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3 Uma teoria da democracia Como processo decisério $6 poles nlc concen See ‘Siverras preparads pa over sm conta os dnentos co abe do intensidade e as complexidedes que ele opresenta. Willrore Kendall 8.1.4 natureza das decisées politicas Os capitutos anteriores foram 2 dedicados em fexin conceitual, Gostaria de propor agora algo menor aa ove tora” da democtaca e, apesar disso, considera de una fosme ‘ova a perspectiva da tomada de devises. Gostaria de comegar ime. diatamentedistinguindo entre quateotpos de desisdo (a) indviduel (® erupl() coletva«() coletiat. mus Ss c isdes individuais sto tomadas in ic is ladamente, independente de sua decisio se uss oa ray ‘mundo exterior. As decisdes grupais implicam que muVlcisbes sip tomadas por um grupo conereto, isto 6, individuos ‘einen cma 4 face © participam de forma significative na iomads dessae 287 decisdes. As decisées coletivas nfio so passiveis de uma definigao precisa; em geral so consideradas decisécs tomadas por “muitos”. Em contraste (como minha distingdo implica) com as decisdes gru- pais, as devises coletivas pressupdem um grande organismo que nao ‘atua e nfo pode atuar — devido a seu tamanho —- da mesma forma ‘que 0s grupos concretos. & preciso sublinhar que uma deciséo cole- {iva no deve ser confundiéa com uma preferéncia coletiva; a primeira ndo precisa gerar a segunda, ou seja, um resultado que expresse de forma significativa a preferéncia social, Depois temos as decisdes coletivizadas. Pode-se dizer que as decisbes coletivas e coletivizadas ccompartilham a propriedade de no serem, em qualquer sentido sig- nificativo, decisées individuais, Apesar disso, as decisdes cote- tivizadas so muito diferentes de todas as outras formas. Decisdes individuais, grupais ¢ coletivas referem-se todas am sujeito, a quem toma as decisdes. As decisées coletivizadas sao, 20 invés, decisdes que se aplicam ¢ s4o impostas a uma coletividade independentemente de serem tomadas por uma pessoa, por algumas ou pela maiotia, O crilério de definigéo nfo € mais quem toma as decisdes, mas seu aleance: seja quem for que tome as decisies, decide por todos? A nogdo de decis6es coletivizadas permite, em primeiro Ingar, afirmar que a politica consiste em decisGes coletivizadas". Note-se que as decisdes coletiva ¢ coletivizada correspondem uma a outra ‘apenas quando 0 universo que toma as decisdes coincide com o uni- ‘verso que as recebe. Essa coincidéncia é de grande importincia teéri- cae pode de fato ocorrer. Mas ocorre cada vez menos, & medida que as unidades politicas aumentam. Portantoynomniyel' macros pode-se dizer que as politicas consistem, em ultima insténcia, em decisdes (decis6es tomadas) que se encontram fora da competéncia de cada individuo como tal ¢ so fomadas por alguém para outrem. [sso nto implica em absoluto que uma decisdo coletivizada seja também uma decisao que corresponde ao interesse daqueles 2os quais ela se apli- ‘ca — pode ser e pode igualmente nfo ser. Quem decide s6 decide por todos no sentido de que suas decisdes recaem sobre todas. ‘Naturalmente, embora todas as decisdes de natureza politica sejam decisdes coletivizadas, a reciproca nao ¢ verdadeira: nem todas as decisies coletivizadas sio politicas. Por exemplo: quando falarnos ‘de poder econémico, referimo-nos mais uma vez a decisdes cole- 288 TRCN a DewnCrAcA EMA ada, a fato de alguém (0 capitalista, a companhia, etc.) tomar co se los assalariados e pelo publico consumidor ¢ impé-las a bem ilerenca entee 0 poder poitice, o poder econdmise « tar: irince Podetesndo se encontra, portant, na nogda de deciates significa que as decisdes coletivisadas ages . sho politicas no sentid ‘serem | (a) soberanas; (6) inescapaveis; c. {c) sanciondyeis4, Soberana 2 que definem tereitorialmente a cidadanias ¢ ftiviza todos e, a0 mesmo tempo, coon ira ea mn lit Marx ou com a Juestic a ‘quista: por que ter qualquer tipo de ‘politica? A ‘queue ni fon de decisdes 8 + Une tots do democtacia come procee daciio 289 reciproca nio ¢ verdadeira. A ideologia da cotetivizagio nfo cede, pois entende as decis6es privadas ou individuais como males intrinsecos tanto porque o individualismo é mau em si quanto porque implica propricdade privada, acumulacdo privada de capital e todos os males 4da{ resultantes. O argumento das “duas ideologias” aplica-se, entio, apenas 2 uma delas. Isso 208 permite distinguir entre a “ideologia” ¢ a “utilidade” das decisées coletivizadoras e notar que, & parte os d rmatismos ideol6gicos, a questo pode ser avaliada ¢ é de fato avalia- da con termos de custo-beneficio. As razSes dadas para‘as decisSes ‘coletivizadas antes deixadas a critério do individuo em geral s¢ tela- cionam a imperativos tecnoligicos e aos servicos ¢ necessidades de ‘bens coletivos das sociedades contemporineas. Mas, em muitos casos, 6 uma questio aberta se 0s beneficios de coletivizar uma dada drea de decisbes (educagdo, construsao civil, transpories, servigos de uti- lidade piblica e assim por diante) sto contrabalangados a longo prazo € em termos de efeitos curmulativos, pelos custos. Por isso & util € ‘importante perguntar: quando ¢ necessério ou conveniente coletivizar ‘uma drea de decis6es? A questio ulterior relacionada a essa €: como dovetnos procedet ao coletivizar as decisées? 8.2 Riscos externos e custos decisérios As questies colocadas acima podem ser resolvidas com dois instrumentos analiticos muito simples: (a) os custos decis6rios; € (5) 08 riscos resultantes de decises coletivizadas, Axiomaticamente apresentadss, minhas premissas so 2s seguint Axioma I: Toda decisto de grupo on coletiva tem cusios inter- ros, isto €, custos para os préprios tomadores de decis6es, em geral denominades custos de tomada de decisdes. Axioma 2; Toda decisio coletivizada envolve riscos exiernos, isto 6, riseos para os destinatérios, pare quem recebe as decisées de ora, ab extra Embora as slogées de custo risco tenham uma aura familiar, 8 axiomas mostram que foram submetidas a podas e reajustamen- {os*, Em primeiro lugar, os custos decisérios so, a meu ver, custos 290 sidoas Biceuccmonmsice intragrapo; xeferem-se apenas a quem decide. Inversamente, 0s riscos entemos si rscas extragrupo;referem-se apenas. coletvidade pare quem as decistes sao tomadas, Em segundo lugar, quando digo cus- tos intornos, falo exclusivamente dos custos do processo de deci (nko des perdas ¢ ganhos dos membros do érgt0 decisbria). Os cus- 415 internos so custos (conforme definidos) apenas de tempo, ener. Bae coisas do gancro, Em teceiro gar, quando digo tistos exter ‘os, quero dizer risco; uso a palavra de forma tauito deliberada, Umi custo € determinévele, ent geral, € determinado (20 meos ex post). ‘Um tisco & a0 invés, uma indeterminagio ex ante. Além disso, um_ ee {um tipo panelarde incrieca, qual sj, una potencialidade jercebida em sua periculosidade. perder ganbar) fala quando se rs de risca, “ (mode ? aes © argumento completo é, ent, que (a)as decisées coletivizadas envolvem riscos ‘exterhos; qué (6) os riscos externos ‘podem nfo resul- tar em prejuizo; mas que (c) o problema ¢ exatamente aumentar a pro- babilidade de “resultados satisfatérios” e: ‘minimizar a probabilidade de “resultados danosos”. Essa 6a raziio Para enfaitizar ndo apenas o fator incerteza, mas também o elemento de petigo envolvido, Everdade que 4 coletividade que acata as decisdes 2h extra pode beneficiar-se ou. softer com elas. Mas a questo de importincia fundamental é que uma coletividade pode nao ser beneficiada, Por iso a coletividade que rece- beas decisdes que no foram tomadas por ela esté sempre exposta a um Tes ‘Como nosso foco ¢ 0 risco Politico, esse é, concretamente, Ge dois tipos: principalmente riscos de opressto, mas também (embo. Taeu tenha de consideré-los apenas ‘tangencialmente) riscos decorren- tes da incompeténcia, estupidez ou interesses sinistros. Oaxioma 2 implica que os riscos externos 56 se efetivam quan- do ums érea de devisfo ¢ colctivizada. Isso significa que, quando uma : we eee 8+ Una ota ds darovocia como poses dicta 3u1 redunda no desenvolvimento de anticorpos ¢ representa, portanto, um desenvolvimento antidemocritico, ou & perfeitamente congruente com o desenvolvimento pluralista da democracia. Quando se adota © segundo ponto de vista, entio se pode dizer que a proliferagdo dos comités maximiza a democracia participativa abrindo mais espaco para a “participacto real”. Esta ditima afirmagdo tem seus méritos. Como a participagio ado tem outro significado “real” atém de tomar parte em pessoa, se evamos 2 questio a sério (como deve ser levada a teoria da demo- cracia participative), entéo temos aqui um conceito extremamente simples e fécil de operacionalizar: participagdo é uma proporedo que pode ser expressa como uma fragdo e relacionada a uma fregiléncia!. ‘Num gtupo de 10, cada um toma parte, isto & participa, como 1/10 ©, quanto maior a freqiiéncia com que o grupo se rein, tanto mais parte toma. Num grupo de 100, cada um toma parte como 1/100 — e assim por diante. A medida que o denorninador aumenta, decresce 4 cota ou peso de cada participante. Da mesma forma, embora com menos préciso ¢ importéncia, & medida que a freqiéncia diminui, iminni também o peso da participagio, Por isso, no ha a menor divida de que a participagao s6 é um tomar parte significativo, autén- tico ¢ efetivo em pequenos grupos (e nfo o é em grupos maiores que ‘uma assembléia). Quando falamos de patticipagéo eleitoral ¢, em ‘geral de participagdo em massa, 0 conceito é exagerado ¢ indica, mais que qualquer outra coisa, uma “participagdo simbélica”, um senti- mento de estar incluido. ‘HA ponca divida, entio, de que os comités representam a unidade dtima da participagdo real (acima e além da manifestecio pura ¢ simples), Mas néo se segue que a demanda por democracia participativa possa tealmente ser atendida com base nisso. Aumentar as ocasides de participagdo aumentando o nimero de comités resolve problema de quem est neles. Mas, ¢ os excluidos? E claro que sew problema nifo se resolve com a participagdo de outros em seu lugar; 6 pode ser resolvido em termos de controle, na medida em que eles — 05 cidadéos de uma democracia — t&m o controle dos drgo3 decisérios. Somos ento levados de volta 4s técnicas represcntativas de transmissdo conttolada de poder como 0 meio de minimizar os riscos externos. Também chegamos, ao unesmo tempo, d caracteris- 312 A OUADACENCCHACA REVSTAOH ‘ica distintiva dos sistemas de comités nas democracies: a existencia de comités receptivos aos cidadios em getal e responsdveis perante oles ¢, nesse sentido, de comités representatives, Nas democracias, ‘5 comités mautém-se e aumentam de fato. Mas esse primeiro trago € muito menos distintivo e muito menos importante que 0 fato:das democracias transformarem o método de formagio —o recruiamento © a composigio — dos comités. Isso no significa que todos os ‘comités sdo compostos de representantes saldos de eleigées livres e procedimentos eleitorais, Na verdade, até nas democracias a maior parte dos comités no so recrutados; sio grupos com objetivos espe- isis, “representantes” de talentos e competéncias técnicas. Um sis- tema decisdrio se assemetha a um sistema de trinsito no sentido de ‘poder set controlado por alguns eruzaimentos ou pontos de articulagio estratégicos, Portanto, a funcdo de controle pode ser satisfeita com relativamente poucos comités representatives — sobretudo 0 gover- ‘20 © as comissGes permanentes no parlamento — situados nos pon- 108 de articulagdo certos. ‘Agora estamos em melhores condigdes para enfrentar a grande questo: como um sistema de comités se coloca vis-d-vis um sistema democratico? Se a questo for dramatizada, equivale a perguatar se 08 comités e a democracia so incompativeis entre si. Em termos ‘menos teatras, a questio é saber se os comités diminuem a veloci- dade de desenvolvimento da democracia ou se do sustentaglo a qual- quer estigio da democracia. Como vimos extensamente, as avaliagdes 44a democtacia — se ela existe, e em que grau — dependem do pardmotro utilizado, Quando a democracia é traduzida ao pé da letra como poder do demas, iso &, quando & compreendide como um poder Jiteral do povo, nada jamais ser4 democritico, No fim, o poder reside em seu exercicio, no em sua atribuigdo titular. Por isso a democra- cia literal tem de ser um autogoverno literal". B um autogoverno li- teral pode ser operacionalizado ¢ medido exatamente como a parti- cipasdo: ¢ a proporgdo entre 0 governo de cada um sobre os outros ¢, inversamente, de “todos” sobre “eada um”, Assim, parece que nos deparamos, num macronivel, com 2 quadratura do efrcilo. Mas, a0 invés de erguer 08 bragos em desespero, proponho uma rmudanga de perspectiva. B+ Une tee de democrocio com procnti dece 313 Embora as microdemocracias ainda possam ser concebidas exclusivamente em termos de insumas e, por isso, resolvidas na noo de poder do demos, a meu ver isso nio se aplica &s macrodemocra- cias, que so melhor concebidas ¢ defendidas em termas de produ- to, isto 6, em termos de disiribuigdo eitre o demos, ou demo-dis. tribuigdo. Compreendo, portanto, que o que ainda pode ser signi ficativamente elaborado nao é 0 problema do poder — mais poder para 0 pov — mas seu produto final; mais beneficios iguais, on ‘menos privagdes desiguais, para o povo. Embora os intelectuais sejam tun pouco relutantes er admiti-lo,tratain de fato cada vez. menos de quem tom poder e se interessam cada vez mais por compensacdes € alocagbes, isto &, com 0s efeitos das decisdes do poder: quem fica coin 0 qué. Esse, gostarie de acrescentar, ¢ também 0 mode pelo qual as democracias so geralmente percebidas por seus demos. Para 0 piiblico em geral, o poder popular nio significa que 0 demos deve realmente tomar o poder nas proprias mos e sim a satisfago das nevessidades populares, Bem, se a democracia é avaliada em termos de produto, entio possivel entender que um sistema de comités no é um anticorpo ‘que neutraliza o aperfeigoamento do poder do demos, maas-um sis- ‘ema de tomada de decisdes que dé sustentagap a distribuigBes entre 0 demos. Isso ovorre, gostaria de repetir, com base na premissa cru: cial de que os regimes democréticos criam comitts representativos (responsiveis e receptivos) colocados em pontos de articulagao estratégicos. De acordo com essa condigao, os pagamentos Iaterais transpéem a fronteira do comité ¢ se transformam em pagamentos externos em geral, isto &, em pagamentos que se estendem a0 uni- ‘verso dos representados. Por isso um sistema decisdrio de soma posi- ‘iva Tigado ao povo pelo cordiio umbilical da representagto tem urna, ‘soma positiva-também em favor do povo. Essa afirmagio nao pode set levada longe demais, a ponto de implicar que, por esse caminho, 1nés nos aproximamos de eqtlistribuicdes, ou da situago dtima de Pareto, para nfo falar da solugio preferida de Rawls¥. Devido as magnitudes em jogo, minha afirmagdo ¢ apenas que um resultado de soma positiva beneficia todos oa, melhor dizendo, todos enquanto um ‘agregado generalizado mas nfo cada um, nem cada um em quant 314 TOBA DA Devoe RDA, dades semelhantes ou a0 mesmo tempo?S. Digo “distribuigdo entre 0 demos” porque & isso 0 que queto dizer — isso e nada mais. Embore minha afirmagiio —alocagGes de soma positiva— seja ‘modesta, sua importancia ndo deve ser subestimada, principalmente se considerarmos que o argumento nfo se refere exclusivamente a0 sistema de comités, mas também aos sistemas de tomada de decisées ‘em geral ¢, em tltima instncia, nessa linha, & politica (definida como © conjunto global das decistes coletivizadas), Gostaria, portanto, de estender 0 argumento & teotia das decisBes. Vimos até agora que 0s sistemas de-tomada de decisdes pode ser dividido entre aqueles de soma positiva (tanto no interior do grupo que decide quanto fora do ‘grupo)e aqueles de soma zero¥. Enfatizei também que os grupos de tamanho superior a uma assembléia em geral so levados a’empre- gar as regras da maiotia e que essas produzem, em principio, resul- tados de soma zero, No entanto, minha adverténcia anterior foi que © principio da maioria néio levava necessariamente, na prética, a Politicas de soma zero, Agora devemos esclarecer essa questo € ‘exantinar 2 extensio em que as regras da maioria coincidem com wm sistema decisério de soma zeto e terminam inevitavelmente em ga- snhos ou perdas de soma zero, principio da maicria realmente-implica resultados ée soma 2e¢0 nos seguintes casos: (a) eleigdes (votagao por cargo); (b) refe- rendos; ¢ (c) sempre que uma maioria concreta é relativamente esté- vel e cristalizada. Isso ocorre por dois motivos diferentes: por causa da natureza discreta, separada da decisto (no caso de eleigées e refe~ rendos) e por causa da narureza da maioria em questo (deve ser “concreta” e “cristalizada”). A implicagdo & que o principio de maio- ria ndo teri um resultado de soma zero em termos glabais sob duas condig6es combinadas: (a) um fluxo continuo de decisées submetido 8 (B) maiorias concretas cfclicas, relaivamente fufdas ou flutuantes (coalizies instiveis, se quiserem). Mesmo nesses circunstincias, cada decisao tem resultado de soma zero, sem diivida; mas é provavel que © processo gere, em seu todo, compensacdes de soma positiva entre as maiorias cambiantes*”, Gostaria de observar também que o com- Plemento de um fluxo continuo de decisées deve ser nfo apenas um ‘grupo concreto, mas também um grupo institucionatizado (como definido anteriormente): em sintese, ou um grupo do tamanho de um 8+ Une tots do damoeracia cme proeste doclia 315 comité, ou uma assembléia tal como um parlamento. Assembléias oca~ sionais de multidBes, ou assembléias descontroladss e sem regras, que podem se constituir, de cada vez, de piiblicos diferentes, nao contam, Em circunstincias especiais,entdo, a regra da maioria no é uma regra de soma zero. Ne pritica, e no reino da politica democratica, isso cequivale a dizer que embora os parlamentos fimcionem necessaria- mente segundo o principio da maioria, mesmo assim a tomada de decisio do parlamento pode levar, com o passar do tempo, a um resul- tado de soma positiva, (a) se suas maiorias forem ciclicas; ou (b) se ‘uma maioria parlamentar for permedvel (&s demandas da oposigo); fou (c) se a maioria carecer de disciplina e mostrar pouca coesiio. Por outro lado, quando as circunstancias mencionadas acima nao se apli- cam, ou sempre que um contexto decisério for descontinuo, a regra. da maioria éem resultado de soma zero. E tempo de recapitular e concluir nosso argumento, Esté claro, assim espero, que um sistema ideal de tomada de decisdes teria de satisfazer os seguintes requisitos: (a) todo individuo deve ter o mesmo ‘peso; (0) intensidades iguais (de preferéncia) devem ter 0 mesmo peso; (@) resultados de soma zero ¢ resultados de soma positiva devem ser adequadamente contrabalangados; (d) os riscos externos devem ser inimizedos; (¢) os custos da tomads de decisto devem se minimi- zados, Como a enumeragiio mostra por si mesma, nio ha principio, regra ou sistema de tomada de decistio que esta sequer porto de satis- fazer todos esses requisitos*. O que acontece é que cada unidade apli- ‘ca as regras de tomada de decisio que sio praticdveis ¢ adequadas 4 ‘sua natureza. Essas unidades podem ser reduzidas a: comités; assembléias institucionalizadas; qualquer cotetividade votante e disperse, Os comités evitam a regra da maioria, procuram acordos unani- mes por meio de pagamentos retardados internos e se ajustam ao mundo exterior ou incorporam suas demandas através de pagemen- tos laterais, As assembléias institucionalizadas funcionam, ao invés, de acordo com a regra da maioria, mas podem ou nao apresentat, com ‘passat do tempo, um resultado de soma zeto, dependendo da fixidez de suas maiorias, As coletividades votantes e dispersas so caracte- 316 ATION DACEMOCAC EASTADA rizedas — independente de seu tamanho — pelo fato de um univer- so disperso ser incapaz de interagit ou de admit trocas de votos: cada pessoa que toma decisdes faz uma opgfo disereta, A unidade é claramente residual, embora unificada pelos seguintes tragos: cada participate pode somente votar; seu voto 6 necessatiamente expres- 50 questo por questo; s6 conta se faz parte de uma maioria vence- dora; ¢ os resultados so sempre e necessariaménte de soma zeto, Reformulando o essencial: as coletividades votantes e dispersas no podem negociat, nem fazer deordos. ois pontos precisam ser examinados. Primeiro, o fito de uma ‘colotividade votante e dispersa nao se definir pelos nimetos envolvi- dos néio impliea que os Timiares de tamanho sejam irrelevantes. Na verdade, quando os niimeros nio superam o tamanko de uta assem- bléia, uma coletividade disperse pode se reunir, ao passo que, além do tamanho de uma assembiéia, uma coletividade é necessatiamente dispersa (em termos de suas caracteristicas). O segundo ponto refere- se diferenca entre os dois grandes casos da categoria: eleigdes gerais ¢ referendos. No primeiro caso, os eleitorados em geral escolhem uma ‘pessoa ou partido que passa, por sua vez, ater o dieito de tomar as decisdes por eles, Assim, embora os resultados eleitorais tenham por simesmos some zero, 0 ato de votar é um voto no cargo que se pro- Jeta em processos que podem passar a ter (no petlemento, mas espe- cialmente em seus comités) resultados de soma positiva, Em sintese, to de votar ndo ¢ um ato final, auto-suficiente, Os referendos, 20 invés, sdo finais. Nesse caso, os eleitores em geral no escolhem pes- ‘5023 que vio escolher, mas decidem uma questo e, com: isso, encer- Fam-na. Assim, os referendos tém claramente um resultado de sonta zero e nao podem levar, en sentido algum, a um jogo cooperativor® ‘Como meu principal foco foi na primeira unidade — 0 comité —€ como € raro um sistema de comités ser adequadamente avalia- do, ¢ apropriado tentar essa avaliaco, Ha muito a dizer em favor dos comités. Em primeiro lugar, 86 pequenos grupos face a face, com um cédigo operacional bem estabelecido, mas extremamente flexivel (Compensagses reciprocas podem ser adiadas) permitean uma elabo- ragio de decisdes “penseda” ¢ discutida: Em primeiro jugar, entio, (@) pode-se dizer que os comitts so a unidade otima de formacao das decisbes. Além disso, (b} 0s comitts rifo apenas levam era conta 8 + Una tots do ceroaacls come proces decile 317 2 intensidade desigual das preferéacias, mas usam-ua de forma ofi- ciente. E quando 0s “comités de representantes” se constituem, entio se pode attibuir os seguintes méritos adicionais a um sistema de comités; (c) permitem uma redugdo drastica dos riscos externos (de ‘opressio) sem aumento, ov com um aumento minimo, dos custos ecisbrios (em comparagdo aos custos da assembleia); e (a) produzem resultados de soma positiva para acoletividade em geral(distribuigo ‘entre © demos). Por fim, mas igualmente importante, as minorias substantivas (Stnicas, religiosas ou outras), inexoravelmente derro- tadas quando as decisbes chegam ao voto majoritério, encontram nos comités a situagio onde (¢) suas reivindicagdes mais intensamente ‘referidas tém uma boa probabilidade de obter apravacto, Essa avaliagdo favoravel ndo deve perder os limites de vista. Em esséncia, 0 outro lado da moeda é que os resultados de soma posit ‘va Jevam basicamente a mudaneas incrementaist!, A mudanca répi= da ou decisiva depara-se com alternativas extremas de sim-ou-ndo e, por isso, demanda decisbes de soma zero. E preciso compreender, portanto, que no estou sugerindo que a politica de soma pasitiva deva ter preferéncia, sempre que possivel, sobre a politica de soma zero, Por outro lado, dado que o prinefpio da maioria no pode levar em conta a intensidade desigual das preferéncias individuais, e dada ‘2 extensiio em que essa implementagio 6 perturbada ¢ desviada pelo fator intensidade, segue-se que (a) a8 regras da maioria devem ser ‘empregadas com o claro reconhecimento de suas deficiéncias; e que (8) essas regres so methor empregadas ou por faute de mietex, por falta de algo melhor, ou quando uma alterago dos eventos precisa ser levada a efeito a qualquer eusto, Como parece nao existir un sis- toma étimo de fazer escolhas, o passo seguinte é avaliar em que ponto ‘um excesso da regra de comité, ou um excesso da regra majoritiria, torna-se contraproducente, 8.7 A democracia consociativa Saber onde se encontra o ponto de equilibrio apropriado entre 0s procedimentos decis6rios de soma:positiva e de soma zero € uma questdo dificil de resolver no plano abstrato. E mais facil respond’- esr 318 ATED peMOtAC esa Ja introduzindo em nosso quadro a distingo de Arend Lijphact entre “democracia majoritéria™, por um lado, e“demoeracia eonsociativa”, do outro*. A democracia majoritéria é, segundo Lijphart, apenas um tipo de democracia, a democracia inspirada pelo modelo ‘Westminster; mas hé um outro tipo de democracia, a democracia consociativa, onde a “regra majoriiria é substituida pela regra con- sensual conjunta” ¢ cujos principios de funcionamento (“grandes coalizdes, Veto mittuo, proporeionalidade ¢ autonomia dos segmen- tos) afastam-se claramente do principio majoritirio'. No ha divi- da, a meu ver, de que os “dois modelos” de democracia de Lijphart representam uma contribuicio importante para a teoria emptrica da democracia © que seu argumento em favor do tipo consociativo de democracia é ao mesmo tempo convincente e impecavel em sua afir- ago de que es sociedades segmentadas e profundamente divididas ‘nfo podem bascar-se na regra da maioria; sua opedio & serem demo- ‘racias consociativas, ou nfo serem democracias, Eevidente que minha abordagem da tomada de decisbes core paralela a tose de Lijphart ¢ a reforga. Entretanto, também sugere algumas corregdes @ ela. Mas primeiro tenho de aprescntar meu préprio argumento até o porto em que guarda correspondéncia com 0 de Lijphart, Até agora, falei de minorias intensas em geral, su- gerindo que essas minorias podem ser de fato muito pequenas, pois sua condig&o definidora é a intensidade, ¢ a intensidade somente. A teoria da democracia consociativa refere-se, ao invés, a minorias étni- cas, lingilisticas ¢ religiosas que ndo so apenas minoriss grandes, ‘mas também minorias de elivagem, isto 6, minorias definidas (e man- ‘idas) por uma estrutura particular de clivagens, quais sejem, cli- ‘agers cumulativas, reforcadoras e especificamente “isolantes”™, Essas minorias baseadas em clivagons no atrepalham meu argu- ‘mento, pois representam urn caso especial que deve ser explicado em sua prépria especificidade. As minorias de clivagem nio atrapalham ‘meu argumento porque ainds precisam satisfuzer a condigdo de serem ““intensas” (quando ndo so, constituem apenas uma reconstrugao do observador, sem conseqiiéncias relevantes para o mundo real). A diferenga é, portanto, que as minorias baseadas em cljvagens sto intensas —~ quando o sto — derivadamente, isto & por serem, em primeiro lugar, minorias étnicas, lingiisticas ou religiosas que se 6+ Una ees da donewcie are procasn dato 319 identificam através desses ctitérios e também se percebem como desprivilegiadas ou ameagades na identidade que prezam, Essa dife- renga mostra 2 diferenga ulterior de que as coisas sobre as quais as minories de clivagem sdo intensas so conhecidas de antemio e, a0 ‘menos quanto ao principal, s40 bem determinadas. Notamos ainda que, embore a8 minorias de clivagem sejam freqientemente mino- rias grandes, seu comportamento é muito mais previstvel do que a das pequenas minorias mantidas coesas apenas por sua intensidade, E aqui meu argumento coincide com o de Lijphart. ‘Uma primeira observagio é que eu enfatizaria claramente & natureza de tipo ideal, na verdade, de tipo polar da distingio entre democracia majoritéria e democracia consociativa. Lijphart-salien- ta, ao invés, a natureza empirica ¢ empiricamente construida de seus tipos ¢, ao fazer isso, corre o perigo de exagerar seu argumento, O contraste & exagerado, em primeiro lugar, porque nenhuma demo- cracia do mundo real funciona de acordo com a regra da maioria absoluta. A prética constitucional inglesa (2s convengdes da consti- tuigo) gira em tomo do respeito aos direitos da minoria certamente tanto, ¢ eventualmente mais, que uma série de democracias nfo inspi- radas no modelo Westuninster. Portanto, é preciso afirmar, da maneira mais vigorosa, que equiparar qualquer democracia pura ¢ simples- ‘mente d regra da maioria é apenas uina expressio abreviada ou, onto, lum erro, Se a democracia deve sobreviver como tal, aregra da maio- rin em questo sempre é uma regra de maioria limitada. E minha anilise do cédigo operacional dos comités mostra que a limitagiio da regra majoritéria nfo & apenas um principio mantido pelas con- vengdes da constituigfo, mas também, e em grande parte, um sub- produto do modus decidendi dos comités. Assim, um fato real que, ‘em todas as democracias, a maioria das decisdes nfo sto majoritarias, mas devises de soma zez0. (0 contraste é um pouco exagerado, empiricamente, também na outra extremidade, isto & com respeito a0 tipo de democracia conso- ciativa, Lijphart fala de um “veto mnituo ou minoritario” e afirma que ‘a regra majoritiria ¢ substituida aqui pela regra da minoria negati- va", Essas proposigdes poderiam aplicar-se também ao liberum vvetum praticado pelas Dietas polonesas dos séculos XVI ¢ XVIIL, ¢ que tealmente abusaram dele, E verdade que Lijphart qualifica ime- 320 A TEOMA PEMOCHACIA RIAD iatamente a pritica do veto a que se refere, dizendo que é idéntica 0 prinespio “majoritério concorrente” de Calhoun. Mas, entdo, a for- ‘mulagio de Calhoun — onde o veto é uma implicagéo, nfo o prinei- pio bésico — talvez seja melhor‘, Lijphart também leva seu argu: mento sobre 0 tipo consociativo um pouco longe demais ao afirmar que “a maior velocidade © capacidade decisoria do governo ‘majoritirio so mais aparcntes que reais”, Nesse caso, e concordo realmente que possa ser assim, ou é porque o gover majoritrio no 6 tio majoritrio quanto parece na superficie, ou poraue o consocia- tivismo nfo é tio consociativo, nem tio baseado no veto quanto dizer. Contiquando o argumento cont minhas préprias palavras, eu 0 formularia da seguinte forma: em primeiro lugar, em alguns patses ‘sregras majoritrias podem lidar com a “intensidade”, ao passo que, ‘em outros, as regras decisérias devem submeter-se e adaptar-se as intensidades. Bm segundo lugar, 08 tipos “democracia majoritiria” “democracia consociativa” representam duas formas tipicas de atin- git o equilibrio entre politicas de soma zero e politicas de soma posi ‘iva, Em terceiro lugar, a0 longo de um continuum cujas extremidades polares so “sempre majoritarismo” ¢ “aunce majoritarismo”, & Provavel que as democracias sejam tanto mais majoritarias quanto ‘mais consensuais, homogéneas (culturalmente) e niio-segmentadas (em sua estrutura de clivagons), ¢ tanto menos majorities (isto é, consociativas) quanto menos essas caracteristicas existirem. Formulado de maneira um pouco diferente, embora sempre encon ‘vemos uma mistura de decisées majoritarias e nfo-majoritirias, as roporodes variam, ¢ variam em tesposta a essa regra pritica: quan to maior a presenga de minorias intensas, tanto menos um governo com base em decisbes de soma zero ¢ aconsclhivel e democratica- mente exeqiivel ‘Tudo somado, ¢ para concluir, muitas e até a maioria das decisdes nfo refletem nem a regra majoritéria (mesmo quando os votos so dados e contados), tem a regra da uanimidade (mesmo quando 2s decisdes so undnimes). Essas decisdes ndo constituem realmente aplicagies da regra majoriaria, literal e estritamente com- Preendida porque, diante de oposigao intensa¢ de minorias intensas, as maiorias em geral fezem concessGes, aparam as arestas e impéem, quando o fazem, uma vontade majoritéria “atenuada”, Por outro lado. 2 # Une lato do derocrcio coma proceto daca 321 as decisdes undnimes ou quase undnimes dos comités no resultam de forma alguma da regra da unanimidade, pois o elemento carac- teristico dessa regra, 0 veto, no desempenha papel algum no cédi- {20 operacional das compensagdes reciprocas retardadas. Podemos formular a conclusto da seguinte forma: a varidvel intensidade cria uma grande rea intermedidria na tomada de decisBes, que nto é fortemente ou estritamente majoritéria e, no entanto, nfo se pode dizer que converta a regra da maioria numa regra substantiva da minoria. O que se pode dizer, ao invés, € que quanto maior a incidéa- Gia do fator intensidade, tanto maior o niimero de nfio~decisdes e/ou ‘maior o mimero de decisbes do tipo comité. 8.8 Consideragdes suplementares sobre o custo do idealismo E possivel que se tenha notado que, neste capitulo, no desen- volvi a linha dos capitulos anteriores, qual seja, a contraposigo entre © “ideal” e o “real”, entre democracia prescritiva e democracia des- critiva, Isso porque, neste capitulo, ocupei-me dos mecanismos reais de tomada de decisdo, independentemente dos tragos de personalidade ‘emotivagses — idealistas ou no — das pessods concretas que tomam a decisées. Também me ocupei mais da politica “invisivel” que da “visivel” — ou soja, mais dos atos que das pelavras — e, portanto, presumo, observei mais uma arena onde a retérica da politica conta pouco. E claro que também encontramos idealistas auténticos em torno da mesa de reunido de um comité; mas a maioria dos idealistas, vorbais, os demagogos e populistas que ouvimos nas campanhas cleitorais, tornam-se notavelmente parecidos com homens de negé- ‘cio quando atuam fora do olhar piblico e sob as condigdes de invisi- bilidade dos comités. Assim, quanto mais nos zproximamos da forma ppela qual as decistes reais s40 concretamente tomadas, tanto mais roximos um do outro tornam-se o politico idealist e o realista Seré que o que dissemos acima implica que pretendo conciuir ‘com uma tonica realista? De certa forma, sim, mas por razGes ad hoc. ‘Tendo-me estendido sobre 0 elemento prescritivo e sobre o papel dos 322 ATECHA De CEMA FEASTAD ideais, tanto quanto sobre a compreensio realista da democracia, no fim dessa viagem cabe-me avaliar se a tcoria corrente da democra- cia sofre mais de defeitos e negligéncias idealistas ou realistas, ‘0 estado de espirito predominante das décadas de 60 € 70 foi captado, acredito eu, por um texto intitulado The cast of reatismt (0 custo do realismo]. Na verdade, o titulo diz tudo: passa a men- sagem de que nossa teoria da democracia sofre de uma dose exage- rada de réalismo e, portanto, de falta de idealismo, Como diz o autor concisamente, “o custo do realismo foi o abandono pritico daquilo que foi a fungi moral caracteristica da politica e do governo democréticos”*. Gostaria de discutir primeiro a entrada da morali- dade na questo e, depois, fazer a seguinte pergunts: qual 6 0 custo do ideatismo? ‘Uma questio de esclarecimento: & preciso compreender muito bbem que normas, prescrig6ese ideais nfo precisam pertencer ao reino da ética, nem coincidir com ele. Os ideais morais sfio um subcon- junto, e um subconjumo muito especifico, dos ideais om geral. ‘Também € desnecessario associar “democracia cléssica” com obje- tivos morais. A democracia clissica em pauta ¢ apenas a democra- cia grega; ¢ como os gregos antigos ainda nfo tinham separado a ética a politica, da religido, da economia, etc., qualificar a democracia dos antigos como uma sociedade politica moralmente ordenada pode ser algo desorientador. Em terceito lugar, somos levados'a nos pet- ‘guntar também se os democratas que falam de uma “fungi moral” do governo, ou da politica, entendem toda a implicagio dessa posigdo. Foram precisos softimentos ¢ matancas infindaveis para estabelecer a separaco entre o reino de Deus eo reino de César; uma separagiio que também implica que 0 reino da ética nfo € o reino da politica e, concretamente, que a perseguigo, a tortura © 0 assassi- nato politicos ndo podem ser legitimados nem redimidos pelos obje- tivos morais. Assim, introduzir a moratidade na politica é como brin- cat com fogo como bem redescobrimos desde que Hege! teorizou sobre um “ethos politico”, Sitlichkeit. Tanto o fascismo quanto 0 nazismo acharam o Sitlichkeit hegeliano extremamenté conveniente; © quando os totalitarismos marxistas reivindicaram para si a missto de criar um novo homem, o “homem bom”, fosse qual fosse o custo, 8.+ Une varie du denoctoca como proceso deciria 323 sua fonte néo é a ética de Kant, mas o estado ético de Hegel. Deus nos livre, entio, das fungBes morais do governo. E claro que a democracia tem, ou deve ter, fundamenios morais. ‘Mas quando a questio ¢ formulada dessa forma, é uma questio inteiramente diferentes. E 0 fato desses fundamentos terem se tor- nado cada vez mais'frégeis nfo & culpa do realista, Infelizmeate, “perda da ética” reflete uma tendéncia histérica de longa data © que as geragées atuais simplesmente herdaram. Os fundamentos morais de qualquer sociedade politica livre estio relacionados com 0 senso do dever, com a compreensiio de que os direitos envolvem obrigacBes ‘¢ que ha um valor e uma gratificago em fazer as coisas “por nada”, gratuitamente, Nao existe algo como um almogo gratis, mes existe ‘um dar livremente, um agit amore Dei. Mas o senso do dever, o fazer «em troca de nada ¢ coisas do género, foram solapados ha muito tempo por uma visio economicista da politica, E se o argumento ¢ esse, entdo concordo de fato com a visdo de que a crise atual da democracia &, em sua maior parte, uma crise de fundamentos éticos. Gostaria, pottanto, que ndo houvesse mal-entendidos sobre minha posi¢fo na questio do relacionamento entre politica e ética. ‘Como estava dizendo, quando falamos do aspecto normativo da politica, nio estamos necessariamente felando de presctiges morais. ‘Como nem todas as normas so normas éticas, usar a forma deve 80 ‘nos coloca automaticamente na esfera da ética. Mas é claro que a Hinha divisévia entre a politica ¢ a ética depende muito de como defi- nimos moralidade. Para defini-la, é melhor deixar de lado expresses lingOisticas como “moralidade politica”, moralidade social, ética pro- fissional e coisas do género. Como jé expliquei minha aversdo pelo Sittlichkeit hegeliano (embore no culpe Hegel pelo mal uso e pelas conseqiiéncias involuntirias de sua filosofia moral), ficemos, e1m esséncia, coma ética de Kant — ¢ gostaria realmente de ttagar a linka divis6ria entre politica ¢ ética com base nos critérios de Kant: 0 reino da moralidade é o reino das “ages desinteressadas”*', No entanto, & a distingdo de Weber entre Gesinnungesethik e Verantwortungsethik, entre prinefpios éticos seguidos independentemente das conseqiiéa- cias e, inversamente, uma ética responsdvel pelas conseqiiéncias®, que melhor mostra 0 ponto em que a ética e a politica se separam. Kant nos deixa com uma questio espinhosa: devemos dizer a verdade 324 KORA Dk CEMOCIACA FERSTADE 1 um moribundo? Segundo os critérios de Weber, a resposia Gesinnungescthik & que devemos sim, enquanto a resposta Verantwortangsethik & que podemos nio dizer. Segundo a opiniéo sgeral, quando afirmo que os critérios de Weber separam bem a ética a politica, estou forgando © sentido literal do que Weber disse (embora nfo tanto espitito do que dizia), pois ele falava de dois tipos de “moralidade”, Estou sugerindo, ao invés, que existe apenas uma ética, apenas a Gesinnungesethik. Quando nos deparamos com a Feruntwortung, isto ¢, com a tesponsabilidade pelas conseqiéncias, centramios numa outra esfera, onde termos de lidar com o problema dos meios e com a forma de comportamento que devemos adotar como anizuais politicos, e nfo exclusivamente como animais morais, como individuos que vivem numa polis e ndo unicamente para si mesmos. Portanto, em termos Kantianos-weberianos, & muito claro que nossas democracias softem da falta de uma base moral ¢ estio de fato em “crise moral”S, De todos 0s lados se ouve dizer a0 cidadtio. das democracias atuais que ele deve ser “racional”, querendo dizer com isso que ele deve entender e calcular racionalmente seu préprio interesse e que seu comportamento politico, se for racional, deve ser exatamente igual a seu comportamento econdmico individual. Serd que uma pessoa realmente preocupada com ética pode aceitar isso? que uma imagem de homem que 0 desereve — ndo de fato, mas normativamente — como egoista ¢ ao mesmo tempo calculista tem 4 ver com ética? Encerro a questi observando que ela no parece preocupar os idealistas e “avatiadores” (os propositores da ciéncia politica avaliativa) de hoje mais que os realistas. Nao estou ques- tionando sua boa-fé quando afirmam ter preocupagdes étivas; mas persiste a questdo: em que ética se basela essa afirmagdo?® De qual- quer modo, aqui a questio é saber se linha “idealista” da politica pode contar entre seus méritos 0 de tentar seriamente restaurar fun- damentos éticos dignos do nome. Segundo minka forma de ver, esse seria realmente um grande mérito; mas ndlo pode ser-Ihe atribuido. Por isso, se & justo perguntar qual é 0 custo do realismo, é igual- mente justo perguntar, simetticamente, qual ¢ o custo do idealismo. ‘Embora tenha feito esses perguntas o tempo todo, ed vérias angu- los, proponho agora fazer uma sintese com base no quadro analiti- co de referéncias empregado neste capitulo. Com essa base, as 8+ Une tere da dances como roceto deco 325 tendéncias que considerarie caracteristicas de nosso tempo podem ser classificadas da seguinte maneita: 1. Uma negligéncia inteiramente injustificada ¢ realmente pe~ rigosa do problema dos riscos externos. 2. Uma percepgiio muito pouco clara dos limiares de zamanho ‘que afetam tanto os custos da tomada de decisto quanto a passagem da regra do comité (por assim dizer) para a regra majoritéria, 3. Enfase na politica mais visivel, em contraposicao a suas areas: de menor visibilidade, sem uma compreensio clara do que esté em Jogo. 4, Uma hipertrofia das arenas que so invadidas pela politica , segundo, polittzadas. ‘5. Finalmente, um primitivismo democritico muito ingémuo que ‘coloca a democracia direta e participativa em contraposigdo ao con- trole € & representagio. E facil entender que as daas primeiras oriticas se referem a questées que devem ser tratadas pela teorie realista de democracia, isto é, pela teoria descritiva, A falta de atengio adequada aos riscos extemos € bem ifustrada pola decadéncia do constitucionalismo _garantiste (prototot) diante do crescimento exponencial do potencial de poder, O ataque comportamentaliste a0 institucionalismo ¢ a0 chamado formalismo foi longe demais, Podemos nos perguntar sobre quio efetivas as constituigdes podem ser — mas é melhor ter uma ‘boa constituigao que uma ruim, ¢ ouso acrescentar que prefiro ter a bp wots eect at a se LS ra te mire ee ‘Slt! Bon Chae a ae 3 Ver, contra, Buchanan ¢ Tullocok: “O proceso de ajude mina entre politicos (seasons hn tie Soar tttartnlinranaeens ain oe _ entire elated ome Sri asses ee rec ao crn ncn Seta ent fescer le etc sre = neta Nao posto cntrar na tipologia dos referendos ¢ menos ainda na sua stuagiia real. ‘Yer, quanto a esta titims, D. Butler ¢ A. Renney, eds., Referendums: a com. froheru opm ia anaes et he ar eb 2. rr apresentada no capitulo 5, seo 7. " we ‘ + Sitemcng stn nea ca a pe ie fee: ‘nua uma analisc clissica, Ror York ee es, 1969, cont 42 Ver A. Lijphart, The poltics of accommodation: pluralis ete nf ences the Netherlands (1968; 2. ed, Berkeley, University of California Press, 1575} . opel emia nem ee said ne eee saa eee, Ba ap eri aloe 335 8 + Une tec da democacia come process deco 1984), Lijphart muda “emocreciaconsciativa" para “dmoeracas onsen __ ‘suis io von adotar eva nove expresso, poreue pode transits, sinéa que inadve@tiamente, ain de que o modelo mejortéro de Westminster nfo se tseia no congenso, Ver tmbém rice da rege majoriria fie por olingoc, Conlit regulation in divided sciets. 4 Liphart, “Majocity role versus democracy in deeply divided societies”, alton, dezambrs de 1977p. L18, Bs ago sitctiza bem se arguments. 4 © “insulamento” caructeristico é, a meu ver, muito importante para a teoria da

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