia no Estado.” A maior parte dos juristas e economistas, ao utilizar a expresso Analise Eco- némica do Direito, se refere, comumente, a aplicagiio de métodos microeconomia A questdes juridicas. Assim, em se considerando que o Direito é, de uma perspec- tiva objetiva, a ciéncia que regula o comportamento humano, tendo-se em mente que a Economia é a ciéncia que estuda a tomada de decisées em um mundo de recursos escassos ¢ suas consequéncias, a Analise Econémica do Direito traduz-se, portanto, no emprego dos instrumentais tedricos ¢ empiricos econdmicos e cién- cias afins para expandir a compreensio e 0 alcance do direito, aperfeigoando 0 desenvolvimento, a aplicagao e a avaliacao de normas juridicas, principalmente com relagio as suas consequéncias. Teleologicamente, fundamenta-se na perspectiva de que, para uma compre- ensio plena do fenémeno juridico e para que seus supostos critérios de justiga sejam operacionalizaveis, so necessdrias nao apenas justificativas teéricas para a aferigtio de adequagio abstrata entre meios ¢ fins, mas teorias superiores 4 mera intuigéo que auxiliem em juizos de diagndstico e prognose, permitindo, em al- gum grau, a avaliagiio mais acurada das consequéncias provaveis de uma decisio juridica ou de alguma politica publica dentro do contexto legal, politico, social, econdmico e institucional em que sera implementada. Assim, a Analise Econémica do Direito nada mais é que a aplicagao do ins- trumental analitico e empirico da Economia, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicagdes faticas, bem como a légica (racionalidade) do préprio ordenamento juridico. Seu campo de aplicagiio se estende a todas as areas do direito, de Direito dos Contratos a Direito Constitucional, de Regulagao a Processo Civil e Corporativo, ¢ é justamente essa amplitude de eficdcia que distingue uma abordagem da Ana- lise Econémica do Direito da simples aplicagdo de conhecimentos econémicos em reas do Direito tradicionalmente associadas 4 economia, como Direito Co- mercial, Regulador, Concorrencial ou Defesa Comercial, onde sua aplicabilidade € mais obvia. Com o desenvolvimento da Andlise Econémica do Direito, foram incorpo- tadas novas teorias econémicas como a Teoria dos Jogos, Teoria do Equilibrio, a Economia Comportamental, bem como métodos estatisticos e econométricos. 12 JANSEN, Letdcio. Uma breve introducao 4 economia juridica. In: Revista Forense, v. 369, p. 141. Digitalizado com CamScanner PEGI) cscs de vireito Econdmico | Leonardo Vizeu Figueiredo 6, OBJETO DO DIREITO ECONOMICO Partindo-se da conceituago do Direito Econémico acima delineada, podemos identificar que o mesmo é 0 sistema de normas ou a disciplina juridica que objetiva:” a) a organizagio da economia, definindo juridicamente o sistema ¢ 0 regime econdmicos a serem adotados pelo Estado; b) a condugio, ou controle superior, da economia pelo Estado, uma vez que estabelece 0 regime das relagdes ou equilibrio de poderes entre o Estado ¢ 08 de- tentores dos fatores de produgio; ¢) 0 disciplinamento dos centros de decisio econdmica nao estatais, enquadran- do macroeconomicamente a atividade ¢ as relagdes inerentes d vida econémica. Destarte, podemos identificar que 0 Direito Econdmico objetiva 0 estudo do dis- ciplinamento juridico da organizagao e do planejamento da ordem econdmica, a ser cfetuada por parte do Poder Puiblico, norteando os agentes econdmicos do mercado, No que tange a nossa atual Constituigao, perfazendo-se uma exegese sistemati- ca dos dispositivos que disciplinam tanto a Constituigdio Econdmica, seja em sentido material, seja em sentido formal," depreende-se que a interferéncia do Poder Piblico na vida econémica da Nagio somente se justifica quando visa colimar fins maiores de interesse coletivo, mormente o atendimento das necessidades da populagio, Nessa linha, vale transcrever, por ilustrativo, seguintes artigos da Carta Politica de outubro de 1988: ‘Att. 170, A ordem econdmica, fundada na valorizagio do trabalho humano e na livre-iniciatva, tem por fim assegurar a todos existéncia digna, conforme os ditames da justca socal, observados os seguintes principios ) ‘Art 192, 0 sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover 0 desen- volvimento equlibrado do Pais a servir 208 interesses da coletvidade, em todasas partes que 0 compdem, abrangendo as cooperativas de crédito, seré regulado por leis complementares que dispor8o, inclusive, sobre a participagSo do capital estan- geiro nas instituigdes que o integram. () At. 219. © mercado interno integra o patriménio nacional e seré incentvado de modo a viabilizar 0 desenvolvimento cultural e socioeconmico, obem-estar da po- pulago e a autonomia tecnolégica do Pais, nos termos de lei federal. Por ébvio, uma vez que a Repiiblica do Brasil adota a livre-iniciativa como principio fundamental e valor da ordem econdmica, a interferéncia do Poder Pi- 13 PATRICIO, J SimGes. Curso de direito econémico. 2. ed, Lisboa: AssociagSo Académica da Fa- culdade de Direito de Lisboa, 1981. p. 76-77. 14 Cumpre frisar que, por Consttuiclo Econémica formal entende-se as normas postvadas 00 Titulo Vil ~ Da Ordem Econ5mica e Financeira. Outrossim, por Consttuigdo Econémica e* sentido material, entende-se toda e qualquer norma, positivada pelo legislador consttiat? e nitido contedido econémico, p. ex: artigo 219, Digitalizado com CamScanner blico na economia da Nagao somente se justifica quando objetivar a persecugiio de interesses sociais maiores, tais como os objetivos fundamentais, positivados nos incisos do artigo 3° da CRFB. 7. CARACTERISTICAS DO DIREITO ECONOMICO. 0 Direito Econémico caracteriza-se, precipuamente, pela influéncia do Esta- do nas relagdes socioeconémicas, atuando com prevaléncia sobre a autonomia de vontade das partes, para regular a atividade econémica. Assim, podemos destacar as seguintes caracteristicas gerais do Direito Econémico:'* 1-Recenticidade E um ramo do direito novo, recente, que teve sua génese com 0 intervencio- nismo econémico (teoria moderna econdmica — macroeconomia), com o fito de disciplina-lo e regra-lo. Portanto, sendo um ramo cientifico do Direito ainda em formagao, fica sujeito 4s constantes influéncias e mudangas que ocorrem no dind- mico mercado econémico. Some-se a isso que a tenra idade deste novel ramo faz. com que suas normas tenham um cardter inovador, em se considerando outros ramos juridicos tradicio- nais, 0 que, nao raro, desperta um sentimento misoneista nos mais conservadores operadores do direito. Por fim, cabe destacar que 0 Direito Econémico é a mais inovadora expressio juridica da moderna tendéncia em se aproximar os ramos piiblico ¢ privado, dando aos Mesmos um tinico mosaico normativo. I - Singularidade E um ramo juridico proprio para o fato econdmico caracteristico de cada pais, nao havendo, comumente, um conjunto de regras universais e cosmopolitas para norted-lo, como ocorre com outros ramos do Direito, tais como o Civil ¢ 0 Penal. Observe-se que, dentro da ordem econémica interna de cada Estado, os di- versos ramos econdémicos pedem atuagao estatal especifica e setorial, uma vez que possuem caracteristicas préprias para sua estrutura mercadolégica. Na ligao de Luis S. Cabral de Moncada," a singularidade do direito econémico: (...)reflete a heterogeneidade da ordem econdmica dos paises dispostos numa gra- duac3o que vai desde as economias de mercado mais ou menos puras as economias integralmente planificadas, tornando invidvel a elaborac3o no seio de uma teoria geral de vocac3o ecuménica. 15 MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito econémico. 3. ed. Portugal: Editora Coimbra, 2000. p. 59-63. 16 —MONCADA, Luis S. Cabral de. Ob. cit. p. 60. Digitalizado com CamScanner Todavia, em que pese essa heterogencidade de valores, podemos identificar, como veremos adiante, normas e principios que dio autonomia ao Direito Econg. mico, enquanto ramo juridico. [HEE ticses de vireito Econdmico | Leonardo Vizeu Figueiredo III - Mobilidade ou mutabilidade Suas normas sao sujeitas a constantes mudangas de ordem politica e econd- mica, havendo tendéncia de curta vigéncia no que se refere a seus diplomas legais, Dai decorre uma produgdo normativa abundante e constante, havendo necessidade de nao sujeitar scu disciplinamento apenas ao crivo do Poder Legislativo, outor- gando grande parcela de competéncia normativa ao Executivo, ante a especificida- de do tema ¢ a celeridade de solugdes que seus conflitos exigem. Sendo o mercado um ente dindmico e nao estanque, suas normas juridicas de- vem acompanhar suas constantes alteragdes ¢ oscilagdes, de maneira a garantir um eficiente compromisso entre a ciéncia juridica ¢ os demais ramos cientificos dos quais a sociedade se vale. Observe-se que a mobilidade ¢ uma caracteristica que se encontra intrinsecamente ligada a outra que Ihe ¢ peculiar, a saber, a maleabilidade, conforme passamos a delinear, IV - Maleabilidade Dada a necessidade de farta produgdo normativa, os estatutos de Direito Eco- némico nao devem ficar presos ¢ atados unicamente as espécies normativas pré- prias do Legislativo para terem vi icia, Muitas de suas normas, em que pese retirarem fundamento de validade da lei, devem ser produzidas por mecanismos mais céleres, proprios do Executivo, a fim de disciplinar os fatos econdmicos ¢ a dinimica de mercado, Assim, conforme vis- to acima, muitas de suas regras sdo oriundas de atos administrativos, produzidos nos limites legais estipulados, havendo necessidade de se lhe outorgar competén- cia normativa mais ampla, indo além da mera regulamentagdo aplicativa da lei, Some-se a isso que a norma de direito econdmico, durante seu periodo de vigén- cia, deve ser capaz de adaptar-se as constantes mudangas econdmicas, de modo a no se fazer necessiria a edi¢3o de novo ato, a cada alteragdo de mercado. Facil perceber que o alto grau de abstrago da norma de Direito Econdmico permite a ampliagao de seu cam- pode incidéncia normativo, garantindo sua subsungdo a situagdes inusitadas 4 época de sua edigio, assegurando-se, portanto, a plena eficdcia da norma durante sua vigéncia. Observe-se que nao significa o enfraquecimento da lei, tampouco do contetido normativo do direito, mas, tJo somente, a adogdo de mecanismos céleres e aptos a permitir a adaptac3o do ordenamento juridico s alteragdes constantes no plano econémico fatico. V— Influéncia aos valores politicos Segue a corrente ideol6gico-partidaria de quem se encontra no poder, Ob- serve-se que a intervengao do Estado na economia ¢ pautada de acordo com os principios prescritos na Lei Fundamental. 4 Digitalizado com CamScanner im, ainda que 0 processo politico de efetivagao do planejamento econd- mico seja conduzido dentro de valores discriciondrios de conveniéncia e oportuni- dade a ser decidido pelo idedrio politico de quem se encontra, momentaneamente, na representagdio popular dos Poderes Constituidos Executivo ¢ Legislativo, suas decisdes sto limitadas, em cardter juridico, pelas normas ¢ regras constitucional- mente estabelecidas para reger a Ordem Economica, Destarte, 0 planejamento econdmico maior, bem como as regras de legitima- cdo da interferéncia do Estado no processo de geragiio de rendas ¢ riquezas da Na- do se encontra taxativamente previsto na Constituigao da Republica, nao havendo como se implementar quaisquer politicas discrepantes das medidas previstas pelo legislador constituinte, sob risco de violagao material da Lei Maior. V1 — Ecletismo Em que pese 0 Direito Econémico ser ramo do Direito Pablico, mescla va- lores ¢ principios do direito privado. Isto porque, dentro de um posicionamento estatal regulador ante a Ordem Econémica, 0 Poder Publico assume postura mais direcionadora, normatizadora e fiscalizadora da ordem e dos agentes particulares, procurando abster-se de empreender dentro da atividade econémica. Destarte, deve orientar sua normatizacao nao somente dentro dos principios de Direito Pablico, mas também dentro dos de Direito Privado para nortear-se de maneira a viabilizar a atividade econémica do agente privado. Cabe ressaltar que, além da produgio normativa estatal, o Direito Econémico deve estar presente na autorregulagaio de mercados promovida pelos agentes econémicos privados, orientando-lhes dentro dos principios consagrados na Lei Fundamental. Na ligdo de André de Laubadére, podemos analisar o Direito Econémico tan- to por uma perspectiva publica quanto por uma privada, uma vez que o campo de incidéncia normativa deste novel ramo juridico tem abrangéncia eclética tanto para Estado quanto para o particular. Conclui o ilustre doutrinador francés que, sendo ramo de Direito Publico, o Direito Econémico destaca-se exatamente por essa per- meabilidade de valores, devendo nortear-se ora em normas de Direito Publico, ora em normas de Direito Privado."” VII - Concretismo O Direito Econémico disciplina os fendmenos socioecondmicos concretos, vis~ ceralmente vinculados aos fatos histéricos relevantes ao Estado ¢ aos individuos. Neste sentido, merece destaque a ligfio de Carlos Maximiliano,"* ensinando que: 17 LAUBADERE, André de. Droit public économique. Paris: Jurisprudence Générale Dalloz, 1979. ‘Tradusao e notas de Maria Teresa Costa, revista por Evaristo Mendes. Direito piiblico econd- mico (titulo nos paises de lingua portuguesa). Coimbra: Almedina, 1985. p. 25-27. 18 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenéutica e aplicaco do direito, 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 157-159. Digitalizado com CamScanner [EGA tices de direito econdmico | Leonardo Vizeu Figueiredo (..) no pode 0 Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender 3, utras manifestages da vida social e econdmica, (..) AS mudangas econdmicas g socials constituem o fundo e a razao de ser de toda a evolugio juridica; € 0 dren, € feito para traduzir em disposigdes positivas e imperativas toda a evolugdo soriay (erifamos). Assim, podemos dizer que 0 Direito Econdmico ¢ filho do seu tempo, enten. dendo-se esta metfora como o conjunto de valores sociais, culturais, econdmicos ¢€ politicos constantes em cada época especifica da historia da Nagao, que vao per- mear seu contetido normativo. 8. RELACAO DO DIREITO ECONOMICO COM A ECONOMIA Economia é a ciéncia que estuda a forma pela qual os individuos e a socieda- de interagem com os fatores de produgao, integrando-os em um ciclo econémico (producio, circulagao e consumo). E a ciéncia que trata dos fendmenos relativos a produgiio, distribuigio e consumo de bens. Microeconomia ¢ a teoria classica econémica, baseada nas unidades indivi- duais da economia (liberdade individual nas relagdes juridico- -econémicas), focan- do-se, tio somente, em cada agente econémico. E 0 ramo da economia que estuda © comportamento de agentes econdmicos individuais (consumidores, produtores) © sua interagdo no mercado. E de se ressaltar que a classica doutrina econémica é fortemente permeada no pensamento de Adam Smith," cuja teoria da mao invisivel partia do pressuposto de que os negécios juridicos realizados no mercado, em condigdes perfeitas de competicao, resultam na satisfacdo dos interesses coletivos da sociedade, mesmo que os agentes ajam, tio somente, em interesse individual e proprio. Macroeconomia ou Economia Politica é a moderna teoria econémica, que teve origem com o processo de intervengdo do Estado na economia, focando-se no funcionamento do fenémeno econémico em carter coletivo. E 0 ramo da econo mia que estuda o funcionamento do sistema econdmico como um todo, especial- mente as variagdes do produto, nivel geral de pregos, nivel de emprego, taxa de juros e balango de pagamentos. Neste sentido, destacamos que a moderna doutrina econdmica segue novas tendéncias de pensamentos, mormente a teoria dos jogos, desenvolvida pelo ma- tematico suigo John Von Neumann no inicio do século XX, que analisa a forma como agentes econémicos ou sociais definem sua atuagiio no mercado, consideran- do as possiveis agdes ¢ estratégias dos demais agentes econémicos.” 19 Confira-se SMITH, Adam. A riqueza das nagSes, investigaco sobre sua natureza e causas. S30 Paulo: Abril, 1983, 20 Vide, a respeito da teoria dos jogos, BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal Game theory and the law. Cambridge-MA: Harvard University Press, 1998. Digitalizado com CamScanner —= voto EER A teoria dos jogos analisa as caracteristicas dos agentes da economia, as es tratégias de cada um deles ¢ os possiveis resultados, diante de cada estratégia, para avaliar as proviiveis decisdes que esses agentes tomarito, Ressalte-se que essa teo- ria constituiu significative avango nas ciéncias econdmicas e sociais, pois permite se examinar a conduta do jogador em interagdo com os demais agentes, ¢ ndo s6 de forma isolada, Cuida-se de uma andlise comportamental das estratégias adotadas por dois ou mais agentes (jogadores ou players) diante das possiveis escolhas a se- rem tomadas e suas eventuais consequencias, Baseia-se no clissico dilema dos pri- sioneiros, no qual se apresenta a seguinte situagdo hipotética: dois criminosos so presos por um ilicito que acarreta pena maxima de sete anos, porém contra os mes- mos as autoridades somente tém provas circunstanciais que garantem prisio por um periodo de um ano, Caso confessem o crime, 0 Estado concede um acordo que acarreta pena de cinco anos, Porém, se apenas um confessar, somente este fara jus a benesse ¢ produzira prova contra o outro que pegara pena maxima. Assim, estando cada um dos prisioneiros em salas separadas, incomunicaveis entre si, apresentam- se as seguintes situagdes, diante das escolhas e suas possiveis consequéncias: a) caso ambos confessem, pegam pena de cinco anos; b) caso um silencie ¢ 0 outro confesse, este fara prova contra aquele. Logo o que confessou pegari pena de cinco anos ¢ o que silenciou pena maxima de sete anos; c) caso ambos silenciem, somente pegarido pena de um ano. Assim, a melhor escolha para os dois é silenciarem. Porém, como um nio tem ciéncia da atitude do outro e, na hipdtese de um silenciar ¢ 0 outro confessar © resultado sera prejudicial ao que se calar, a possibilidade de ambos guardarem siléncio é extremamente remota. Logo, caso silenciem, ha grandes possibilidades de estarem combinando previamente suas estratégias. Por fim, vale ressaltar 0 pensamento do economista, ganhador do Prémio Nobel, John Nash, que aprofundou os estudos de equilibrios entre os agentes econdmicos, mormente em relaco a aplicagiio da Teoria dos Jogos em ambientes ndo cooperati- vos. Denomina-se “Equilibrio de Nash” a solugdo para determinado mercado com- petitivo, no qual nenhum agente pode maximizar seus resultados, diante da estratégia de outros agentes,”' A andlise combinada das estratégias de mereado a serem esco- thidas levara, segundo Nash, a um resultado do qual nenhum dos agentes individual mente experimentaré prejuizo, em vista da estratégia de mercado de outros agentes, garantindo 0 éxito da atividade econdmica ¢ a salutar manutengdo do mercado. Dentro do dilema dos prisioneiros acima apresentado, o ponto de equilibrio seria a hipdtese na qual ambos os réus confessaram o crime para o Estado, fazen- do jus 4 benesse de redugdo de pena, atendendo, ainda que de forma minima, aos interesses dos dois e do Poder Publico, Destarte, pela conceituagao acima delineada, resta claro que o Direito Eeo- ndmico interessa-se pelos fendmenos macroecondmicos, tocando seu estudo nas E 21. SAMUELSON, Paul A; NORDHAUS, William D, Economia, Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 1999. p. 199. Digitalizado com CamScanner [REGIE tices de Direito Econémico | Leonardo Vizeu Figueiredo relagdes juridicas oriundas da intervengao do Estado no controle € condugao da utili racional dos fatores de produgdio por parte de seus detentores. Assim, 9 Direito Econdmico visa, com a condugio da politica econémica, aleangar € reali. zar os intel coletivos ¢ transindividuais objetivados pelo Estado. Observe-se que, os fendmenos microecondmicos, dado o seu cariter indiy. dualista, caracterizam-se pela bilateralidade das relages obrigacionais assumidas, sendo disciplinadas, juridicamente, por outros ramos, mormente oriundos do Di. reito Privado. As normas de Direito Econémico tém por fito o direcionamento da macroeco- nomia, por meio de um ordenamento juridico peculiar, que visa direcionar a econo- mia, tendo por base os fenémenos econdmicos concretos, ocorridos no plano fatico, 9, AUTONOMIA DO DIREITO ECONOMICO Um ramo de direito pode ser considerado auténomo, para fins didaticos, tio somente quando possui normas e principios proprios, dentro de seu respectivo or denamento juridico, uma vez que o Direito, enquanto ciéncia, é uno. Com a Constituigdo de outubro de 1988, 0 Direito Econémico brasileiro pas- sou a ter principios especificos delineados no artigo 170, sendo que passou a ser competéncia concorrente da Unido, Estados ¢ Distrito Federal legislar especifica~ mente sobre suas normas (art. 24, I, CRFB). Destarte, no sistema juridico patrio, podemos conceber a autonomia do Direi- to Econémico. Neste sentido, destacamos 0 magistério de Celso Ribeiro Bastos.* Merece destaque que, no campo do Direito comparado, a autonomia confe- rida pela Constituicéo da Republica Federativa do Brasil ao Direito Econémico € reconhecida pelos doutrinadores lusitanos, sendo uma constante em paises de colonizacao ibérica. Neste sentido, destacamos: A sistematizaco doutrindria e cientifica do Direito Econémico como disciplina juric ‘ca auténoma tomou corpo primeiramente na Alemanha, sob a Constituico de Wer mar, e n3o por acaso, pois foi esta Constituigdo a primeira a inserir a vida econémica de forma especifica e desenvolvida como objeto da lei fundamental...) Resta acres centar que a disciplina de Direito Econdmico tem comecado igualmente a afirmar- se no Brasil e noutros pa(ses da América Latina, bem como sob influéncia da dou- trina portuguesa, nos paises africanos de lingua oficial portuguesa (grifamos).” 10, PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO ECONOMICO O Direito é um conjunto de normas de conduta, entendendo-se estas como 08 valores axiol6gicos juridicamente protegidos que fundamentam o ordenamento 22. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econémico. Sdo Paulo: Celso Ribeiro Editor, 2003. p. 54 23 SANTOS, Anténio Carlos dos; GONCALVES, Maria Eduarda; MARQUES, Maria Manuel Leitdo- Direito econdmico. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 11-12. Digitalizado com CamScanner legal. Por sua vez, a norma se traduz em tudo 0 que se estabelece como base ou me- dida para a realizagaio ou a avaliagio de algum fato. Trata-se do modelo, do padrio de conduta e agdio para o individuo em sociedade, sendo, via de regra, uma formula abstrata daquilo que deve ser seguido ¢ obedecido, em todos os fatos humanos que admitem um juizo de valor por parte dos individuos. Objetiva-se, com a criagiio da norma, dar respostas de comportamento € con- duta a sociedade, em face dos fatos produtores de consequéncias nem sempre dese- javeis, dentro de uma linha daquilo que é razoavelmente necessério ¢ estritamente proporcional a se exigir do individuo para a vida na coletividade. Para tanto, consi- deram-se moralmente desqualificados para o convivio social aqueles concidadaos que nao obedecem ao ordenamento juridico, os quais terdo suas liberdades indivi- duais gradualmente cerceadas, mediante aplicagdo de penas,* sendo-lhe mitigado o exercicio de determinadas prerrogativas e direitos, tais como propriedade, possi- bilidade de desempenho de fungées ptiblicas, liberdade e vida, este, tio somente, para os ordenamentos juridicos que ainda adotam sangdes capitais. Conforme ja vimos, a norma tem génese no processo politico-eleitoral de de- bate e discussio parlamentar, no qual os representantes do povo vao escolher quais os valores que devem ser tutelados ¢ ter prelazia para a garantia e a manuten¢o da paz, diante dos fatos sociais, sendo representada graficamente por meio de leis escritas, as quais so dotadas de protecio juridica, o que lhe garante obediéncia e observancia obrigatéria por todos os individuos que vivem em sociedade. Conforme magistério consagrado de Hans Kelsen,* a norma juridica deve ser analisada sob diversos planos de estudo, o qual se passa a discorrer, de forma sintética. a) existéncia: trata-se da verificagao se a norma ingressou no ordenamento ju- ridico, adquirindo vigéncia, mediante a obediéncia do devido processo legislativo para tanto; b) validade: cuida-se de verificar se a norma em vigor encontra-se procedi- mentalmente compativel (andlise formal) ¢ com contetido consonante (anlise ma- terial), dentro do ordenamento juridico vigente, com a norma que lhe é hierarqui- camente superior. Segundo o escalonamento de normas proposto pelo catedritico austriaco susomencionado, a norma juridica que goza de prelazia sobre as demais &a constituigdo, sendo seguida pelos atos legislativos produzidos pelo parlamen- to (Poder Constituido Legislativo) e, estes, pelos atos administrativos produzidos pela administragao publica (Poder Constituido Executivo); 24 Por pena, pode-se entender, na seara criminal, a punic&o imposta pelo Estado ao delinquen- te e/ou contraventor, em processo judicial de instrucdo contraditoria, por causa de crime ou contraven¢do que tenham cometido, com o fim de exempli-los e evitar a pratica de novas infragdes. Traduz-se, ainda, na sanco de cardter civil, fiscal ou administrativo, pecunidria ou cerceadora do exercicio de direito subjetivo, proveniente de infracdes previstas nas respectivas leis, e, quanto as civis, também nos contratos. 25 Vide: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. ed. Sao Paulo: Martins Fontes, 2006. cd Digitalizado com CamScanner HRREGE | Licdes de Direito Econdmico | Leonardo NSN NIRNENSS® a ©) eficdcia: é a qualidade ¢ a aptidio da norma para produgdo de seus regula, tes efeitos juridicos, no sentido de criar vinculos obrigacionais entre os individuos, gerando direitos e deveres entre estes; d) efetividade: trata-se da aceitagzio da norma no meio social em que ela pro, duzird seus regulares efeitos juridicos, traduzindo-se na receptividade desta com seu consequente acolhimento entre os individuos; ¢) aplicabilidade: é a delimitagaio do campo de incidéncia da norma juridi. ca, no sentido de se circunscrever quais sfio os segmentos da sociedade que se encontram sob a égide da mesma, isto é, que se encontram sob o império de sua observancia cogente; f) revogag: a retirada da norma do ordenamento juridico, operando efeitos no campo da existéncia, Observe-se que somente uma norma de igual hierarquia ¢ capaz de revogar outra, retirando-Ihe do campo de existéncia; g) declaragao de inconstitucionalidade: traduz-se no reconhecimento de in- compatibilidade formal (procedimento) e/ou material (contetdo) de uma norma em face daquela que lhe é hierarquicamente superior ¢ Ihe outorga validade. As- sim, uma vez declarado inconstitucional determinado ato legislativo, constata-se que este no possui fundamento de validade que 0 torne apto & produgdo de seus regulares efeitos juridicos. Avangando nas teses de Kelsen, H. L. A. Hart? propds a classificagao das normas juridicas em primarias, as quais investem o individuo na titularidade de direitos subjetivos, incorporando-os em seu patriménio juridico, ¢ em secundarias, as quais estabelecem o procedimento para elaboragdio das normas primarias. Comas teorias de Ronald Dworkin,” a Teoria da Norma Juridica foi reformu- lada, propondo sua divisdo em trés espécies, os princ{pios, as regras e as direrizs, conforme passamos a estudar. s principios sao a viga mestra do direito, sendo comandos gerais dotados de alto grau de abstracdo, com amplo campo de incidéncia e abrangéncia, que orien- tam a produgdo do ordenamento juridico. Traduzem-se, portanto, em comandos de orientagao para a atividade legislativa de produgao do direito positivo, isto é, das leis escritas. Em razio de sua fungdo precipua, resta claro que os principios nao se prestam, prima facie, para investir o individuo na titularidade de direito subjetivo, uma vez que so normas cujo campo de aplicabilidade nao se encontram previamente definidos pelo legislador, em face da coletividade sobre a qual incide seus efeitos. Outrossim, os principios podem estar ou no explicitos dentro do ordenamento juridico, servindo, muito mais, como instrumentos de interpretagi0 e de integragdio do direito, nesta hipétese, to somente, nos casos em que ocorram vacuos legislativos, isto é, auséncia de norma especifica incidente sobre o campo de aplicabilidade para 0 caso sub examine. 26 Vide: HART, H. L.A. O conceito do direito. S30 Paulo: Martins Fontes, 2009. 27 Vide: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 4. ed. $30 Paulo; Martins Fontes, 2006. Digitalizado com CamScanner Neste sentido, hi que se ter em mente que, para o operador do direito, a nor- ma-principio traduz-se em mandamento de otimizagio da atividade parlamentar, servindo de diretiva para o legislador, bem como, para o operador do direito, de pariimetro de delimitagdo de aplicabilidade do direito positivo ds situagdes faticas cotidianas a serem subsumidas ao direito positive, Em razio de seu maior cam- po de amplitude, os prine{pios admitem maior flexibilizagio As situagdes sociais, quando da aplicagdo da literalidade do texto da norma aos casos concretos, As normas-prine{pio t¢m por finalidade precipua orientar a produgao de leis, isto 6, do direito objetivo, sendo de norte imprescindivel da atividade parlamentar dos representantes democraticamente cleitos para as cadeiras do Poder Constitui- do Legislativo, Por esta razio, niio ha como se individualizar, via de regra, uma norma-principio no patriménio juridico de um individu, no sentido de investir-Ihe em direito subjetivo, Havendo concorréncia na aplicagio de principios, esta seri resolvida por meio de exercicio de ponderagiio de interesses, na qual, mediante um juizo axio- légico, devera se estabelecer, dentro da hipdtese em tela, qual terd primazia sobre os demais, inclusive no que se refere 4 andlise de casos concretos entre individuos sob a tutela do Poder Publico. Assim, em caso de eventual colisto normativa entre principios, esta serd resolvida, em cada caso, mediante exercicio ponderado de interesses casuisticos, sobrepondo-os de maneira condicionada, a fim de garantir a prelazia do principio que melhor se aplica A situago sub examine. Outrossim, as regras siio comandos aplicdveis em um campo de incidéncia especifico, com elementos préximos ao direito comum, capazes de investir um titular em direitos subjetivos, os quais, por uma questo de seguranga juridica, tém de estar previamente estabelecidos dentro do ordenamento juridico vigente, por meio dos atos legislativos aptos a inovar, no sentido de criar direitos, diretamente correlacionados a deveres que lhes so inerentes. Em casos em que se verifique a auséncia de norma-regra incidente sobre 0 ‘campo de aplicabilidade de determinado individuo, deve-se proceder com extrema cautela uma vez que nao é dado ao operador do direito, seja o administrador publi- co, membro do Poder Constituido Executivo, seja 0 magistrado, membro do Poder Constituido Judiciario, substituir-se ao parlamentar, membro do Poder Constituido Legislativo, sob pena de violar o principio geral da separagao e convivéncia har- ménica dos Poderes Constituidos estatais. Observe-se que 0 exercicio de integracao do direito objetiva efetivar a justiga onde, por auséncia de comando especifico verifica-se a ocorréncia de iniquidades e abusos de direito, que no se coadunam com o fim maior do ordenamento juridico que é a consecu¢ao da justiga. Todavia, hd de se ter em mente que a efetivagaio do justo nao se traduz, necessariamente, em dar ao jurista o poder de legislar no caso concreto, onde o parlamentar nfo o fez especificamente, sob pena de se estender indevidamente direitos subjetivos a individuos que nao se encontram sob o plano de aplicabilidade da norma, fato que se traduz nao na efetivagdio da justiga, mas em criago de privilégios odiosos nao pretendidos pelo legislador. Digitalizado com CamScanner [EEG (ste: de direito Econdmico | Leonardo Vizeu Figueiredo Aextensio de direito subjetivo fora do raio de incidéncia da regra viola a se. ‘guranca juridica e a separagdo ¢ convivencia harménica dos Poderes Constituidoy estatais, dando margem a iniquidades ¢ abusos de direito. Desta forma, obrigase que se realize despesas desnecessdrias e no previstas, com individuos que vag locupletar-se indevidamente em detrimento de outrem, quando se tratar de relagdes juridicas oriundas do direito privado, ou, ainda, de toda a sociedade, em se tratando de relagdes juridicas advindas do direito piblico. Resta claro que 0 comando normativo da regra aplica-se no campo de ago individual de cada pessoa, sendo mais restrito na realizagio de seus objetivos, quando previamente positivados no ordenamento juridico vigente, ndo admitindy tamanha amplitude e flexibilizagao por parte do operador do direito, sob pena de se violar a seguranga juridica. conflito de aplicabilidade entre normas-regras ¢ resolvido por meio do exercicio das técnicas de especialidade, na qual a regra especial prevalece sobre a geral; temporariedade, na qual a regra mais recente tem primazia sobre a mais antiga; ¢ hierarquia, na qual a regra oriunda de norma hierarquicamente superior prefere a regra inferior. Assim, podemos verificar que a distingao entre principios ¢ regras se encon- tra em seu grau de abstragdo, Observe-se que, tanto principios, quanto regras, se concretizam a medida que vao sendo positivados no texto legal, ganhando, assim, compreensio cada vez maior. Ha de se ressaltar, conforme ja visto, que as normas-regras sfio comandos concretizadores da vontade do legislador, no sentido de definir, dentro de nosso ordenamento juridico, quem poder individualizar, em seu patriménio pessoal, di- eitos subjetivos, exercendo-os em face de outrem, Por sua vez, os principios sio comandos orientadores da vontade do legisla- dor, os quais refletem quais as diretivas que devem ser obrigatoriamente observa- das quando da produgao das leis escritas, do direito positivo. Neste sentido, vale citar o magistério de Humberto Avila: ssas ponderagées tém por finalidade demonstrar que a diferenca entre principios € regras no esté no fato de que as regras devam ser aplicadas no todo e os princt pios s6 na medida maxima. Ambas as espécies de normas devem ser aplicadas de tal modo que seu contedido de dever-ser seja realizado totalmente. Tanto as regras quanto os principios possuem o mesmo contesdo de dever-ser A tnica distingo quanto & determinaco da prescrig3o de conduta que resulta da sua interpretagSo: 05 principios no determinam diretamente (por isso prima facie) a conduta a set seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretizag30 depende mais intensamente de um ato institucional de aplicag3o que devers err contrar 0 comportamento necessario 3 promoso do fim; as regras dependem dé modo menos intenso de um ato institucional de aplica¢So nos casos normals, pois © comportamento ja esté previsto frontalmente pela norma” (grifamos). AVILA, Humberto. Teoria dos principios ~ da definig5o e aplicaco dos principlos uridicos. 4 ed. S30 Paulo: Malheiros Editores, p. 34-35, Digitalizado com CamScanner | introaveso EEE Tendo em vista 0 movimento de constitucionalizagao de diversos ramos do direito publico e do direito privado, varios institutos juridicos ganharam status de norma constitucional em sentido formal, em que pese nao 0 serem quanto ao contetido material. Assim, diversas normas-regra de nosso ordenamento juridico, que precipu- amente deveriam ser produto, tao somente, da atividade legislativa constituida, ganham forca de norma constitucional, sendo produto do exercicio de poder cons- tituinte, servindo de parimetro de controle de constitucionalidade para o legislador ordinario, como as normas-principio, precipuamente, 0 sido. Por tais razdes, tendo em vista o movimento de constitucionalizagao do di- reito positive ordindrio, hd uma tendéncia atual de se confundir 0 principio com a regra, dando-Ihe a mesma conceituagiio ¢ sistematizagao, tio somente pelo fato desta ter sede constitucional por opgdo politica do legislador constituinte, seja o originario, seja 0 derivado reformador. No ¢ pelo fato de possuirem origem na mesma seara legislativa, que os princi- pios ¢ as regras deveriio receber 0 mesmo tratamento por parte do operador do direito. Em que pese haver op¢ao politica pela constitucionalizagao de certas normas- regra, a fim de dotar-Ihes de maior garantia de observancia, dificultando, ainda, sua supressio de nosso ordenamento juridico pelo processo legislativo ordinario, 0 qual, para tanto, deverd seguir o rito qualificado de emenda 4 Constituigao, estas, por ébvio, servirdo de pardmetro de orientagao da atividade legislativa infracons- titucional, devendo ser, obrigatoriamente, reproduzidas pelo parlamentar nas leis ordinarias, a fim de poderem ser incorporadas no patriménio juridico dos indivi- duos que se encontram dentro do plano de aplicabilidade da norma-regra. Todavia, nao h4 como se valer de normas-principio, na atividade de subsungao da norma ao caso concreto, para se estender a um individuo, que nao se encontra dentro do campo de aplicabilidade de determinada norma-regra, direito subjetivo que no se encontra expressamente previsto em lei especifica, sob pena de se violar a seguran- ¢a juridica e, consequentemente, criar situagdes sociais indesejaveis, tais como ini- quidades, privilégios e abusos de direito. A norma-principio se presta para orientar 0 intérprete no caso sub examine, a fim de que este otimize a vontade do legislador, materializada na lei escrita, nfo para que aquele se substitua a este. As situagdes que se encontram fora do campo de aplicabilidade da norma- regra devem ser apreciadas com extrema cautela, devendo ser respeitada a delimi- tagfio de incidéncia estabelecida pela vontade do legislador, sob pena de se violar a separagdo harmdnica dos poderes constituidos do Estado, Por fim, as diretrizes se tratam de normas de contetido programiticos que estabelecem metas a serem alcangadas pelo Estado, na qualidade de objetives fun- damentais de determinada Nagao, No campo do Direito Econdmico, em que pese a singularidade que o carac- teriza enquanto ramo de Direito Publico, podemos destacar tres principios gerais, dois com previséio expressa na Lei Fundamental, a saber, economicidade, eficién- cia e generalidade, que servem como sustentaculo deste ramo, em que pese 0 alto Digitalizado com CamScanner grau de regionalizagaio que este possui em relagdio A politica ¢ ao sistema econdmj, co adotados pelo ordenamento juridico ao qual pertence, consoante 0 pensamenty de Celso Ribeiro Bastos Cabe ressaltar, por oportuno, que os principios gerais do Direito Econémico slo fundados, norteados e permeados, concomitantemente, tanto em valores de Dj- Feito Publico quanto em valores de Direito Privado, dado 0 ecletismo que caracte. tiza esse ramo juridico, dando aos referidos principios tragos proprios ¢ especificos que os distinguem de sua aplicagao em outros ramos do Direito, PEEEIE Uiaes de vireto Econdmico | Leonardo Vizeu Figueiredo 1- Principio da Economicidade O principio da economicidade é oriundo do Direito Financeiro, com previstio expressa no artigo 70, caput, da CRFB. Todavia, a aplicagao deste principio no Direito Econémico deve ser precedida de um exercicio sistematico de hermenéu- tica constitucional, a ser norteada ¢ permeada pelo ecletismo de valores do Direito Privado que caracterizam este ramo juridico, Destarte, interpretando-se sistematicamente 0 artigo 70, caput, combinado ‘com os artigos 3°, II, 170, caput, ¢ 174, caput, todos da Constituigdo de outubro de 1988, a economicidade, no campo do Direito Econdmico, significa que o Estado deve focar suas politicas piiblicas de planejamento para a ordem econdmica em atividades economicamente viaveis tanto a curto quanto a longo prazo, garantindo assim, 0 desenvolvimento econdmico sustentivel ¢ racional do Pais. Outrossim, este principio estabelece que o ente estatal, na busca da realizagao de seus objetivos fixados em sua politica econdmica, deve alcangar suas metas com apenas os gastos que se fizerem necessirios, a fim de niio onerar ‘excessivamente 0 Erério e toda a sociedade, Assim, o Estado, ao estabelecer suas decisdes politicas, bem como para orientar 0 mercado, deve primar pelas condutas que impliquem em menor custo social, conjugando quantidade com qualidade. II ~ Principio da Eficiéncia O principio da eficiéncia, oriundo do Direito Administrativo, com previsio expressa no artigo 37, caput, da CREB, ¢ aplicado no Direito Econémico mediante exegese sistémica do referido dispositivo com as previsdes contidas no artigo 170 € incisos da Carta Politica de outubro de 1988, mormente a livre-iniciativa e a livre-concorréncia. Destarte, no campo do Direito, a eficiéncia determina que o Estado, ao esta- belecer suas politicas piblicas, deve pautar sua conduta com o fim de viabilizar © maximizar a produgao de resultados da atividade econémica, conjugando os in- teresses privados dos agentes econdmicos com os interesses da sociedade, permi- tindo a obtengdo de efeitos que melhor atendam ao interesse piblico, garantido, assim, o éxito de sua ordem econdmica. 29 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econdmico. $30 Paulo: Celso Ribeiro Editor, 2003. 55-59, Digitalizado com CamScanner Ill — Principio da Generalidade O principio da generalidade confere 4s normas de Direito Econémico alto grau de generalidade e abstragao, ampliando seu campo de incidéncia ao maximo possivel, a fim de possibilitar sua aplicacgéo em relacdo a grande multiplicidade de organismos econémicos, a diversidade de regimes juridicos de intervenco estatal, bem como as constantes e dinamicas mudangas que ocorrem no mercado. Outrossim, 0 ordenamento de Direito Econémico deve ser capaz de adaptar- se as alteragdes mercadologicas de maneira célere, garantindo a eficacia de sua for¢a normativa, como instrumento disciplinador do fato econédmico. Como exemplo de estatuto juridico maleavel, caracteristico do Direito Eco- némico, destacamos a lei brasileira de protegao a concorréncia (Lei n. 8.884/1994), cujo campo de incidéncia estende-se e adapta-se perfeitamente a toda a atividade econdémica na ordem nacional. Digitalizado com CamScanner

You might also like